A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 1

Pista 3: Investigação (1)

                                                                                                    

Dia 14 de Junho de 1867, 2:50 da tarde

                                                                                                    

As pernas de ambos tremiam sem qualquer controle, o suor frio fez sua primeira de muitas aparições e os olhares amedrontados eram agora direcionados para uma única coisa. No lance de escadas, a estátua lhes encarava, ansiosa pelo próximo erro que fossem cometer.

Mesmo que o instinto de sobrevivência gritasse para que fugissem, era gradualmente substituído pelo desespero conforme as tentativas de escapar falharam uma atrás da outra.

As janelas eram ridiculamente resistentes, onde nem mesmo um poderoso chute foi capaz de quebrá-la, na verdade, sequer trincá-las. Para completar, as fissuras que foram feitas no vidro foram consertadas de um instante para o outro, como um retorno no tempo.

A porta, por sua vez, absorvia os golpes e devolvia aos detetives com ainda mais força. Como um lugar tão antigo poderia ser tão resistente? A cada soco, chute e cotovelada, a determinação dos detetives era arremessada cada vez mais longe, até que finalmente sucumbissem ao cansaço e desmoronassem no chão.

Arfa! Arfa! Mais do que ninguém, James agora sabia o quão ruim era sentir dor. Sem que a parceira se desse conta, ele levantou sua camisa e se deparou com um grande hematoma no local que recebeu o primeiro soco da estátua.

A ânsia de vômito dava pequenos sinais de melhora, assim como a boca voltava a controlar a saliva que escorria. Os cuspes constantes, no entanto, não demoraram a alertar Jessie.

— Aquela coisa te atacou? É por isso que você tá tão horrível?

— No momento, só tô com um pouco de tontura. Vou descansar um pouco e acho que ficarei bem.

A garota vagou seu olhar entre ele e as poças de sangue no chão. Depois de tudo aquilo um descanso já seria o bastante? Mas nem a pau!

Ela então voltou a analisar o local. A porta estava intacta, enquanto as janelas, apesar de não serem feitas com barras de ferro, portavam painéis de vidro tão resistentes quanto.

Uma estátua viva e uma mansão indestrutível. Olhando por fora era uma armadilha perfeita para se livrar de qualquer indivíduo indesejado. O campo de abate que qualquer maluco adoraria ter o controle. A possibilidade passou por sua cabeça, mas não se lembrava de ter algo que traria a fúria de alguém contra sua pessoa.

— Tudo isso… é realmente verdade? A gente não está sonhando, né…? — James abraçou os joelhos, visando a estátua com um olhar de canto.

— Bem, eu já esperava algo não muito normal, mas… — Imitando o homem, fitou a imagem. — Isso aqui vai além de qualquer treinamento que a gente já recebeu.

Seu olhar voltou a James, cujo desviou seu próprio. Sem ligar para essa situação, ela o questionou sobre as informações do diário. Se aquilo não tivesse informações úteis, não tinha ideia do que fazer para sair dali.

— Tinha uma coisa ou outra, argh… — Pressionou a testa antes de continuar. — A única coisa realmente útil era um pedaço de papel solto que dizia para "respeitar os altares".

Jessie resmungou impaciente. Cê é muito fresco. A resposta do homem foi imediata, e de um instante para o outro, o tom de voz tristonho desapareceu.

— Eu acabei de ter uma experiência de quase morte! Deixa eu ter meu momento!

Paf! Um tapa caiu sobre sua cabeça. Na testa da garota, uma veia saltou e gritou junto de si enquanto a mão fazia um punho.

— A sua morte vai ser concreta se você não erguer essa cabeça e me ajudar a pensar! Quer morrer aí parado ou tentando sair?

— Quanta consideração!!

Ela se levantou, colocando-se à frente de James e lhe estendendo a mão. Eu não me casei com um covarde, disso ela tinha absoluta certeza.

Apesar do cenho franzido em raiva, era fácil para o homem ler as entrelinhas. Mesmo em tantos anos de convivência, tais atitudes da parceira ainda lhe impressionavam.

Ele suspirou, notando que todas as sensações ruins em seu corpo já haviam passado o suficiente para ignorar. Aceitou a ajuda da mulher e se levantou, pronto para bolar um plano de fuga.

— Certo! Duas mentes trabalham melhor que uma.

Hehe! Uma risada curta veio de Jessie. Com apenas uma simples motivação, James ganhou tanta confiança quanto ela. Sempre tão fácil, ela disse, brincalhona.

— Bem, pode ficar aqui descansando, mas é melhor não ficar sentado já que não sabemos quando exatamente aquela coisa pode começar a se mover. Me diga o que mais entendeu que eu faço o resto.

James resmungou, tirando a mão do abdômen na ideia de parecer bem.

— Bem, o bilhete é autoexplicativo, provavelmente desrespeitar os altares vai fazer a estátua se mover e atacar a gente.

— Acha que é algo automático ou deve ter alguém aqui por perto controlando ela?

— Você revistou praticamente tudo e não encontrou ninguém, não é? Também, acho difícil alguém sobreviver num lugar deste por tanto tempo, os relatos não são de ontem, mas de décadas.

Poderia até falar, mas o fato era que a fogueira em um dos cômodos estava com chamas recentes. Nada impedia a estátua de ter acendido o fogo, mas isto era improvável enquanto o contrário não fosse provado.

Enquanto os dois se reorganizavam, a escultura continuou parada, assistindo a dupla procurar por respostas ao mesmo tempo em que lutavam para não sucumbir ao desespero.

Apesar da ausência de um rosto, era quase notável um olhar indiferente do ídolo. Por trás do vitral, o sol da manhã atravessava o céu velozmente e despercebido.

Como lhe foi pedido, James contou mais do que leu no diário. Sobre a assinatura de "D. Rossi" e a jornada que ele contava e os detalhes das letras.

Jessie teve então a certeza, a estátua estava sem dúvidas ligada aos mandamentos.

— Deve ter alguma relação com o brilho dourado — apontou James. — Podemos deduzir que todo altar que está brilhando já foi “concluído”. Talvez aconteça algo se concluirmos todos.

— Seria ótimo se a saída se abrisse, mas acho que seria conveniente demais.

Era a melhor possibilidade, mas também muito infantil de se imaginar. Uma prisão perfeita como esta deveria ser projetada para matar, então a ideia de existir uma saída era bem pequena, apesar de possível.

— Bem, o diário em si não tinha a assinatura nem letra diferente do tal Rossi, e como a estátua estava com ele, acho que é seguro dizer que essa criatura é D. Rossi.

— Pode ser, um efeito de maldição, talvez, mas como alguém ficaria… desse jeito? — A mulher encarou a imagem.

Melhor não pensar. James também não conseguia imaginar, e sabia que se tentasse apenas diminuiria suas esperanças. Jessie, por outro lado, se mostrava ainda mais intrigada.

Espírito maligno? Possessão? Eles já haviam estudado sobre isso no curso de formação, então a possibilidade realmente existia.

"Ajudaria se as aulas fossem menos vagas…"

Como complemento, James disse:

Hunf! Agora todas aquelas baboseiras que nos contaram fazem sentido, eu nunca imaginaria encontrar algo assim. É como falaram na nossa cabeça tantas vezes: parece de outro mundo.

Uma curta lembrança passou diante de seus olhos, estava na sala de aula. Nem fazia tanto tempo assim, mas por alguma razão parecia ter se passado vários anos, como se a memória estivesse lentamente desaparecendo. Balançou a cabeça, voltando ao assunto principal do momento.

A coisa não podia ser um espírito maligno, já que esses são almas que ficaram no mundo dos vivos por conta própria, buscando vingança ou algo do tipo, e nunca seriam capazes de possuir um objeto, muito menos uma estátua.

Ele ainda se lembrava bem. No diário, a frase “você me derrotou” se tornou bem sugestiva.

— Aprisionado! Ele deve ter sido derrotado por alguém e então preso na estátua… eu acho.

— “Eu acho”? Você estava falando com tanta certeza… Pare de criar esperanças e depois destruí-las dessa maneira — reclamou Jessie.

James suspirou e pressionou a lateral do corpo. Vamos explorar. De longe, era o melhor que poderiam fazer no momento. Desde que chegaram, apenas o primeiro andar tinha sido revistado, restando apenas o segundo. Porém, esse ainda era guardado pela imagem de pedra, e passar de algo que quase lhe matou não seria uma opção muito inteligente.

Jessie então voltou aos altares. Analisando aqueles que brilhavam em dourado, notou algo estranho. Lentamente, ela recitou:

— Não matarás. Não roubarás. Não pecarás contra a castidade. Honrará seus familiares e… Não irás cobiçar as coisas alheias. Tem mais do que deveria.

O marido também avaliou, rapidamente entendendo o que a mulher quis dizer. Apenas os dois primeiros mandamentos haviam sido quebrados, então fazia sentido estarem completos agora, mas o resto…

— Alguns devem ser… automáticos — supôs, logo questionado pela esposa. — Tipo, só de termos concluído eles fora daqui, já vai contar pro progresso dos altares, enquanto outros precisam ser cumpridos aqui.

A garota parou para fitar o parceiro, logo atraindo a atenção dele. Que foi? Mirou seu olhar indiferente e envergonhado. Em tom zombeteiro, ela disse:

— Nada, só gosto de te ver pensando. Aliás… — Indo até um dos altares, releu a frase: Não irás cobiçar as coisas alheias. — Tenho que falar, estou surpresa por esse aqui estar concluído.

— Isso foi uma indireta, por acaso? — Uma veia pulou na testa do homem.

Ora, e não era óbvio? Risonha, ela relembrou da infância dos dois. James sendo a criança mais invejosa que já havia conhecido. A garota descendia de uma família rica, o total oposto do rapaz.

— Eu sei que você roubava uma coisinha aqui e ali da minha casa quando a gente brincava junto. Acha mesmo que eu nunca percebi?

Um olhar de peixe morto dominou seu semblante, enquanto o resto de honra que pensava ter era arremessada para longe pelas risadas da mulher.

— Eu sempre ganhei tudo que pedia pros meus pais, então eu não tinha motivos para sentir inveja dos outros. Acho que mereço alguns agradecimentos, não é? Afinal, imagine só se eu não estivesse aqui, você estaria ferrado!

— Mas era de você mesmo que eu tinha inveja! — Ele exclamou em fúria. — Sua burguesa safada!

— E a culpa é minha?

Eles deram as costas, aguardando um pedido de desculpas que nunca aconteceria.

Porém, a curta birra das duas crianças foi logo jogada para segundo plano. Passando por uma das janelas, o olhar de James caiu no céu pouco visível da floresta. Mesmo que o painel estivesse empoeirado e sua mente confusa, seus olhos ainda não haviam chegado ao nível de enganá-lo daquela maneira.

Diante do que estava presenciando, uma dúvida cruel lhe atingiu.

Er~Em qual horário nós entramos aqui dentro?

A garota ponderou por um instante, e quando encarou seu relógio de pulso, disse: — Talvez por volta das duas da tarde. Só se passou no máximo uma hora.

James engoliu seco, esfregou os olhos e conferiu novamente. Aquilo era real!

— Então... por que está escurecendo?

Sua questão repentina deixou a garota confusa, e acreditando ser uma brincadeira de mal gosto, ela se virou para o grande vitral. Seus olhos então arregalaram e a testa franziu mais que nunca.

Através do vidro sujo, um vislumbre do céu alaranjado que desaparecia anormalmente rápido foi cravado na mente da dupla. O corpo de ambos travou por alguns segundos, a processar a situação, mas falhando miseravelmente.

Por segundos que mais pareceram horas, eles observaram tal fenômeno aterrorizante, mas numa mansão com um guardião especial, não havia momento de distração que fugisse de uma consequência.

Quando o pôr do sol se tornou em noite por completo e a lua iluminou levemente o grande salão, a estátua recebeu o sinal que tanto aguardava.

A dupla fitou a imagem, o lampião se acendeu e, num curto som de estalar de rochas, ela começou a se mover.

— Ma-Mas por quê? Nós ainda não movemos um dedo sequer…! — O homem agarrou o braço de Jessie, mas não se colocou à frente.

A mulher não reagiu, ocupada demais observando a escultura caminhar lentamente em sua direção.

Os passos eram leves comparados ao tamanho e peso da criatura, eram praticamente inaudíveis. A chama se tornou um mistério tão grande quanto seu próprio portador. Ela acendeu para que a estátua se movesse?

Não havia tempo para pensar, pois logo a estátua se colocou no tapete vermelho. Sem qualquer obstáculo lhe impedindo, continuou sua caminhada em linha reta.

A dor no abdômen de James lhe atingiu como um novo instinto, obrigando-o a se apoiar na esposa. Incapaz de se mover como queria, o corpo de Jessie ganhou outra razão para paralisar onde estava.

Abandonar seu parceiro? Essa opção nunca passaria por sua cabeça, independente da situação. Sem mais escolhas, tudo que puderam fazer foi aguardar.

A imagem de pedra o fez, indo calmamente na direção de seus alvos, enquanto o poderoso punho julgador se tornava invisível na escuridão.

 

 


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