Volume 1
Capítulo 7: Última chance
Os passos deixavam pegadas enormes na neve, um pouco maior que uma cabeça humana. Rastros de um enorme javali, na qual era guiado por um jovem elfo de cabelos loiros. Sua expressão fechada e testa enrugada, demonstrava sua insatisfação.
Essa trilha se manteve até chegarem em uma praça, a estrada de pedra era tomada parcialmente pela neve, que também atingiu os telhados e entradas de algumas casas nos arredores.
Segurou firme uma corda amarrada no pescoço do javali, sem puxar, era apenas para guiá-lo. Pois, assim como seu dono, que descansava em suas costas, era muito malcriado.
A neve chiava sob os cascos do javali. O silêncio da praça era quebrado apenas pelos roncos do animal e os resmungos abafados de Cosmo. Era como se o mundo estivesse respirando lentamente ao redor deles.
Os resmungos similares a uma criança, chegaram nas orelhas pontudas e graciosas, entrando em seus ouvidos, fazendo ela se virar com olhos arregalados para seu irmão.
— O que aconteceu? — Ambos pararam no meio da praça.
— Serio? — Ele apertou os olhos — Por que eu sempre tenho que cuidar desse bêbado?...
Fez uma pergunta com certa indignação, e esperou uma resposta de sua irmã com rosto neutro. Ela balançou os cabelos ao remover o capuz que o cobria, juntando eles com as mãos atrás da cabeça e amarrando-os em um lindo rabo de cavalo.
— Se fosse a Mabel, você não reclamaria, né? — ela disse em um tom agudo, que de certa forma irritou o garoto de bochechas vermelhas.
Ele deixou a corda escorregar da palma de sua mão, apertou os olhos para sua irmã com o sorriso estampado nos lábios.
As bochechas rosadas e o desvio de olhares que ele deu, fez ela rir com o nariz novamente, mas, ele voltou a retrucar.
— Ora, se o Kaleek pedir você também vai abanando o rabinho!
— Até parece.
Aqui estavam quando um som de despenco soou, no meio da encenação que Cosmo fez para provocar sua irmã, um corpo grande e musculoso caiu na estrada de pedra, de forma tão natural e sem reação que ambos se viraram para ele indignado.
O corpo escorregou pelas costas da fera, que bufou na cara de Cosmo. Juntou as sobrancelhas, levou as mãos ao rosto e apertou os olhos, disse atentamente, enquanto o ronco do homem reverberou sua mente.
— Eu me recuso. — Cosmo girou o corpo de volta para sua irmã, assim apontou para Carlos desmaiado no chão.
— Não sei mais o que fazer com vocês…
— Cosmo, você é muito preguiçoso.
Ellen praticamente deu um tapa em seu próprio rosto, pensando em que momento havia errado para ter uma equipe tão desleixada. Suas mãos desceram pelo rosto, virando-se ao mesmo tempo que Cosmo, para o garoto ali parado entre eles, a alguns centímetros segurando uma mochila com as duas mãos.
— A quanto tempo você tá aí?
— Um tempão.
— Por que não disse nada?
— Não sei.
— …
Cosmo chegou a rir consigo mesmo pelas respostas no mínimo desanimadas de Ken, que bocejava sem parar com a franja balançando por baixo do gorro, quase não conseguindo manter-se de pé.
As lágrimas beiravam seus olhos que se abriam e fechavam algumas vezes. As marcas abaixo dos olhos eram acompanhadas de um tom desanimado e cansado.
— O cansaço bateu de uma vez nele.
— Coloca ele no Levy. — Apontou para o javali, ao lado de Carlos. — Eu ja volto.
A garota era cercada pelas inúmeras casas e lojas no centro da praça, que aos poucos rodeava-se de pessoas para ajudar a limpar a neve.
Enquanto caminhava sobre um solo de pedra, construído de forma totalmente desproporcional, ergueu seus olhos para o alto da estátua à sua frente.
Diferente das casas e do chão onde pisava, a estátua de uma raposa parecia super bem cuidada, quase como se só cuidassem exclusivamente dela. Era inteiramente feita com pedra, mas seus olhos pareciam brilhar.
Tudo isso brilhava logo acima do garoto de cabelos brancos ajoelhado frente a ela, em completo silêncio. Sua respiração esfumaçada transparecia no ar, e percebeu seu rosto sério ao que se aproximou.
— Você está bem?
— Na base do possível…
Abriu os olhos ligeiramente, ao olhar para o rosto fino e atraente de Ellen, respondeu com um sorriso fraco no rosto. Respondendo com um sorriso maior, a meio-elfa ajoelhou junto dele.
— Vai dar tudo certo.
— Esse é o único resultado plausível.
— Não, eu estou falando sério. — Ela tocou sua coxa. — Vamos pegar o dinheiro até metade do dia, e depois, você fica na minha casa por um tempo.
Ele reagiu surpreso, enquanto observava o brilho nos olhos dela falando do futuro.
— Eu acredito nisso, e você também deveria acreditar.
Desviou o olhar quando se cruzaram com os dela. Com as mãos sobre o joelho ele pensou sobre o que ela disse, que por mais que fosse só um pensamento otimista, boa parte dele era verdade.
O toque era leve e reconfortante, eram mãos de um anjo, ele pensava, enquanto olhava os dedos finos se mexendo lentamente.
Tudo era possível se você visualizasse, quando e como acontecer, se aplicava a magia, e também aquela situação. Não era possível conseguir algo sem um plano, sem que você verdadeiramente acreditasse, e fizesse aquilo ser real.
Os lábios da garota se moveram para ele, junto ao seu corpo que inclinou-se, beijando seu rosto pálido, que ganhou uma cor avermelhada arregalando os olhos.
Seu coração parou por um momento, e voltou a bater descontroladamente enquanto as maçãs do rosto esquentavam. O choque não deixou ele dizer uma palavra sequer, mas ela quebrou esse silêncio logo depois.
— Vou conferir as celas, você vem?
— E-eu já estou indo…
Os lábios macios se afastaram, e Ellen colocou as mãos no joelhos e se levantou com o rosto avermelhado. Seus olhos fitaram-lhe novamente, ainda mais reluzentes e belos.
— Vou na frente.
Se recompôs após ela virar as costas, colocando a mão no rosto indignado consigo mesmo, martelou em sua própria cabeça ao se levantar e deixar a estátua para trás.
Por que eu fiquei tão surpreso, eu sou idiota? Já fazem dois meses…
Mesmo que seu relacionamento tenha começado a pouco tempo, não era uma novidade ser beijado na bochecha. Era uma coisa que até mesmo crianças faziam, mesmo não sendo necessariamente certo.
Ele encarou seus pés enquanto caminhava, o som ambiente, as conversas dos habitantes, os passos, o som do vento batendo de forma sútil, se foi por um momento.
Suas pupilas dilataram ao olhar para as costas dela, ela brilhava, era quase como se só existisse ela ao redor de um brilho forte e amarelo.
— Olá senhorita!
— Oh, oi Zae! — Ela tentou esconder o rosto avermelhado, quando viu Zae aparecer de repente em sua frente.
Kaleek teve seus pensamentos arruinados pelo garoto de cabelos azulados, que montava em um lobo de neve um pouco menor que um javali, mas ainda sim, era grande.
Recebeu-na com os braços abertos ao descer do lobo, que encarou os javalis e ergueu o focinho com um ar de superioridade.
— Como pode, até o lobo é um riquinho mimado.
— Kaleek que surpresa! Aliás o nome dele é Loki, diga oi!
Ao se aproximar de Ellen, forçou uma reação para Kaleek, que o olhou dos pés à cabeça e franziu o cenho.
— Atá.
— Diabo de bicho pesado da porra viu.
Cosmo se aproximou com uma expressão desgostosa, mantendo suas mãos fechadas e firmes na corda que puxava com sigo. Carregando dois grandes javalis, que bufaram quando ele parou de frente para o restante do grupo.
Zae fitou Carlos desmaiado e amarrado em cima do javali, e riu com o nariz, o garoto de olhos azuis saltou rapidamente em sua direção, com brilho nos olhos.
— Que fofuraaaa!
— Ken… vai com calma, você não sabe se ele gosta… — Kaleek estendeu a mão preocupado.
Ao ver o lobo gigante de pelagem bem cuidada, branca como a neve, o garoto pulou se afundando o rosto nos pelos macios do animal, que apenas observou inexpressivo.
Zae puxou os lábios e fechou os olhos tranquilizando Kaleek, que tentou estender o braço para tirar seu irmão das garras peludas de Loki.
— O Loki é bonzinho, não faz mal.
— Estou vendo…
— Aliás Kaleek, se o amigo de vocês está alcoolizado, eu posso ajudar.
Aquela que se referia roncava como um porco, amarrado nas costas do javali aparentemente irritado.
Duas ou três cordas sustentavam aquele corpo imenso, que de certa forma não parecia nem um pouco confortável. Zae ao ver mais de perto, assobiou impressionado.
— Você pode fazer isso? — Ellen pareceu não acreditar.
— Claro, é só usar um pouco de magia.
Ele deu passos lentos enquanto afirmava com um sorriso largo, tocando a barriga do javali que se deitou após ele pedir educadamente.
Eles ficaram observando o jovem mago desamarrar o corpo enorme de Carlos, fazendo as cordas deliciarem e se moverem sozinhas. Mantendo a palma aberta ele golpeou o seu intestino, fazendo ele acordar de seu sono vomitando tudo que tinha no estômago.
— Isso é magia? — Ken com o rosto grudado nos pelos de Loki, pareceu surpreso.
— Mas é claro que não.
— Além de burro é idiota… — ciciou Kaleek.
— Parece que funcionou.
Ambos assistiam aquela cena do homem cair ao levantar das costas do javali, ainda confuso, tocou o solo gelado com os olhos fechados.
Ao se levantar com o rosto amassado, fitou Cosmo logo a sua frente com os braços cruzados, recebeu uma chuva de navalhas logo depois de uma pergunta despreocupada.
— Cadê aquela gatinha da garçonete?
— Essa é a primeira coisa que você fala depois de acordar!? — Cosmo ficou abismado.
Zae sai de trás do gigante e se junta a eles, enquanto o olhar confuso o seguia aquele corpo magro e desconhecido.
— Agora idratesse.
— Quem é esse cara?
— Ele vai ser nosso… espera você não ouviu minha explicação!?
— Eu estava bebendo na hora…
Aquela cena de um gigante sendo repreendido por uma garota com metade de seu tamanho, era cômico até demais. Cosmo não escondeu o sorriso de satisfação quando Zae cruzou com ele.
Os olhos pretos cruzaram com os amarelos, Kaleek desmanchou a expressão azeda por um momento quando uma mão foi estendida a ele, os dedos finos, sem qualquer calos e unhas perfeitamente cortadas.
— Podemos fazer as pazes?
— Você e seu shampoo?...
— Sejamos profissionais aqui.
— Obrigada por ajudar, mas não força, okay?
Kaleek ignorou o aperto de mãos do rapaz a sua frente, seus ombros se colidiram quando ele deu um passo à frente com expressão séria, deixando Zae em silêncio enquanto se distanciava.
— Ótimo. — Zae abaixou o braço em silêncio, mas Kaleek não pode ver sua expressão ao se distanciar.
Quando voltou seus olhos para aqueles que chamava de família, já estavam se preparando para partir, montados e seguindo a trilha logo depois da estátua da raposa no centro da praça.
Ellen levou Carlos até seu javali, segurando sua orelha acompanhada de Ken que não largou Loki por um segundo.
— Eu vou com o maninho?
— É melhor não. Ele vai na frente, pode ser perigoso para você. Então, você vem comigo, tudo bem?
O lobo saiu correndo quando Zae assobiou, deixando o pequeno Ken com os olhos marejados enquanto mantinha a mão estendida para alcançá-lo.
Ellen se aproximou montada em um javali, batendo a mão no próprio colo, ela estendeu para o pequeno garoto.
— Me dá a mão.
Eles deram as mãos, e Ken subiu no javali com a ajuda da meio-elfa de cabelos loiros, que sorriu para ele enquanto se sentava à sua frente, dividindo as costas da fera, que logo começou a se mover.
Se moveram em grupo para a trilha que os levaria à entrada principal, Cosmo guiou seus companheiros junto de Kaleek, que manteve seus olhos focados em Ken por um momento.
Ao passarem um por um ao lado da estátua da deusa Yaara, estavam a caminho da saída. Mas, Zae parou logo antes de atravessá-la, e encarou a raposa com olhos cerrados.
— Morra.
O vento soprou forte naquele instante, levantando neve aos pés da raposa petrificada, junto com um cuspe seco.
Zae não desviou os olhos nem por um segundo. Sua respiração era calma. Gelada. Letal.
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