Volume 1
Capítulo 25: A Mansão Negra
VINICIUS
Você tinha razão. A sensação é prazerosa mesmo, tendo em vista que, ao entrar na floresta, é como adentrar em outro mundo. Todas as regras ali são diferentes, pois alguém forte pode se tornar fraco e um fraco pode se tornar forte. É um lugar mágico.
Às vezes, eu tenho vontade de morar lá dentro e nunca mais sair, porém eu sinto vergonha disso e não conto a ninguém. Todavia, isso não é um problema, pois estou feliz aqui fora também, graças a você.
Hoje eu tenho uma profissão, que paga relativamente bem, estou casado e tenho um filho, e este tem quase a mesma idade que eu tinha quando te conheci.
Ele tem onze anos e eu tinha doze. Daqui um ano, eu o ensinarei a arte da caça também, assim como o Sr. me ensinou, tio Roan.
Quero dizer, se ele manifestar magia, provavelmente será um mago brilhante, assim como é a sua mãe, mas terá um futuro garantido, independentemente do resultado do teste. Não será um teste que definirá o seu futuro.
Eu pensava que era azarado, mas tive sorte por te encontrar. Eu me sinto tão feliz por ter te encontrado, professor.
— Obrigado, meu professor — digo isso ao deixar uma coroa de flores em seu túmulo.
— Como ele era, papai? — diz meu filho, Gabriel.
— Ele era o homem mais forte de Aelum, desde que estivesse dentro da Floresta de Prata.
— Uau, eu quero ser forte assim também. A floresta é assustadora!
— E você será, Gabriel, pois você herdou a força de seu tio.
Tive muita inveja, quando pequeno, inveja dos que podiam usar magia, mas era uma bobagem minha, pois se eu pudesse usá-la, ainda que de forma medíocre, não teria me tornado um caçador.
Na verdade, eu invejava os santos e os achava sortudos, porém a corrupção da igreja veio a público há pouco tempo.
A ganância dos seguidores de Dara foi tão grande que rapitaram até mesmo uma santa das terras vermelhas, mas eles não esperavam que ela fosse tão estimada pelo dragão.
As tensões começaram novamente e é possível que uma nova guerra se inicie.
Mas não tenho medo algum, pois posso proteger minha família. Posso levá-los para dentro da Floresta de Prata e ali estarão seguros. Minha família não pagará pela ganância deles.
Agora todos sabem que os santos são mantidos prisioneiros pela igreja e são obrigados a usarem seus dons até morrerem, pois algumas das habilidades únicas deles cobram um preço muito alto.
Está um caos na cidade agora, pois nunca houve confiança entre as pessoas, porém até mesmo as aparências acabaram, por isso, as estruturas começam a ruir. O medo de terem seus filhos levados pela igreja é perturbador.
É irônico, verdade? Eu tive sorte até aqui e não sabia. Salvo pelo fato da mamãe ter morrido, mas eu não a culpo, somente sinto sua falta.
Você poderia ter aguentado um pouco mais, mãe, pois nós teríamos conseguido sobreviver, teríamos dado a volta por cima.
Você poderia ter me dado ao menos a chance de tentar. Eu lamento tanto por não ter percebido os sinais, pois eles estiveram ali.
Queria que você estivesse aqui. Quero que saiba que estou bem e sou feliz. Que droga, eu não consigo mais lembrar do seu rosto.
Deixo outra coroa de flores no túmulo de minha mãe, ela está ao lado de seu irmão agora. No final, ele a perdoou, mas ela não estava aqui para ouvi-lo.
— Gabriel.
— Sim?
— Enquanto eu estiver fora trabalhando, fique de olho na sua mãe e a proteja. Se algum dia você a vir triste, me avise, certo?
— Pode deixar, pai, vou fazer igual ao tio Roan.
— Sim, seja forte igual ao tio Roan. Vamos para casa, pois o papai precisa trabalhar ainda hoje.
— Sim, pai.
— Já falei para limparem os pés antes de entrarem em casa! — diz Liliam, minha esposa.
Não sei o que ela viu em mim, é uma bela mulher de cabelos pretos e de baixa estatura, dotada de magia de vida e muito boa nisso. Ela trabalha na enfermaria e trata os pacientes com magia...
— Seu brutamontes. Olha só que sujeira você fez, só tem tamanho mesmo. Eu não vou precisar mandar vocês dois limparem essa sujeira, verdade?
Com essas perguntas confusas, independentemente se eu responder sim ou não, ela se irritará. Mas creio que a resposta que ela deseja seja eu pegar o esfregão, portanto é o que eu faço.
— Está pensando coisas horríveis de mim, não é Vinicius?
Deixo o esfregão cair e a puxo para perto de mim. Estamos abraçados agora e sinto o perfume de seus cabelos.
— Estou pensando que sou o homem mais sortudo de Aelum.
Liliam vira seu avermelhado rosto, me empurra e diz: — Seus truques não vão funcionar comigo, limpe essa sujeira!
Assim, eu volto a limpar o chão e Liliam parte em direção à cozinha. Mas antes, ela para e me provoca:
— Você está proibido de sair antes de tomar café comigo, termine logo isso aí e venha.
Eu disse que fora da floresta não é tão ruim, você vê, professor?
— Vai ficar aí parado com cara de bobo? Ande logo, pois tenho novidades para te contar. Eu vou fazer um teste hoje e pode ser que eu seja promovida.
Não é necessário muito para ser feliz.
Siiip! Ela cambaleia e cai.
Tum! Um som seco pode ser ouvido, pois é um animal enorme.
Demorará um tempo para ficar inconsciente, mas seu corpo paralisa quase que imediatamente. Que animal magnífico, deve pesar o quê? Creio que uma tonelada, uma monstruosidade, mas é um monstro belíssimo.
Se não fossemos inimigos, eu adoraria ser seu amigo.
Gigantesca e poderosa, seus filhos provavelmente seriam bestas, mas, em que pese a imponência do animal, sua respiração delata o seu medo. Ela que viver, entretanto onças saltadoras são seres vingativos. Desse modo, se eu a deixar viver, ela virá atrás de mim, mesmo que eu retorne ao Reino de Lumínia. Mataria muitos lá, porque são seres belos, grandes e insanos.
— Vocês são tão bonitas e obstinadas, que me lembram alguém que me espera em casa. Sinto muito, Sra. Onça, pois você precisará morrer para que possamos viver — digo em baixo som, por costume, entretanto a presença dela aqui indica que não há outros predadores por perto.
Coração e garganta, você morrerá rápido e de forma indolor. É o meu presente a você, querida amiga que eu não tive.
Todavia, não encontrei uma caça ainda, e não quero voltar de mãos vazias hoje. Assim, eu vasculho os arredores e percebo galhos quebrados e pegadas. Javalis, faz tempo que eu não pego um javali.
Sigo o rastro sem fazer qualquer barulho e, neste ponto, verifico que os insetos pararam de fazer sons, então caminho com cuidado, até que escuto:
Grunk! Grunk!
Escalo rapidamente uma árvore e olho em direção aos ruídos. Estão lá, vários javalis, e eles sempre andam em bandos assim. Nunca podem ser subestimados, pois, no chão, eles reinam.
Mesmo que um animal muito mais forte tente matar um javali, ele nunca pode subestimá-lo, pois, na medida em que o predador tentar abocanhá-lo, ele pode ter sua barriga perfurada por sua grande presa.
Eventualmente, encontro javalis e onças mortos, os quais mataram um ao outro. Em particular, se eu fosse uma onça, evitaria caçá-los. Mas tenho sorte por não ser uma onça. Pois, não faz diferença para mim, tendo em vista que vai acabar antes de começar.
Coleto uma flecha da aljava, coloco na corda e tenciono o arco, ao passo que não tiro os olhos do meu alvo e escuto os arredores. Então, solto a corda.
Siiip! Preciso melhorar a mira ainda, pois acertei no pescoço e havia mirado no centro da silhueta. Em todo caso, é um bom disparo, pois é só seguir o alvo, que ele não irá longe.
Todos os javalis correm, mas deixam o amigo para trás. O medo faz isso com eles, pois são irracionais, tendo em vista que se pensassem um pouco, teriam ficado aqui e me enfrentado, pois eu não teria chance alguma contra todos.
É uma bela caça, e aproveito que está tudo tranquilo para degolar o animal. É melhor deixar o sangue fluir para fora, pois seu coração ainda bate.
Feita a sangria, coleto o animal e prendo ele nas minhas costas. Que bom que eu fui agraciado com um corpo grande e forte.
É hora de voltar.
A minha casa fica próxima ao limite da Floresta de Prata, era do Tio Roan. Ele a deixou para mim antes de falecer. Eu e minha esposa fizemos várias melhorias e está muito mais habitável do que antes.
À medida que caminho na borda da floresta e vejo a luz do entardecer, consigo escutar o som de pessoas falando, então vejo que várias delas se concentram em frente a minha casa. Aconteceu algo?
Ao passo que me aproximo, posso ouvir as conversas dos moradores.
— Pobrezinho, mas foi estupidez o que ele fez.
— Sim, eu também vi, ele atacou o sacerdote.
— Será que eles vão chamar um inquisidor por isso?
— Tomara que não, mas é melhor não deixarmos nossos filhos saírem sozinhos.
— O que aconteceu, por que estão na frente da minha casa? — pergunto aos civis.
Eles se viram e me olham com espanto, parecem ter medo de me responder, mas, em contrapartida, abrem espaço para que eu caminhe até minha residência.
A porta da casa se encontra aberta e em frente a ela está um garoto caído no chão.
— Gabriel?
Eu me aproximo de meu filho, minha apreensão é tamanha que eu esqueço de respirar e agora estou de joelhos e ofegante, em frente a ele.
Tenho medo de conferir se ele está vivo, mas preciso fazê-lo.
Coloco a mão sobre seu pescoço, seu corpo ainda está quente, mas não sinto a pulsação, já seus olhos não reagem à luz e perderam seu brilho.
Há sangue e água por todo o lado e vejo várias perfurações no peito de meu filho.
— O que aconteceu? — pergunto, enquanto me levanto e olho para os moradores.
Ninguém responde, mas eles abaixam a cabeça e dão um passo para trás.
Desprendo a carcaça do javali, que estava presa ao meu corpo, e jogo para o lado.
Tum! Eles dão outro passo para trás, mas o medo deles se confunde por cobiça pela carne. Como podem pensar em comida em um momento assim?
— Eu perguntei o que aconteceu aqui!
Uma idosa, com mais coragem que todos ali, toma a dianteira e responde:
— Sr. Caçador, eles vieram buscar sua esposa para interrogá-la, mas seu filho tentou impedir, por isso eles o mataram. Creio que os ânimos dos sacerdotes estejam alterados por conta dos escândalos.
— Para aonde eles a levaram?
A senhora tem medo de dizer o local abertamente, portanto ela se aproxima de mim, faz um sinal para eu me aproximar, então cochicha em meu ouvido:
— Para a mansão negra.
Impossível, pois só traidores e outros criminosos capitais são enviados para aquele lugar.
— Você mente!
— Sr. Caçador, eu não tenho mais idade e nem motivos para contar mentiras.
— Sra. Isolde, obrigado. Agora é melhor você e sua família irem para casa e ficarem ali.
Viro as costas para a multidão, coleto meu filho caído da sujeira da rua e o levo para dentro de casa.
Pego minhas adagas, flechas e todas as facas de cozinha. Além disso, eu aplico veneno em todas as armas.
— Vou buscar sua mãe. Espere aqui, Gabriel.
Passo pela porta de minha casa e preciso me abaixar para conseguir atravessá-la, então me viro e tranco a porta, mas quando me volto em direção à mansão negra, percebo três homens que me esperam a uns dez metros de distância. Todos os demais já fugiram.
— Deixe para lá, Caçador, pois ninguém volta vivo daquele lugar e você sabe disso.
— Ninguém viverá, se tentar me impedir, Barto.
— Você é grande, mas não passa de um inepto. Não temos problemas com sua família, mas será ruim se a inquisição vier.
Traficantes, eles se passam por mocinhos e dizem não tolerarem crimes dentro do território. Todavia, eu não estúpido e sei que eles não querem problemas aqui para que os guardas e a igreja se mantenham longe dos negócios.
Eu o ignoro e dou um passo em direção à mansão.
— Idiota. Mat... Guah! — diz Barto, enquanto levantava sua mão em minha direção, por isso eu lanço uma das facas de cozinha em sua garganta.
Tolo, nunca levante sua mão na direção de um inepto, pois é impossível saber se será lançada uma magia ou não.
— O quê? — diz um dos bandidos.
Eles se olham, como se perguntassem silenciosamente se deveriam fazer isso mesmo. Então juntos, tomam coragem.
O de cabelos pretos saca uma espada. O outro, um loiro, tenta levantar sua mão direita em minha direção, ao passo que eu arremesso outra faca.
Katchin! O bandido intercepta a faca, que eu arremessei, com sua espada. Ele não é tão ruim, mas eu me aproveito da distração e invisto contra ele.
Katchin! Ele defende, mas eu saco a segunda adaga e o perfuro no coração. Surpreso com o ataque ele solta sua espada, então seu companheiro aponta o dedo indicador em minha direção e grita:
— Aqua salitas!
Conheço a magia, afinal sempre fui um entusiasta da manipulação de fluxo. Assim, ao passo que o loiro levanta sua mão, eu pego o outro bandido e o uso como escudo.
Uma flecha de água é lançada em minha direção, mas acerta o peito do bandido de cabelos pretos.
— Ah! — O moreno grita, então eu o degolo com uma faca e a lanço contra o peito do loiro.
No centro da silhueta. Acho que minha mira não está tão ruim assim no fim das contas, não é, tio Roan? Para a mansão, agora.
Entretanto, percebo que guardas e sacerdotes se aproximam de mim, enquanto coleto as facas dos corpos dos bandidos.
Eles são muitos. Creio que estão em quinze.
— Prendam o assassino! — diz um dos anciões.
Conheço a minha força e, fora da floresta, eu não consigo enfrentar tantos magos e soldados.
Se eu morrer aqui, não conseguirei salvar Liliam.
Olho para a floresta e ela está a uns trinta metros de mim.
Quando me dou conta, meu corpo já se moveu em direção à selva.
— Aqua salitas! — Sinto uma picada nas costas, mas não paro de correr deles.
— Não deixem que ele fuja!
Eu quero enterrar o Gabriel.
Preciso salvar a Liliam.
Deveria enfrentá-los, porém meu corpo foge. É a melhor decisão, é o certo, mas por que me sinto tão mal?
Escuto a voz de Roan em minha cabeça: — Você já tomou a decisão, agora execute o plano.
Sim, somos caçadores, tio Roan.
Pois, estou na Floresta de Prata.
E, aqui, eu reino.
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