Volume 1 – Arco 1

Capitulo 25: No Coração da Maldição - Parte 3

Misha deu um longo suspiro, mexendo os pés lentamente no concreto, sua paciência sendo testada a cada segundo que passava. Não gostava de perder tempo.

— Doze minutos, Quinn — ela disse, a frustração claramente estampada no rosto. — Doze minutos, você tem noção do que são doze minutos? É uma eternidade. 

Quinn, em seu habitual modo descontraído, apenas riu, sem perceber o quanto suas palavras estavam afetando Misha. Ele deu de ombros, com aquele sorriso arrogante que ela tanto odiava.

— Calma, desculpa, madame. Eu estava ocupado. Não é como se fosse a primeira vez, certo? Não se preocupe, Misha. Foram só alguns minutos. Eu estava apenas... me preparando — ele se aproximou mais dela, como se a provocação fosse um jogo.

Misha o olhou com uma expressão de puro desdém, sua boca se contorcendo em um sorriso sarcástico.

— Não me preocupar? Olha, Quinn, eu nem vou começar a falar do seu carro, tá? — disse ela, cruzando os braços, com o olhar fulminante. — Porque eu pedi discrição. Dis-cri-ção. Agora todos os malditos mendigos, delinquentes e bisbilhoteiros dessa porcaria de bairro sabem que dois riquinhos estão aqui. E sabe o que isso significa? Que em menos de meia hora vai ter um bando de gente achando que eu sou alguma alma caridosa que veio distribuir esmola.

Ele sorriu de volta, sem se deixar abalar. Na verdade, ele parecia até se divertir mais com as críticas de Misha do que com qualquer outra coisa.

— Relaxa, Misha — ele respondeu com aquele sorriso convencido, ajeitando o cabelo com uma passada lenta da mão. — Vai dar tudo certo, confia. Nenhum mendigo vai chegar perto de você comigo por perto. Eu vou te proteger com esses meus braços aqui — ele flexionou os bíceps de propósito, rindo — enormes, malhados, lindos e veiúdos. Sabe como é... os braços que todo mundo ama, admira... e, bom, alguns se apaixonam também.

Quinn começou a se afastar com um aceno despreocupado, ainda com aquele sorrisinho confiante no rosto.

Ele andou até o carro e abriu o porta-malas. Pegou os baldes e os colocou no chão com cuidado, olhando de relance para Misha. Ele estava um pouco nervoso — sabia que tinha exagerado. Os baldes eram nitidamente maiores do que Misha havia pedido, quase absurdos. Ele tentou disfarçar a tensão com um sorriso, ajeitando a camisa como se isso amenizasse a situação. Ele era assim mesmo, exagerado em tudo. E claro, não resistiu: comprou os mais caros, reluzentes e absurdamente desnecessários, só para garantir que tudo saísse "perfeito" — pelo menos na cabeça dele.

Misha olhou para os baldes, sua expressão mudando de surpresa para uma frustração palpável.

— Mas é claro... — Misha murmurou, cruzando os braços e encarando os baldes como se fossem um insulto pessoal. — Eu sabia que você ia aparecer com mais do que eu pedi — ela soltou um suspiro longo, já sem paciência. 

Quinn apenas sorriu, seus olhos quase se fechando, como se estivesse saboreando o momento. Ele parecia tão encantador, com aquele sorriso suave que iluminava seu rosto, fazendo-o parecer ainda mais fofo do que já era. 

— Você não quer segurar algum dos baldes? — Quinn perguntou, com um sorriso travesso.

Misha olhou para os baldes, depois para Quinn, e respirou fundo. Ela não disse uma palavra, mas sua expressão era clara. Com um leve movimento da cabeça, ela apenas negou, como se fosse uma resposta definitiva. "Eu não vou segurar esses trambolhos", pensou, com firmeza. Para ela, aquela tarefa era algo que pertencia aos homens, não aos seus próprios ombros. Ela se recusava a se submeter a algo tão simples, mas que para ela carregava um peso simbólico, algo que reafirmava sua crença de que certos papéis eram definidos de maneira rígida.

Quinn, agora segurando os três baldes, deu um sorriso satisfeito, mas um pouco desconfortável.

Misha apenas deu um sorriso escondido, aquele sorriso sutil que denunciava uma leve diversão, e olhou Quinn dos pés à cabeça. Com um movimento elegante, ela deu as costas e começou a andar, seus passos firmes e decididos, como se não tivesse mais nada a dizer ou a fazer ali. 

— Vamos logo, Quinn, a gente vai direto pro terreiro — Misha disse enquanto caminhava com passos firmes, sem nem olhar pra trás. — E anda depressa, antes que apareça algum mendigo querendo puxar conversa. Eu não tenho paciência hoje, sério.

Ele a seguiu, perplexo, tentando digerir tudo o que ela estava dizendo, mas ainda mais confuso com o rumo que as coisas estavam tomando.

— Terreiro? Misha... Macumba? Magia... Eu não entendo nada disso! Eu não sei se isso é seguro.

Misha, já um pouco cansada de ter que explicar tudo para ele, deu um passo atrás e continuou andando sem parar, sua voz fria e implacável.

Misha andava mais devagar de propósito, permitindo que Quinn a alcançasse. Enquanto ele se aproximava, ela explicou, com um tom prático e quase divertido, que não estavam ali para fazer macumba de verdade — a ideia era apenas enganar, encenar algo rápido. Falou sobre como aquilo iria parar nos jornais da TV, gerar burburinho, limpar a imagem deles — que iriam se livrar dos próprios pecados jogando a culpa para outra pessoa, simples assim. Garantiu que daria certo, especialmente se Nael estivesse do lado deles.

Quinn ficou em silêncio por um momento, sua mente tentando processar o que Misha havia dito. Mas no fim das contas, ele sabia que, por mais confuso que fosse o plano, ele não podia simplesmente ir embora. Ele tinha algo a ganhar nisso. Então, sem mais palavras, ele seguiu Misha enquanto ela avançava com passos decididos.

Eles caminharam juntos pelas terras abandonadas, suas sombras longas se projetando contra as paredes caídas, os ecos do passado se misturando ao presente. A caminhada era silenciosa, mas carregada de uma tensão crescente.


Na casa de Trrira, o silêncio que havia se instaurado parecia vibrar em torno dos objetos amaldiçoados, como se uma energia invisível os observasse, aguardando o momento certo para se manifestar. Ártemis usava seus poderes para manipular o vento, movendo os artefatos com precisão. Os objetos flutuavam suavemente no ar, suas sombras dançando nas paredes como espectros. Era um trabalho silencioso, quase hipnótico, mas não havia paz ali. A sensação de que algo estava prestes a acontecer fazia o ambiente parecer apertado, como se uma tempestade estivesse se formando.

Todos estavam sentados no tapete, entre os artefatos que, a princípio, pareciam comuns, mas carregavam consigo uma carga de mistério que ninguém conseguia compreender totalmente. Os olhos de cada um se moviam com cautela de um item a outro, como se estivessem em uma dança silenciosa, evitando tocar, mas sem conseguir desviar completamente o olhar.

Cada item parecia emanar uma energia antiga e distorcida, e o ar, carregado, parecia vibrar com a tensão dos presentes. Eles estavam ali para algo mais do que simples curiosidade — uma necessidade, uma urgência que estava se formando no fundo de suas mentes. Trrira, em sua postura calma, observava com a atenção de quem sabia exatamente o que estava fazendo, como uma arauto de algo maior. Os outros, no entanto, estavam desconfortáveis, seus olhos constantemente se movendo de um objeto amaldiçoado para outro, nervosos, desconfiados.

Então, Vanpriks, que até aquele momento parecia absorvida pela tensão, quebrou o silêncio, sua voz baixa, mas carregada de uma inquietação que não passou despercebida por ninguém.

— Onde está o jarro? — ela perguntou, a pergunta surgindo como uma lâmina cortante no ar pesado da sala.

Todos ficaram em silêncio por um momento. A pergunta parecia inofensiva, mas, para Trrira, isso era uma lâmina afiada cortando o ar. Ela percebeu a mudança súbita em Vanpriks, o desconforto visível em sua postura. Era estranho. Vanpriks estava preocupada demais com algo que parecia tão insignificante diante do que estavam prestes a fazer. Apenas ela parecia tão preocupada com o jarro, como se fosse uma peça-chave de um quebra-cabeça sinistro. Mas Trrira, com seu olhar atento, reconheceu algo mais. A tensão de Vanpriks estava transbordando, e isso não passava despercebido.

Trrira permaneceu calma, com um sorriso controlado, Trrira finalmente falou, sua voz serena como sempre, mas um tom que parecia esconder algo mais profundo.

— O jarro não é amaldiçoado, Vanpriks. Eu guardei ele. É só um jarro normal, nada além disso. — disse ela, sem desviar o olhar, como se estivesse desconsiderando qualquer possibilidade de dúvida. A frieza em sua voz escondia um mistério, algo que apenas ela sabia, algo que ninguém mais compreenderia a fundo.

Vanpriks engoliu em seco, tentando esconder a inquietação que se formava em seu peito. Ela sabia o que aquele jarro representava. O jarro não era apenas um artefato qualquer. Era algo que poderia ser ativado, algo que poderia desencadear forças poderosas, além da compreensão deles. Ela planejava usá-lo, fugir com ele, mas a ideia de trair todos os outros a perturbava. No entanto, em seu íntimo, a tentação era imensa. O poder que o jarro continha, a promessa do que poderia fazer com ele... Mas ela sabia que, se falasse agora, todos perceberiam a suspeita. Ela não podia arriscar. Não ainda.

Aquele jarro não seria fácil de alcançar. E ela sabia que não poderia falar sobre ele ali, na frente de todos. Mesmo que quisesse, ela não poderia se arriscar.

Sua mente estava um turbilhão, mas sua fachada de confiança permaneceu intacta. Ela apenas sorriu, tentando disfarçar qualquer traço de nervosismo.

— Claro, claro, eu só... achei que poderia ser importante — disse Vanpriks, sua voz tingida de uma falsidade velada, como se a própria dúvida a corroesse por dentro. Ela se acomodou novamente no tapete, voltando a se misturar ao grupo, disfarçando a preocupação que não podia controlar.

Trrira, por outro lado, não era tão ingênua. Ela observou Vanpriks, sentindo a tensão no ar, a forma como ela evitava o contato visual e como seu comportamento fora um pouco mais nervoso do que o habitual. Algo estava errado, e Trrira sentiu isso na pele. Ela sabia que Vanpriks escondia algo, que havia mais sobre o jarro. Mas por que não falava? Qual era o jogo que Vanpriks estava jogando? Trrira não tinha todas as respostas, mas tinha instinto — e o instinto nunca falha.

O clima entre as duas ficou mais tenso. Trrira, com a mente afiada, manteve o foco nos objetos diante dela, mas não pôde evitar um olhar furtivo para Vanpriks, tentando analisar o que realmente estava acontecendo ali. Cada um ali sentia a pressão, como se algo estivesse prestes a se romper. Trrira olhou para os outros, seus olhos passando por Glomme, Ártemis, Tiruli e Vanpriks. Eles também estavam apreensivos, mas nenhum deles parecia perceber a nuvem que pairava entre ela e Vanpriks.

Um silêncio tenso se formou entre elas, quebrado por Ártemis, que, com sua usual calma e clareza, fez uma pergunta que ecoou na mente de todos.

— Quem vai tocar primeiro? — perguntou ela, com a voz suave, mas com um tom grave, que refletia a seriedade da situação. Sua curiosidade era visível, mas seus olhos mostravam uma cautela que todos compartilhavam.

Tiruli, que até aquele momento estava segurando sua ansiedade, finalmente estendeu a mão, como se não conseguisse mais aguentar a pressão do momento. Sua vontade de descobrir o que aqueles objetos realmente significavam era maior do que qualquer medo que ele pudesse sentir. Ele olhou para a bola de cristal e, depois para a máscara amaldiçoada. A hesitação foi breve, mas suficiente para que todos notassem a preocupação em seu olhar. 

— Eu... eu vou — disse Tiruli, sua voz hesitante, mas determinada.

Ele hesitou por um momento, os olhos passando de um artefato ao outro, e finalmente, depois de um breve momento de indecisão, sua mão tocou a bola.

A reação foi imediata. Sua cabeça se ergueu, os olhos começaram brilhar em um vermelho intenso, e sua boca se abriu involuntariamente, emitindo um som rouco, quase um grito sem voz. Todos ao seu redor ficaram congelados, sem saber o que fazer. Trrira observou, seus olhos fixos em Tiruli, mas também olhando rapidamente para Vanpriks. A tensão entre elas só aumentava, mas, agora, o que importava era o que estava acontecendo ali, naquele momento. A resposta viria, e eles teriam que estar preparados para o que quer que fosse.

Glomme fixou o olhar em Tiruli, a preocupação gravada em seu rosto. Havia um temor silencioso em seus olhos, um receio oculto de que algo estivesse prestes a puxá-lo para além do alcance, para um lugar do qual talvez não pudesse retornar.

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