Volume 1

Capítulo 1: Não me diga que sou uma...

Ainda não consigo abrir meus olhos? Merda...

Mesmo nesse mundo repleto de escuridão, só agora pude escutar o som de folhas balançando ao vento. É um som misterioso, porém, para mim, também é reconfortante.

Este som quebrou o silêncio que tanto me assolou.

Aos poucos a sensação daquele vento começou a me atingir, batendo no meu corpo e depois no meu rosto. Será que meu corpo voltou a receber estímulos?

Eu... Eu consigo abrir meus olhos novamente, finalmente.

Quando abri meus olhos, estava em um lugar totalmente diferente.

Virei-me rapidamente de um lado para o outro e tentei identificar onde estou. Em vão, não reconhecia nenhum daqueles lugares.

Era uma floresta, isso não tinha dúvidas, mas, tanto as árvores quanto suas folhas e flores são todas bizarras para mim.

Caminhei por um momento procurando encontrar algo que me desse alguma dica, mas nada. E nisso dei-me conta que minha altura de visão está mais próxima do chão do que o normal, ao mesmo tempo que todo meu corpo ficou diferente. O choque por ter sido capaz de abrir os olhos e voltar à "vida" foi tamanha que só agora vi que tinha coisa errada aqui.

— O que... o que é isso? — Encarei minhas mãos, pequeninas, mas com unhas que mais lembram garras e tão negras quanto obsidiana, o famoso vidro vulcânico.

Então olhei para baixo, em direção aos meus pés.

Epa! Espera aí... Cadê meu...? Que.... — Comecei a sambar naquele lugar, tentando entender o que está acontecendo. — Onde?... não, espera...

Que porra é essa? Eu sou uma garotinha?

Por um momento minha cabeça girou tanto que não consegui aguentar e caí em qualquer lugar, confuso e perdido.

Argh, essa dor de cabeça...

Por sorte tinha caído em um montante de folhas, e não naquela pedra bem pontiaguda logo ali ao lado.

Quando a dor de cabeça passou, notei que meu nariz tinha sangrado um pouco. Tive que limpar com a própria mão, afinal, estou totalmente nu.

Este lugar... Todo este lugar é assustador.

As árvores possuem uma coloração escura e esverdeada e suas raízes mais parecem como um emaranhado de galhos secos e espinhentos. Além disso, vi algumas estranhas criaturas correrem pelas folhagens e mesmo sem conseguir muitos detalhes, não dava para negar que eram perigosas. E, se antes estava reclamando da falta de som, agora o que parece ser uma águia fica emitindo sons aterrorizadores ao fundo...

Aqui não é o Japão. Melhor, aqui certamente não é a Terra.

Olhei para o céu, o pouco que deu, e passei a ter certeza de que este era um mundo diferente.

Bem, se isso fosse a primeira coisa que visse, então não teria nem um pingo de dúvidas. Acima de mim há o que parece um gigantesco planeta, semelhante a Saturno, tanto em sua forma quanto seus anéis. O que poderia significar isso? Estou em alguma lua de um planeta maior? Isso é... Loucura, ? Um sonho? Definitivamente é um sonho.

Passei vários minutos depois tentando fechar os olhos e abri-los novamente, pensando que assim iria sair desse “sonho”, mas de nada resolveu.

Agora que me acalmei um pouco, fui até uma pedra que parecia um banco, sentei-me e comecei a analisar a situação com mais calma, melhor, meu corpo com mais calma.

Primeiro: estou em um corpo de uma criança, de pelo menos 12 anos ou menos. Ela é uma garota. Segundo, há uma cauda que posso sentir e mover. Além disso, encarei meu “próprio” rabo tentando entender como eu consigo movimentá-lo. Terceiro, e para piorar, também há um par de chifres que saem do topo da minha cabeça.

Se eu pudesse descrever, seria o que chamariam de “demônio”.

Depois de um tempo pensativo, decidi me levantar. Quando o fiz, parte da rocha foi riscada por causa das minhas “garras”. É realmente, apesar dos meus pés e mãos pequenas, há garras afiadas junto a eles.

Risquei a pedra novamente apenas para ter certeza de que eram também resistentes. De que material são feitas essas garras? Aço? Diamante?

— Ainda me lembro o que aconteceu naquele final de dia como se fosse apenas alguns segundos antes, mesmo que já tenham passado horas neste mundo louco. — E o fato de lembrar o que aconteceu, tanto a dor do acidente quanto a sensação de se afogar retornavam ao mesmo tempo. — Aquele desgraçado... eu... eu...

Mesmo se eu lamentar ou decidir vingança, agora não adiantaria de nada, afinal se isso que estou vivenciando não for um sonho, provavelmente não poderei voltar para Terra para resolver este assunto com ele. O que preciso fazer agora é descobrir onde estou.

Caminhei por mais algumas horas e nada. Essa floresta possui muitos caminhos iguais e suas árvores, junto com suas raízes, dificultam e muito o processo de caminhada. Mesmo quando tentei subir em uma dessas árvores para conseguir ver de cima, não mudou muita coisa.

Há algumas montanhas ao redor e nada mais. Nenhum ponto que valeria a pena ir. Neste caso, acho que ir para a maior delas será minha melhor opção, afinal lá de cima eu poderia procurar algo que me chame a atenção.

Então comecei a seguir o caminho em direção a montanha, a maior delas.

De repente, no meu campo de visão algo surgiu.

Era como uma tela de jogo eletrônico, com direito a janelas com molduras e botões. Isso me surpreendeu por um momento, mas ao me acostumar, tinha certeza: eram menus de acesso.

Destes menus um se destacou: [Percepção Passiva Ativada].

Não entendi muito bem o que aconteceu, porém, logo após a mensagem, indicadores apareceram no meu campo de visão, apontando para uma região próxima de onde eu estava.

Esse símbolo, se não me engano, é normalmente utilizado para diálogos ou mensagens. Será que há alguém conversando próximo daqui?

Andei em direção ao som, ou melhor, em direção ao indicador.

Apesar de bem fraco, consigo ouvir algo como pessoas falando, em uma língua que não entendo. Seria capaz de me comunicar com eles? Eles me ajudariam?

— O que estou pensando... se são pessoas, é claro que me ajudariam... — Aí dei me conta que eu não era apenas uma simples pessoa, sabe, chifres e rabo, pessoas não deveriam ter isso.

Andei mais um pouco até que outra vez o “sistema” me avisou: [Tradução Mágica Ativada].

Tradução Mágica? Se é o que estou pensando... sim, isso mesmo.

A partir daquele momento eu conseguia entender o que estavam falando. No entanto, de que região seria esse sotaque? Mesmo que não consiga explicar, "magicamente" aquele idioma estranho se tornou japonês. Ainda que carregado com o sotaque, eu consigo escutá-los e os entender normalmente.

— Você tem certeza de que é por aqui? — perguntou uma voz masculina, um tanto grossa, mas com determinação.

— Sim, já não disse? — respondeu agora uma mais leve, só que arrogante.

— Já faz horas... — disse a primeira voz e com uma pausa, continuou: — E não encontramos nada, nem um maldito goblin. Onde estão os animais desta floresta? Tem algo estranho aqui.

Goblins? O que é isso? Um jogo eletrônico?

Eles não perceberam minha presença. Por isso pararam no que parecia uma longa estrada e começaram a discutir. É até estranho, pois estou tão longe deles e mesmo assim suas vozes ecoam como se eu estivesse quase do lado deles.

— Olha, eu sei, caralho. Era para eles estarem aqui... — respondeu o arrogante.

— Talvez outro animal tenha aparecido e pegado o corpo? — questionou a terceira voz, bem mais serena.

Agora que consigo vê-los com mais clareza, parece um grupo de aventureiros vindo de um jogo clássico de fantasia. Suas aparências condizem com suas vozes e a forma que eles estão se vestindo provavelmente é de acordo com suas funções.

Havia quatro homens: um é grande, careca e veste trajes que me lembram guerreiros tribais. Sua armadura de couro, apesar de não cobrir todo o corpo, mostra seu porte físico avantajado. Esse também carrega consigo o que parece uma alabarda. O dono da voz grossa.

Vou chamá-lo de Guerreiro.

O segundo tem roupas mais extravagantes, e se não fosse da nobreza, certamente era alguém que gostava de se parecer rico. Inclusive, tem um chapéu de aba dupla com uma pena colorida e chamativa. Não está com armas em mãos, mas em sua cintura algo como um florete. Que diabos é isso, um esgrimista? O dono da voz arrogante.

Vou chamá-lo de Duelista.

O terceiro parece como algum praticante religioso, ao menos suas roupas me lembram cultos e igrejas. Ele usa um sobretudo comprido que vai até o chão. E não parece estar vestindo nenhuma armadura ou proteção. Na sua mão há algo semelhante a um pequeno cetro. Seria esse o famoso “mago” dos jogos eletrônicos? O dono da voz serena.

Vou chamá-lo de Mago.

Por último, aquele que não tinha falado nada até agora. Ele tinha roupas leves igual ao arrogante, só que de uma maneira mais natural. Na verdade, esse era até fácil determinar, pois se eu fosse pôr em uma palavra: “caçador”. Parte dos trajes eram de couro, mas também de pelagem de animal, e o arco em suas costas era apenas mais uma prova sobre isso.

Vou chamá-lo de Caçador.

O Caçador caminhou em direção a uma árvore e se abaixou. Parecia estar procurando algo no terreno. Ele movimentou as mãos algumas vezes como se pegasse algo e olhou para os outros enquanto falou:

— Isso não é natural. Agora já está anoitecendo, e nos afastamos do caminho principal. — Se lamentou, bateu as mãos no uniforme para remover a terra e continuou: — Melhor voltarmos.

— E fazer o que? Fingir que nada aconteceu? — indagou o Guerreiro.

— Por enquanto sim, só que, veja. — Apontou para uma direção da floresta. — Há alguns rastros aqui. Voltaremos amanhã, bem mais cedo, e poderemos seguir a trilha deixada para trás.

— Você acha que alguma criatura do fundo da floresta o pegou? — questionou o Duelista.

— Não. Essas pegadas são pequenas, e os únicos que seriam capazes de levar o corpo dessa maneira, são os goblins — respondeu o Caçador.

— E mesmo assim não encontramos nenhum até chegar aqui — afirmou o Duelista.

— Isso só confirma os rumores — respondeu mais uma vez o Caçador.

— Você diz sobre os goblins terem mudado suas formas de agir? — perguntou o Mago.

— Também escutei sobre esses rumores — disse o Duelista.

— Sim. Dizem que há algum tempo os goblins parecem estar mais espertos, ou pelo menos evitando atacar os aventureiros. Sei que isso parece ridículo, porém, não encontramos nenhum até agora, certo? — O Caçador começou a se preparar para sair daquele lugar.

— Aquelas merdinhas não ousariam nos enfrentar, afinal eles sabem distinguir quando uma criatura é mais forte que eles. — O Guerreiro cuspiu no chão, antes de continuar: — Mesmo assim, hoje foi apenas um dia perdido.

— Apesar de ainda estarmos em uma área fácil, isso muda completamente ao anoitecer, então não há por que nos arriscarmos — falou o Caçador.

— Concordo, ao menos encontramos essa trilha. E ela permanecerá até amanhã? — questionou o Mago.

— Sim, está bem fresca. Por causa da umidade, não se perderá tão facilmente.

— Desde que não chova, certo? — O Duelista questionou de maneira sarcástica.

— Bem, confio no nosso batedor mais que em você — explicou o Mago.

A voz dos quatro subitamente se afastava, afinal eles começaram a se movimentar, indo em direção contrário onde eu estava. Até então esse “caminho” parecia mais uma ladeira e eles continuavam se afastando, descendo o morro.

— Merda! Eles estão saindo. — Então corri. — Tenho que conversar com eles e não posso perdê-los de vista.

Aquela sensação de “liberdade” e selvageria foi algo único. Consegui não só saltar para a trilha, como ganhar facilmente terreno em relação a eles. Bem, eles apenas caminharam normalmente, enquanto eu corri como se minha vida dependesse disso.

Seja lá qual for a informação que eles poderiam me trazer, qualquer coisa seria melhor que nada.

Parei a uma distância segura e inspirei fundo, depois gritei:

Hey, vocês! — Eles se viraram surpresos pela minha aparição repentina. Não economizei nos pulmões e por isso tive que dar uma pequena pausa para continuar: —Ainda bem que vocês... eu despertei aqui nesse...

Antes que eu pudesse continuar, todos ficaram aterrorizados por terem me visto. Era meio difícil explicar suas caras e bocas, mas tudo levava a crer que se tratava de medo, um medo profundo e tenebroso.

Só o fato de levantar a mão em suas direções, eles tremeram e olharam um ao outro antes de voltar a me encarar.

— Vocês... Estão bem? — Mesmo perguntando de maneira lenta, não sei se eles estão conseguindo me entender.

O Duelista logo apontou o dedo para minha direção e gritou para seus companheiros:

— Vocês estão vendo essa porra? Que criatura é essa!

— Acalme-se homem! Todos estamos vendo isso — respondeu o Caçador, e logo deu alguns passos para trás. — Por que uma criatura desse nível estaria nesta região?

— Mesmo confiando na minha força — disse o Guerreiro —, acho que esse aí é demais para meus músculos.

— Sequer consigo analisar essa criatura — afirmou o Mago.

— Criatura? Como assim? Não estão me vendo? — Dei mais alguns passos para frente — Não quero fazer mal a vocês, apenas entender como vim parar aqui...

Só foi eu dar alguns passos para frente, eles fizeram o mesmo, indo para trás.

— O que ele está dizendo? — perguntou o Guerreiro olhando rapidamente para o Mago.

— E lá vou saber?

— Você não é o inteligente?

— Ela está falando a Língua dos Monstros — respondeu o Caçador.

Isso não está dando muito certo. Estou conseguindo compreender tudo que eles falam, porém, eles não entendem nenhuma palavra que eu falo, além disso, se eu tento me aproximar, eles sorrateiramente se afastam. Eu deveria tentar me aproximar mais rapidamente?

Estou contra o sol, provavelmente estão vendo apenas minha silhueta à distância. E não dá para afirmar que eles conseguem me ver tão bem quanto os vejo. Mesmo nessa forma humana, ainda tenho chifres e uma cauda, ? Também não gostaria de me aproximar de algo assim, ainda mais aparecendo do nada.

Se tentarem me atacar, estarei ferrado.

Os primeiros humanos que encontrei nesse mundo seriam meus executores? Também não é como se eu pudesse deixar essa oportunidade passar, se continuar nessa floresta, tenho certeza de que acabarei me encontrando com uma “criatura” que tanto eles têm medo.

Então dei alguns passos rápidos, minha estratégia seria me aproximar o suficiente para eles terem certeza que eu não era uma criatura para ter medo. E pelo pouco que pude comprovar, estou no corpo de uma garotinha, não tem como ser tão aterrorizador assim, ?

Ao perceber que fiz uma disparada rápida, um deles tropeçou e caiu.

Os outros três partiram também em disparada como se a vida deles dependesse daquela corrida. O último que estava no chão, se arrastou por um momento, porém, levantou-se tão estranhamente que até parecia um programa de comédia. Este correu tão rápido que logo se juntou aos outros.

— Por favor... me digam onde estamos pelo menos. — E lá se foi o grupo de aventureiros — Mas que caralhos! Voltei para a estaca zero?

Senti que poderia alcançá-los, ou até segui-los, mas, do que isso adiantaria agora? O que eu poderia fazer? Não sabia o que estava acontecendo, e apesar de tudo, ainda não tinha visto meu rosto. Será que sou uma aberração?

Aqueles homens não eram como civis ou fazendeiros, se uma coisa eu poderia chamá-los, era de aventureiros. Normalmente numa história de fantasia, aventureiros são pessoas que lutam contra criaturas e monstros. E eles até falaram sobre goblins, então deveriam ter um pouco de experiência. Mesmo assim...

Eles correram desesperados pelas suas vidas. Se isso não foi a forma mais genuína de pavor, como posso imaginar que isso não aconteceria com qualquer outro humano que me visse?

Fui até um tronco que estava caído do lado da “estrada” e sentei-me. Mais uma vez, comecei a me tocar para ver se não tinha nada anormal, pelo menos, tirando as coisas anormais que eu já tinha notado.

Meu rosto é humano, ou pelo menos não vejo nenhuma deformidade ou algo assustador nele. Meu corpo, pelo que vejo, também é normal. Tirando minha pele de âmbar e as garras, isso não seria algo para eles saírem disparados. Além disso, até tenho aquilo. Então podemos dizer que sou uma “garota” saudável.

Nada explica a forma como reagiram. Quem dera eu tivesse um espelho ou algo para refletir. Agora que isso aconteceu, essa ansiedade vai acabar me matando antes mesmo dos monstros.

Um som veio na minha mente, tal como antes, uma janela apareceu. Novamente era o Sistema me alertando e mostrando algo novo: [Você deseja realizar o Teste Sobrevivência?][Sim][Não].

Agora há botões para interagir? E o que seria esse “Teste Sobrevivência”? Não custa nada. Se tudo isso não passar de uma loucura simulada, ao menos eu deveria usar esse “sistema” ao meu favor. Então com minhas mãos apertei a tela flutuante. O botão de [Sim] se iluminou e a tela deu uma leve balançada antes de desaparecer.

E agora, o que aconteceu? Nada?

De repente um som de algo caindo em uma mesa de madeira, sons que lembravam um dado caindo. Mas que porra foi essa? E quando olhei para o canto, havia uma janela, e nela os dizeres: [Você jogou 1d20 e obteve 12+99, resultado: Sucesso].

Então é assim que o Sistema mostra o teste. E o que há com esse “+99”? E como assim um dado? Sim, literalmente um dado tinha aparecido, caído, rolado e agora permaneceu no rodapé da mensagem da janela mostrando o resultado “12”.

Ótimo, então vou ficar escutando esses sons todas as vezes? E era para algo acontecer?

Só foi me perguntar que, do nada, meu corpo passou a se movimentar sozinho.

— O que está acontecendo? — Ainda que não soubesse explicar a sensação, realmente, “ele” se movia por conta própria. — Para onde estou indo?

Mesmo fazendo aquele percurso de maneira automática, mostrou-se bem “preciso”. Pelo menos evitou pisar nas raízes e arbustos espinhentos e não bateu de cara com nenhuma árvore. Imagine seguir a trilha automática desse GPS ambulante, e do nada pisar em cacos de vidro?

Quando me dei conta, estava próximo de uma nascente de um rio.

Então esse barulho era da correnteza do rio. Era um som estranho e contínuo e meio que ignorei já que não fazia ideia do que se tratava, no entanto, aparentemente o Teste de Sobrevivência me guiou até aqui. Como? Não sei dizer, mas já que estou aqui, vamos ao menos tentar ver meu reflexo na água.

Me aproximei da correnteza. Apesar de pequena, a água era suficientemente cristalina e eu conseguia ver um pouco do meu reflexo. Não era a melhor das ferramentas, mas, para algo natural e feito no improviso, serviria. Respirei fundo e me aproximei da água.

A luz não ajudava no reflexo, porém, foi mais que o suficiente, e... que... porra... é... essa?

O Sistema logo me alertou: [Você é Imune a sua própria Aura Demoníaca, efeito Amedrontador ignorado].

— Que isso?

Agora vejo meu próprio corpo com dificuldades, e essa dificuldade toda vinha de algo que eu não conseguiria ver normalmente, um espírito ou aura sombria está atrás de mim. Esse espírito tinha uma leve silhueta humana, mas ele constantemente se movimentava como uma mancha de tinta sendo pincelada em um quadro branco.

O pouco que vi me fez passar mal, mesmo que o sistema dissesse que tal aura não tinha me atingido. Se é assim, por que estou quase vomitando aqui qualquer coisa que tivesse comido antes? Caí de lado por um momento e tamanha foi a ânsia, que tive que inspirar e respirar durante alguns segundos apenas para me controlar.

Isso claramente explica o porquê desses homens saíram correndo como se suas vidas dependessem disso. Com essa aura, qualquer um que me observar vai acreditar que sou um monstro aterrorizador. O fato deles não terem se cagado de medo ou desmaiado depois de ver essa aura é o que me surpreendeu. Isso significa que eles eram realmente fortes.

E aí? Como fica meu lado? Se eu não conseguir tirar essa aura, será impossível me comunicar com qualquer pessoa ou criatura. Mesmo que eles não entendessem minhas palavras, duvido muito que ousariam se comunicar com um monstro como eu.

— O que eu faço? — perguntei aos ventos e suspirei.

Depois de pensar tempo suficiente, o som de alerta veio outra vez na minha cabeça. Agora o Sistema me avisava: [Você deseja desativar a Aura Demoníaca?][Sim][Não].

Sim, por favor.

Mesmo deitado naquele chão de grama, ergui minha mão direita e apertei novamente no Sim.

[Aura Demoníaca Desativada].

Tão simples assim. Tudo seria diferente se eu conseguisse fazer isso antes de aparecer diante deles, ? Agora, tanto faz.

— Ao menos... — Me levantei e fui novamente até a água. — Poderei me ver agora?

Então, voltei a me olhar.

Vi uma garotinha com pele de âmbar, um rosto fofo e infantil, com olhos vermelhos como labaredas de fogo e cabelos negros com madeixas brancas. Mesmo com traços “demoníacos”, era algo que não daria medo a ninguém. Maldita seja aquela aura. Eu não saberia como reagir se encontrasse algo assim...

Tanto quanto outras “sessões de verificação”, não há como negar, sou uma garota agora. Custava eu ter aparecido ao menos com roupas? Por que, literalmente nu? Isso me deixa tão nervoso que eu quero gritar.

— EU! — comecei a gritar — O MAIS BONITÃO DE VÁRIAS VOTAÇÕES. — Caminhei de uma direção a outra, continuando gritando. — O MAIS SEDUTOR... O MAIS INTELIGENTE DOS HOMENS DO JAPÃO... — Inspirei profundamente. — ESTOU NESTE CORPO DE CRIANÇA! Vai tomar no cu seja lá quem está fazendo essa brincadeira comigo.

Aquela cena toda, se eu visse de um ângulo afastado, certeza que iria condizer com meu estado, afinal, gritei, chutei grama e terra, esperneei como se realmente fosse uma criança melequenta.

— Por quê? Só me responda o porquê. — E novamente o Sistema veio me avisar de algo — O que foi dessa vez, porra?

[Percepção Passiva Ativada: você identifica 2 <Goblins> se aproximando]

Ah não, puta que me pariu! Agora, já não bastasse tudo que aconteceu nesse dia de merda, terei que lutar contra monstros para tentar “sobreviver”? Quer saber, que venha então suas merdinhas, se for para morrer nessa merda, vou morrer lutando igual um homem!



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