Volume 1
Capítulo 23: Enerion?
Fuçando pelos cômodos da casa, Veronicca descobria cada vez mais com o que se impressionar. A porta estava entreaberta, não seria crime descobrir o que havia no cômodo.
O lugar era fascinante e era impossível não se chocar com a extensa estante repleta de taças de ouro ou prata — as de bronze eram raras, mas ainda assim não deixavam de aparecer camufladas nas prateleiras mais baixas.
Brevemente, sentiu-se mal de ter duvidado do persa: apenas em encarar cada entalhe de ouro das incontáveis medalhas, Veronicca podia sentir o dia de sua premiação.
Havia até mesmo uma área dedicada a alguns diplomas emoldurados, teve de apertar os olhos para ler cada um deles. Psiquiatria, biomagicologia, magilogia, religião, mitologia e sociologia.
Dentre suas opções, ou deveria esperar um cientista renomado ou alguém altamente indeciso — a primeira opção parecia mais plausível.
Vagando um pouco mais por aquele lugar rico de sabedoria, identificou uma cômoda repleta de cartas e documentos, provavelmente até mais importantes que os diplomas.
Curiosa, parou para lê-los também, mirando aquele com a assinatura complexa que mais lhe chamava a atenção.
Parecia confidencial somente por aparentar ser uma carta, mas encarou como um relato. Era antigo e mesmo assim conseguiu detectar uma espécie de energia emanando das palavras do papel conforme as lia.
Momentaneamente, viu-se com uma felicidade vazia, sem motivo aparente. Era capaz de sentir a gratidão do remetente vibrar em cada fibra daquela carta.
Só reparou que chorava quando a porta rangeu. Soltou a folha na mesa e enxugou o rosto às pressas, na esperança de quem quer que entrasse não visse o que estava fazendo.
— Imaginei que estivesse aqui.
Era o persa cinzento. Usando suas roupas requintadas, apesar do rosto naturalmente malvado, o velho sorria ao vê-la. Veronicca abaixou a cabeça, pronta para o sermão.
— Entendo sua curiosidade, minha pequena. — Ele iniciou com ternura. — Este é um lugar novo pra você. Uma vida nova.
— M-me desculpe por... — murmurou em um fio de voz. — Invadir seu quarto... E bisbilhotar suas coisas.
— Não se preocupe. Se estão expostas, é para se ver mesmo. Veronicca. — Aproximou-se de um par de poltronas. — Veronicca Griephon Falard de Thorgallida. Um grande nome pra alguém tão pequeno.
As bochechas da menina enrubesceram enquanto ela se sentava diante dele. Sentiu-se mil vezes menor ao perceber que cabiam três dela no assento.
— Me permite te chamar apenas de Ronica? Era o nome da minha esposa.
Enfim ela teve coragem pra olhá-lo nos olhos.
— Ela se foi?
— Sim. Tudo aqui foi graças a ela. — Seus olhos laranjas se voltaram brevemente aos diplomas emoldurados. Veronicca sentiu um sorriso se abrir no rosto.
— Então ela era incrível.
— E ela era como você.
A frase a fez se sentir culpada e seu sorriso desapareceu. Como alguém poderia ter a desgraça de ser como ela? Se foi por esse motivo, então, que Ronica falecera, como alguém poderia desperdiçar sua vida para solucionar um problema impossível?
— Conheci sua mãe. — O homem continuou, chocando-a com a revelação. — Minha esposa sofria do mesmo mal. Me sinto na obrigação de dizer que não era nenhuma maldição, apenas um poder que se alastrou sem o conhecimento do portador. Uma condição rara que só foi descoberta depois de muito tempo de estudos incompletos, abandonados e retomados sucessivamente. Atualmente, é conhecida como vampirismo psicométrico.
— E... O que seria essa condição?
— Uma deformação genética em que, simplificadamente, a pele emite uma energia mística, fatal e gradativa. É hereditária. Você desenvolveu graças à sua mãe, assim como minha esposa, sendo prima dela.
O fato de Ronica ser prima de sua mãe a deixou minimamente confortada, embora as lembranças incomodassem como uma agulha.
— Então eu vou morrer como elas? — disse morbidamente sincera. — Jovem, bela e devastada, agonizando de dor em uma banheira quente ou fria.
— Não, Ronica — confortou-a de novo, ronronando. — Só de olhar sua aparência dá pra saber que você é uma bela duma exceção.
O coração palpitou.
— E-exceção?
Ele deu um riso abafado, abanando a cabeça, sutil e discretamente incrédulo.
— Claro. Posso dizer que é um milagre de algum deus não especificado. Dizem que os professores aprendem com seus alunos. Você quer ser minha pupila, Veronicca?
Seu nome era Andreas Cowalsky Nierich de Astrat Gleskos — deve ter opinado sobre seu nome porque possivelmente já ouvira algo parecido em sua juventude.
Vendo a timidez que certamente impediria a menina de falar, Cowalsky começou a explicar-lhe cada vitória que teve para merecer os troféus e medalhas.
Até mesmo as congratulações do próprio rei residiam em uma das gavetas da cômoda, juntas de outras dezenas de cartas parecidas com a que Veronicca lera. Eram de seus alunos e todas falavam do mesmo assunto: gratidão por seus ensinamentos e conhecimentos.
Pouco mais tarde, ele tornara a falar da esposa. Enquanto o que parecia ser apenas uma doença se alastrava sem piedade, ele a prometia que iria descobrir a cura. Ronica falecera diante de seus olhos, deitada e imersa numa banheira de água, assim como a mãe de Veronicca.
— … Foi tarde demais pra mim, mas acho que pra ela foi a hora certa. Sinto que até mesmo todo o sofrimento que ela teve foi uma mensagem, pois foi graças a ele que comecei a estudar tudo o que me fez merecer essas medalhas.
— Não tive tal experiência respeitosa. — A gatinha murmurou, cabisbaixa. — Quando me deram a notícia, o corpo já tinha sido levado há mais de um dia, nem me deixaram ver o rosto dela uma última vez.
— Um dia você irá olhar pra trás e dizer o mesmo que eu — disse, pousando a mão quente e macia sobre o ombrinho dela. — Perder uma batalha nos torna mais fortes, mas só quando percebemos isso é que decidimos lutar. Quando Ronica faleceu, não conseguia parar de pensar que pudessem existir outras pessoas como ela, por isso decidi tentar ajudá-las com tudo o que sabia. No entanto, acabei descobrindo que esse não era o único sofrimento do mundo. Por isso hoje trabalho numa academia de enerions.
— Me pergunto se eu sou uma enerion também...
Depois de divagar um tanto, Cowalsky ergueu um dedo, sacudindo-o no ar.
— Aí está algo que eu preciso descobrir.
De modo incomum, Bruna acordou num pulo, desta vez por vontade própria. Não queria perder mais tempo nem comendo.
Relia incontáveis vezes os documentos que roubara de Lucas, vibrando de orgulho ao ver que logo faria parte de tudo aquilo. A escola não era distante, apenas tinham de virar algumas ruas e andar em linha reta até a imensa mansão no fim da avenida.
Majestosa e brilhante, reluzindo as vidraças das incontáveis janelas e deixando que o vento levasse suas bandeiras verde-oliva, era o lugar de seus sonhos. Cada uma delas tinha o bordado de um brasão idêntico ao da realeza de Oliphia.
Logo ao entrar, foram recebidos por uma profissional bem vestida de um tom vinho imponente, de aparência um tanto sinistra, ainda que calma e paciente.
A pinscher usava um terninho com o mesmo bordado das bandeiras marcado no lado esquerdo do peito — vendo de perto, era fácil distinguir a imagem do brasão: rodeado de chamas, uma espada cravada no crânio de uma criatura que Bruna não sabia ao certo qual poderia ser.
Quase não teve tempo de contemplar o símbolo, pois a moça começara a guiá-los pelos corredores enquanto papeava com Lucas. Portanto, passou a prestar mais atenção no que ela dizia:
— ... Costumamos iniciar com as medidas do uniforme, pois muitas as pessoas ficam cansadas ou até esgotadas depois de demonstrar suas habilidades. Juro, não é nenhuma tortura, é só que alguns estudantes têm mais dificuldade com seus dons. Treze anos, certo?
Bruna descobriu que lembrar sua idade podia ser bem desconfortável.
— Normalmente esses processos demoram. Caso o senhor queira retornar mais tarde...
— Se disser isso, está subestimando minha garota — brincou Lucas, envergonhando Bruna. — Apesar da pouca idade, ela não tem quaisquer problemas com seus dons. A menos que aqui ela necessite de algo que nunca ensinamos.
Percorreram o que parecia ser a metade da escola — quando na verdade não era nem um terço — para logo chegar a um pátio extenso e vazio, gramado em certas áreas e de terra batida em outras, pintado com algumas marcas brancas no chão.
“Um pátio de treino aposentado” — Ela pensou enquanto atravessavam-no. Pararam diante de uma enorme casa, o vestiário, ao que a moça pediu para que a raposa entrasse.
Foi como se revivesse as memórias de sua antiga escola: os armários eram idênticos aos dos corredores. De tanto devanear nas nostalgias, horrorizou-se ao notar, no centro da sala, aquela coisa absurdamente escura lhe fitando com um par de olhos verdes.
Era apenas um gato preto de túnica. Uma senhora doce que desejou-lhe um bom dia ao que suas esmeraldas pareceram sorrir, simpáticas.
— Olha só, não me avisaram que haveria mais de uma...
Bruna nem teve tempo de perguntar do que se tratava, pois saindo de trás de uns armários, surgiu uma gatinha pequenina. Aparentemente, veria muitos gatos estranhos e sinistros no seu cotidiano, tão estranha sua aparência que lembrava um saco de ossos.
Apenas ataduras cobriam seu peito. A menina subiu na banqueta enquanto a velha puxava a fita dos ombros e se preparava para iniciar seu trabalho.
— Er... É estritamente necessário que eu tire minhas roupas?
Ela gargalhou da timidez de Bruna.
— Não tenha medo, não irei zombar seu umbigo. Ninguém é feio diante dos olhos de deus.
“Que deus o quê”, se segurou para não dizer, enquanto expulsava suas calças das pernas de forma agressiva. Ao menos a senhora era carismática.
— Com um corpinho desses, não sei nem porque ficou tímida. Deveria se orgulhar, mocinha. — Dizia a ela enquanto manuseava a fita como se fosse mágica. Ao medir seu quadril, estalou a língua. — Hm, acho que tem algum modelo do seu tamanho sobrando... Sabe, meninas da sua idade crescem rápido.
Depois de pedir para que Bruna se torcesse como um pano de chão, logo a velha voltou-se à menininha, analisando-a de cima a baixo.
— Mas vai ser difícil arranjar uma roupa pra você... Não dá nem pra saber que idade você tem.
Enquanto Bruna se vestia novamente, percebia razão no que a gata mais velha disse. Ela tinha um corpo de seis anos e um rosto de noventa. A coitadinha estava sendo medida até nos joelhos.
Talvez nunca houvessem feito um uniforme para alguém daquele tamanho. Quanto mais a raposa olhava, mais notava o que havia de curioso nela. Além de pequena, não ostentava pelos no corpo, o que a trazia certa familiaridade da qual não ousaria lhe questionar a respeito.
O que era mais estranho eram seus reluzentes cabelos negros, presos num coque, com apenas a franja solta sobre a testa. Sentiu que já vira algo parecido em algum momento.
— Ah, você já vai embora? — A gata negra chamou a raposa. — Nem vai dar um “oi” a sua colega? Vocês vão estudar juntas, poxa.
Ambas riram, desconcertadas, no que a menininha tomou frente.
— Oi.
— O-oi — respondeu Bruna, sem saber como continuar.
— Ah, essa juventude de hoje não sabe viver... — bufou a mulher. Ambas as jovens deram de ombros. — E que juventude estranha, hein? Acho que nem temos uniformes desse tamanho. Caramba, como é que você usa roupas? Talvez seja melhor chutar um tamanho infantil... Ah, que seja, depois resolvo isso. Vá se vestir, fofinha. Mas não vá embora, eu ainda tenho mais o que fazer aqui.
Quando a velha sumiu dentre os armários, a tampinha finalmente pareceu agir com naturalidade.
— E aí, como vai? — Tornou a sussurrar com certa empolgação.
— Er... B-bem.
— Como se sente com a ideia de que vai entrar nesse lugar?
Era como se ela soubesse exatamente tudo que pensara há uns minutos. Bruna ponderou que devia ser comum ao que todo mundo pensava.
— Muito feliz. E ansiosa. Não vejo a hora de aprender a lutar de verdade.
— Entendo. Ser livre, não é? — Seu rosto sorridente parecia carregado de cansaço, embora empolgado. — É a primeira vez que entro numa escola, sabia? Quer dizer, já estive no primário, mas lá não era lugar pra mim. As outras crianças me achavam estranha.
”Eu também te acho estranha.” — pensou, novamente optando por dizer em vez disso: — Então, se é sua primeira vez aqui, quem sabe eu possa te ajudar...
A garota deu um riso que, de forma discreta, a cortou.
— Quem sabe. Meu processo será longo. Não faço ideia nem do que sou.
— Que bom que está aqui pra saber — ressaltou Bruna, sutilmente incomodada. Buscou alguma naturalidade ao continuar. — Me dá um alívio saber que esse tipo de lugar existe... Quantas pessoas já não foram ajudadas com esse tipo de iniciativa…
— São pessoas que merecem todo apoio. Digo, a gente.
Evitando qualquer provável frase desconcertante após aquela, Bruna estendeu-lhe a mão roboticamente, recuando-a logo em seguida quando a garota direcionou seus olhos a ela.
— Foi um prazer. Me chamo Bruna. Quero te encontrar de novo. Se possível.
— Gostei de você, Bruna.
“Espero que isso seja bom.” — Em vez disso, optou por dizer: — Er… Como devo me lembrar de você?
De novo, seu sorriso mudou, como se aquela fosse a única pergunta que quisesse ouvir.
— Veronicca.
De algum modo, lhe soava familiar. Esperou que não viesse de um pesadelo e tentou caminhar em velocidade normal até a saída.
Quando Bruna reencontrou Lucas e a moça, não conseguiu evitar o pensamento de que os dois estavam flertando. “Que sedutor, embora ele pareça flertar com todo mundo.”
Ao aproximar-se, percebeu que ela o explicava sobre os modos como a escola trabalhava com os alunos, além de explicar que tipo de aulas ocupavam a grade. “Só acho que ela devia estar explicando isso pra mim.”
Depois do que pareceram milênios andando em corredores idênticos, finalmente pararam diante de uma única porta, na qual novamente Bruna entrou sozinha.
Um curto corredor a levou a uma área circular, toda feita de pedra, lembrando a cela de uma masmorra. Caminhava por uma ponte estreita até uma plataforma. Ao redor de onde seus pés pisavam, um riacho enfeitava o local. Tochas iluminavam o ambiente, assim como musgos e samambaias se enraizavam nas paredes. Aquela aparência com certeza significava algo.
Mais uma vez foi surpreendida pela demoníaca aparição negra ao fim da ponte. “Mas ela não estava no vestiário?”
A sombra felina a esperava no centro da plataforma, com sua túnica negra apagando totalmente o que devia ser o seu corpo e seus olhos azuis lampejando na escuridão.
Achava que ela fosse uma zeladora ou algo assim, mas agora ela mantinha uma posição imponente e seu semblante perdeu toda aquela graciosidade.
— Você deve ser Bruna.
Amedrontada, acenou a cabeça como resposta. Sua voz também estava diferente — e muito. Quase parecia estar duplicada, com eco nas últimas notas.
— S-sim.
— Bruna... Aquela de pele vermelha. Faz jus a quem parece ser. Se vem até aqui, certamente já sabe quem quer ser. Mas ainda quero ouvir de sua boca quem és agora, raposa.
Estava impassível; passava longe de ser aquela gata de olhos estrelados que a mediu. Embora ainda medonha, aquela versão parecia ter vida.
— Eu... controlo o fogo. Sou imune a ele, além de ser capaz de escolher exatamente o que quero que queime.
Ela acenou a cabeça uma vez apenas.
— Mostre-me.
Sem mais delongas, Bruna espalmou as mãos como se segurasse uma bola. Duas chamas desenharam-se em fitas, surgindo de cada palmo e enrolando-se em si mesmas para logo se unir numa queima só.
Pôde perceber o olhar imóvel da felina arregalar-se um pouco, o que parecia intimidador. Ao menos era finalmente uma reação.
— ... Como? — Voraz, ela perguntou, erguendo o tom como se assistisse a um crime.
— Ué, eu apenas fiz o que me pediu. — Apagou a chama soltando os braços. — Algo de errado?
— Não a vi controlar as chamas — disse, franzindo a testa. — Acabei de vê-la criar.
A culpa iminente fez seu coração palpitar de pavor. Sempre acendera seus cabelos como um fósforo quando ia ao encontro de Giovanna, sempre incendiava suas mãos para treinar com Vanessa. Agora nunca lhe parecera tão errado um gesto tão simples.
A gata pôs a mão no queixo quando notou o espanto da raposa.
— ... A menos que você seja capaz de puxar suas chamas com uma velocidade que não sou capaz de ver. Ou até mesmo multiplicar o calor do ambiente... Mas soa impossível. Me diga, desde quando sabe se controlar?
— Mais ou menos desde os sete anos.
A sombra de gato refletiu obsessivamente, ainda encarando-a, até que de repente abriu os braços em forma de crucifixo.
— Me atinja.
Nem mesmo Vanessa e sua loucura teriam pedido algo assim. Sabia que suas chamas eram quentes o bastante para queimar não apenas a túnica. A velha mexeu os dedos, a chamando.
— Vamos, o que está esperando?
Um tanto angustiada, Bruna fez o que ela pediu, fechando os olhos e rezando para que o resultado não fosse desastroso.
A explosão aconteceu, o fogo e suas fúlgidas brasas se espalharam, mas logo desapareceram, evaporando e morrendo no vazio.
A gata estava intacta e agora parecia louvar a deus com os braços abertos e a cabeça erguida daquela forma
— ... Você é uma deusa. — concluiu, enfim, fazendo a garota boquiabrir de choque. Não sabia como ela podia estar inteira, deixou nenhuma contenção para o fogo e agora ela dizia isso.
— Ah. Eu sou impenetrável, mas nunca vi algo assim. — Ela completou, tornando a olhá-la de forma obcecada novamente. — E você é praticamente uma divindade.
“Que divindade o quê”, pensou, pigarreando e dizendo educadamente: — N-não te compreendo...
— Você não doma a natureza, você a cria a seu bel-prazer. Se soubesse a própria raridade, sequer estaria diante de mim. — Chamou-a com os dedos. Hesitante, mas sem direito ao medo, a raposa subiu os degraus lentamente.
Não pôde deixar de se fascinar pelo enorme campo que se estendia logo adiante, flutuando magicamente em meio às cachoeiras que se faziam das águas que as rodeavam.
— Michelle Brundstein, profissional de Manipulação. — A gata estendeu o braço para o enorme campo. — E esta é minha arena. Graças a seu dom, não vai demorar para pisar aqui. E eu terei prazer em trazê-la pessoalmente.
Finalmente ela havia esboçado um princípio do princípio de um sorriso, no entanto, Bruna ainda estava incrédula. Tudo foi tão rápido que não acompanhou com a mesma destreza costumeira.
Não havia conclusão diante do teste. Se havia, não a deixariam saber, o que a incomodava ainda mais.
— Perdão, Srta. Michelle, mas... Eu não entendi muito bem seu ponto de vista... É que eu sempre fui assim. Achava que era normal criar fogo do nada. E agora você fala como se eu fosse um milagre. Não quero te contradizer, mas sou tão enerion quanto outros, não sou nenhuma exceção.
Agora sorrindo de fato, a gata negra voltou a olhar o seu campo de batalha.
— Todos somos exceções, raposa, todos somos únicos. Mas você tem um poder que eu jamais senti em toda minha vida. É naturalmente mais forte, intenso, mais quente e mais suave. Suas chamas fluem com delicadeza e por isso são diferentes. Aliás, desde os sete anos? Que tipo de enerion consegue tal feito? Suas habilidades não têm quaisquer traços de descontrole e não tem nada a ver com começar cedo, pois crianças têm dez vezes mais chance de se descontrolar.
Bruna desviou o olhar, envergonhada por ter duvidado, por um momento, da especialista.
— Uma diferença muito notável é que você pode fazer o que quiser com suas chamas. Um enerion com poderes parecidos jamais desenharia fitas. Isso é coisa para maduros.
— Isso foi um elogio? — murmurou Bruna, intrigada. O que ela dizia parecia irreal. Era impossível que fosse mais do que uma simples enerion.
— Talvez sim, talvez não — ecoou outra voz distante, empolgada, principalmente familiar. — Podes ser uma flor de mesmo modo que podes ser um dragão.
Do outro lado da arena, num pedestal exatamente igual ao que estavam, outra gata negra de túnica obscura surgia caminhando. A diferença era notável mesmo de longe; aquela foi a gata que a mediu, soube disso quando identificou aquele par de esmeraldas reluzir distante.
— Evellyn Brundstein, profissional de Controle — apresentou-se também, obviamente a irmã idêntica de Michelle. — E é mesmo uma pena que eu não vá te ver em minhas aulas. Pelo que acabo de ouvir de Michelle, você já tem um bom controle de suas habilidades. Será um prazer te ver sob a autoridade dela...
— Minha lição é de turmas avançadas — completou a irmã, perfurando Bruna com seus olhos de diamante. Soava agressivo, salvo que parecia olhar assim para qualquer coisa. — Só quem definirá isso é a diretora e sua ficha, ou até mesmo a visão de revelação de Cortez.
Ambas não deveriam estar falando sobre aquilo diante dela, possivelmente. Ou Bruna que não deveria estar ali. Não se sentia bem com nada daquilo e nem sabia se podia se sentir assim.
— Você é especial, garota. — Ambas disseram num coro absurdamente perfeito. — E não diga que não avisei, seu destino é encaminhado ao divino. Tudo que tentar, vai conseguir, pois tudo depende apenas de você.
E, enquanto Evellyn desaparecia distante, Michelle a guiava até a porta.