Volume 2 – Arco 1: Dr. Yellow
Relatório 6: Victor e Yellow
Dois meses atrás…
Assim como Victor esperava, os setores municipais esperavam muito de um ex-agente da FESOL. Foi só dar as caras em Paradise que um amontoado infinito de ocorrências caiu em seu colo.
Já acostumado com isso, não demorou para que a maioria fosse resolvido, exceto por um.
Ele ainda estava em sua primeira semana de investigação, mas mesmo assim, não encontrar absolutamente nada sobre o caso era absurdo. Não importava o quanto procurasse, simplesmente não existia ocorrência de um assassino na cidade, como se fosse um caso de fantasma.
Porém, como um bom agente, ele foi o mais fundo que era permitido. De alguma forma, acabou caindo de cabeça em uma investigação bem antiga, mas conhecida dentro de sua família.
Caso Alamut. Situação: Solucionado. Uma mansão abandonada na Floresta do Pecador, local onde eventos estranhos e desaparecimentos misteriosos ocorreram alguns anos após a sua construção.
Situação da mansão: Demolida.
Ah~! Demolida, apenas ler aquela palavra causava uma dor no coração.
Naquele dia, o rapaz estava aconchegado em seu sofá, mas trabalhando freneticamente através de seu notebook. Os dedos davam sinal de câimbra, mas o texto que escrevia nada apresentava além de suposições.
No início de um parágrafo, travou outra vez. Sem testemunhas, sem informações, nem mesmo o local onde resultava sua única pista existia mais. Estava em um verdadeiro beco sem saída.
“Tsc! Eu não tive acesso nem aos documentos da FESOL, e mesmo que eu não trabalhe mais lá… é sacanagem. Também não consegui entrar em contato com aquele homem. O que será ele anda fazendo?”
Por vezes massageou as têmporas, suspirou, tomou um gole d’água e repetiu o processo. Aparentemente, mesmo as pessoas que faziam parte da família de Jessie e James não poderiam ter acesso a certas informações, por mais maluco que isso pudesse soar.
Aquela dupla também era um grande mistério. Pouco se sabia sobre seu paradeiro depois que saíram da mansão, e o mais intrigante era que não havia um vestígio sequer do que exatamente ocorreu dentro da mansão.
Sem ninguém para lhe ajudar, Victor quebrava a cabeça em busca de uma solução, por mais infantil ou ruim que pudesse ser.
Cling! E como se o mundo atendesse seu pedido desesperado, uma notificação chegou em seu computador. Era uma mensagem, e não era qualquer uma! Veio diretamente em sua caixa postal profissional.
Esperançoso de que seu chefe tivesse lhe mandado algo bom, abriu a conversa sem pensar. Na mesma hora, estranhou. Tratava-se de um documento escrito, e quando finalmente analisou, viu que era um número desconhecido.
Mensagem por engano? Difícil, não era qualquer um que tinha este contato em específico, e não era o número de Hector.
Antes de qualquer coisa, ele fez uma análise superficial do arquivo. Não havia nada de suspeito até onde viu, realmente era um documento padrão. Então, movido por sua curiosidade, abriu o arquivo.
Não tinha título, mas os primeiros parágrafos foram o suficiente para alterar a postura relaxada do detetive.
Com a solução dos mistérios que envolviam a mansão da família Alamut, a dupla de investigadores ficou internada em um centro terapêutico por um período de dez meses.
Alguns anos depois, o casal teve um total de três filhos. Ambos os detetives desenvolveram traumas, mas nada que atrapalhasse a vivência familiar.
— Que bosta é essa? — murmurou. — São informações daqueles dois, mas…
Acelerando a leitura, Victor lentamente percebia sobre o que se tratava o texto. Seja lá quem o escreveu, parecia ser bem íntimo do casal. Haviam detalhes — como comida e cores preferidas — que chegavam a dar medo. Contudo, o mais impressionante era o detalhamento de algumas situações que ocorreram dentro da mansão.
Na biblioteca, eles leram alguns livros que eu não me importava. Fiquei impressionado quando não pegaram nenhum para levar com eles. Bem, depois do golpe que aquele cara idiota levou, acho que nunca mais vai pegar um livro na vida.
Foi engraçado vê-los correndo, sequer me lembrava de quanto tempo não dava gargalhadas de verdade. Com certeza valeu a pena esperar.
A mudança não passou despercebida. Era na verdade um relato? E que tipo de ponto de vista era aquele? Quando chegou aos últimos parágrafos, esperou que encontrasse suas respostas.
A única coisa que ficou em posse da dupla após saírem da mansão foi uma câmera velha, que permanece como uma relíquia dentro da família até hoje. Nem é como se você estivesse com ela aí do seu lado agora, né? Imagina.
Com a demolição da mansão, os artefatos históricos que lá estavam foram recolhidos pelo governo… Isso é o bastante? :)
Dr. Yellow
Alguns segundos se passaram para que Victor se desse conta. “Logo do seu lado”? Ele paralisou.
No canto do sofá estava a caixa onde guardava aquela câmera polaroid, exatamente a mesma que foi citada. Em um susto, ele vasculhou desesperado cada canto do cômodo, mas não encontrou ninguém.
Tum! Tum! Seus batimentos aceleraram. Suas mãos começaram a tremer e o suor escorria como uma cachoeira por seu rosto. Um verdadeiro alerta de seu próprio corpo, ou talvez um instinto.
Independente do que fosse, a próxima ação tornou-se mais que óbvia em sua mente. Sem qualquer hesitação, ele apagou o arquivo de seu computador, e em seguida aquele contato misterioso.
Ding~! Como numa reação instantânea, a campainha tocou. O corpo reagiu da mesma maneira, e o coração quase saltou pela boca.
Não queria abrir aquela porta, mas algo lhe mandava fazer isso. Enquanto se levantava, o visitante bateu algumas vezes na porta, acompanhando o ritmo cardíaco do detetive.
Movido por aquela força desconhecida, Victor tocou a maçaneta, sentindo um forte arrepio o atacar. Mesmo esse aviso foi ignorado, e no instante seguinte, ele abriu a porta.
— O que…?
Ninguém, nem mesmo um animal de rua, sequer uma única alma dentro do quarteirão. Tanta solidão era peculiar para aquele lugar. Estava ocorrendo algum evento na cidade e ele não sabia?
Num suspiro, fechou a porta. Um trote? Talvez… Porém, não podia negar que aquela sensação de perigo era verdadeira. Algo tão espontâneo quanto aquilo, que tipo de coisa estava por ali?
— Apagou a mensagem? Caramba, as pessoas de hoje são muito mal agradecidas.
Sua resposta chegou rápido, na forma de uma voz forte e de tom zombeteiro.
Mas que!! Aquele alerta natural foi acionado outra vez, mas foi rapidamente sobrepujado por uma ordem.
— Ei, olhe pra mim enquanto eu estiver falando com você.
Em menos de um segundo, Victor foi colocado no patamar de um servo. Acatando o que foi dito, ele gradualmente foi capaz de identificar a figura.
Estava sentada no sofá, em frente ao notebook. Apesar da postura totalmente relaxada, parecia ter constantemente uma faca apontada para a garganta do investigador.
Sua roupa negra — de alguma forma — parecia ter vida, ondulando como vários tentáculos rastejando pelo corpo, nunca assumindo uma forma fixa.
A única parte exposta era o rosto. Um largo sorriso afiado estava travado ali, indo de orelha a orelha. O cabelo era curto, contando apenas com uma franja que escondia o olho esquerdo. O outro, por sua vez, demonstrava uma cor única e brilhante, mas que ao mesmo tempo repelia qualquer atenção alheia.
“Um olho dourado… Eu já ouvi sobre isso!!”
— Já ouviu, é? Ótimo, eu não pretendia explicar mesmo.
Victor colocou uma das mãos sobre a cabeça. Aquela resposta… Ele leu meus pensamentos?
Pelo jeito, não precisaria saber. A figura se levantou e analisou o cômodo com bastante curiosidade.
— Quem é você? O que está fazendo aqui!?
Nada demais, uma resposta que não lhe agradou. Sua memória estava sendo lentamente refrescada enquanto o homem vasculhava sua sala de estar. Olho dourado… Foi dentro de sua família que havia escutado sobre isso!
“Uma coisa que seria melhor escolher a morte do que conversar com ela”.
— Sabe~, Victor, eu vi que você estava tendo dificuldades pra avançar com sua investigação, então pensei que você aceitaria alguma ajuda.
Ele tombou a cabeça e encarou o rapaz com um olhar de canto, ainda com aquele sorriso estampado no rosto.
Ciente de que um simples pensamento não seria mantido apenas para si, o investigador decidiu tentar falar.
— Ajuda? Do-do que você tá falando? De novo, quem é você?
Eram muitas perguntas, tanto que o rapaz encolheu, achando que a figura ficaria raivosa. No entanto, a coisa ganhou um tom animado na voz, se apresentando com o mesmo nome que estava no arquivo, Dr. Yellow.
Nunca ouvira falar desse nome, mas também não imaginava que uma existência como aquela ficaria limitada a algo tão banal quanto uma nomeação.
— Eu só estou aqui pra te ajudar, sem muito segredo.
Saltitante, ele se colocou ao lado do pequeno humano, apoiando o braço em seu ombro.
— Eu gosto de você… As pessoas normais costumam desmaiar só de ouvir a minha voz, mas você ainda está de pé. Significa que tem algo especial em você. Hehehaha! Interessante! Sabe, eu não conseguia falar assim com alguém fazia um tempo!
Como uma criança diante de um novo brinquedo, ele agarrou o rosto de Victor, balançando-o de um lado para o outro enquanto continuava falando.
Entretanto, o investigador se preocupava mais em poder acabar morto a qualquer instante. Aquela figura não se importava com nada, parecia alguém que testava uma rota diferente em algum jogo que já havia terminado. Não se importava com nada, sempre tranquilo e fazendo brincadeiras de gosto peculiar.
— Po-pode me dizer mais sobre… a ajuda?
Os avisos de sua família e até de seu próprio corpo poderiam até existir, mas a tentação de finalmente descobrir algo sobre aquele caso maluco do assassino falou mais alto. Enquanto Yellow dava risadas curtas, Victor engoliu seco.
— É bem simples. Eu vou te ajudar três vezes durante toda a sua jornada, mas posso incluir um extra aqui e ali. Claro, nem tudo é de graça, mas não se preocupe, eu prometo que o preço é bem~ pequenininho.
Entrelinhas, elas sempre estavam lá, mas não importava naquela altura. A cabeça do detetive já estava cheia demais para pensar em consequências, e se não aceitasse, apenas ficaria cada vez mais louco ao tentar resolver aquela ocorrência sozinho.
— E qual é a sua razão para me ajudar? Quer vingança contra alguém? Dominar o mundo ou algo assim?
Hã? O resmungo a reclamar de algo que deveria ser óbvio.
— E eu preciso de um motivo? Aff! Entenda, a eternidade é capaz de te deixar maluco se você ficar ocioso. Sua mente começa a trabalhar em coisas que não existem, e lentamente você perde o senso de humanidade, não existe dor, sofrimento, alegria nem nada disso. Como posso dizer, é como se você estivesse dentro de uma bolha, uma que nunca estoura.
Não entendeu bulhufas, talvez fosse este um dos tipos de assunto que só se entendia após uma certa idade. Se fosse, que idade exatamente esta criatura tinha?
Victor não se questionou. Avisos existiam sobre ele, apesar de não sobre o nome de "Dr. Yellow", mas que mal fazia? Já lidou com coisas piores que uma entidade maligna no passado. Fazer isto em prol da solução de um caso em especial não deveria lhe render nada que não pudesse lidar depois.
Feito. Seguido de um aperto de mão forçado por Yellow, Victor entrou num caminho desconhecido, mas que — pelo menos —, não estava desacompanhado.
— Muito bem, garoto! Então, como prêmio por aceitar facilmente a minha ajuda, pode pegar esse extra aqui.
Bzzz! Tão rápido quanto o corpo do rapaz poderia reagir, a figura colocou o dedo indicador sobre a testa de seu servo, desferindo uma curta carga elétrica.
Não sentiu qualquer dor ou incômodo, apenas ganhou um semblante confuso e o direcionou para aquela coisa despreocupada.
— Isso vai te ajudar em algum momento. Acho que vocês chamam isto de Fator B hoje em dia. Que nome bosta.
Nenhuma surpresa, ele sabia da existência daquelas habilidades. Seu tom debochado retornou no instante que tocou naquele assunto, jogando alguns xingamentos aleatórios para cima de Victor, mas pareciam ter outra pessoa como verdadeiro alvo.
— Enfim, acho que já vou voltar. Não tem mais nada interessante pra fazer aqui.
Calmamente, ele foi até a porta, e antes de abri-la, encarou de canto o detetive ainda paralisado.
— Vê se não morre cedo, ou faço questão de te transformar em ração.
Sendo uma ameaça rasa e ainda naquele tom descontraído, Victor não se sentiu intimidado. O mundo, no entanto, parecia fazer questão de torná-lo num bom escravo daquele homem.
Um sentimento familiar atingiu-lhe, alguém além de Yellow lhe observava, e estava dentro da casa.
Dessa vez, não hesitou, mas se arrependeu da mesma forma. Não precisou procurar, pois aquele órgão se destacava completamente.
Estava em uma das portas, ocupando completamente toda a abertura. Uma pupila fina, rodeada por uma íris azul brilhante e de aparência áspera, como escamas de cobra.
O que?? Como aquela coisa estava ali? Sequer o olho cabia na abertura da porta do quarto, mas ela estava lá, encarando-o fixamente.
— Entendeu, não é? Agora, melhor descansar, pois as coisas vão ficar bem mais interessantes a partir de agora.
Slap! Num curto estalar de dedos, os olhos de Victor reviraram e seu corpo foi ao chão.
Lentamente, a sua consciência foi-se apagando, enquanto risos humanos sobrepostos proviam daquela imensa criatura de olhar faminto.
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