A Voz das Estrelas Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 7: Emboscada – Confronto entre Marcados ②

Devidamente preparada para o embate, Layla deu as boas-vindas ao Marcado de Rígel, o fitando com cautela acima da mesa. O cabelo volumoso com bagunçadas pontas curvilíneas era preto, contrastando com o tom de pele próximo ao pálido.

Cortá-lo com a faca que tinha a disposição não seria fácil. Diferente da camisa social fina que trajava, ele estava agasalhado do pescoço aos pés com um casaco de couro e calça jeans. Não havia áreas expostas, a única exceção era o rosto plácido no qual se encontravam os relaxados olhos castanhos.

“Ela conhece a estrela de minha marca”, pensou em silêncio conforme também analisava a oponente. “Deve conhecer meu Áster igualmente? Não, isso não teria importância de qualquer forma.”

Mesmo o rapaz podia identificar o ar frio que rodeava aquela jovem. Por algum motivo não viu a marca dela irradiar o brilho da aproximação entre Marcados, porém isso não fazia diferença. Saber a identidade dela provava-se mais do que suficiente.

“Então... você também me mostrará seu Áster? Ou irá morrer antes disso?”, girou a faca com maestria para, em seguida, puxar outra da cintura. As posicionou viradas em direções opostas enquanto criava um xis à frente do torso, os braços cruzados.

“Ele deve ser bem proficiente nisso. Preciso tomar cuidado”, Layla franziu as sobrancelhas ao acompanhar a sequência preparatória do adversário. Era uma lâmina contra duas, então reconhecia a própria desvantagem antes do início do combate.

Além disso, parecia estar um pouco preocupada com algo além daquele encontro. Embora possuísse informações cruciais de antemão, podia sentir a aura perigosa emanar do Marcado de Rígel. Essa logo ganhou intensidade quando ele esgazeou os olhos em sua direção.

Saltou da mesa de concreto e avançou em alta velocidade até a alva, as facas em ambas as mãos prontas em prol de a afligirem. Dessa vez o dorso do membro não brilhou.

A escolhida da Lira recebeu os dois primeiros golpes sem hesitar, os defendeu com a única arma que possuía e recuou alguns passos. Manteve a postura apesar do elevado ímpeto ofensivo do agressor, que seguiu em frente na busca por uma abertura.

Por menos esperado, ela conseguia se defender muito bem. Seus movimentos mostravam-se próximos do extravagante, enquanto mantinham um bom padrão entre desviar das percussões e revidá-las aos poucos. Contudo caso permanecesse daquele modo, logo o oponente teria sucesso em lhe encurralar.

A marcada percebeu isso, então resolveu modificar a abordagem defensiva. Quando as facas do rapaz se aproximaram na tentativa de a empalar na altura do peito, ela trouxe todo o corpo para o solo e girou uma rasteira rápida contra suas pernas.

O rapaz sofreu o impacto e sentiu os pés perderem contato com a superfície durante milissegundos. Virou o rosto rapidamente ao acompanhar o prosseguimento do giro executado pela inimiga, que retomou a postura erguida com a lâmina voltada na direção de suas costas.

No entanto ao invés do corpo ser puxado pela gravidade em direção à terra, ele permaneceu naquele ponto. Por fim o brilho azul se revelou no símbolo do dorso, um momento único no qual a garota foi capaz de identificar a essência do próprio.

Como esperado, o asterismo indicava um quadrilátero de pontos em vértices, onde o maior e mais brilhante deles podia ser encontrado na inferior direita. O resto da composição apresentava três pontos alinhados no centro dessa forma. Para completar, existia uma série de pingos menores à destra, criando uma espécie de escudo, e no canto superior canhoto concebendo uma espada.

Era a Constelação de Órion, o caçador; o conjunto de uma de suas estrelas mais brilhantes, Rígel, a representada marca daquele jovem a levitar, desprezando quaisquer leis da física.

“Por isso ele me atacou de cima naquele momento... esse é seu Áster”, a garota já tinha uma ideia, mas agora pôde confirmá-la com total exatidão. Era o sinal que indicava a dificuldade exigida pelo confronto.

Não desistiu de tentar o corte contra as costas dele, mas foi em vão. O rapaz conseguiu empurrar o torso para levantar no ar e evitar o contragolpe da adversária, em seguida avançando alguns metros até retornar ao solo. O brilho azulado cessou de novo, então Layla passou a analisar certos mecanismos naquele tipo de habilidade.

Aspectos como altura máxima e tempo de levitação ainda eram incertos, contudo, certamente havia algum limite. Mesmo que o marcado já dominasse esse poder há um bom tempo, ainda existiria uma fronteira na qual não poderia atravessar.

— Você é boa. Melhor do que pensei. – Ele enfim proferiu algumas palavras, sua voz soava remansada. – Mas não pode vencer.

— Talvez eu não possa, é verdade. Diferente de ti, não possuo um Áster voltado a habilidades físicas. – Manteve o sorriso misterioso na face. – Ainda assim, não acho que consiga me matar sozinho.

— Tem razão! Sozinho ele não vai conseguir mesmo!

Uma terceira voz ecoou pelo campo de batalha, chamando a atenção de ambos até a passagem principal do campus. A escolhida da Lira franziu o cenho ao encontrar a jovem responsável por proferir tal resposta em voz alta.

“Até que enfim apareceu”, divagou conforme a jovem, de cabelo dividido em dois na altura dos ombros, aparecia no palco da decisão.

Ela sorria com meiguice, embora exalasse uma violenta aura assassina direcionada a Marcada de Vega. Essa era Isabella Morgan, a responsável por fazer a marca em seu peito brilhar pela segunda vez.

— Mas nós dois conseguiremos! – Parou de caminhar ao lado do agressor.

A situação parecia ir de mal a pior, mas Layla não descontrolou as emoções e manteve-se firme perante a dupla.

— Você demorou, Isabella. Foi tão difícil se livrar do outro marcado?

— Foi bem simples, irmão Isaac! Tudo correu certinho, como planejado! – Ela bateu as palmas em comemoração. – Para fazê-lo cair na emboscada, precisei enrolar um pouquinho! Sabe como é, né!? Mas realmente fiquei com um pouco de pena... ele não parecia ser uma pessoa ruim.

O garoto, de nome Isaac, não a respondeu verbalmente.

A jovem nívea fitou os dois com cuidado e notou que eles, de fato, se pareciam bastante. Mesmo para irmãos de sangue, a semelhança entre ambos era bastante chamativa. Logo abordou a hipótese de serem gêmeos, apesar de abandonar tais detalhes em tempo recorde.

— Mas eu pensei que você já iria matar essa antes de eu chegar aqui! Ela por acaso é forte!? – Isabella ergueu as sobrancelhas ao encarar a inimiga.

— Não diria forte. É bastante habilidosa. Se não tomar cuidado...

— Entendo... do jeitinho que eu gosto!

Ao responder o irmão, tanto o sorriso quanto o tom de voz da menina elevaram-se de forma grotesca. Ela avançou dois passos pesados e tomou a frente da situação, a aura animalesca que a rodeava cresceu exponencialmente até criar uma corrente de ar quente pelo recinto.

De repente, um brilho intenso surgiu na palma de sua mão direita, toda contorcida. A ergueu até mostrar aos olhos escuros adiante o símbolo idêntico ao de Isaac em destaque. No entanto diferente dele ou de qualquer outro marcado encontrado até então... a luz irradiada dali possuía uma coloração avermelhada.

— Marcada de Betelgeuse...

Layla semicerrou as vistas com seriedade ao contemplar a singela diferença entre os dois símbolos. Na mão da de óculos, o maior ponto estava localizado no vértice superior esquerdo – aquele que portava a grande espada do guerreiro.

Mesmo sendo dois Marcados, representavam apenas um escolhido de Órion.

Diferente do sútil irmão gêmeo, a recém-chegada liberou todo o instinto durante a metamorfose orquestrada pelo Áster singular. As unhas das mãos cresceram até se tornarem garras afiadas, assim como os dentes caninos. Os músculos do corpo expandiram, os sapatos nos pés foram destruídos.

— Vou matá-la... assim como fiz com o outro garoto! – Os olhos castanhos se tornaram tão afiados quanto as lâminas carregadas pelos primeiros combatentes.

O Transformismo Animal de Isabella seria o novo empecilho para a Marcada de Vega lidar sozinha. Embora diante de tamanha ferocidade, ela manteve a calma por intermédio de respirações controladas e trouxe todo o foco à inédita oponente.

Sem oferecer tempo para Isaac protestar, a bestial pegou um impulso violento com as pernas e disparou levantando poeira. Layla arregalou os olhos ao sentir a onda de choque chegar primeiro, a obrigando a cruzar os braços na frente do rosto antes da própria portadora lhe alcançar.

Isabella desferiu o primeiro golpe de cima para baixo, a força grotesca causou um impacto poderoso capaz de destruir o solo. Isso ocorreu pois o alvo havia desviado uma fração de segundo antes da investida a atingir.

“Não só sua força aumentou... a velocidade também”, assustada após executar o salto rápido que salvou sua vida, a alva estalou a língua. Além das sobrancelhas erguidas, não transpareceu nenhuma emoção deturpada ao contemplar o poder latente que a menina possuía.

Tudo ainda corria dentro do esperado. O restante giraria em torno da quantidade de tempo que seria capaz de aguentar contra os dois Marcados da Constelação de Órion. Naquele cenário, não existia nenhuma expectativa de conquistar um triunfo.

Após o primeiro ataque frustrado, a animalesca partiu em alta velocidade na tentativa de, dessa vez, cortar o pescoço do escopo sem nenhuma falha. Diferente da ocasião passada, a Marcada de Vega manteve a posição e aceitou o combate frontal.

O sorriso grotesco da garota se alargou ainda mais, demonstrando a mudança absoluta sobre a própria personalidade. As garras afiadas foram bloqueadas pela faca bem posicionada, porém os cortes continuaram em forma de lâminas invisíveis pelo ar até colidirem com o chão na retaguarda.

Layla resguardou a compostura, entretanto o terceiro ataque consecutivo de a jogou para trás com ímpeto. Capotou duas vezes no chão e sentiu arranhões leves serem criados pela extensão das pernas vulneráveis. Quando girou o torso a fim de voltar a se erguer durante o recuo, o brilho azulado da marca de Isaac iluminou sua face.

Uma das lâminas empunhadas por ele cortou o espaço em direção a seu olho esquerdo. A jovem reagiu rápido, inclinou o torso para trás e teve sucesso em se desvencilhar da investida perigosa.

O rapaz corrupiou o corpo num mortal para frente com auxílio da Levitação e acertou um chute no braço que a nívea posicionou sobre a cabeça, no objetivo de se defender. Ela sentiu o impacto se alastrar por quase todo o corpo, mas não foi o bastante em obrigá-la a tocar o chão com os joelhos.

Isabella avançou por baixo e buscou atingir o queixo da adversária, porém essa também antecipou a investida e realizou um passo simples em retorno, conseguindo evitar as garras de rasgarem aquela área do rosto. Recuou mais alguns saltos em busca de abrir distância, mas os irmãos não lhe ofereceriam vida fácil.

A pressão pós-erro exercida por eles revelava-se abissal, ainda munida de uma sincronia que beirava o impecável. Talvez muito tempo de treinamento e experiência fossem os responsáveis por os elevarem àquele patamar. Na hipótese mais fantasiosa, poderia resumir-se ao sangue fraterno.

De qualquer modo, a escolhida da Lira enxergava-se em um estreito beco sem saída. Era questão de tempo até ser pega por algum ataque conjunto, encontrava-se incapaz de revidar e começava a ficar sem tempo.

“Vamos, garota. Não vai mostrar seu Áster?”, Isaac levitou até a retaguarda da adversária e tentou acertá-la, mas os golpes consecutivos foram defendidos pela arma singular. “Por acaso está nos subestimando? Sinto muito então”, estreitou os olhos ao enxergar sua irmã preparada a favor da segunda ofensiva.

Presa na disputa entre as pequenas armas brancas, a alva não pôde se virar a fim de evitar que as garras afiadas de rasgassem camisa, pele e carne na altura das costas. Sangue espirrou pelo ar. A ardência excruciante a fez soltar um curto gemido.

Aquele parecia ser o estopim de uma sequência sem volta onde a derrota seria acusada em breve.

Conduzida pela euforia arrogante, a bestial mirou a cabeça da adversária no intuito de terminar com tudo de uma vez por todas. Sem desistir do combate, a Marcada de Vega empurrou o irmão e executou um movimento que surpreendeu a garota de óculos.

Moveu-se à esquerda, deixando as garras animalescas causarem leves cortes na altura da bochecha. Ao sacrificar mais um pouco do próprio sangue, pôde agarrar o braço resistente da agressora e usufruir de uma força sobre-humana em prol de levantá-la do chão.

“O quê!?”, Isabella não acreditou quando sentiu todo o corpo ser conduzido pelo ar, num giro de cento e oitenta graus até colidir com as costas no solo. O impacto monstruoso a fez sentir os ossos estremecerem por toda a altura do torso, lhe trazendo uma dor insólita enquanto cuspia saliva.

Nem mesmo Isaac foi capaz de admitir a cena que acabava de presenciar. Ainda que possuísse uma estatura corporal bastante frágil sob perspectiva inicial, Layla foi capaz de aguentar todo o peso fortificado da Marcada de Betelgeuse para finalizá-la com tudo contra a terra.

E para piorar, não houve nenhum indício sobre aquela super força ser, de alguma maneira, o Áster dela. Ele se recusava a crer que o vigor natural da inimiga foi responsável por conceber um deslocamento de tamanha potência.

“Droga, não é hora para ficar embasbacado”, estalou a língua em prol de retomar a concentração diante da imprevisível oponente.

Ela tomou alguns metros de distância antes que Isabella pudesse recuperar a postura. Escutou os resmungos irritados que vinham dela, porém nenhum deles parecia importar naquele instante. Dentro da cabeça fria, somente um fator determinante para aquele confronto tinha vez...

“Está na hora”, fechou os olhos azul-escuros perante a dupla inerte.

Quando os dois pensaram que ela utilizaria algum tipo de habilidade especial, uma explosão ocorreu a alguns metros de onde batalhavam. Puderam enxergar a esfera de fumaça em formação após o fogo desaparecer, seguida de um tremor mediano.

— O que diabos foi isso!? – vociferou a bestial ao observar a área do impacto.

Layla permaneceu em silêncio até passos apressados serem escutados pelo trio. Antes de qualquer um realizar alguma ação, homens fardados de preto com capacetes que escondiam suas faces cercaram a saída da ala do pátio onde o conflito acontecia.

Ao todo eram cinco, armados com metralhadoras apontadas na direção dos marcados. Isabella e Isaac sequer reagiram, a jovem nívea permaneceu de costas mesmo ao escutar as armas de fogo serem posicionadas e destravadas pelos invasores.

— Marcados das estrelas, não se movam! – gritou um deles, sua voz masculina abafada pela proteção facial. – A universidade está completamente tomada! Se tentarem algo suspeito, mataremos todos!

A Marcada de Vega manteve-se inerte em sua posição, mesmo após a ameaça do soldado. Os olhos escuros semicerrados figuravam a expressão soturna de quem parecia estar completamente ciente sobre a repentina mudança de cenário.

Logo ao lado, os irmãos escolhidos por Órion reagiram boquiabertos em perfeita sincronia. A pequena batalha estava prestes a se tornar um combate de proporções, até então, inimagináveis dentro daquela instituição.



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