Volume 1
Capítulo 14: A PRÁTICA LEVA À PERFEIÇÃO
Quando Kai treinou em sua juventude sobre as artes de mana, foi tudo muito fácil.
Em questão de dias, ele já conseguia manipular mana, juntá-la em seu núcleo só com o pensamento. Aos 12 anos, já era um exímio manipulador de mana.
Na época, era auxiliado por Siobhan e por professores da academia. Tinha com quem conversar a respeito de mana, pessoas que passaram e passavam pela mesma situação que ele.
Ardara Murphy era uma muito boa em manipulação de magia elemental; Gunter Dito era muito promissor em Combate arcano.
Todos eles junto de mais uma dúzia de crianças, se ajudavam a serem mais fortes. Cada qual com um ideal já formado.
Mas neste momento, sozinho num reino de pessoas estranhas, tinha de aprender um novo estilo e do zero.
E mais, deveria esquecer toda sua base; deveria esquecer o tanto que lutou para chegar num nível minimamente louvável. Esqueceria.
Agora, não teria mais a ajuda de seus amigos. De mestres e mentores; nem mesmo de seu núcleo, que servia como condutor, circulador e motor para a mana.
Agora dependeria inteiramente da força de vontade dele. Teria ajuda somente de um livro de, no mínimo, 1 milhão de anos.
Mas, mesmo depois de seis semanas treinando assiduamente e só parando para comer e se limpar, Kai não desistiu.
Repetiu os exercícios um e dois durante todo esse tempo. Queria ter o maior equilíbrio possível sobre a Respiração Profunda e a Respiração do Chi.
Mael e Abwn não vieram ao seu concílio; não. Nem mesmo Azalee. Agora a comida só aparecia como que conjurada.
Entrementes, enquanto lutava para não se sentir mal e esvaziar a mente, pensava sempre em Gunter que provavelmente deveria ter enviado várias cartas.
Como Pikswart não sabia exatamente onde ele estava e, duvidava bastante que ela conseguisse segui-lo até o Reino da Orquídea, as cartas provavelmente estariam voltando.
Ainda tinha Fioled que, provavelmente estaria zangada com esse sumiço dele. Pelo menos era isso que gostava de pensar. Mas não queria refletir demais; estaria indo contra os próprios ensinamentos de chi. Pra um melhor entendimento, deveria deixar tudo para trás. Entregar-se por inteiro.
Agora seus cabelos tinham crescido um pouco nas pontas: batiam nos ombros.
Contudo, estava na hora de passar para as próximas etapas. Iniciaria um exercício complementar, chamado de descida do chi. Esta etapa teria como objetivo o trabalho da respiração e do chi.
Ao se erguer, manteve os braços ao longo do corpo; relaxou completamente. Sua mente se esvaiu e seus músculos se soltaram. Virou sua língua contra o céu da boca; durante a expiração, mudou o peso do corpo para o pé direito; durante a inspiração, mudou o peso do corpo para o pé esquerdo.
Isso iria facilitar a descida do chi para baixo do umbigo, ou seja, para o Tanden.
Foram necessárias duas horas apenas para ele conseguir sentir o fluxo do chi.
Então, montando guarda, iniciou uma série de movimentos e técnicas, buscando guiar o chi livremente pelo seu corpo. À medida que se movimentava, o chi fluía de forma livre, dirigindo-se com facilidade pelo seu corpo.
Aos poucos, sua mente e corpo foram entrando em harmonia. Agora ele fazia todas essas técnicas com afinco e facilidade mutuas.
Depois de longas horas de treinamento, Kai rapidamente passou para a etapa do controle de chi com a respiração.
Para chegar até a percepção de chi, onde estariam os primeiros estágios da consciência de chi, Kai entrou em três etapas práticas para ter essa percepção:
Preparação, onde ele deixava o topo da cabeça erguido com a cabeça em vertical, a língua na parte de trás do céu da boca, dentes e lábios cerrados e o corpo totalmente relaxado.
O caminho do nariz ao Tanden, onde, totalmente relaxado, guiava a respiração para baixo, em direção ao abdome. Nessa prática, a barriga deveria estufar suavemente à medida que o ar entrava; então, esperaria até ter necessidade de exalar o ar e, então, contrair lentamente os músculos da barriga e expulsar o ar para cima e para fora, expelindo-o pelo nariz. Ao inalar, ele imaginou que o ar estava sendo direcionado ao Tanden e, ao exalar, tomava o caminho contrário.
Por último, iniciou um processo que, nas últimas etapas deste método, estaria funcionando sem a necessidade de seu pensamento constante. Durante a inalação, ele contraiu as partes macias da região do períneo – região da pelve que contém a genitália e o ânus – para cima e para trás, levando em direção da coluna vertebral.
Assim, o chi começou a girar para cima e para trás, tomando a forma de uma bola de chi.
Depois de repetir algumas vezes, ele se viu realmente livre de pensamento.
Ao inspirar, ele induzia o ar ao Tanden; girando-o, conduzia o ar durante a expiração ao longo da coluna vertebral, levando-o até o topo da cabeça e, depois disso, exalando pelo nariz.
Após total entendimento das etapas anteriores, passou a dirigir, durante a exalação, a sensação do chi para cima, pela coluna vertebral, partindo da base da coluna e indo pelos ombros, braços e parando na palma de suas mãos. Entrementes, subiu pela coluna vertebral, partindo do Tanden, passou pelo topo da cabeça e foi exalado pelo nariz. Durante a exalação, conseguiu dirigir o chi paralelamente pelos dois caminhos.
Depois fez um processo quase parecido com os pés e pelo corpo inteiro. Logo, todo o seu corpo estava nesse processo ritmado de condução, inalação e exalação de chi.
Então iniciou tudo outra vez. Agora via claramente o fluxo de chi pelas suas veias, via o Tanden como a bola de chi que era e, suas veias e canais se alongando de forma celular.
Ora, logo estaria não só guiando o fluxo interno do chi, mas, também, estaria cultivando diretamente do universo.
Afinal, o chi era uma das cinco energias criadoras do universo.
***
As oito partes de cultivo de chi tinham finalmente chegado ao fim e Kai estava satisfeito. Em parte, porque conseguia andar e se movimentar com naturalidade enquanto respirava e circulava o chi pelo seu corpo.
A outra parte dele estava feliz pois finalmente iniciaria as práticas. Veria se estava ou não com um interior fortificado.
Lia uma parte particularmente interessante do caderno naquele momento. Nela, dizia que quanto mais os canais de chi se alargassem e, mais chi circulasse por eles, vindo direto do Tanden, mais forte o seu usuário seria.
Dizia também que, ao terminar a longa e demorada prática de oito etapas, deveria se iniciar um cultivo natural, ou seja, o chi não deveria nem ser ignorado nem ajudado no seu processo de crescimento.
E foi assim durante todo o treinamento. Ele não buscou pular etapas ou fazer uma após a outra, tanto que até estar em perfeita sincronia, levou meses. E ele foi paciente pois, sem perseverança, não teria nada.
Então ele repetiria o processo de vez em quando, mas nunca de maneira repetitiva. Como já era algo natural para ele, tomaria bem menos tempo.
Estava mesmo era ansioso para ver quais técnicas poderia treinar; folheou as páginas com pressa.
Num capítulo estava listado algumas habilidades que eram elevadas quando obtivesse o controle de chi: força, velocidade, resistência, durabilidade...
Mas ele estava mesmo era ansioso pelas técnicas...
Empoderamento de Respiração, já tinha certa ideia.
Armazenamento e canalização, também tinha alguns pensamentos sobre...
À medida que foi lendo algumas das técnicas, seus olhos se arregalaram e seu sorriso ganhou um novo tom.
– Vejo que finalmente chegou ao fim de seu cultivo. – Kai ergueu o rosto do livro e viu Mael sorrindo para ele. Trazia duas xícaras de algo que cheirava bem.
Kai aceitou uma enquanto o homem sentou ao seu lado.
– Então... que achou? – Mael questionou.
– Esse tempo sozinho... foi difícil. Entender essa língua arcaica, compreender certas práticas... e isso ser somente o início.
– Achei que diria isso. Acho que a próxima etapa vai precisar de um colega pra treinar.
Kai bebericou do chá e franziu a testa. Mael comentou que era lótus verde.
– Eu disse que ajudaria no que pudesse. Infelizmente não pude ajudar nesse seu início de cultivo. Mas quase três meses se passaram, como diz o seu povo. A partir de agora, vamos treinar o seu controle de chi, ver como você se sai. Antes, vamos fazer uma troca rápida? Acredito que consiga se movimentar com o chi.
Kai assentiu, pousando a xícara no chão.
– Somente punhos – Mael ergueu os braços colocando um em guarda e outro mais perto do rosto. – Começa.
Antes que Kai reagisse, Mael já tinha se lançado. E foi rápido. Mas o rapaz percebeu a mudança em seu corpo rapidamente.
Conseguiu acompanhar o movimento de um vitanti pela primeira vez desde que perdeu seu núcleo.
Respirou fundo e calmamente; ergueu o antebraço direito e defendeu-se do golpe etéreo de Mael.
Sua pele ardeu e fumaça subiu. Sem ter tempo para olhar, Mael levantou o joelho esquerdo em direção ao rosto de Kai que deu uma pirueta para trás.
Outra vez, o vitanti sumiu e apareceu a poucos centímetros do rapaz, num jogo de pés incrível. Golpeou forte com os punhos em riste, sempre acertando com os dedos indicadores e médio.
Kai acompanhava tudo, mas seus esquives eram lentos, dando brechas para o vitanti que tinha um sorriso largo no rosto.
Então dando várias piruetas para trás, Kai suspirou.
– Você é bem forte... achei que fosse só um arqueólogo.
– Ah... sou o general dos vitanti, sabe? Tenho que saber lutar.
– Tem certeza que isso não tem nada a ver com manipulação de Éter? – indagou Kai, desafiador.
– Tenho. Estava apenas me exercitando. Qual é, achei que fosse uma luta franca aqui.
– E é. Só quis entender antes.
Então foi a vez de Kai diminuir o espaço; apareceu com um chute à meia altura, fazendo Mael erguer os antebraços. Depois desceu o punho esquerdo em direção de seu rosto. Mael ergueu rapidamente um dos braços e aparou o golpe.
Kai levou o braço direito em direção ao rosto de Mael que, habilmente, ergueu o braço esquerdo com o cotovelo flexionado e os dedos abertos para se defender. Ao mesmo tempo, fechou o punho da outra mão e acertou dois golpes no maxilar de Kai, que foi arremessado para trás.
Kai fez um movimento no ar para cair de pé.
Mael diminuiu o espaço, a palma da mão aberta. Ele empurrou para frente e uma lufada de ar passou zunindo pela cabeça de Kai.
Sem tempo para conversas, o rapaz sorriu e correu ao encontro do outro.
Uma aura roxa etérea rodeou seu punho direito enquanto ele corria. Do punho de Mael, uma enorme lâmina entre transparente e visível se formou.
Ele golpeou na horizontal e Kai deslizou por baixo do golpe, preparando o punho.
Seu soco que buscou acertar o abdome de Mael foi aparado por uma nova lâmina.
Da terra, punhos grandes e grossos se ergueram e seguraram Kai pelos braços. Laços de cor transparente surgiram da terra e prenderam o rapaz mais ainda, apertando seu pescoço, punhos e pernas.
Kai ofegou, um enorme sorriso no rosto.
– Quando... falou... somente punhos... achei... que era... sem magia... – disse entre respirações.
– Não – Mael se aproximou apertando os pulsos, descontraído. – Quando eu disse somente punhos, quis dizer que era sem armas.