Volume 1
Capítulo 25: Rupturas e Revelações
"O vento carrega promessas de mudança, assim como o coração carrega o fardo do amor. Para aqueles que amam profundamente, cada rajada é um lembrete daquilo que devem proteger."
(Promessas do Vento, Elysia Lorran)
8ª Lua Cheia do ano 1647
Lua da Luz, dia 27
Yuri entrou na tenda às pressas. As mãos inquietas percorrendo seu rosto até puxarem os cabelos com força. No centro havia uma mesa baixa com mapas e pergaminhos, ferramentas usadas na estratégia elaborada mais cedo, quando Shin o visitara. Irritado, ele derrubou tudo no chão.
Sentia uma angústia inexplicável. De repente, tudo se tornava claro: os sonhos que o assombravam por toda a vida ressurgiam de uma só vez. A imagem de uma garota, frequentemente perseguida pelos becos e temida por todos no vilarejo; o brilho dourado de seus olhos, encobertos pela sombra do capuz... Será que os flashes que via correspondiam ao passado dela? De Akemi?
Contudo, mesmo com a mente clamando pela veracidade de tudo aquilo, nada fazia sentido. Por que, dentre tantos acontecimentos, era justamente o passado dela que invadia seus sonhos? Ele andava freneticamente de um lado para o outro dentro da tenda, murmurando:
— E por que diabos eu fiz aquela pergunta para ela? Não teria escolhido hora pior para isso!
Sem saber o que fazer, sentou-se no chão, abraçando as próprias pernas. Subitamente, uma sensação de vulnerabilidade o dominou. Por trás da aparente calma dos últimos dias, lutava para conter um turbilhão de pensamentos. Sentia falta de ter alguém com quem pudesse compartilhar tudo sem ser ridicularizado, alguém em quem confiar sem medo. Será que tal pessoa existia?
Havia existido. Seu nome era Misaki, mas ela já não podia mais ouvi-lo, nem com seu sorriso suave tranquilizá-lo, assegurando que tudo ficaria bem e que ele não precisava ser tão duro consigo mesmo. O simples pensamento sobre ela fazia o peito de Yuri doer insuportavelmente. Por que, após aquela descoberta, tudo parecia pior? No fundo, ele sabia o motivo, mesmo que tentasse negá-lo.
Sentia que aquela garota dos sonhos mantinha uma conexão com ele mais intensa do que qualquer outra já vivida. Sempre teve essa convicção, mas antes era mais fácil acreditar que ela era apenas uma manifestação de sua própria alma. Agora, porém, ela se revelava de forma palpável, e a culpa o corroía, como se tivesse traído Misaki ao desejar, inconscientemente, que ela existisse.
Ele se curvou, soluçando como uma criança, sentindo duas metades de si mesmo em conflito, sem saber por qual delas se render. Ambas compunham o Yuri que acreditava conhecer, mas que agora se tornava insuportável.
Apesar de toda a dor, ele finalmente compreendia sua razão de estar ali. Talvez pudesse, de fato, ajudar Shin a alcançar seu objetivo. Mas, em seu íntimo, algo clamava por ela. Akemi sempre fora seu destino. Mesmo que as barreiras do tempo os tornassem praticamente impossíveis de se encontrar, ele se via presente no passado. Contudo, ela estava fadada a morrer em breve. Ele havia visto a lista de baixas.
Naquele instante, percebeu o quanto a amava. Seu sentimento era como uma tempestade de inverno, onde cada rajada de vento carregava a agonia de um amor que parecia destinado a ser inalcançável.
Horas pareceram se passar até que Yuri finalmente se recompôs. Ao sair da tenda, apesar do torpor que o envolvia, algo no funcionamento do mundo parecia ter se alterado, ou talvez fosse apenas sua percepção. Sentia como se uma barreira no fundo de sua mente tivesse se quebrado, liberando sentimentos até então desconhecidos.
Após aquele cataclísmico autoquestionamento, ele sabia que precisava ver Akemi com urgência. Devia se desculpar e assegurar-lhe que nada mudaria entre eles, mesmo sem revelar toda a verdade sobre si; ele almejava ser digno da confiança dela. Mas, ao mesmo tempo, outra ideia surgia em sua mente.
Certa vez, leu que a única coisa capaz de superar o medo, é o próprio medo. De fato, Yuri já havia comprovado essa verdade, tanto ao superar seu temor para salvar Akemi quanto ao tirar a vida daquele homem. O medo nos impulsiona a feitos inimagináveis.
Seguindo essa lógica, uma teoria começou a se formar. Seu plano se desdobrava em duas etapas: primeiro, forçar a conexão de Shin com Kaenjin, talvez conquistando assim a confiança do príncipe; depois, sugerir um ataque a Amateru. Seus estudos lhe ensinaram que o clã Himura fora o aliado mais poderoso do império Mizushima, culminando numa última batalha que permitira a Shin reconquistar o trono, embora o país tivesse pago um preço alto em sangue. Se houvesse como amenizar essa situação, eliminar essa força inimiga seria indispensável. Contudo, a ação precisava ser imediata. Um ataque em duas frentes, aproveitando a captura do líder Himura e a divisão do exército inimigo entre o acampamento do Porto Yosei e Amateru. Se estivesse certo, essa ofensiva reduziria drasticamente as forças inimigas, impulsionando o avanço da rebelião.
Yuri cruzou o acampamento rapidamente até encontrar Shin, que estava agachado, observando sua mão enfaixada, imerso em pensamentos. Ao notar sua presença, Shin endireitou-se e se levantou.
— Precisamos conversar — disse, em um único fôlego, arrancando de Yuri uma risada involuntária. Era irônico que o príncipe também o aguardasse. Seria o destino?
***
— Que lugar é esse? — Yuri murmurou enquanto adentravam um portão que milagrosamente permanecia de pé em meio a ruína.
— O antigo jardim da imperatriz — respondeu Shin.
— Estamos dentro do palácio?
— Não se preocupe, essa área é segura; se alguém se aproximar, eu saberei.
Plantas, ervas e outras vegetações cresciam desordenadamente por todos os lados, enquanto as pedras, que um dia deveriam ter sido limpas e bem posicionadas, estavam agora cobertas de sujeira e limo. Mesmo assim, o local era belo, transmitindo uma sensação de paz e um estranho sentimento de nostalgia. No centro, uma enorme ameixeira roubava a cena com seus galhos frondosos carregados de flores. Shin parou diante dela, franzindo a testa.
— Já sonhei com esse lugar... inúmeras vezes.
Foi então que a ficha caiu: o jardim da imperatriz, ou seja, a mãe dele. Yuri olhou novamente para o local; devia ser estranho para Shin estar ali, depois de tantos anos, e ver o lugar que outrora fora seu lar naquele estado. Engoliu em seco
— Não seria uma lembrança?
— Sim, talvez seja. Embora eu fosse apenas um recém-nascido quando deixei este lugar — respondeu Shin em tom baixo, após um leve pigarro. — Mas enfim, vamos ao que interessa: temos o líder Himura sob custódia. Isso estava previsto? Preciso decidir o que fazer com ele, mas temo as consequências de minhas decisões.
— Na verdade... não, isso não estava previsto. A história não menciona a captura dele em nenhum momento — retrucou Yuri, enquanto observava a ameixeira e as flores caindo suavemente. Esse era um ponto que ele ainda não havia considerado; os fatos haviam se alterado. Será que algo mais mudou e ele não notou? Não... Desde Ayatsuri, estava atento; nada havia ocorrido de diferente da história que conhecia. De qualquer forma, esse acontecimento poderia favorecer a causa de Shin.
— Então o que acha que devo fazer com ele?
— Você pode libertá-lo, tentando manter os acontecimentos o mais próximo possível do que deveria ter sido, ou — disse Yuri, virando-se para Shin, que o encarava de braços cruzados com uma sobrancelha arqueada — pode aproveitar a oportunidade para virar o jogo a seu favor.
Shin se aproximou mais com uma sombra de sorriso nos lábios.
— O que sugere?
— Um ataque em duas frentes: um aqui, no Porto Yosei, e outro em Amateru. Posso não ser um estrategista nato, Shin, mas até eu consigo ver o que tem nas mãos. Com as forças que você tem atualmente, é viável.
— Ainda tinha minhas dúvidas, mas agora tenho certeza. Você é louco! — exclamou Shin, exasperado com a ideia.
— O que? — “Ok, lá se vai todo o meu plano pelo ralo... mas é claro que ele não concordaria, tem muita coisa em jogo” pensou Yuri, desanimado.
— Isso é loucura...
— Você já dis—
— Mas pode dar certo... — interrompeu Shin, passando as mãos pelo cabelo e jogando-o para trás. — Isso... pode dar certo.
— Está mesmo considerando minha sugestão?
Shin riu.
— Ainda não; preciso pensar com cuidado. Fazer isso pode mudar muita coisa, não é?
— Sim, é verdade. Mas, considerando que já houve mudanças... talvez seja um risco que possamos correr.
— Podemos? — questionou Shin com um olhar inquisitivo, e Yuri pigarreou, apressando-se em responder:
— É só uma ideia, claro; a decisão é sua.
— Se acalme, não vou mandar cortar seu pescoço por ser insolente — disse Shin, colocando a mão no ombro de Yuri, o que provocou uma careta nele. — Vamos, precisamos desarmar o acampamento. Voltaremos a Ayatsuri o mais rápido possível. Não posso agir sem a ajuda de Hideo.
— Certo... — respondeu Yuri, libertando-se da mão de Shin. Em seu íntimo, pensou: “Então ele está considerando seriamente a proposta. Que bom!”
Ao retornarem ao acampamento, Shin solicitou a Haruka que levasse uma mensagem a Renji Yamagawa. fariam uma reunião em Ayatsuri onde apresentaria o plano de Yuri e precisaria do apoio de todos os aliados para garantir o sucesso, com a concordância dos demais líderes.
— É uma pena que você não tenha encontrado o que procurava aqui em Ryokume — disse Yuri, de forma provocativa, mas sincera. Para sua surpresa, Shin sorriu.
— Não, mas consegui algo muito mais valioso — respondeu ele com um brilho nos olhos. — Kenji!
Enquanto Shin seguia em direção a Kenji, Yuri se perguntava se estava no caminho certo. Agora, tudo o que podia fazer era deixar os acontecimentos seguirem seu curso. Shin tinha o apoio de clãs poderosos e vassalos. E com o próprio Renji Yamagawa, que liderara a rebelião por mais de vinte anos ao seu lado, o fracasso parecia impossível.
Ao se voltar para sua tenda, Yuri deparou-se com Akemi. Seus grandes olhos dourados encontraram os dele por um instante; ela desviou o olhar e tentou sair, mas ele segurou seu braço. Era hora de conversar. Ele não podia adiar esse encontro nem por mais um segundo.
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