A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 2 – Arco 4: Federação de Solum

Relatório 37: Aprimoração

O QUÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊ!??

Um grito que deixou rastros por toda a sala, apaziguado pelo tapar da boca do cartola pela mão de Victor e uma exigência de Xeps antes de se direcionar para Alex.

— Líder, acredito que isso resolva o problema. Uma vez que o próprio Sistema reconheça o parentesco legalmente, não há mais como separar os indivíduos do laço estabelecido. — Ele então direcionou um curto sorriso para o rapaz. — Dito isso, a promoção de Hector poderá prosseguir normalmente.

AÊ~! Comemorava Alex, que parabenizava Victor pela apresentação dos documentos e agora começava a planejar os próximos e breves passos que seriam dados.

Num surto repentino, o cartola puxou o colega pela gola do terno, murmurando em seu ouvido.

— Que diabos cê fez!? Eu sou formado em Direito, e você se tornar meu irmão é literalmente impossível de acordo com a lei!

Victor coçou as costas de sua cabeça, dando um sorrisinho malandro nunca antes visto e respondendo em tom brincalhão.

— É como dizem por aí: “Eu dei meus pulos”.

Soltou-se das mãos do colega, voltando a atenção para Alex e Xeps, esses que continuavam a parabenizar os dois pela promoção.

Enquanto isso, Hector continuava ali, parado, estático, em choque, com apenas uma coisa ressoando em sua cabeça e em seu coração.

QUÊ~?

 

***

 

                                                                                                    

01 de Abril de 1999, 9:30 da manhã

                                                                                                    

O dia começou agitado como sempre, pelo menos para os que continuavam no cargo de soldado, pois diferente destes, a dupla icônica se arrumava para o momento de virada, o clímax que tornaria o norte da história numa nova e inexplorada direção.

Trajado na mesma roupa e, claro, de cartola, Hector riu curtamente ao terminar de se arrumar. Victor, por sua vez, ajeitou a gola do terno marrom e, com uma breve averiguada, decretou:

— Tá na hora, guri! Melhor a gente ir antes que nos arrastem pra fora.

— Achei estranho eles não deixarem você me acompanhar. Você vai para a Inquisição, né?

— Sim, mas você vai ficar bem mesmo? Se você insistir, talvez eles deixem eu te acompanhar, irmãozinho.

— Eu não concordei em você me chamar assim.

Victor deu um breve riso, adiantando-se até a porta e, ao colocar um dos pés no corredor, acabou dominado por uma breve hesitação, disfarçando-a com um girar de sua cabeça e um sorriso.

— Eu vou pra minha área, então… fique bem.

O outro puxou a cartola para baixo e resmungou. — Valeu… E é bom você também voltar, ou eu te moo na porrada!

Ele riu novamente, mais contido, assentindo com a cabeça e murmurando um sim antes de desaparecer de vez pelo prédio.

Hector viria logo atrás, incapaz de alcançar o colega, muito menos ver para qual direção este foi. Os passos do outro eram velozes, mais que o normal, sua energia atingiu o ápice neste dia. Talvez efeito da ansiedade de estar sendo promovido.

Porém, ao alcançar o céu aberto fora do prédio, a direção tomada pelo homem de terno mostrou uma inclinação diferente da que o colega imaginava.

Rapidamente caminhou para a lateral, adentrando numa fresta entre as construções. Lá, aguardou até que o cartola saísse, e quando este o fez, observou o trajeto que tomou junto dos soldados que lhe acompanhavam.

“Promoção, ou melhor, Aprimoramento”, recitou, as mesmas palavras que Xeps utilizou em algum dia que não mais lembrava. “Fantoches já é um nome suspeito o suficiente para um batalhão do exército, mas estar aqui e ver tanta coisa é um outro universo.”

Passou o olhar pela pista novamente. Não mais encontrava as crianças animadas de sempre. Quem sabe era por causa da ocasião especial, ou talvez as aeronaves estivessem finalmente voltando depois de tanto tempo fora.

Não importava! Todo o foco deveria recair sobre o colega, cujo inclusive era agora conduzido para dentro de um Blindado, onde desapareceu instalação adentro.

“Inquisição? Até parece que eu iria pra lá sem saber o que vão fazer com você…!!”

Se levantou, colocando a jaqueta camuflada por cima do terno para chamar um pouco menos de atenção. Desta forma, à passos largos, seguiu na mesma direção traçada pelo cartola, a do desconhecido.

.

.

.

Meia hora, talvez uma, só sabia que suava mais que um porco. Apresentação para o setor dos Inquisidores não era uma opção muito viável agora, assim como se retirar desta área em um momento tão crítico.

De alguma maneira acabou chegando mais rápido que o carro no local, capaz de observar a chegada do cartola. O olhar confiante permanecia ali, não demonstrando qualquer alteração suspeita até o momento.

A área ficava longe de olhares alheios, e a única entrada aparente tratava-se de uma grande porta de metal, aberta apenas com a digital ocular de um dos soldados que lá estavam. A entrada, no entanto, procedeu-se apenas com Hector, que foi guiado por outra figura que já estava dentro do local.

“Longe de qualquer vista. Nem eu sabia dessa entrada, ou pelo menos não deveria.”

O blindado se retirou logo em seguida, levando consigo todos os soldados e deixando o local vazio. Perfeito! Victor se revelou segundos depois, correndo até a mesma barreira de metal.

Tunk! Tunk! As batidas fracas na porta poderiam ser confundidas com um galho levado pelo vento. Entretanto, árvores eram inexistentes na área, e ainda assim um animal com audição mais que fenomenal estava lá para ouvir o chamado.

Ao abrir da porta, ele se revelou com grande alegria. Yo~! Alex puxou o rapaz para dentro antes mesmo de ser correspondido, conferindo os arredores antes de voltar para dentro.

Clank!

Um arrepio subiu a espinha de Victor ao fechar da pesada porta. Agora imerso numa escuridão infindável, guiou-se pela escada diante de seus olhos com a ajuda da pequena lanterna carrega pelo loiro.

Até os primeiros degraus, um silêncio casualmente construído entre passos monótonos mostrou a necessidade de ser quebrado, ainda que por meros sussurros.

— Se-Senhor… A-Alex. — O dito olhou para trás, sorridente. — Eu agradeço por me ajudar com isso.

Kahaha! Não se preocupe, soldado. É normal se preocupar com os amigos mais próximos.

Victor lançou mais mil agradecimentos em seu coração, esperando que toda a sorte recaísse sobre o Líder. Porém, mesmo a simpatia recebida por este que deveria ser o primeiro a puni-lo não era capaz de apaziguar os seus batimentos em constante aceleração.

Diferente de todos os corredores que já havia passado em toda o imenso lugar, o concreto foi, pela primeira vez, substituído por metal.

Branco prateado. Superfícies lisas que gradativamente ganhavam texturas ao se afastar das portas. Pedaços destacados como remendos, protuberâncias com cabos e bifurcações cujos objetivos ou utilidades eram desconhecidas.

Todo o cheiro metálico se intensificava junto do peso no ar. As narinas de Victor se entupiam a cada instante, um odor levemente tóxico que causava uma fraca coceira.

Alex deu uma curiosa atenção àquelas reações, mas direcionando-a para outro lugar ao atingir o fim da escada.

— Siga-me, Victor White, vamos ter que tomar um caminho um pouco diferente do convencional.

Eles findaram em um corredor iluminado. Os leds brancos no teto guiavam o olhar de Victor até uma porta de elevador não muito distante dos degraus, mas aparentemente inalcançável para as atuais intenções de Alex.

O Líder parou no meio do caminho, estendendo a mão contra a parede à direita e, de maneira não perceptível, conduziu uma fraca corrente elétrica por seu braço. Essa esgueirou-se na fissura ali existente, gerando em seguida a liberação de um vapor frio.

Psss! Uma entrada misteriosa foi aberta, iluminada da mesma forma que o ambiente. O loiro então chamou: Bora, Bill! E mesmo sem saber se ainda falava com ele, Victor foi logo atrás.

Ao entrar, a porta misteriosa fechou da mesma maneira que deveria se fosse um elevador, no entanto, tudo que o soldado encontrou diante de seus olhos foi um novo e, provavelmente, ainda maior lance de escadas em espiral.

Com um sinal de mão de Alex, eles começaram a descida. Novamente de início silencioso, não tardou para Victor sentir a necessidade de quebrar a monotonia.

Para sua felicidade, seu guia tomou para si essa tarefa de bom grado. Sem tirar os olhos do caminho, perguntou:

— Você também tem um Fator B, né? A coceira que você sentiu veio de um gás que só afeta pessoas com um.

— QUÊ!? — Por pouco não caiu de bunda nas escadas, escutando apenas uma risadinha infantil. — Você… Então, você me trouxe aqui pra descobrir isso!?

As pernas quase viraram ao contrário, prontas para disparar para seja lá que tipo de saída teria de arranjar em caso de emergência.

— Não, eu só inventei pra fazer você confessar — Parou a caminhada e se virou. — Preocupa não, pô. Se eu quisesse algo de você, teria feito no primeiro dia que chegou. Eu não gosto de perder tempo, sacou?

Respirou fundo, fitando o par de olhos azuis. Não aparentavam qualquer segunda intenção, mas também não era como se fosse capaz de fazer qualquer tipo de leitura facial.

— Você também tem um — proclamou ao nada. — A maneira como abriu a porta, aquilo não foi por equipamento especial. É um tipo de condução que só alguém com Fator B consegue fazer!

— Está correto, eu também tenho um Fator B, e é exatamente por isso que estamos aqui.

Ele franziu o cenho, ameaçando um passo para trás, mas não o fez. Para onde correria, afinal? Poderia até dizer para si mesmo “ah, eu penso na hora”, mas era difícil imaginar uma boa sucessão de eventos num local como este.

— Vamos continuar! — chamou e se virou novamente.

Victor olhou para trás. Escuridão. Um suspiro jogou fora toda e qualquer ideia de escape. Assim, a caminhada em direção ao que parecia o inferno prosseguiu. Claro, não sem uma enxurrada de dúvidas.

— Eu sei que fui eu quem pedi ajuda, mas para onde exatamente estamos indo? Não é perigoso andarmos assim?

Kahaha! Apenas eu conheço esse lugar, então não tem problema, ninguém vai nos encontrar…

BLOW! Um socão na parede fez Victor tremer mais do que o metal em si. Traços de loucura. Será que esse cara era parente de Hector? Não seria difícil acreditar se o perfil fosse um pouco diferente.

— Além disso, eu tenho meus motivos pra estar te ajudando, mas não é nada de tanta importância. Também, acho que você não deve estar preocupado com isso, né?

Com certeza! A preocupação entupia sua garganta de uma maneira que parecia haver um elefante ali! Mas continuar com perguntas no assunto poderia acabar em situações pouco interessantes.

— Apenas… o que vão fazer exatamente com o Hector?

A curta hesitação veio, finalmente, por parte de Alex, genuinamente tão curta que a maioria das pessoas não poderia perceber, e ainda assim durou uma eternidade.

— Ele passará pelo Aprimoramento. Até onde eu vi, ele não possui um Fator B desde o nascimento, então teve de vir pra cá.

Quem diria, jurava que o cartola tivesse uma habilidade que engolia sua sanidade a cada segundo de sua existência.

— Se você diz isso, então quer dizer que…!!

— Você vai ver com seus próprios olhos, mas parece que entendeu o que está acontecendo.

Encerrando no tom melodramático, eles chegaram ao fim da escada. Uma porta de metal os recepcionou, aberta dessa vez com um simples empurrão do Líder.

O interior era uma sala pequena, com disponibilidade de apenas o que deveria ser um sofá metálico. Na parede à esquerda, um grande painel de vidro levemente fosco dava visão para uma outra área, cujo ponto mais atrativo estava longe de serem as paredes brancas.

— A-Aquilo é!!

Victor colou o rosto contra o vidro. Numa área circular, uma maca rodeada de equipamentos médicos — e os próprios doutores — guardava o já sonolento corpo seminu de Hector. Não havia qualquer corte aparente em seu corpo, apenas uma máscara em seu rosto, esta que logo foi retirada por um dos profissionais.

Alex avisou: — Eles não podem nos escutar, muito menos conseguem ver uma parede de vidro. Gostou? Fui eu mesmo que projetei esse lugar, kahaha!

Não houve comentários, apenas um olhar vidrado levado para o colega adormecido naquela maca. Tentava e tentava atravessar a parede fosca, e ainda bem que não conseguia.

Foi então que sua atenção finalmente trocou de foco. Saindo do colega, notou uma coisa brilhante logo ao lado. O que era aquele… arco-íris? Contrastava muito mal com o ambiente, algo com aparência digna de desenhos infantis. Poder da amizade em forma líquida? Só faltava essa!

Deveria ser um simples saquinho de soro fisiológico, mas o conteúdo era distante do que deveria. Brilhante, tendo azul turquesa como cor dominante. Alguns feixes de tons notáveis nadavam pelo líquido, exatamente como peixes. Uma curiosa substância que ganhou um caminho para a liberdade através de um tubo interligando o atual recipiente com sua rota de fuga.

— O que é aquilo que estão injetando nele!?

Antes de responder, buscou assento no sofá branco, falhando em puxar Victor para o seu lado.

— Eu chamo de Energia de Potencialização Condensada (EPC), é exatamente isso que vai tentar forçar o aprimoramento do seu colega. Não há forma de conseguir a EPC senão por métodos que nós desenvolvemos, tanto é que a fonte dela sequer é protegida. Claro, o público não sabe que o local é algo tão valioso, e mesmo que descobrisse, ainda não seria um problema.

Ele fitou o loiro. Forçar o aprimoramento? Ele disse. Três pequenas palavras chave no mar de informações que lhe era transmitido, as únicas que, na verdade, foram capitadas por seus ouvidos em toda a fala.

De Alex, nada veio além de um suspiro insatisfeito. — Eu sei, mas já aviso que isso está fora dos meus poderes… Mas também não posso ser completamente inocentado.

— Então me diga de uma vez! Sem enrolações! “Forçar”? você me vem com essa palavra e quer que eu fique calmo quando aquele envolvido na situação é o meu irmão?

Eh~ Ele havia levado à sério a ideia dos dois serem irmãos agora, né? Bem, não importava nessa altura. Tanto Victor quanto Alex, ambos só podiam observar o desenrolar da cena, cujo primeiro ato foi dado assim que o líquido brilhante atravessou todo o tubo transparente.

O foco de Victor voltou ao paciente. A cada segundo, mais e mais EPC invadia seu corpo, subjugava seu sangue com uma força esmagadora.

Mesmo atrás do vidro ele era capaz de perceber as alterações instantâneas, uma achatamento de pele. As veias saltavam. Sangue de animal morto que escorria em neve fresca. Tremulações, espasmos, saltos!! Um zumbi nascia diante de seus olhos! (NÃO! PIOR QUE ISSO!!)

O vapor que o corpo epiléptico exalava como se fosse uma locomotiva, uma panela de pressão prestes a estourar. A pele achatada amoleceu. Flácida. Era um cadáver com vários dias de existência. Um forte cheiro de fritura contaminou o ar, agradavelmente enjoativo. Uma diminuição de massa se fez. Pedaços de carne se desconectaram do corpo, um sorvete derretendo em velocidade alarmante. Apenas a cabeça se mantinha lá, conectada a pedaços do que ainda sobrava de seu pescoço, enquanto se perdia nos ralos espalhados pelo chão.

Ah… parece que falhou.

Calmo, notavelmente triste, mas, provavelmente, não pelo mesmo motivo que levava o queixo de Victor até o chão.

Nenhum daqueles médicos se apressou ante o desfazer do corpo do cartola. Enquanto uns recolhiam o equipamento, outros faziam um breve conferência por toque na massa de carne derretida, e os últimos anotavam em suas pranchetas.

Após isso, começaram a se retirar do sala. Victor caiu de joelhos, apoiando a mão naquela barreira, impedido de acompanhar o companheiro que nem sabia de sua presença neste lugar. Estava apenas lá, existindo, contorcendo o que nem poderia mais ser considerado um corpo.

E ela veio, a voz atravessou cada centímetro da sala secamente, trazendo para Victor nada além de uma vastidão para ocupar a sua mente.

O procedimento para Aprimoramento de Fantoche foi um fracasso. O indivíduo, Hector Wanderlust, está morto.

 

 

 


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