A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 1

Capítulo 7: As Cinco Ordens (1)

Caminhando lentamente pelo corredor vazio, James vislumbrou o céu por uma das janelas, vendo o tom alaranjado ser rapidamente substituído pelo preto azulado da densa noite.

“Quanto tempo já se passou exatamente?”

Fez uma rápida contagem com os dedos, e sem ter como confirmar sua suposição, suspirou e apenas seguiu em frente.

Fazendo a curva no corredor, notou poucas diferenças. As janelas estavam do lado direito, e ao invés de sete portas, apenas uma entrada dupla existia no centro de todo o espaço. De resto, tudo igual. Até as teias de aranha pareciam as mesmas, como uma imagem espelhada da outra ala.

Mesmo à noite, sua sombra caminhava velozmente pelo assoalho, uma visão que gerava calafrios por todo o seu corpo.

“Já se passou tanto tempo… Onde estão os reforços??”

O acordo com Alamut era claro, se eles não voltassem até o pôr do sol, a ajuda seria enviada imediatamente. Então, onde estava esse socorro?

Sua atenção foi para o lado de fora. Como sempre, completamente monótono, decorado apenas pelas altas árvores secas e a névoa espreitadora.

A ajuda deveria ter chegado há muito tempo, talvez até já estivessem ali, mas a uma distância considerada segura. Será que não conseguiram entrar? Algo os atrasou?

Droga! Num momento de raiva, ele tirou do bolso a primeira coisa que encontrou, a chave do fusca, e na sua mais pura força de vontade, golpeou o vidro com a ponta de metal do objeto. Seu ataque, no entanto, foi facilmente defletido, capaz apenas de criar um pequeno arranhão na janela.

A cabeça do detetive era cada vez mais preenchida pela dúvida, que por sua vez era sobrepujada por seu atual objetivo. Pistas. Apenas uma seria o bastante para lhe satisfazer.

Tal sensação de desconforto crescia cada vez mais, não se tratando mais da estátua. Era diferente, mas sempre esteve ali, tendo finalmente se manifestado ao ponto de se tornar um incômodo.

“Uma pista… qualquer coisa vai servir. Se for pra encontrar algo, tem que ser aqui!”

Determinado, guardou a chave no bolso e seguiu pelo corredor. Por o fazer, não pôde notar uma alteração singela.

Na janela que acabara de atacar, o arranhão que causou sofreu um estranho fenômeno. Como se apagada por uma borracha invisível, a ranhura regrediu na superfície transparente, até desaparecer por completo.

A atenção do detetive, entretanto, parecia focada no que sequer era capaz de ver, e a cada momento, os passos que dava adiante apenas lhe puxavam para trás. Lutando contra seu movimento inerente, ele se colocou em frente à porta dupla.

Uma atmosfera pesada atraía-lhe como um meteoro para um imenso planeta, repelido ao mesmo tempo pela intimidação da criatura desconhecida.

Com um fraco empurrão, revelou o interior do cômodo. Como uma pedra maciça movida pela primeira vez em séculos, a madeira rangeu e raspou no chão — ao ponto de derrubar lascas — gradualmente iluminando o interior daquela masmorra com a fraca luz da lua.

Antes imbuídas no mar de trevas, as estantes empoeiradas se mostraram como dominantes do cômodo. O chão era completamente coberto por um carpete vermelho, com uma mesa arredondada no centro da sala e um total de sete cadeiras.

Com cuidado, ele adentrou o cômodo. Para sua surpresa, estava bem organizado, com todos os livros nas estantes, exceto por um que se colocava sobre a mesa do local, cujo acabou passando despercebido.

“Perfeito! simplesmente perfeito!”

Uma biblioteca, tão útil que parecia até conveniente demais. Contudo, a alegria durou pouco. Desde que entrou naquela prisão, tudo parecia ir contra sua pessoa. A estátua, os fenômenos bizarros, até mesmo sua própria esposa!

Não! Pelo menos dessa vez; uma única coisa deveria estar ao seu lado.

Ele inspirou profundamente, atacado pela poeira e o mofo que geraram uma forte coceira momentânea. Atchim!

Adentrando de vez no local, sua primeira ação foi conferir uma estante aleatória. As obras não pareciam ter uma ordem ou tipo de organização, estavam apenas enfileiradas, misturando cores e títulos variados.

Pistas, pistas, pistas! Era tudo que preenchia a mente do investigador. A ânsia por algo que pudesse mostrar à mulher era tanta que em certo ponto esqueceu seu objetivo, folheando as páginas numa velocidade sobre-humana.

“Tem que haver algo sobre a estátua aqui! Não é possível que uma biblioteca desse tamanho seja inútil!”

Sua concentração assumia papéis opostos ao mesmo tempo. A paginação era rápida, mas nada era absorvido. Além disso, nem o próprio mundo parecia satisfeito com a pressa do homem.

A porta dupla permanecia aberta, e pelas janelas na parede, as árvores exerciam uma peculiar movimentação. Os troncos — de alguma forma — se inclinavam, tentando observar aquele no interior da mansão.

“Alamut… Ele não citou essa biblioteca! Não, era aí, nem foi ele que deu o caso pra gente, foi o Trovão!”

Estava tudo tão confuso e, ao mesmo tempo, conectado. Aquele homem, o Trovão, ele sabia sobre a estátua? Qual o motivo para não contar nada sobre algo tão perigoso?

Bastardos! Se não fosse pelo medo que tinha daquele maldito, ouviria muito mais do que isso saindo pela boca de James.

Sua atenção vagava por cada livro, rapidamente esvaziando uma das estantes. Glossário de animais, plantas, biomas, livros de psicologia, literatura… Bem, de certo modo, aquilo era esperado.

“Não, não… tem algo errado com essas obras.”

Ao buscar por alguns dos que havia lido, procurou por uma informação na capa de todos eles.

“Qua-Quatrocentos?”

Escrita em letras pequenas e por uma tinta preta um pouco borrada, o número 417 se fazia presente. Todo o corpo do detetive travou, parando até de respirar por um instante.

Repetiu o processo de busca com outros livros. 412… 431… 445!! Os numerais cresciam na mesma proporção que seu entusiasmo.

Acreditava-se que a humanidade só havia começado a produzir livros a partir do século 5, antes disso, só existem registros de pinturas rupestres! Livros datados em tal época são praticamente uma descoberta histórica!

“Por quê? Tantos livros importantes abandonados dessa forma… Quem era o dono deles?"

A resposta parecia óbvia, mas um dos vários tormentos na cabeça de James impôs sua presença naquela pergunta.

Na sala de descanso, sete poltronas, na ala esquerda, sete quartos; na biblioteca, sete cadeiras. Quem eram essas outras pessoas além de D. Rossi? Colegas? Familiares? Talvez fosse impossível saber.

Com as pernas bambas, sentou-se em uma das cadeiras para recuperar o fôlego. A cabeça foi alfinetada por uma dor repentina, substituindo a do abdômen que há tempos não surgia.

O que era isso tão de repente? Parecia que alguém espetava-lhe o cérebro, fazendo um arrepio descer pela espinha e ricochetear nos pés de volta à cabeça. Uma sensação horripilante, que fez seu olhar cansado vagar de um lado para o outro, buscando por algo que não sabia o que era.

Nisso, seus olhos castanhos caíram sobre a obra mais atraente do local. Estava na mesa desde o início, e da mesma forma que atraía, também repelia qualquer um que a observasse por muito tempo.

De instante, James se lembrou: “Tem a mesma aparência que o diário! Ta-talvez um segundo livro!?”

Numa curta hesitação, ele agarrou o livro e se ajeitou na mesa. Não tinha título ou qualquer identificação. A capa de cor verde musgo estava próxima de um preto, graças à poeira e pouca luz.

O simples toque parecia o suficiente para o papel desintegrar, então, com toda a cautela possível, o detetive abriu a primeira página. Centralizada no papel amarelado, uma escrita simples, legível e bastante direta.

Estudo: Tipos Sanguíneos, por D. Rossi.

A chama que acendeu em seu coração foi inexplicável. Mesmo que a assinatura estivesse ali, a caligrafia também confirmava pertencer a mesma pessoa!

É isso! O coração gritava por si, acelerando os batimentos e quase ecoando por toda a mansão.

Então não era um diário, e sim sobre estudos. Mas… tipos sanguíneos? Eles estudavam sobre isso no Século 4?

Mais ansioso do que nunca, James suspirou e, ainda com cautela, iniciou sua leitura.

Assim como o título dizia, as páginas estavam recheadas de anotações que falavam sobre tipos de sangue, influência desse fator no líquido em si… no geral, informações bem curiosas para alguém do presente como o homem.

Seu rosto se contorceu, e por vezes releu o título. Tudo que era falado… estranhamente detalhado.

Porém, dentre todas as linhas e imagens curiosas que dominavam as folhas, uma em específico chamou o bastante da atenção de James para que fosse lida duas vezes.

Pág. 47 - Obs: Quando sangue é derramado, independente de qual tipo seja (A, B, O ou AB), aqueles com o mesmo tipo demonstram são, de alguma forma, atraídos na direção desse. Em outros casos, os indivíduos ficam paralisados na presença do líquido carmesim quando este acaba de ser derramado diante de seus olhos. 

Uma espécie de “Instinto Empático”, poderia-se dizer, como uma mãe que é atraída pelos grunhidos do filhote, ou um animal que encara seu semelhante já desfalecido.

A teoria do assassino voltou por um segundo à mente do investigador. O que exatamente Rossi fez para descobrir isso? Métodos antigos de pesquisa já não eram conhecidos como os mais… humanos, lendo aquilo então, a ficha apenas caiu ainda mais.

A paginação seguiu, agora apreensiva. O medo de ganhar um novo trauma assolava o homem a cada nova palavra, mas para a sua sorte, nada de tão ruim surgiu até que alcançasse as últimas páginas do caderno.

Seu alívio e decepção se mesclaram em um suspiro. Era isso? Um livro de estudos sobre o sangue e nada mais? Não! tinha que haver algo mais!

Sua suposição estava prestes a ser confirmada, pois ao virar da última página, encontrou algo longe de uma mera pesquisa inútil.

No topo do papel, quase beijando as margens, um título: “As Cinco Ordens”.

O termo inédito atiçou os instintos de detetive do homem, que não perdeu tempo antes de mergulhar no último conteúdo que aquele livro poderia lhe proporcionar.

Finalmente acabou. A minha jornada chegou ao fim, mas não a sua.

Deixo neste caderno o meu legado como um humano que esteve vivo nesta época maligna, além de meus avisos para qualquer um que chegue a encontrá-lo.

Minhas folhas não irão perecer, tenho algo que irá garantir isso, portanto, espero que alcance uma época distante, e, igualmente, alguém de calibre alto o bastante para divulgar minhas descobertas com propriedade.

Apenas aqueles escolhidos pela graça divina serão capazes de realizar essa tarefa, e aqueles que não foram, serão logo subjugados pelos seus opostos.

Estarei observando essa jornada do mais profundo poço que você puder imaginar.

Nesta página final, dedico minhas “ordens” para ti, para que seja capaz de proteger tudo isso que acumulamos juntos por tantos anos.

Outro daqueles monólogos estranhos, parecido com o do primeiro diário. O tom não era agressivo, muito menos calmo. Carregava um sentimento incompreensível, que mesmo uma entidade sábia não poderia explicar.

Lentamente, James desceu seu olhar até o fim da página, onde um total de cinco frases se organizavam em forma de coluna.

Mesmo que não parecessem ter relação direta com a mansão, o homem soube que aquilo não era uma mera anotação, mas sim um aviso! Os quais despertaram em seu ser algo mais antigo que o instinto empático citado mais cedo; aquele que permitiu a humanidade sobreviver até os tempos atuais.

1° Ordem: Um mundo de espelhos, aqui irei criar.
2° Ordem: O meu eu verdadeiro, tu não serás capaz de encontrar.
3° Ordem: Para onde quer que você vá, eu estarei lá.
4° Ordem: Diante a minha presença, tu irá se prostrar.
5° Ordem: O excisar de meus punhos, nada poderá parar.



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