Volume 1
Capítulo 11: Adormecido nas Profundezas
O vento soprava sobre seus cabelos, e um frio arrepiava os pelos de seu rosto e braços. Aria estava com os olhos fechados, e logo os abriu em uma pequena fresta. A visão que teve era um tanto impressionante. Estava no topo de um guindaste no centro da cidade, com uma visão de toda Nova York. Ela ficou encantada com a visão dali de cima, e ao mesmo tempo estava tranquila. Dessa vez, estava ciente de que aquilo provavelmente era apenas mais um de seus sonhos.
As aves sobrevoavam o céu, e pequenas penas eram deixadas no ar, pairando até o chão. Aria contemplava a visão com olhos inocentes e um sorriso nostálgico. Aquele cenário lembrava-a dos momentos bons que vivia quando era criança. As viagens que fazia com seu pai, que sempre a levava para locais altos como aquele. Para que pudessem apreciar uma vista única.
Sentindo a brisa que o vento lhe proporcionava, Aria abriu os braços ao horizonte. Deixou-se levar pelo sentimento nostálgico, e a bela sensação de poder se aventurar daquela forma novamente.
Do outro lado do guindaste, estava Ethan, observando a vista também. O guindaste tinha dois segmentos, como se um refletisse o outro. Ethan observava sem ter muitas reações, porém, parecia satisfeito.
Ao mesmo tempo, os dois voltaram para trás do guindaste, e puderam se ver adiante. Nenhum deles estava surpreso naquela situação, pois já era comum se verem nos sonhos. Aria se aproximou, e Ethan também, com passos lentos.
Quando se encontraram no centro do guindaste, foram barrados por uma barreira invisível que dividia os dois segmentos da estrutura. Ethan posicionou uma mão sobre a barreira, e Aria repousou uma mão no mesmo lugar que a de Ethan. Era como um reflexo que respondia aos movimentos do outro, através da barreira. Os olhos dos dois arregalaram, até que o vento parou de correr.
De repente, Nova York abaixo começou a colapsar. A cidade foi dividida por uma grande rachadura que se estendeu por todas as partes, dividindo a cidade em pequenas ilhas diferentes. O guindaste agora estava adornado por água em sua base, como um farol que ilumina o mar à noite.
Aria, assustada, desviou o olhar de Ethan e focou nos eventos acontecendo abaixo. Toda a estrutura do guindaste começou a tremer, e o lado de Aria lentamente tombou-se para trás, separando a garota de Ethan. Ele ficou com uma expressão de angústia ao ver a cena, e então jogou seu corpo contra a barreira. Ele não conseguia atravessar, e Aria se distanciava cada vez mais, pelo guindaste que tombava até a água abaixo.
Ethan não desistiu, e forçou o próprio corpo contra a barreira. Até aquele momento, nenhum dos dois nunca havia conseguido dizer uma palavra sequer nos sonhos, com exceção dos pensamentos. Mas Ethan foi capaz de quebrar essa regra.
— Aria!! — exclamou, agonizando. Seu grito abalou a barreira que dividia os dois, causando vibrações no tecido que compunha o sonho. Ethan bateu a palma da mão sobre a barreira, e gritou novamente. — Aria!!
No segundo grito, a barreira se estilhaçou em vários pequenos pedaços. Ethan correu pela extensão do guindaste, tentando alcançar o corpo de Aria, que estendia uma mão até o garoto. A estrutura continuou tombando, e antes que Ethan pudesse agarrar a garota, ela não resistiu mais e acabou caindo de cima do guindaste, em direção a água abaixo.
Ethan pulou também, caindo para resgatar a garota. Segurou-a no ar, e a envolveu nos braços com um abraço caloroso. Ela se agarrou em Ethan, e os dois despencaram até o mar abaixo. Os pedaços partidos de Nova York continuavam se distanciando, como pequenos continentes.
Com um suspiro rigoroso, Aria acordou dando um arranco para se levantar da cama. Estava ofegante, e com olhos arregalados, como se tivesse presenciado um fantasma. Porém, estranhamente, Ethan não acordou junto dela. Ele continuou no sonho, e Aria apenas desapareceu de seus braços, e ele despencou na água. Continuou afundando até as profundezas, enquanto perdia lentamente parte da consciência.
Aria levantou-se da cama de seu dormitório, e levou as mãos ao rosto, esfregando os olhos após acordar. Bocejou em seguida, enquanto se espreguiçava.
Mia ainda dormia na cama de beliche, mas estava virada para a parede. Na verdade, estava apenas fingindo dormir. Por dentro dos cobertores, estava mexendo em seu celular. Aria a observou de baixo enquanto bocejava, e então dirigiu-se para a porta de seu dormitório. Apontou o bracelete, e a porta se abriu após scaneá-lo.
Aria saiu de seu dormitório, e caminhou até as janelas do segundo andar. Observou o pátio do colégio abaixo, e algumas pessoas já estavam reunidas ali. O próximo jogo aconteceria logo de manhã, então era normal que alguns já estivessem acordados tão cedo.
À esquerda de Aria, David Cohen vinha apressado à procura de algo. Aproximou-se da garota, enquanto passava as mãos entre os cabelos cacheados para arrumá-los
— Srta.Harper! Por acaso… você viu o Senhor Kim por aí? Ele não estava no dormitório hoje…
— Como assim? — perguntou Aria, surpresa com a notícia. — Ele não dormiu aqui?
— Acho que não… ele deve estar ficando maluco! A prova do Divergente acabou muito tarde… e mesmo assim ele decidiu voltar para casa. Mas obrigado mesmo assim, Srta.Harper! — acenou para ela, e então voltou a correr pelos corredores vazios. Aria o observou se distanciar, e então percorreu o caminho contrário, indo até a escadaria. Desceu lentamente, com passos pesados e meio sonolentos. Passou pelo pátio, e então chegou até a cantina. Emma Brown já estava ali, esperando pela amiga em uma mesa.
Quando Emma notou Aria se aproximando, acenou para ela com um sorriso. Ela parecia mais animada que o comum.
— Oie! — exclamou. — Dormiu bem?
— Mais ou menos… — respondeu, ainda meio sonolenta, e então se sentou à frente de Emma. — Na verdade, não tive um sonho tão bom…
— Sério? Sonhou com o quê? — perguntou, comendo alguns biscoitos recheados que pegou na cantina.
Emma havia pegado um pão com ovo, e uma xícara de café para Aria também. Ela gostava de coisas mais leves no café da manhã. Aria segurou o pão com uma mão, enquanto via o próprio reflexo sobre o café na xícara.
— Nada demais… logo vou esquecer…
Indo para o jogo, que logo daria início, Aria vestia seu moletom cinza que usava normalmente. Mesmo estando atrasada, não andava pelos corredores apressadamente como de costume. Na verdade, a garota parecia um tanto desanimada. Sentia que algo não estava certo.
Ryan Garcia apareceu de repente, passando ao lado dela com seu clássico sorriso sarcástico. A expressão daquele garoto apenas deixou Aria mais preocupada, a presença de Ryan não a confortava nem um pouco. Ele estava acompanhado por Christopher Santiego, que vinha caminhando timidamente com os braços colados ao tronco do corpo.
— Hum… — resmungou Aria, cabisbaixa, e com olhos virados para o chão.
Quando chegou até a fachada do colégio, onde daria início o quarto jogo, foi parada por sua amiga Emily, que esperava por Aria na portaria.
— Que aconteceu? — perguntou, já reparando na falta de emoção da amiga.
— Nada.
— Nada? Fala sério. Ver você desanimada é como ver um pato sem água — disse, cruzando os braços e franzindo a testa. — Que tá rolando?
— Não é nada, Emi. Só estou com um mal pressentimento — explicou, levantando um pouco a cabeça e olhando as pessoas se reunirem na fachada do colégio. Todos de frente ao grande telão apoiado por um poste, que em breve se ativaria.
As duas caminharam para se juntar a todos, e conforme Emily caminhava, percebia o quanto Aria estava inquieta. Olhava para todos os cantos procurando por alguma coisa, mas aparentemente não encontrou.
Já sabendo que talvez Aria lhe desse a mesma resposta, Emily decidiu não perguntar. Logo, David Cohen passou por elas novamente, com uma câmera presa ao pescoço por um cordão elástico. Estava tirando fotos de borboletas ao redor, David parecia bem animado naquele dia.
— Ei, David! — exclamou Aria, e o garoto tornou sua atenção para ela. — Ethan ainda não chegou?
— Oh! O Senhor Kim? Nenhum sinal dele até agora. Devia parar de procurá-lo, ele não vai aparecer hoje. Pelo pouco que eu o conheço… — colocou uma mão sobre o queixo, com uma expressão pensativa. — Deve estar dormindo até agora.
Essas palavras despertaram um aperto agudo no peito de Aria. “Deve estar dormindo até agora”. A garota imediatamente percebeu o que estava acontecendo, e correu para pegar o celular em seu bolso. Sem dizer mais nada, começou a caminhar apressadamente para a estrada, distanciando-se do colégio.
— Aonde é que você tá indo?! — exclamou Emily, acenando para ela.
— Depois Emily, agora não! — exclamou, e continuou a correr. O humor de Aria teve uma mudança repentina, e agora se via eufórica e preocupada. Seus dedos correram pela tela do celular em mãos, e logo ligou para Katherine, que não demorou muito para atendê-la.
“Sim?” disse Katherine, ao telefone.
— Preciso da sua ajuda! É a Aria… A Harper, enfim, sem tempo para explicar muito. Eu preciso ver o Ethan… ele voltou para casa ontem?!
“O Ethan? Voltou sim. Ele parecia bem cansado. Disse que ganhou a prova e…” antes que terminasse, Aria a interrompeu com pressa.
— Preciso do endereço dele! Por favor, Katherine… ele está dormindo até agora, a culpa disso é minha!
“Como assim?” perguntou.
— Katherine!
“Tudo bem…” ela cedeu, e então ditou o endereço para a garota. Aria não decorou de primeira, e Katherine teve que repetir mais uma vez, enquanto ela corria pelas calçadas de Nova York. Esbarrou em várias pessoas, e derrubou a bola de uma mulher elegante. Mesmo sem muitos motivos para se preocupar, até porque Ethan estava apenas dormindo, ela ainda tinha uma preocupação genuína, acompanhada por um sentimento de culpa que apunhalava seu peito.
Agora, tendo o endereço do garoto, ela acelerou o passo até a casa de Ethan. Levou mais ou menos vinte minutos para chegar, não era tão longe da Betrayal Lines, e ainda mais que Aria correu o caminho todo. Quando avistou a fachada da casa, ela desacelerou e sua respiração era profunda. Estava cansada, suando e ofegante.
Andou mais um pouco, passou ao lado do portão da garagem que estava fechado, e subiu os pequenos degraus que levavam à varanda. De frente a porta, apoiou-se nos joelhos e respirou um pouco. Logo se ergueu, e tocou a campainha.
Katherine não estava cuidando da casa naquele momento. Não deu tempo de avisar isso para Aria, que pensava que a empregada estaria ali para atendê-la. Mas foi surpreendida por uma pequena garotinha, que abriu levemente a porta, e observou Aria pela pequena fresta. Tinha cabelos pretos, longos, e olhos verdes bem clarinhos.
— Oh… — Aria apoiou-se nos joelhos mais uma vez, para olhá-la de perto. — Oi! Tudo bem? Preciso ver o Ethan… me permite entrar?
— Titio Ethan…? — perguntou Lilly, um pouco envergonhada.
— Sim — respondeu, com um sorrisinho para a garotinha.
— Hum… pode entrar…
Lilly abriu a porta, e então fez uma reverência para Aria. Aparentemente Ethan havia ensinado a garota a receber as visitas de forma educada.
— Obrigada — agradeceu, respondendo o gesto com outra reverência. Caminhou pelo corredor, e Lilly correu para o andar de cima, tentando manter distância de Aria. Ela estava com um pouco de medo, e com muita vergonha de se aproximar.
A garota subiu as escadas também, esperando que o quarto de Ethan estivesse no segundo andar. Seguiu por alguns corredores, e caminhou até o último quarto que encontrou. A porta estava semi-aberta, e Aria espiou pela abertura. Ali estava ele, deitado na cama, com uma expressão franzida como um bebê que acabou de experimentar limão. Aparentemente não estava tendo bons sonhos.
Aria adentrou-se no quarto, e observou um pouco em volta antes de tentar acordá-lo.
“O quarto dele…” pensou, sentindo-se confortável. Enquanto seus olhos viajavam pelo quarto, notou algo diferente, algo que prendeu sua atenção. Acima da cabeceira da cama de Ethan, havia uma grande pintura em um quadro, que retratava o rosto alegre de Aria. A garota ficou encantada com aquela visão, e seus olhos vidraram-se naquilo por alguns minutos. Estava boquiaberta, e seu coração batia cada vez mais rápido.
Após apreciar aquela pintura, a garota deu um sorriso sincero, e se aproximou de Ethan. Colocou as mãos sobre ele, e balançou um pouco.
— Ethan… está tudo bem…?
O som da água passando pelos seus ouvidos predominava em sua consciência. Bolhas subindo para a superfície, enquanto seu corpo se afundava cada vez mais naquelas profundezas sem fim. Nada naquele sonho existia mais, nem Nova York, nem o guindaste, nem terra, apenas água. Água, e o nada.
Ethan continuou afundando, quase sem consciência, tentando respirar, mas tudo que entrava em seus pulmões era cada vez mais água. Ele não se afogava, não desmaiava, e só lhe restava a agonia. Tudo aquilo era um sonho, um sonho que o prendia para sempre.
“Ethan…” ecoou a uma voz, gerando vibrações por toda a água. “Ethan…?” a voz ecoou mais uma vez, ficando mais predominante. “Ethan!”
— Aria…?
“Ethan…?” ecoou a voz, mais uma vez. Os borbulhos à volta de Ethan continuavam a subir, como se a água estivesse fervendo.
— Aria…
“Ethan!” a voz ecoou uma última vez, abalando completamente as paredes daquele sonho. Ethan levantou de uma vez, acordando ofegante do sonho. Sua expressão era de terror, mas após alguns segundos, se acalmou. Porém, sentiu um arrepio por todo corpo quando a mão de Aria alisou as paredes de seu rosto.
— Aria? O que você… está fazendo aqui…? — perguntou, piscando os olhos com o sono.
— Vim te ajudar… não teve sonhos bons, não é? Me desculpa… — disse, e então abraçou o garoto.
— Sonhos…
— Você… anda tendo os sonhos também, não é? — perguntou, descansando a cabeça no peito de Ethan.
— Sonho…?
— Sim, não anda tendo uns sonhos estranhos esses dias?
O garoto pensou um pouco antes de responder, e decidiu que talvez seria melhor se Aria não soubesse sobre isso ainda.
— Não.
— N-não…? — a garota ficou surpresa com a resposta, e lentamente ia afastou-se do garoto. Mas Ethan a trouxe de volta com um braço, recolocando sua cabeça sobre o peito dele.
— Mas obrigado, mesmo assim…
Notas:
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