Volume 2
Capítulo 97: MALDITA SORTE
Kai não conseguia confiar em seus olhos, cogitando seriamente estar novamente no engodo articulado da vil criatura manipuladora de mentes…
Mas isso era real, tanto quanto poderia ser.
Ele piscou várias vezes, sentindo um arrepio frio e mortal inundar sua espinha.
De dentro da fenda se formando no chão, uma criatura alada surgiu lentamente. Mas ele sabia que era apenas ilusão, a criatura deveria estar a toda velocidade…
O que fez Kai arrepiar foi não apenas isso, como também uma horda alada surgindo atrás… e uma mão gigante se precipitando pelas bordas do precipício engolindo areia e mais areia.
Era comum que ele enxergasse, pois do fundo da cratera uma luz quente e laranja estonteava para o mundo… torres de vapor e calor surgindo também. Lava…
Entrementes, quanto mais a primeira criatura detentora do guincho agudo se aproximava, mais visível ficava.
O peito de Kai apertou, uma agonia ancestral tomando forma e jeito.
O frio percorreu sua espinha, arrepiando cada pelo de seu braço e nuca… o estômago de Kai esfriou, e o medo inconsciente surgiu, sem mandar aviso.
Num piscar de olhos, a criatura cruzou o espaço entre si e Kai, soltando guinchos assustadores e medonhos, que somente tornaram a situação pior.
Sem pensar duas vezes, Kai se virou e correu, até mesmo para fugir do aperto sombrio e quente do que se precipitava para fora da fenda.
Mas sua corrida foi frustrada quando algo pousou à sua frente causando destruição e uma nuvem de areia.
Kai apertou o cabo de Tirise e se preparou para o que iria enfrentar… e sua espinha congelou mais do que poderia.
Quando a nuvem de destruição assentou, a figura mordaz da criatura se revelou. A primeira coisa que ele notou foi o tamanho da criatura. Ela media, no mínimo, o tamanho da sua cabana em Neve Sempiterna.
Era tão larga quanto um gorila… e cheia de amor para dar. Kai suprimiu uma risada rouca para esse pensamento, amaldiçoando de repente seu senso de humor quebrado. Pois a criatura era feia, e feroz.
Sua pele era cinza e lustrosa, repleta de escamas que reluziam a luz da ‘lamparina de carne’, como se fosse fosca. Era quase… quitinosa. Havia cerca de seis abominações saindo dos flancos em forma de braços… tentáculos, e onde deveria haver as pernas, havia, especificamente, dez pinças enormes saindo de um casco lustroso e levemente enrubescido, cada uma do tamanho de um homem adulto e viril.
De suas costas, enormes asas, maiores que seu corpo, feitas de pele, couro e uma matéria orgânica nada bonita aos olhos, se agitava e dobrava para junto das costas. Quando isso aconteceu, Kai pôde notar estacas e espinhas saindo do casco nas costas.
Kai finalmente ergueu a cabeça observando bem o rosto da criatura… era totalmente lisa, sem olhos ou narinas… contendo apenas uma bocarra cheia de dentes circulares e afiados.
Baba escorreu pela fenda circular, um odor tremendo inundando as narinas de Kai. Parecia que a abominação tinha feito uma dieta rigorosa de estrume, e de quebra feito um belo café da manhã com dobradinha de carniça. Agora ia atrás de uma sobremesa balanceada feita da mais pura carne humana. Kai era o escolhido da vez.
Ele sorriu mais uma vez, negligenciando seus pensamentos que andavam tão intrometidos. Havia coisas que tinha que pensar, no momento. Coisas como sobreviver a essa criatura.
Kai não sentia pretensão alguma de enfrentá-la, uma vez que isso significasse seu retardo. Isto é, se as criaturas aladas que se precipitavam até ali fossem tão assustadoras quanto essa, ele definitivamente não deveria esperar para ver. Sem contar que um embate com algo tão maciço e enorme poderia trazer complicações sérias.
Ele não deveria esquecer sua real intenção aqui. Kai não tinha dúvidas quanto à sua atual força, mas era simplesmente dar murro em ponta de faca, uma vez que uma batalha desta magnitude simplesmente era impossível.
Para enfrentar algo tão grande e poderoso, Kai deveria considerar os pontos fortes e fracos da criatura, e isso levaria tempo. Estudar o inimigo no calor da batalha seria arriscado, por mais que Kai fosse forte e inteligente. Deveria haver um pouco de humildade, também, e reconhecer as próprias fraquezas.
Por mais que Kai tenha agido de modo pouco responsável há alguns momentos, a situação estava completamente sob seu controle. No fim, ele saiu sem arranhões ou ferimentos graves. No entanto, enfrentar uma criatura medindo quase três metros de altura e o dobro de comprimento era suicídio, ainda mais considerando que haveria um exército na sua cola em questão de minutos.
Era nesse momento que o julgamento de Kai aflorava. Ele tinha essa capacidade de tomar decisões e entender o momento enquanto sob pressão extrema. Quando era hora de agir, Kai sabia o que fazer.
E por mais que ele ansiasse pelo menos descobrir um pouco da força dessa criatura, ele também ansiava por não saber. Kai tinha sentimentos e pensamentos dualistas que ficavam sempre em conflito na sua mente.
Isso não significa que ele é uma pessoa bipolar, somente que ele tinha questões demais a ponderar. Sempre haveria duas opiniões se formando em sua mente, e ele sempre estava inclinado a favorecer aquela mais palpável para o momento.
Kai não se enganava quanto a coisas como evitar batalhas e questões filosóficas e morais. Como um guerreiro, ele queria sempre se aperfeiçoar e enfrentar o mais forte que pudesse encontrar. Mas havia momentos para isso, e, portanto, tal dualidade conflitava em sua mente.
Enquanto ele queria desesperadamente fugir dali, visando uma segurança futura – isto é, já que uma horda alada estava a poucos instantes de varrer a área com seu rosto, – seu lado guerreiro queria essa luta. Era como se ele quisesse provar algo para si.
Mas desde que chegara neste plano, Kai agiu demasiadamente fora da razão. Um sentimento rebelde surgiu nele, como se quisesse desafiar algo ou alguém. Ir contra as expectativas e quebrar normas já estipuladas.
Kai queria ir contra o destino. Pensando bem, foi a melhor maneira que ele teve para definir sua situação. Estava constantemente sendo metido em situações que não queria, mas que, consequentemente, lhe impulsionaram para novos ares e novas metas. E se recordando de uma conversa que teve com os Emblomdrude, isso ficou ainda mais nítido.
Haviam pessoas com seus caminhos já traçados antes de nascer, com metas e missões estipuladas para eles, mas dependia de cada indivíduo escolher qual caminho seguir. As situações sempre iriam se adequar ao caminho traçado daquele escolhido. O propósito.
Desde então Kai sentiu a necessidade febril de ir contra isso. Quem quer que tenha traçado seu caminho ou mesmo que isso fosse uma força inconsciente, ele iria contra, traçando seu próprio caminho.
Por isso ele foi embora da Orquídea – pois como ficou subentendido, era do desejo não só dos líderes dos vitanti, como também de seu protetor, que ele permanecesse mais um tempo com eles.
Mas inevitavelmente ele acabou atraído para um outro propósito, ligado a outro protetor… irônico, pois ao tentar sair da panela fervendo, caiu diretamente no fogo abrasador.
E foi por isso que ele assassinou um Mestre. Kai não tinha qualquer pensamento heroico sobre si. Ele prezava justiça acima de tudo.
Contudo, ele novamente ponderou se sair de Orquídea tenha sido a melhor opção. Será que isso só adiantou sua caminhada central? Ou inevitavelmente todos os caminhos que ele tomasse, mesmo que fossem diferentes, uns mais tortuosos e outros mais simples, levariam sempre ao seu propósito final…?
Empurrando pensamentos tão confusos e difíceis para o fundo da mente, Kai olhou para a criatura, dando uma rápida conferida nas criaturas que só aumentavam em quantidade…
Elas se aproximavam numa velocidade assustadora. Mas deveriam ser mais fracas que a outra na sua frente, considerando o tempo de chegada delas e desta.
O que significava, sem dúvidas, que essa criatura era a líder.
Kai suspirou, tentando encontrar alguma maneira de fugir, mas nada que ele pensasse daria uma chance real de fuga.
Pelo alto ele seria rapidamente fatiado, considerando a imponência de voo da criatura; pelos flancos era praticamente impossível basicamente pelos mesmos motivos: imponência de área. A criatura tinha longos tentáculos, o que impediria a movimentação dele.
Kai também não conseguia identificar nenhuma abertura… a criatura era simplesmente sólida demais. Havia uma única coisa que ele poderia fazer, no entanto…
Suprimindo um desejo sombrio e arredio em seu coração, ele tocou o cabo de Tirise.
Ele só teve tempo de respirar e desembainha-la até a metade, pois um tentáculo chicoteou o ar, estalando e empurrando Kai para trás. O som do tentáculo cortando o ar foi seguido por um baque surdo quando ele se encontrou com a lâmina.
Kai arregalou os olhos enquanto terminava de desembainhar a espada. Soltando um suspiro, ele deslizou pelo chão, levantando uma nuvem de poeira que lhe irritou os olhos. Kai enfiou a ponta de Vento Noturno no chão para frear seu deslize e pouco a pouco estancou.
Em poucos segundos ele foi arremessado para exatamente o lugar que tentava fugir… a borda da fenda. Por sorte, a fenda se abria em centenas de quilômetros agora, e as criaturas surgiam da outra borda, estando agora na metade do caminho. Felizmente, a mão gigante continuou estática no lugar. Ele poderia lidar com uma coisa de cada vez.
Voltando sua atenção para frente, Kai encarou sua mão dominante que tremia devido à força do impacto. Ele nunca tinha enfrentado algo tão… forte. Era força bruta e pura.
A criatura já vinha em sua direção numa velocidade moderada, suas pernas em forma de pinça trabalhando em conjunto.
Kai não podia se dar ao luxo de enfrentar essa criatura em força bruta. Ele mal aguentou um ataque sem se defender com energia, e isso quase custou os nervos de seu membro.
Respirando fundo ele fluiu a energia pelo corpo, sentindo uma pontada de ar fresco inundar seus pulmões.
Não havia mais a necessidade de pensamentos mundanos e frívolos. Kai tinha um único objetivo no momento, e deveria alcançá-lo o quanto antes. Se concentrando, ele partiu para frente…
Sua espada foi banhada pela energia, um zumbido enjoado zanzando no ar. Desconforto apalpou o peito de Kai, e ele sabia a razão disso. Mas ignorou, pois sua vida estava em risco.
Os tentáculos agiram em conjunto, golpeando a toda velocidade. Mas Kai estava muito concentrado, e como energia fluia por todo seu corpo, bem como por seus órgãos, ele conseguia ver um rastro dos membros invertebrados.
Kai não conseguia acreditar nisso, mas a velocidade dos tentáculos era grande, e a força exercida era ainda maior. Ele por pouco conseguia desviar, dançando feito um gato ágil por entre um golpe e outro. Mas havia momentos em que ele não conseguia somente desviar, tendo que defender com a espada.
Mas a energia de Kai era como um hidrante vazando… era como se ela mal pudesse esperar para ser usada, fagulhar de energia vazando por seu corpo desenfreadamente. Isso causava choques de energia e um ruído surdo a cada vez que o tentáculo encontrava algo para golpear.
Contudo, como a massa da abominação era maior, Kai quase sempre era arremessado, não conseguindo se manter no lugar.
Mesmo assim, a batalha durou mais do que deveria e logo as criaturas estariam chegando. Kai tinha de encontrar logo um jeito de escapar, mas nada que fizesse era o suficiente. Ele manteve a calma, mas estava desesperadamente buscando um ponto, ou pelo menos uma chance única.
Entretanto, a força e a velocidade da criatura eram grandes demais. Isso sem contar o alcance da criatura, que sempre mantinha Kai numa distância considerável, nunca deixando ele se aproximar o suficiente.
Outra coisa também martelava na cabeça dele… o tempo. Por mais que Kai estivesse se saindo bem em defender a criatura, as coisas logo chegariam nele e… sua energia não seria infinita.
Ele já sentia o preço sendo cobrado. Suas reservas de energia estavam se esgotando com uma velocidade anormal. Mesmo que ele conseguisse se abastecer com energia ambiente, fazer isso em batalha era simplesmente muito difícil.
Se Kai quisesse vencer a abominação e fugir dali, ele teria que encontrar um jeito rápido de resolver essa situação. E só havia um jeito.
Kai aumentou sua intensidade e amaldiçoou sua própria sorte outra vez.
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