Volume 1 – Arco 1
Capitulo 40: No Coração da Maldição - Parte 2
Os olhos de Sylmara, como lâminas afiadas, não deixaram de percorrer o corpo de Glomme, notando, com um olhar desconfiado, a tonalidade esverdeada de sua pele. Glomme, um goblin místico humanoide, representava tudo o que ela temia sobre o desconhecido. Mas o olhar dela logo foi para Vanpriks, e a expressão de desgosto foi instantânea. A meia-vampira, com seus olhos penetrantes e a aura quase incontrolável, era o ponto de virada. Para Sylmara, aquilo era o ápice de tudo que ela achava errado naquele momento.
Kael, com seu semblante ainda mais fechado, se aproximou da porta, e o silêncio entre eles era tenso demais para ser ignorado.
— Boa tarde, sejam bem-vindos — Sylmara disse, a voz forçada e cortante. As palavras saíram com uma frieza que só tentava disfarçar a raiva interna.
Ártemis respondeu com seu tom calmo e seguro, tentando aliviar a tensão.
— Boa tarde, senhor e senhora Salavan — a voz dela foi suave, mas carregada de respeito.
Glomme, Vanpriks e Tiruli assentiram em silêncio, ambos sentindo a animosidade no ar, mas sem dar mais atenção ao clima pesado.
Trrira suspirou, já sabendo o que viria. Ela não podia mais evitar a situação. Sabia que o confronto estava prestes a acontecer, mas queria manter o controle. Sem esperar mais, ela tomou a frente da situação, tentando ser firme, mas com um toque de suavidade.
— O quarto fica no segundo andar, sigam por ali. Eu já subo! — disse, apontando para as escadas. Suas palavras estavam carregadas de um comando discreto, e ela esperava que os amigos seguissem sem mais palavras.
Enquanto eles começavam a subir, Trrira sabia que seus pais não demorariam a falar. Quando o som dos passos das escadas subindo ecoou pela casa, a conversa inevitável começou.
Sylmara foi a primeira a romper o silêncio, sua voz baixa e ameaçadora, como se cada palavra carregasse a tensão de uma guerra que ela não estava disposta a perder.
— O que é isso, Trrira? — sua expressão estava distorcida pela raiva contida, os olhos brilhando com indignação. — Monstros?
Kael, sempre o mais reservado, agora parecia prestes a explodir. Ele se virou para a filha, os punhos cerrados, mas sua voz saiu baixa, cortante.
— Uma vampira! — ele resmungou, a raiva se misturando com o medo. — E um garoto verde! Você trouxe isso para nossa casa, Trrira? Sabe o que isso pode significar? Sabe com quem está se metendo?
Sylmara avançou um passo, o olhar duro como aço.
— Você tem noção do que são essas criaturas? O que essas pessoas representam? — seu tom era baixo, mas a ameaça em sua voz não podia ser ignorada. — Você sabe que não podemos confiar neles. Eles são... folgados, ladrões. Não têm respeito pelas regras, não têm respeito por nós, humanos!
Trrira sentiu sua raiva crescer, mas manteve o controle. Não queria que seus pais percebessem que estava sendo atingida. Ela sabia o que eles pensavam sobre os outros, mas não poderia permitir que aquela visão estreita deles destruísse o que ela acreditava ser certo.
— Eles não são folgados, mãe. Eles são sinthra também, como nós — respondeu com calma, o olhar firme, mas sem levantar a voz. — Meus colegas... E estão aqui apenas por algumas horas. Eles não vão destruir nada.
Sylmara ficou pasma, riu com uma risada amarga, cheia de desdém.
— Mas eles não são humanos, filha. São aberrações. Eles são perigosos, Trrira! Vampira, garoto verde... e você acha que são amigáveis? Não vamos permitir que você fique perto deles, isso é um péssimo exemplo. Eles vão corromper você!
Kael deu um passo à frente, a expressão furiosa.
— Inaceitável, Trrira. Você não vai continuar se envolvendo com esse tipo de gente. Eles são rebeldes, Trrira. Você vai ficar de castigo de novo, e por um bom tempo! E nem adianta abrir a boca — sua voz estava gélida, como um comando.
Trrira, com a mandíbula cerrada, manteve a calma. A raiva pulsava em suas veias, mas ela sabia que não podia explodir agora. Não ia deixar que tudo se perdesse em um simples grito. Precisava manter o controle, precisava ser mais forte.
— Eu estou cuidando deles, e sei o que estou fazendo — respondeu, os olhos ardendo de uma determinação silenciosa. — Eles vão embora quando terminarmos, e até lá, eu preciso que vocês fiquem tranquilos aqui.
Sylmara e Kael trocaram olhares de reprovação, claramente preparados para seguir com o que já haviam decidido.
— Não vai ser assim. Não enquanto estivermos aqui — Kael disse, com firmeza. — Você não vai mais falar com eles depois de hoje, Trrira. Eles não são bem-vindos aqui.
Trrira sentiu o peso de suas palavras, mas permaneceu imóvel, os dedos apertando as palmas das mãos. Ela queria gritar, queria desabar, mas não podia. Não diante deles. Ela sabia que isso não acabaria bem, mas tinha que manter tudo sob controle.
Trrira se virou e subiu as escadas com passos rápidos, o sangue fervendo em suas veias. A raiva de seus pais, de todo o preconceito que eles tinham contra seus amigos, fazia seu peito apertar. Eles nem sequer deixam ela ter amigos. Seus pais, com toda aquela rígidez, simplesmente não conseguiam aceitar o diferente. Cada palavra deles parecia um peso imenso, como se a culpa fosse dela por apenas existir em um mundo onde seres como Vanpriks e Glomme eram "comuns". Eles não viam, não entendiam, e talvez nem quisessem entender.
Ela entrou no quarto com a respiração acelerada, a porta se fechando atrás de si. O quarto, que antes parecia um refúgio, agora a sufocava. A tensão ainda corria em seu corpo, mas ao ver Ártemis, tudo pareceu diminuir um pouco.
Antes que pudesse se sentar, olhou rapidamente para o canto onde a caixa com os objetos estava guardada e apontou com a cabeça.
— A caixa está embaixo da cama — disse, a voz carregada de cansaço. Não estava no clima para grandes conversas, mas tinha que ser objetiva. — Pode pegar lá.
Glomme e Tiruli se agacharam imediatamente, com o som das mãos mexendo entre os pertences e os objetos sendo retirados debaixo da cama.
Ártemis a observou atentamente, percebendo o cansaço que transparecia em Trrira. A expressão dela, normalmente serena, estava agora marcada por uma tensão silenciosa, o que fez com que Ártemis se aproximasse mais, com um toque suave em seu ombro.
— Ei... — Ártemis começou, sua voz tranquila e reconfortante. — Está tudo bem?
Trrira suspirou, passando a mão pelo cabelo como se tentasse se acalmar antes de responder. A raiva ainda a queimava por dentro, mas, ao olhar para Ártemis, ela sentiu um alívio pequeno, uma sensação de que talvez fosse possível dividir um pouco do peso.
— Só estou passando por alguns problemas... — respondeu de forma cansada, o tom quase frustrado. — Nada demais, só... meus pais não aceitam muito bem meu ciclo de amigos. Eles têm um... preconceito com seres místicos. Só porque são diferentes, pra eles são monstros. E tudo o que eu ouço é não se associe a essas pessoas, não fale com esses seres... tudo isso por causa da religião deles, e isso me sufoca. É como se eu tivesse que me esconder o tempo todo.
Ártemis ouviu cada palavra, o coração apertado pela dor que a amiga estava sentindo. Mas ela sabia que Trrira não queria ser tratada com pena. Ela queria ser ouvida e compreendida.
— Eu entendo. Não deve ser fácil... Eles querem o melhor pra você, mesmo que da maneira deles. Mas não precisa seguir o que eles pensam. Você tem sua própria vida, suas escolhas.
— É... Eu sei... — Trrira respondeu, olhando para o chão, evitando o olhar de Ártemis por um momento. — Vou dar um jeito. Não se preocupa com isso agora.
Trrira sentiu o apoio nas palavras de Ártemis, mas ainda se sentia exausta, como se uma grande carga tivesse se colocado sobre seus ombros. Ela então respirou fundo e trancou a porta, criando um pequeno espaço seguro entre ela e o mundo lá fora.
Todos começaram a se sentar no chão, e o silêncio tomou conta do ambiente, um silêncio confortável, mas carregado de tensão. Cada um dos amigos estava em suas próprias preocupações, mas o apoio mútuo ali presente, mesmo que em palavras simples, significava mais do que tudo.
Trrira fechou os olhos por um momento, sentindo-se mais leve, mas sabia que o que estava por vir não seria fácil. E, no entanto, no fundo, ela sabia que, com seus amigos ao lado dela, seria capaz de enfrentar qualquer desafio que surgisse.
O o silêncio que havia se instaurado parecia vibrar em torno do objeto amaldiçoado, como se uma energia invisível os observasse, aguardando o momento certo para se manifestar. Ártemis usava seus poderes para manipular o vento, movendo o artefato com precisão. O objeto flutuava suavemente no ar, suas sombras dançando nas paredes como espectros. Era um trabalho silencioso, quase hipnótico, mas não havia paz ali. A sensação de que algo estava prestes a acontecer fazia o ambiente parecer apertado, como se uma tempestade estivesse se formando.
Todos estavam sentados no tapete, entre o artefato que, a princípio, parecia comum, mas carregavam consigo uma carga de mistério que ninguém conseguia compreender totalmente. Os olhos de cada um se moviam com cautela em direção ao objeto, como se estivessem em uma dança silenciosa, evitando tocar, mas sem conseguir desviar completamente o olhar.
Aquele item parecia emanar uma energia antiga e distorcida, e o ar, carregado, parecia vibrar com a tensão dos presentes. Eles estavam ali para algo mais do que simples curiosidade — uma necessidade, uma urgência que estava se formando no fundo de suas mentes. Trrira, em sua postura calma, observava com a atenção de quem sabia exatamente o que estava fazendo, como uma arauto de algo maior. Os outros, no entanto, estavam desconfortáveis, seus olhos constantemente se movendo do objeto amaldiçoado para as pessoas no tapete, nervosos, desconfiados.
Então, Vanpriks, que até aquele momento parecia absorvida pela tensão, quebrou o silêncio, sua voz baixa, mas carregada de uma inquietação que não passou despercebida por ninguém.
— Onde está o jarro? — ela perguntou, a pergunta surgindo como uma lâmina cortante no ar pesado da sala.
Todos ficaram em silêncio por um momento. A pergunta parecia inofensiva, mas, para Trrira, isso era uma lâmina afiada cortando o ar. Ela percebeu a mudança súbita em Vanpriks, o desconforto visível em sua postura. Era estranho. Vanpriks estava preocupada demais com algo que parecia tão insignificante diante do que estavam prestes a fazer. Apenas ela parecia tão preocupada com o jarro, como se fosse uma peça-chave de um quebra-cabeça sinistro. Mas Trrira, com seu olhar atento, reconheceu algo mais. A tensão de Vanpriks estava transbordando, e isso não passava despercebido.
Trrira permaneceu calma, com um sorriso controlado, Trrira finalmente falou, sua voz serena como sempre, mas um tom que parecia esconder algo mais profundo.
— O jarro não é amaldiçoado, Vanpriks. Nem a máscara. Eu guardei os dois. Eram apenas objetos comuns — disse ela, sem desviar o olhar, com a firmeza de quem encerra o assunto antes mesmo que ele comece. A frieza em sua voz carregava um peso oculto, como se houvesse algo que só ela sabia — um segredo indecifrável, enterrado longe do alcance de qualquer entendimento alheio.
Todos apenas assentiram, lembrando que Trrira já havia avisado anteriormente que os dois objetos não eram amaldiçoados e nem faziam parte do que procuravam, então não lhes deram muita importância.
Diferente de Vanpriks que engoliu em seco, tentando esconder a inquietação que se formava em seu peito. Ela sabia o que aquele jarro representava. O jarro não era apenas um artefato qualquer. Era algo que poderia ser ativado, algo que poderia desencadear forças poderosas, além da compreensão deles. Ela planejava usá-lo, fugir com ele, mas a ideia de trair todos os outros a perturbava. No entanto, em seu íntimo, a tentação era imensa. O poder que o jarro continha, a promessa do que poderia fazer com ele... Mas ela sabia que, se falasse agora, todos perceberiam a suspeita. Ela não podia arriscar. Não ainda.
Sua mente estava um turbilhão, mas sua fachada de confiança permaneceu intacta. Ela apenas sorriu, tentando disfarçar qualquer traço de nervosismo.
— Claro, claro, eu só... achei que poderia ser importante — disse Vanpriks, sua voz tingida de uma falsidade velada, como se a própria dúvida a corroesse por dentro. Ela se acomodou novamente no tapete, voltando a se misturar ao grupo, disfarçando a preocupação que não podia controlar.
Trrira, por outro lado, não era tão ingênua. Ela observou Vanpriks, sentindo a tensão no ar, a forma como ela evitava o contato visual e como seu comportamento fora um pouco mais nervoso do que o habitual. Algo estava errado, e Trrira sentiu isso na pele. Ela sabia que Vanpriks escondia algo, que havia mais sobre o jarro. Mas por que não falava? Qual era o jogo que Vanpriks estava jogando? Trrira não tinha todas as respostas, mas tinha instinto — e o instinto nunca falha.
O clima entre as duas ficou mais tenso. Trrira, com a mente afiada, manteve o foco nos objetos diante dela, mas não pôde evitar um olhar furtivo para Vanpriks, tentando analisar o que realmente estava acontecendo ali. Cada um ali sentia a pressão, como se algo estivesse prestes a se romper. Trrira olhou para os outros, seus olhos passando por Glomme, Ártemis, Tiruli e Vanpriks. Eles também estavam apreensivos, mas nenhum deles parecia perceber a nuvem que pairava entre ela e Vanpriks.
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