A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 1

Pista 13: Julgamento (1)

Movida do salão principal para a biblioteca no segundo andar de um instante para o outro, a limitada mente de James tentava desesperadamente recuperar a compostura diante da situação inexplicável.

O corpo permanecia o mesmo, e o medo de ter algo faltando se foi assim que conferiu membro por membro. Apenas então se deu ao luxo de olhar ao redor calmamente. Estava mesmo na biblioteca?

Assim que teve certeza, o arrepio de encarar a porta e lembrar do evento com o disparo quase lhe levou ao chão. O rosto demoníaco da estátua estava fresco em sua memória, assim como a voz misteriosa que o atormentou com apenas duas palavras.

“Vai chorar?” Bem que gostaria, mas não havia tempo nem para isso neste jogo de gato e rato.

Depois de tanto tempo na mansão — que ele nem mais tentava contar — , já estava quase acostumado com o medo e a adrenalina correndo sem parar em suas veias. Mas não sabia se isto traria alguma vantagem?

Mais rápido que em qualquer uma das ocasiões anteriores, ele se levantou, ajeitou o terno e analisou seu estado.

A arma permanecia presa no coldre. “Seis balas… acho que é isso que ainda tenho. Mas não acho que vão ser tão úteis agora.”

A dor no abdômen havia caído no esquecimento, e mesmo pressionar o local do hematoma com uma das mãos não gerava reação alguma no corpo. No geral, o corpo parecia ter… resetado? Este foi o melhor termo que encontrou para descrever a sensação.

“Não vale a pena ficar me perguntando a razão disso acontecer. Melhor só aproveitar.”

Para qualquer um com foco em sobreviver, de fato, a melhor escolha era agarrar qualquer vantagem que surgisse. Para sua surpresa, uma destas estava bem ali, em sua frente.

"Estudo de tipos sanguíneos", tinha certeza que este livro sobre a mesa tinha tal nome em alguma das páginas, sendo ali onde estavam as anotações que encontrou anteriormente sobre as tão famigeradas Cinco Ordens!

“Estranho… Eu me lembro de ter deixado aquela câmera aqui, para onde ela foi!?” A frustração atingiu-lhe em cheio. “Será que a Jessie pegou? Não, eu me lembraria se tivesse…”

Averiguou o lugar rapidamente em busca do objeto, mas nem sinal dele. Que hora! Reclamou em silêncio. Logo quando estava sozinho, a câmera capaz de fotografar a alma da escultura não estava consigo, aquela que ele considerava a única arma efetiva contra a criatura.

“Quer saber? Apenas o livro já está de bom tamanho! Talvez tenha mais alguma informação que eu tenho deixado passar."

Serviria como guia de sobrevivência, talvez não um dos mais úteis, já que apenas avisaria qual o próximo ataque ele teria de suportar.

Revidar? Isso estava longe de ser uma opção, pois mesmo que não sentisse dor, a agonizante sensação de algo vital se esvaindo cada vez mais de seu corpo não parava de o incomodar.

“Parando pra pensar, aquela coisa parecia ter algum tipo de costume. Andando sempre para os mesmos lugares, arrumando os livros quando estávamos aqui… Se tudo seguir esse padrão…”

A pouca eletricidade presente em seu cérebro deu um repentino salto de carga; forte o suficiente para despertar uma suposição adormecida.

Certo! Não havia razão para hesitar daqui em diante. Com o livro aberto na página das ordens, ele seguiu em direção à porta.

Porém, a mão ainda era incapaz de tocar no revólver enquanto neste cenário. A voz demoníaca chegou a soar uma segunda vez em sua mente, mas não o impediria de avançar enquanto fosse somente um delírio em sua cabeça.

A força era sobrenatural, talvez até maior que a emanada pela presença da estátua. Que tipo de pessoa teria um tom daqueles? O Trovão? Não, sequer na área ele estava.

Sem perceber, a dúvida medonha apenas permeou sua mente para que outras ainda piores entrassem na roda, novamente montando o círculo de desespero que o homem tanto se esforçava para conter.

“Vamos lá! Vamos lá!”

Com um passo de cada vez, ele alcançou a porta da biblioteca. Ainda mais devagar, colocou a cabeça no corredor, espreitando os extremos da área em busca de qualquer ameaça.

Vazio, o cenário não poderia ser melhor para si. Com essa mínima — mas aceitável — segurança, a confiança para pisar fora da sala tomou conta de seu corpo.

A jornada até o salão começou, assim como o alerta para a intensificação da caçada!

No final do corredor, uma mão de pedra agarrou a parede. Merda! James correu na direção contrária antes mesmo que pudesse perceber.

Por mais forte que pisasse, a madeira do chão nunca rangia, um fato que só havia percebido agora. Na verdade, se prestasse mais atenção poderia até ter certeza se aquela estranha textura que sentia com o solado do sapato era real.

“Parece que tô pisando num chão de pedra, que tipo de madeira é essa!?”

Logo na primeira curva que fez, a questão desapareceu. À frente estava a varanda interna, onde teria uma vista totalmente privilegiada do salão principal.

Apesar de temer a cena que poderia encontrar, James se apoiou no corrimão e chamou: — JESSIE!!

Um segundo grito travou em sua garganta. A mulher estava caída, mas sem qualquer sangue notório. Desmaiada!? Esperava que sim, mas o mais preocupante nem era o estado da mulher, e sim aquilo que lhe rodeava.

Logo ao seu lado, a estátua encarava um objeto em destroços no chão.

“O la-lampião!!? Você quebrou o lampião da estátua!? Sua maluca!!”

Estava claro! Um golpe direto da estátua certamente levaria ao desmaio, e finalmente uma pontada no abdômen atingiu James ao imaginar o evento.

Porém, tão aterrorizante quanto imaginar algo assim acontecer com sua esposa, foi presenciar o fenômeno seguinte.

A estátua se agachou lentamente ante seu precioso objeto destruído. Em mesmo ritmo, colocou a palma da mão direita acima do item, e nada fez além de aguardar.

O metal tilintou, saltando sozinho do chão de pedra e unindo-se aos estilhaços ao redor. Cada pedaço de ferro negro; mínima gota de óleo e dos menores aos maiores fragmentos de vidro. Como um quebra-cabeça, cada pedaço uniu-se ao outro, até que a alça reconstruída do lampião fosse novamente apanhada pela mão esquerda.

Antes de se levantar, a chama acendeu do nada, para só então a face de pedra ser direcionada ao único que presenciou o espetáculo.

"Conserto!! Então era isso!"

Aquela fase estava no sentido literal! Pelo jeito não seria necessário a interpretação de um poeta para entender como as Fases funcionavam exatamente.

As Ordens, muito menos, pois no instante seguinte a figura que lhe perseguia no segundo andar surgiu pelo corredor da biblioteca à sua esquerda.

“Du-Duas!? Tem duas estátuas!!” O raciocínio rápido impediu qualquer irracionalidade. “Então… A 1° Ordem se cumpriu! Mas será que essas cópias também me atacam?”

Ficar ali e descobrir nem era e nunca seria opção. Na mesma hora em que a cópia lhe encarou, sua corrida recomeçou!

Com mais alguns metros ele chegou na ala direita, onde ficavam os sete quartos.

“Não posso estar enganado! Aqueles costumes com certeza resultariam em algo assim!”

Seu olhar deslizou rapidamente entre os números nas portas, até que enfim encontrasse o que desejava.

Invadindo o obscuro cômodo que era o D3, praticamente se jogou no chão para agarrar o item que se escondia debaixo da cama empoeirada. A caixa preta estava ali, assim como o que procurava.

“A câmera! Ela realmente pegou e devolveu pro lugar!!”

Uma estátua bem organizada, deveria dizer, mas uma fala ocuparia tempo demais no cronômetro acelerado que avisava do seu fim.

Ao desempacotar seu presente divino, não tardou em mirar a lente para o salão e o corredor, tirando duas fotos seguidas. Quando saíram, a esperança de descobrir a verdadeira estátua foi-se embora com a cachoeira de calamidades que era aquele lugar.

Sem alma. Aquela esfera azul que entregava a original não mais aparecia no papel fotográfico.

O que!? Antes que seu questionamento tomasse forma, a resposta surgiu num soco de realidade.

Seus dedos folhearam as páginas do livro, e na coluna de cinco frases estava a resposta para a falha do eletrônico.

2° Ordem: O meu eu verdadeiro, tu não serás capaz de encontrar.

O coração bateu mais forte, mas ainda incomparável ao da mansão. As pernas tremeram, erguendo o corpo numa urgência nunca antes vista.

Ele seguiu desesperado para o salão principal, enquanto o abismo observava toda a situação com um largo sorriso no rosto.

 

 


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