Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 35: Minha melhor amiga é uma rastreadora!

Acordei disposto e com o Billy lambendo o meu rosto. Era sexta-feira, o dia do nosso segundo jogo do torneio intersalas de futebol.

Estranhei quando não vi a minha mãe ou a Bruna na cozinha. Comi alguns biscoitos que encontrei no armário, ajeitei a minha mochila e dirigi-me à escola. Lá eu encontrei o mesmo pessoal de sempre: o Natsuno, o Pedro, o Riku, o Jhou, o Kai e, infelizmente, o Shin.

Depois de vários dias ausente, ele voltou a aparecer na escola, com o mesmo olhar que me deixava irritado, aparentemente querendo que eu explodisse de raiva. Eu tentava me segurar, eu juro, mas a forma como ele olhava para a Sophia não me agradava.

Shin era um babaca.

— Eu estou muito animado, caras — disse Natsuno, já na sala.

— Quem não está? — brinquei.

— Ele — respondeu Pedro, apontando para o Kai, que se sentava isolado de outros alunos, apenas mexendo em seu celular.

Senti uma certa tristeza.

Kai estava no time graças a mim. No dia em que os garotos da sala estavam montando o time, eles precisavam de mais um para os treinos coletivos — e o único que não tinha grupo era o Kai. Como ninguém queria aceitá-lo, eu fiz questão de defendê-lo e acabei por convencer Marcelo a deixá-lo entrar na equipe. Mas começava a me perguntar se fora uma boa ideia.

O garoto solitário até que tinha alguns amigos nerds, mas ele só os via no intervalo. Eu queria que ele entrasse no time para, pelo menos, fazer alguns amigos, pegar alguma amizade com os garotos da nossa sala, só não imaginei que seria tão difícil. Até o chamei para se sentar perto do nosso grupo, mas ele recusou. Não que ele fosse antissocial; acontece que Kai era meio tímido e atrapalhado, e desde que entrou no time, nem sequer relou na bola.

Voltei à realidade quando Natsuno me deu um cutucão, apontando para uma coisa que eu não gostei de ver:

— Oi, gatinha — disse Shin com um sorriso sarcástico. O único problema era que ele estava falando com a Sophia, que estava sentada em seu lugar.

Ela o ignorou, mas ele insistiu:

— Tudo bem com você? — Ele estava próximo demais de uma Sophia que parecia querer evitá-lo.

— Dá licença, por favor? — pediu ela com uma “gentileza ameaçadora”.

Shin deu um sorriso sarcástico.

— Por que não quer falar comigo?

Sophia parecia irritada. Não precisava ser gênio para perceber que ela não o queria por perto, por isso eu caminhei para tirá-lo de lá, nem que fosse à força. Pedro até me chamou, mas eu ignorei — no entanto, antes que eu pudesse chegar até aquele coreano filho da mãe, o professor de História entrou na sala, mandando todos os alunos irem aos seus respectivos lugares.

Suspirei.

— Parece que ele quer roubar a sua namorada — sussurrou Natsuno enquanto eu voltava à minha carteira.

— Nunca vou deixar — afirmei, olhando para o coreano do moicano vermelho. Ele também retornou à sua carteira, a última da fileira da porta.

Ele sorriu mais uma vez, alterando seus olhos de castanho para amarelo por um instante, como se quisesse me provocar.

 

As aulas passaram muito rápido. Quando chegou a última, o time da minha sala desceu ao ginásio da escola, ao nordeste do bosque, para nos trocar no vestiário e irmos ao campo para a partida.

Enquanto vestíamos o uniforme vermelho, o treinador Rubens Almeida apareceu, durão como sempre:

— Hoje eu quero ver o melhor de vocês! Não podemos sequer empatar o jogo. O time adversário é muito agressivo, por isso quero que vocês cavem o máximo de faltas possíveis perto da grande área.

Cavar significa fazer um jogador adversário cometer uma falta.

— Entendido — falaram alguns garotos em uníssono.

— Repetirei o mesmo time do jogo anterior. — Ele olhou para Marcelo. — Quero que você jogue com o time. Você é muito bom em dar passes, portanto faça o possível para deixar seus companheiros na cara do gol.

— Ok — sorriu o camisa 10, determinado.

O treinador olhou para Natsuno e Riku:

— Vocês dois jogam bem no ataque, mas se trabalharem mais juntos, com certeza sairá mais gols.

— Sim, senhor! — Natsuno gritou batendo continência, com uma postura igual a de um soldado do exército; alguns garotos riram da brincadeira.

Por fim, Rubens Almeida olhou para mim:

— E você será a nossa arma secreta do segundo tempo. — Meu coração disparou. — Quando entrar, quero ver raça e determinação. E dribles também.

Sorri, grato pelas palavras. Ao dizer aquilo, o treinador me deixou bastante confiante quanto ao jogo, e isso era um bom sinal.

Depois de falar algumas estratégias, atravessamos o bosque e nos dirigimos ao campo, onde o time adversário já se aquecia. Eles não eram grandes como os jogadores do 3º A, mas só olhando suas feições dava para perceber que eles eram garotos maliciosos e malandros, pelo menos a maioria. O uniforme deles era listrado verticalmente entre verde escuro e branco, com os shorts pretos; o do goleiro era cinza.

Após alguns minutos, o jogo começou.

Foi um jogo bem corrido, no qual o nosso time atacava enquanto o outro cometia muitas faltas. Sempre era o Marcelo quem as cobrava, lançando bolas aéreas para a área do inimigo, e foi assim que saiu o primeiro gol. Foi Carlos quem fez, o que me deixou mais feliz que o normal.

Carlos, antes do campeonato começar, era reserva do time da nossa sala. Mas graças ao primeiro coletivo que tivemos — no qual o time titular enfrentou o time reserva —, ele se destacou. Agora ele era o responsável pela vitória parcial.

O jogo ia rolando, até que Otávio foi atingido pela perna de um dos jogadores do time adversário, tendo que sair do jogo. O treinador colocou Luan — irmão gêmeo do goleiro Lucas — em seu lugar, fazendo o time ficar um pouco mais lento, porém melhorando na troca de passes. No primeiro tempo, o adversário deu apenas um chute ao gol, defendido pelo nosso goleiro tranquilamente.

No último minuto, Natsuno recebeu a bola na grande área, fintou um dos zagueiros e chutou forte no canto. Dois a zero.

O árbitro apitou o final da primeira etapa e todos se reuniram no banco de reservas.

Depois de o treinador substituir o meio-campo Carlos por Vinícius e o zagueiro Nícolas por Mike, o segundo tempo começou.

O jogo continuou no mesmo ritmo, sempre com o nosso time ofensivo e muito veloz, até que Marcelo sofreu uma falta dura na entrada da área. Ele ficou no chão gemendo de dor e, embora tivesse se levantado rápido, notei que continuou murmurando.

Riku bateu a falta com perfeição e fez o terceiro gol. Todos olhamos para ele com surpresa. Riku, por outro lado, apenas caminhou até o nosso campo e manteve-se discreto.

O jogo recomeçou e o time adversário ficou ainda mais agressivo. Todos os jogadores inimigos estavam furiosos e, como consequência, descontavam no nosso time. Aos poucos meus companheiros iam sofrendo os ataques, visto que apenas Riku, Natsuno e Pedro conseguiam se salvar devido às suas agilidades anormais. Ainda assim os adversários continuavam violentos, até que o treinador foi obrigado a tirar o lateral direito Anderson para a entrada de Igor, depois ele tirou o Natsuno para entrar o Samuel. 

Percebi que Marcelo mancava ligeiramente, por isso fiquei preocupado. Até que, quando ele pegou a bola, recebeu um carrinho muito forte e ficou caído gritando de dor com a mão na perna direita. O jogador que cometera a falta foi expulso, enquanto a equipe médica do campeonato entrava no campo para ajudar o camisa 10.

Colocaram-no numa maca, deixando todo o time preocupado.

Os médicos o tiraram do campo e iniciaram uma análise. Corri até eles, e perguntei ao Marcelo:

— Você vai ficar bem?

— Espero que sim. — Ele sorriu com certo esforço; apesar de Marcelo ser meio arrogante, eu sabia que ele era gente boa.

— Diogo! — chamou Rubens, do banco de reservas; caminhei até ele desajeitado. A ansiedade tomava conta de mim. — Você já sabe o que fazer.

Fiz que sim prontamente; enfim eu jogaria.

Entrei no jogo e consegui me destacar. Recebi vários passes e percebi que todos confiavam em mim, o que me deu mais ânimo para jogar. Primeiro, dei um passe que deixou o Riku frente ao goleiro. Ele chutou por cobertura fazendo quatro a zero para o nosso time. Depois marquei um gol driblando três marcadores e driblando o goleiro!

A alegria tomou conta de mim, uma vez que eu estava ajudando os meus companheiros. Ainda marquei mais um, de longe. Chutei no cantinho rasteiro, um chute impossível de ser defendido pelo goleiro.

E acabou o jogo.

Seis a zero.

Todos comemoraram bastante aquela vitória, mas então descobrimos — da boca de Rubens — que esse time que tínhamos acabado de enfrentar tinha levado uma goleada de onze a zero no jogo anterior.

Quando perguntei por Marcelo, o treinador informou que ele fora levado ao Hospital Geral Independência, que era o mais próximo da escola. Todos ficamos preocupados, mas não podíamos fazer nada. Tomei uma ducha e me despedi dos meus amigos. Grande parte dos jogadores titulares sentia dores nas pernas devido às faltas duras que sofreram do time adversário.

 

Eu cheguei em casa e encontrei a porta do portão trancada, o que já era estranho. Eu sempre carregava uma chave reserva comigo, mas como o meu tio estava passando uns dias com a gente, eu a emprestei para ele. Então... fiquei do lado de fora.

“Pra onde foi todo mundo?” Foi a pergunta que se formou na minha cabeça.

Esperei por cerca de meia hora até o meu tio aparecer e quando apareceu, ele perguntou:

— Está fazendo o que aí sentado?

— Vocês saíram e me deixaram do lado de fora — respondi, ficando de pé, surpreso por ele estar sozinho.

Tio Michael abriu o portão e encontramos a casa escura. Eu subi ao meu quarto e troquei de roupa, cansado por conta do jogo. Havíamos vencido, e eu me sentia cada vez mais feliz na escola — embora não tivesse me resolvido com a Sophia ainda.

— Tio, cadê todo mundo? — perguntei, descendo a escada. E o rosto preocupado dele fez com que eu tivesse um mal pressentimento.

— Eu pensei que você soubesse — disse ele, levantando-se do sofá.

— Eu? Não... A minha mãe nem mesmo fez o café da manhã.

— Eu acordei e também não vi a Bruna. — Ele mostrou-se pensativo, provavelmente tentando imaginar aonde elas poderiam ter ido. — Ou as duas saíram logo cedo, ou então…

O olhar que ele me lançou fez todos os meus cabelos se eriçarem.

— Diga que você está brincando — supliquei. O desespero tomava conta do meu corpo. Desde a invasão do diretor da minha escola ao meu quarto, qualquer coisa estranha poderia significar o envolvimento de vampiros.

— Ai caramba — disse Michael, puxando seu celular de um dos bolsos. Ele discou um número e colocou o aparelho no ouvido. — Essas duas têm que estar juntas. E bem.

Eu esperava o mesmo. De repente, uma música começou a tocar ao longe, no andar de cima. Juntos, meu tio e eu corremos pela escada e mergulhamos no quarto de hóspedes onde ele e sua noiva estavam hospedados. Um segundo celular tocava e vibrava em cima do colchão de casal.

— O celular da Bruna — disse ele. — Você sabe o número da sua mãe?

— Ela não tem celular — falei ainda mais preocupado.

— Acho melhor ligarmos para o seu pai...

De repente, a campainha soou. Tio Michael e eu trocamos um olhar que significou inúmeras coisas — surpresa, medo, preocupação, ansiedade — e corremos lá para baixo. Ao abrir o portão...

— Oi — a Zoe disse sem jeito e imediatamente minhas bochechas queimaram como nunca.

— Z-Zoe — eu disse envergonhado. Feliz por vê-la e, ao mesmo tempo, desconfortável pelo último ocorrido (o beijo). — Como vai?

— Eu vou bem — disse ela abrindo um sorriso amigável. — Bem, mas eu não vim aqui pra isso. Eu vi você do lado de fora, e a minha mãe disse que a sua mãe não apareceu no parque hoje cedo. Elas tinham combinado de fazer uma caminhada juntas.

— É, ela não está em casa — tentei me mostrar calmo para que ela não ficasse preocupada como eu estava. — Ela... saiu.

— Você está preocupado — observou ela. — Aconteceu alguma coisa?

— A Sara e a Bruna estão sumidas — meu tio entrou na conversa, mais sério que o normal. — Você tem alguma forma de nos ajudar?

Ele soou tão direto que eu o encarei com espanto. Mas a forma como a Zoe respondeu me surpreendeu mais ainda:

— Posso sim. E acho que chegou a hora de eu me revelar pra você, Diogo.

Meus olhos voltaram-se para ela, e a julgar pela sua seriedade, percebi que ela estava sendo sincera. Milhões de coisas passaram pela minha cabeça.

— O que você quer dizer? — perguntei.

Zoe olhou em torno e então me dei conta de que ainda estávamos no portão, então a convidei para entrar, entramos em casa e me sentei no sofá com o coração acelerado. Tio Michael sentou-se ao meu lado no sofá maior e a garota ficou sozinha no menor, um pouco sem graça, pois nós dois a encarávamos esperando por alguma resposta. Ela respirou fundo.

— Eu vou tentar rastrear a sua mãe. E para isso eu vou usar o meu poder.

Se eu estava sonhando ou não, era difícil saber, mas aquilo soava real demais para não ser a realidade.

— Poder? — repeti, olhando para o meu tio que sequer demonstrava alguma surpresa. — Espere um pouco — eu disse olhando para a Zoe, encarando seus olhos esverdeados com um súbito pavor. — Zoe, você está dizendo que... — Eu não consegui completar.

Ela assentiu e disse:

— Assim como o seu tio, eu sou uma mística, e vou tentar ajudar vocês com o meu poder. Eu posso rastrear qualquer pessoa no mundo apenas imaginando o rosto dela. Só um momento.

Antes que eu pudesse fazer mais perguntas, ela fechou os olhos e se concentrou. Linda como sempre, Zoe vestia uma camisa simples de cor verde-limão e saia branca. As roupas combinavam perfeitamente com o seu corpo e a cor de sua pele bronzeada e macia que, por sua vez, harmonizava com os seus cabelos castanhos e ondulados. Neste momento, uma aura começou a emanar de seu corpo contornando-a e brilhando com intensidade, um verde-esmeralda da cor de seus olhos.

Parecia que o fôlego havia fugido do meu peito observando a incrível imagem. Com tamanho deslumbre, a Zoe parecia um ser divino, ainda de olhos fechados, fazendo uma expressão de quem fazia um duro esforço. Ao contrário de mim, meu tio não parecia surpreso, apenas de olhos atentos e ainda preocupados.

— As duas estão juntas — disse Zoe, abrindo os olhos esverdeados que substituíam os dois globos brancos, cintilando incessantemente a ponto de me provocar calafrios. Aos poucos eles se apagaram e as íris esverdeadas voltaram ao normal. Ela disse, sorrindo: — Elas estão bem, não há com o que se preocupar.

— E onde estão? — quis saber Michael.

Zoe apontou para a porta, e ela se abriu. A princípio, fiquei apavorado pensando que ela havia obtido a façanha com a força do pensamento ou algo do tipo, mas então percebi que era minha mãe e a Bruna, que logo estranharam a pequena reunião na sala.

— Aí estão elas — disse Zoe.

— Oi — disse a minha mãe, seus olhos negros viajando entre mim, o meu tio e a garota. — Hã, aconteceu alguma coisa?

Tio Michael e eu nos levantamos irritados. Bruna e Sara se entreolharam, e tiveram que explicar onde estavam e por que não haviam avisado que tinham saído. No final, foi tudo por causa de um presente surpresa que as duas compraram para o meu tio, um perfume e uma camisa nova; era o aniversário dele.

— Eu não me lembrava que hoje estava ficando um pouquinho mais velho — disse ele, pensativo. — Onde é que eu estava com a cabeça? — E começou a rir.

De qualquer forma, eu estava muito aliviado. Pelo menos elas não haviam sido sequestradas ou algo do tipo — e isso me dava uma ideia de o quanto a minha mãe ficava preocupada quando eu ia caçar.

— Bom, eu já vou indo — disse Zoe, despedindo-se com um aceno. — E feliz aniversário — disse ao meu tio, carismática como sempre.

— Fique para o almoço, Zoe — convidou minha mãe.

— Eu já almocei — disse ela sorrindo. E quando estava saindo, decidi ir falar com ela, correndo sob o olhar da minha mãe e dos meus tios. Alcancei a Zoe ainda na calçada e a chamei:

— Ei, Zoe, espera um pouco.

— Sim? — Ela parou, olhando para mim com seus lindos olhos esmeralda.

— Será que... podemos conversar?

De início insegura, ela acabou assentindo, e nos dirigimos ao parque perto de casa, para uma melhor privacidade.

A praça estava pouco movimentada e os garotos jogavam bola na quadra. O sol raiava e as crianças faziam barulho na ala dos brinquedos. Zoe e eu nos sentamos no mesmo banco de sempre, e fui logo dizendo, sem delongas:

— Desculpa pelo ocorrido. Eu não devia... você sabe. Quero te pedir perdão, Zoe.

“Não só pelo beijo, como também por não ter sido homem o bastante para ter lhe procurado antes para me desculpar”. Era o que eu queria dizer, mas não tive coragem para dizer essas coisas, afinal, eu estava mesmo me sentindo envergonhado.

— Não foi culpa sua, Diogo — disse ela calma. — Sabe, não foi só você que beijou. Pra falar a verdade, eu nunca vi um beijo de uma pessoa só. Nos beijamos e ponto. Não podemos evitar isso. Não sei se foi um erro meu ou seu, ou de nós dois, mas aconteceu, e não podemos voltar atrás.

Eu não conseguia pensar daquela forma, pois eu sentia que tinha me aproveitado dela, já que a Zoe tinha sentimentos por mim. E mais uma vez eu estava surpreso pela sua gentileza e compreensão. Ela não aparentava ter mágoas de mim, embora eu soubesse que isso não a impedia de estar sofrendo por dentro.

— Obrigado — falei, afinal.

— Por quê?

— Por tudo! Você é uma pessoa que me faz sentir muito bem, de verdade. Eu queria te agradecer por isso. Obrigado, Zoe.

Ela sorriu. Olhou para o céu por alguns instantes e disse:

— Ela realmente é linda. Você tem bom gosto.

Eu fiquei sem saber o que dizer. Zoe e Sophia haviam se visto pela primeira vez e da pior maneira possível. Eu ainda esquentava a cabeça só de pensar no que acontecera. Se eu pudesse voltar no tempo...

Então lembrei da aura, a Zoe usando um poder que eu nunca suspeitei que ela tinha. Voltei meus olhos para ela e era difícil acreditar que uma simples garota... podia rastrear pessoas. Seus olhos brilhando nunca sairiam da minha cabeça, mais marcantes até que a aparência do diretor da escola — no bom sentido, claro.

— Uma mística — eu disse, esperando que ela me explicasse melhor aquela história.

— Ah sim. Eu acho que deveria ter contado antes, só não sabia como. E você também poderia ter dito que era um caçador de vampiros, não acha?

Por um momento eu senti o suor escorrendo pelo meu rosto. Me perguntei como ela sabia.

— Como você sabe? — perguntei.

— Seus olhos — riu ela, se divertindo, me fitando com um ar de ironia. — Eu soube desde a primeira vez que te vi.

Eu me senti vulnerável. Parecia que todos percebiam que eu era caçador, até mesmo os vampiros.

— Hã, certo — falei coçando a cabeça. — E... você andava me vigiando por causa disso?

— Claro que não! — Zoe pareceu ofendida. No mesmo instante eu me senti arrependido pelas palavras.

— Desculpa, eu não quis dizer isso...

— Bom, mas eu confesso que rastreei você por esses dias. Mas foi uma única vez — disse ela rapidamente, percebendo o meu olhar. — Você nunca mais tinha aparecido — explicou preocupada. — Pensei que tinha acontecido alguma coisa.

— Hum — falei, pensativo. — E desde quando, Zoe, você, hã, sabe sobre os seus poderes?

— Sempre soube. Eu ainda estou aprendendo a controlá-lo, porque antes eu rastreava as pessoas sem controlar e acabava assustando aqueles que estavam à minha volta. Você viu como eu fico.

— Brilhando — falei.

— Isso mesmo. E isso fez com que muita gente me odiasse. Foi por isso que... minha mãe e eu viemos para Honorário. — Sua voz fraquejou, indicando que sua história não era muito agradável.

— Caramba. E como sua mãe reagiu a isso? Digo, ao seu poder.

— No começo ela pensou que teria que me internar. Pensou que eu estava… louca. Mas então encontramos um rapaz que nos explicou sobre a minha origem, e isso meio que a acalmou.

— Entendi.

— E eu sei que o seu tio também é um místico. Ele mostrou os olhos verdes dele na primeira vez em que nos vimos.

— Ou seja — eu disse, agora um pouco indignado —, ele sempre soube sobre você. 

— Sempre.

— Deixa aquele filho da mãe comigo.

Zoe riu com divertimento. Era bom estar ao lado dela. Tudo parecia mais vivo, mais tranquilo. Era como se eu não precisasse me preocupar com problemas. Zoe tinha esse dom, de me fazer esquecer as coisas que estressavam.

— E qual é o poder dele? — ela quis saber.

— O tio Michael? Ah, ele se transforma num tigre.

— Num tigre? — Zoe estranhou.

— Sim. Não totalmente, mas fica muito parecido. Ele também fica bastante ágil e veloz. E forte também.

— Nossa, já até imagino. — Ela ficou pensativa. — Sabe, eu tenho um amigo da minha sala que também é um místico. Ele fica invisível.

Dessa vez, foi inevitável não ficar surpreso. Ficar invisível já era muita apelação.

— O único problema — inseriu ela — é que ele cansa muito rápido. O Guga treina muito, mas ainda não domina seu poder com perfeição.

— Entendo.

— Eu só achei estranho o fato de o seu tio ter olhos castanhos. — Ela mantinha-se pensativa.

— Como assim? — perguntei franzindo o cenho.

— A marca dos caçadores são os olhos amarelos, não é? — perguntou Zoe. Eu fiz que sim, lembrando dos meus amigos (Riku e Natsuno) e do otário do Shin. — A marca dos místicos são os olhos verdes. Por isso os meus são dessa cor. Os do Guga também. Já os do seu tio...

— Isso é porque eu sou um místico que possui um Modo Ataque — disse Michael, surgindo de algum lugar. Ele tinha algo em mãos, uma espécie de faixa vermelha. — Meus olhos ficam verdes só quando eu me transformo ou quando eu quero.

— Obrigado por ter me contado sobre a Zoe, tio — reclamei, ficando de pé.

— Ah, sobre isso, não era eu quem deveria falar sobre ela — disse ele dando um risinho sem jeito. — Eu precisava respeitá-la. Afinal, vocês são amigos, não são?

Eu olhei para a Zoe, lembrando de todas as vezes que a tinha magoado. Aquilo ainda me deixava mal, mesmo ela fazendo de tudo para que eu me sentisse bem. Ela sorriu e disse:

— Com certeza.

Eu retribuí com um sorriso. Era difícil acreditar que havia uma pessoa tão meiga e generosa quanto a Zoe. Por fim, também falei:

— É, você está certo. Somos grandes amigos — enfatizei. Olhei para a faixa vermelha em suas mãos e decidi perguntar: — O que é isso?

— Ah, isso? Como hoje é o meu aniversário de trinta e... alguns anos — ele omitiu, mas eu sabia que ele diria “oito” — o seu pai escolheu a mim para presentear você com isso aqui.

— Hilário — eu disse, porque já era a segunda vez que meu pai me presenteava dentro de um mês. — E... por que eu iria querer uma faixa? — perguntei enquanto ele a entregava para mim.

— Essa bandana já pertenceu ao seu avô, Alessandro Kido, que passou para o seu pai. Ele usava em todas as suas aventuras, assim como o seu avô, quando este ainda era jovem. Enfim, é isso. — Ouvindo aquilo, era como se a faixa ganhasse vários quilos extras, e a olhei com uma grande curiosidade. — Faz anos que o seu pai não a usa, e ele achou conveniente passar pra você, já que você está começando nessa vida maluca. Afinal, você também é um Kido. Amarre-a na testa.

Fiz o que ele pediu. Apesar de um pouco desgastada, a bandana era macia e estava limpa. A amarrei na testa e me senti orgulhoso, mais confiante, e perguntei (porque, bem, eu não podia olhar para a própria testa):

— E aí, como fiquei?

— Combinou com você. — Zoe aprovou com um sorriso.

— Nada mal — disse o meu tio. — Agora só falta você deixar de ser um aprendiz e um fracote, aí vai poder dar orgulho ao seu pai.

Segurando as pontas da bandana atrás da minha cabeça e apertando o nó, eu prometi a mim mesmo que iria honrar o meu clã dando o meu máximo, assim como o meu avô e o meu pai honraram, e faria de tudo para proteger as pessoas que eu amava — a minha mãe, os meus tios e os meus novos amigos. Eu honraria o título de caçador de vampiros.

E nada me faria mudar de ideia.


Nota do autor:

Abaixo, está uma fanart da Zoe feita por uma leitora que foi crucial na minha caminhada como escritor de Caçador Herdeiro.

Caçador Herdeiro está no Wattpad desde 2014, mas passei por momentos complicados que quase me fizeram desistir de continuar com a história. Em meados de 2015, quando postava o livro 3, houve um hiato de meses em que eu não conseguia sentar na frente do computador para produzir, no entanto, com muita motivação de alguns leitores (Samara, autora da fanart, estava entre eles), acabei retornando e hoje a saga já possui cinco livros completos.

Posso citar outros leitores importantes também, mas se começar a mencionar seus nomes, vou acabar esquecendo de alguém, então prefiro não arriscar, rs.

Enfim, obrigado, Sam. Por mais que hoje em dia você nem acompanhe a história, saiba que você foi uma das responsáveis por CH ter chegado até aqui. Devo muito a você!

Ps.: Caçador Herdeiro possui um blog com alguns conteúdos informativos/interessantes, e grande parte das "publicações de entretenimento" foram feitas por ela. Além de ser uma ótima amiga, Samara possui uma imaginação surpreendente. O blog está meio abandonado no momento, mas deixarei o link aqui para quem quiser conferir, só não reparem na bagunça.

 

 



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