Volume 1
Capítulo 3: CONDIÇÃO AUMENTADA
Ao se erguer dos entulhos, Kai sentiu uma dor lancinante nas costelas e braços. A rapidez com que foi atacado o assustou. Suas pernas bambearam, sua cabeça rodou.
Antes que a poeira baixasse, o inimigo tornou a aparecer e lhe deu um soco na têmpora; foi arremessado longe de novo. Antes de se estatelar no chão, o mercenário o aparou pela gola da blusa. Estava sem forças, tudo continuou a girar.
– Você é forte, hein. Aguentou um soco meu direto no rosto. Mudei de ideia, não te matarei tão rápido. Vamos! Sua magia pode ser forte, moleque, mas o que tem fora isso? Vi como é bom com punhos, mas depende demais de poderzinho. Vamos, fique de pé, me dê uma luta de verdade.
Ele colocou Kai em pé e deu alguns passos para trás. O rapaz tombou sobre o joelho, sangue escorreu do ouvido e da boca. Era certeza que estava com um tímpano estourado.
Começou a reunir mana ambiente, mas estava fraco demais para se forçar a isso. Tinha que lutar apesar dos ferimentos, era o jeito. Ele olhou em volta do salão, na esperança de encontrar Lucio ou outro senhor; estavam todos em batalhas tão frenéticas quanto.
– Em nosso grupo há, pelo menos, oito Grão-magos. Seus Arquimagos terão de suar.
– Por que não vai brigar com alguém mais forte? Tô prestes a cair, cara.
– Primeiro: eu não quero estragar a diversão dos meus irmãos. Segundo: eles são mais fortes que eu, sabe? Vê o Veligan ali? O que está lutando com o grandão de beiço caído. Ele está quase no nível de Arquimago. Vê como tem dado trabalho pro beiçudo?
Kai observou a claridade e raios atingirem o chão e teto. A batalha se encaminhava para o lado de fora.
– Devo dizer, lá no Grande Amarelo tem muita gente estranha, mas aqui... te falar, vocês são realmente estranhos.
Kai ergueu o olhar. O Grande Amarelo era um deserto imenso que havia no continente de Reiqin. Estava, pelo menos, do outro lado do país. Talvez a cidade mais próxima neste reino fosse Minas Cinzentas. Considerada uma terra sem lei que era separada do reino do homem por uma imensa montanha escarpada chamada de Muralha de Gillos. Mesmo os outros reinos faziam questão de se ajudar nisso. Então como tinham chegado ali?
– Vocês vieram do Grande Amarelo, é?
– Ah. Parece que consegui fisgar sua atenção. Façamos o seguinte: você luta comigo e, a cada golpe que acertar em mim, eu respondo uma pergunta sua.
Kai não tinha nada a perder, então aceitou. Gostava de um desafio.
– Te darei uma pílula que recuperará sua vitalidade por meia hora. Depois disso você estará tão acabado quanto está agora, que me diz? A exceção é que deve usar a Condição Melhorada, se quiser. – abriu um sorriso e jogou uma pílula azul na mão dele. – Que sabe sobre a Condição Melhorada, moleque?
O rapaz engoliu a pílula e uma leveza sem precedentes o inundou. Se pôs de pé imediatamente, uma chama em seu peito cresceu.
– Tipo de magia que aumenta a vitalidade do usuário.
– Perfeitamente colocado. Poucos conseguem usar, sabe? Lá na minha terra é diferente. Eu sou de Naguim, sabe? No reino de Zikros. Lá nós usamos bastante isso. Mas sabe, sou um renegado, fadado a viver no Grande Amarelo. Conheci muita gente estranha. Mas paremos de falar de mim. Se prepare.
Ele se empertigou e diminuiu o espaço rapidamente. Deu vários golpes visando acertar a cabeça de Kai, que desviou por um triz em cada um desses.
O estranho é que não havia magia nos punhos desse oponente, era força bruta e pura. Com o tempo, ficou impossível só desviar os golpes, então Kai teve de atacar também.
Numa troca rápida de socos e chutes, um forte soco amassou sua costela; ouviu-se o som de osso se quebrar. Em resposta, executou uma série de chutes circulares, o último acertou em cheio a mandíbula do seu oponente.
– Você é bom – disse o mercenário. Sorriu e cuspiu um punhado de sangue. – Foram três chutes, portanto, três perguntas.
– Por que saíram do Grande Amarelo? Por que atacar este reino?
– Somos mercenários, atuamos por contrato mediante pagamento.
– Então foram contratados?
– Sim – ele sorriu.
– Então quem os contratou?
– Nah – ele pulou, ferocidade estampada em seu rosto. – Já foram três perguntas. Terá de me acertar.
Ao preparar um golpe com o punho, Kai viu exatamente o que ele iria fazer. Mas ver e agir são completamente diferentes. Foi acertado bem no meio do peito. Seu pulmão ardeu; teve dificuldade de respirar, como se cada centímetro cúbico de ar lhe escapasse.
Após controlar sua respiração, levantou e se preparou para atacar. O mercenário apareceu outra vez pela frente, como se Kai fosse estúpido demais para não conseguir defender nem um ataque desses.
Se enganou. Kai fechou o punho e uma densa aura de mana foi solta. A mana ambiente foi atraída bem como a de corpos vizinhos. Alguns inimigos se afastaram, buscando se defender do ataque repentino de aura.
– Então você ainda tinha um truquezinho desses? Achei que tínhamos um acordo.
– Achou que só poderia me vencer diante de um combate corpo a corpo? Não se garante contra o poderzinho? Isso não é uma brincadeira; usar magia contra você não significa que eu não saiba usar artes marciais, significa que quero te matar. Agora... como Helder Mader os contatou?
– Helder Mader? – o mercenário encenou uma gargalhada pouco convincente. – Acha que aquele porco teria sagacidade o suficiente para nos contatar? Foi o contrário, olhinhos puxados. Ele foi apenas um peão.
A cabeça de Kai girou diante de tal informação. Mas não podia se dar ao luxo de pensar muito no momento.
A densa aura se condensou e no segundo seguinte, se exauriu. Kai tinha uma expressão fria.
Sua velocidade aumentou; no meio de uma corrida, pegou uma espada no chão e brandiu. Desceu-a sobre a cabeça de seu oponente que defendeu com o antebraço nu. A lâmina quebrou.
– Condição Melhorada. Você não é páreo, moleque.
– Eu penso o contrário.
Kai soltou a espada quebrada e colocou a mão aberta no abdome de seu inimigo. Sua pele era como metal.
– Tormentum Vigor
O homem foi atirado longe com tanta força que varreu tudo à sua frente. Foi um golpe à queima roupa, e ele estava no centro de seu poder. Se ergueu sob os olhares assustados de aliados e inimigos. À sua esquerda, seu líder olhava tudo atentamente.
– Que pensa estar fazendo, Viteli? – indagou, a voz cortante.
– Encontrei um inimigo poderoso, grande Gilliard.
Entrementes, indefensáveis jatos de água como chicotes acertaram o rosto de Viteli. Bolas de fogo e pedaços de pedra vieram em tamanha rapidez, cada um reforçando o outro. Ele recebeu uma lufada de ar no rosto e em seguida uma chicotada nas costas, que as fez arderem, mandando-o em direção ao chão. Vapor subiu de onde Viteli estava.
– A manipulação de mana permite que o seu usuário manipule uma magia elemental, Viteli – soou a voz de Kai, alguns aliados lhe encararam. – Só nunca foi muito meu forte manipular os quatro elementos. Meu negócio
sempre foi energia vital.
– Este é o seu inimigo poderoso? Uma criança brincando de magia?
Ninguém respondeu. Antes que Viteli se levantasse, parcialmente congelado e molhado, Kai diminuiu a distância. Deu um soco em seu rosto que o ergueu do chão. Continuou dando vários golpes, sempre reforçado por um elemento. O fato é que estava incomodado.
Viteli arfava, sua resistência prejudicada. Kai se afastou e ergueu a mão para o alto. Uma bola de energia começou a se formar. Ele apontou para o inimigo no chão e, quando estava para efetuar o disparo, sentiu um rebote.
A energia em sua mão implodiu, tirou sangue. Ele caiu sobre um joelho e começou a cuspir bolotas vermelhas. Ouviu um murmurinho.
– Ah! – Viteli exclamou, pressuroso. – Eu acho que me enganei de pílula, moleque. Talvez eu o tenha dado a que lhe dá uma força acima do comum por dez minutos, mas que consome sua energia vital ao final desse tempo. Desculpe.
Um vozerio se seguiu de uma gargalhada. Kai não experimentou nada além de um vazio preencher seu peito. Esteve tão maluco para descobrir mais sobre aqueles mercenários que se precipitou demais. Será que morreria agora? Alguma coisa sugava sua energia com tanta rapidez quanto quando ele fizera mais cedo, com aqueles homens. Foi assim que aqueles mercenários se sentiram?
Antes de apagar, sentiu uma dor rasgar suas costelas, como se alguém tivesse metendo a mão dentro dele. Olhou para baixo e viu um largo rubor crescer, enquanto perdia a consciência. Tudo ficou breu e ele apagou.
***
Kai acordou em uma cama muito confortável. A luz do sol tocava seu rosto, trazia uma quentura prazerosa.
Teve dificuldades para abrir os olhos; sua cabeça latejava e zunia. Cada osso do seu corpo doía, como se pudesse trincar aqui e agora. Ele pensou que fosse se acostumar; estava errado.
Estava num quarto cheio de lamparinas no teto, haviam duas janelas em arco nas paredes à esquerda, por onde raios de Sol penetravam. Não havia ninguém exceto ele. Nem fez força para se levantar; também não poderia.
Bom tempo se passou e a noite já tinha caído e neve espiralava do lado de fora quando alguém entrou no quarto. Um curandeiro vestido de roupas práticas; usava uma máscara no rosto.
– Então acordou. – Ele se aproximou e puxou uma cadeira para o lado da cama. – Sou Edgar, um curandeiro do hospital St. Papoula. Preciso ter uma conversa com você antes de deixar que receba visitas.
“Me surpreendi bastante quando iniciei seu tratamento. Parece que no meio da batalha você aprendeu alguma magia de cura. A concentração de mana em sua testa me indicou isso; não estava totalmente fechado e curado, mas evitou que infeccionasse e continuasse a sangrar.
“Não sei como posso ser mais direto do que isso, Kai, mas é uma notícia não muito boa. Ao tomar aquela pílula, você aumentou sua vitalidade numa escala de 60 por 100. Mas, quando o tempo necessário foi atingido, o rebote foi bem maior do que o esperado. Por se tratar de uma pílula proibida, achei que não existisse mais em Neve Sempiterna... pra falar a verdade, pensei que não tivesse nem em Algüros.
“Você esteve entre a vida e a morte, Kai. Não sei como conseguiu sobreviver. Quando toda sua vitalidade estava sendo drenada, seu núcleo implodiu. Você agora é impossibilitado de usar sequer 1/3 de mana. Nem se tivesse aprendido a usar a mana para fins medicinais, e iniciado um processo de cura rápido, teria chances. Seus canais de mana foram comprometidos, eles não conseguem juntar ou fornecer mana o suficiente nem pra conjurar um pacote de balas.”
– Que isso quer dizer? – indagou, fitando o chão.
– Que terá de sair de campo. Nunca mais poderá usar magia para batalha ou para qualquer outra coisa. Você quebrou. Olha, não sou autorizado a dizer isso, mas, talvez seja melhor para você.