A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 1

Capítulo 6: Vestígios de um Pecador (2)

Blam! Assim como da primeira vez, Jessie foi praticamente expulsa da visão. Mesmo tonta e ofegante, ainda conseguiu se manter de pé, e logo procurou por James, cujo permanecia apoiado no corrimão da escada.

— Outra vez…! Não durou nem um segundo, pelo menos pra mim — disse ele, embasbacado. — Conseguiu ver alguma coisa?

Ao recuperar o fôlego, ela respondeu: — Mais ou menos.

Diferente da primeira tentativa, as silhuetas tinham olhos e boca. Será que ficaria mais claro conforme tocasse mais altares? Seria bem lógico, mas por mais conveniente que aquilo fosse, a maneira como acontecia ainda incomodava.

Nas duas visões, ocorreu a quebra do mandamento talhado no altar, e ambas foram por causa daquele garoto tímido. Uma possibilidade já vagava pela cabeça da detetive, mas ainda não poderia confirmar, antes de qualquer coisa, tinha que descobrir mais sobre aqueles irmãos.

— Se você acha que essas visões vão ajudar, então vai fundo. A estátua não apareceu até agora. 

James fitou o corredor vazio, sentindo um incômodo lhe atingir por um momento. Ela não estava… demorando demais?

A mente da mulher estava tão absorta que nem escutou. Além das silhuetas, agora também havia um pequeno ambiente. Tudo parecia ser bem antigo, mas quanto exatamente?

Droga! Aquele lugar mostrava cada vez mais as suas garras. Mesmo algo que deveria lhe dar respostas, apenas criou ainda mais perguntas. Como eles poderiam avançar desse jeito!?

Ela ainda não tinha como responder, muito menos James, mas o interesse do homem era, no momento, aquilo que estava na ala direita do segundo andar.

“Tem que haver algum cômodo ali. O que será que é?”

O perigo de andar sozinho o desencorajou; mais doloroso ainda era perceber o quão inútil estava sendo até ali. Jessie tomou atitudes e até desenvolveu uma habilidade estranha, mas e ele?

Inquieto, batucava no corrimão de madeira enquanto resmungava sozinho. A dúvida o corroeu outra vez, onde estava aquela criatura maldita?

Até considerou subir a escada e conferir por si mesmo, entretanto, tal ação não se mostrou necessária.

Piiii! Um intenso chiado esfaqueou seu ouvido de repente, atingindo também a mulher.

— Que merda é essa?? — exclamou sem pensar.

Num ato sequencial à quase surdez, a segunda coisa afetada foi sua visão. Como se estivesse bêbado, começou a ver tudo duplicado. As paredes, o chão, o teto, tudo dobrou-se mais e mais vezes, como se mesclasse incontáveis realidades alternativas numa só e num único instante.

E tão veloz quanto começaram, aquela espécie de ilusão se desfez num forte baque. As duplicatas voltaram ao corpo original de uma vez, incluindo James, que cambaleou para trás e só não caiu pois se escorou em algo.

Ele queria se perguntar, mas nem para isso teve tempo. Quando olhou para cima, viu a coisa que havia lhe impedido de cair. Encarando-lhe de cima com um tom de superioridade, estava a estátua.

Antes mesmo de gritar, a primeira reação de seu corpo foi saltar para trás, seguido de uma pontada no abdômen.

“Tão rápida! De onde ela surgiu?”

Com os braços à frente do rosto, ele flexionou todos os músculos de seu corpo, na esperança de atenuar a força do golpe mortal. No entanto, tal postura não se mostrou necessária.

O ídolo de pedra lhe encarou, mas por apenas um mero segundo. Ao passar seu olhar pelo salão e cair na face assustada de Jessie, apenas deu os últimos passos em direção ao centro da divisória das escadas.

Eh? A partir dali, apenas conseguiram observar com faces confusas. Em seu súbito aparecimento, a criatura se colocou em seu lugar original, novamente estendendo o lampião e sua atenção em direção à porta. Logo em seguida, o sol raiou.

— E essa agora?? — murmurou o homem, caindo sob os degraus.

— Sem pânico! Ela parou de se mexer!

Como forma de ter certeza, eles a fitaram por um minuto inteiro. Sequer um dedo foi movido, e o lampião apagado não mostrou qualquer sinal de que se acenderia novamente.

O alívio se tornou uma sensação rara e muito mais proveitosa quando surgia, entretanto, seus poucos segundos de existência não eram o bastante para acalmar por completo as duas almas presas naquele inferno.

Jessie continuava matutando sobre os altares, enquanto o olhar curioso de seu marido parava no corredor esquerdo.

— Algum problema? — perguntou ela.

— Me pergunto o que tem do outro lado. À direita tem esses sete quartos, mas e de lá?

— Ué! Vai e descobre, você tem a chance perfeita! — apontou para o ídolo estático.

Outra vez com aquele tom sarcástico. Parecia bem fácil, realmente, mas apenas para ela.

Porém, parecia ser aquelas palavras que James precisava. Todo o papel que desempenhou na investigação até agora passou diante de seus olhos, e demorou muito menos do que poderia esperar. Afetado por isso, ignorou a pouca dor que ainda existia em seu corpo e se levantou.

— Você tá certa! Eu tenho que explorar!

Eh? A garota ficou branca de surpresa. O homem não era o tipo que agiria daquela forma repentinamente, ainda assim, tal atitude veio na melhor hora possível.

Ela sorriu e comentou: — Ok! Você explora o lado esquerdo e eu fico aqui vendo os altares.

Ele assentiu com a cabeça, não perdendo mais tempo e — contornando a estátua — foi para onde queria.

Assim que seu marido desapareceu no corredor inexplorado, a atenção de Jessie voltou à estátua por alguns instantes.

Permanecia a mesma, sem qualquer alteração notável. Aquela casca impenetrável fazia seu papel muito bem, incluindo desviar qualquer golpe de esperança que alguém pudesse desferir contra ela.

O lampião permanecia um mistério ainda maior. Ele acendia sozinho ou o que? Além do mais, todo aquele percurso feito pela estátua pouco antes também era peculiar, onde ela seguia em linha reta e nunca hesitava antes de pegar e conferir alguma coisa, como uma verdadeira rotina que fez durante toda a sua vida.

  1. Rossi, aquele único e maldito nome permanecia colado em seus olhos. Quem era esse homem? Todos queriam saber, talvez, até o próprio.

Por fim, mirou os mandamentos. Gradualmente o salão era iluminado por aquele fraco brilho dourado, tornando-o também mais silencioso. O conforto e atração que a mulher sentia pela luz começava a fazer sentido conforme lembrava do que aprendeu.

Eletricidade, tinha algo haver com isso. Não poderia dizer ao certo a razão para, mas tinha certeza de que tal elemento se espalhava pela mansão tão grandemente quanto as teias de aranha.

“Esse sentimento…” Esfregou os braços, notando os pelos arrepiados. 

Toque-o. Uma força estranha, acompanhada de uma voz distante.

Toque-o! Uma sensação quase nula, de algo fino — meio esquelético — envolvendo-lhe todo o torso.

Toque no altar!

— James?! — Virou-se de súbito, não avistando qualquer alma viva ao seu lado.

Sem ter percebido, uma vasta correnteza de suor escorria por sua testa e pelos braços. Tão intensamente quanto nos momentos em que a estátua se movia, ofegava. Aquela ordem foi vívida. Alguém… ou melhor, algo sussurrou em seu ouvido.

Vagarosamente, seus olhos esmeralda foram guiados até um altar em específico. Estava completo, emanando aquela luz que constantemente pela atenção da mulher. Não usar o Santo nome em vão.

A curiosidade e o medo se misturaram dentro de seu coração. Não sabia como ou quando aquele mandamento foi cumprido, e nem se importou em descobrir. Toda a sua mente agora se concentrava em tocar aquela decoração.

Como se uma outra mão puxasse a sua, tocou o mármore gelado e teve sua visão tomada por aquela transição cegante.

Não demorou para que, mais uma vez, aquelas duas vozes invadissem seus ouvidos. Contudo, aquela entonação e felicidade infantil, se tornaram em tons mais graves, carregando consigo um peso maior que a própria vida.

Permanecia o mesmo ambiente da última visão, mas com notáveis diferenças. A mesma clareira, mesma floresta, mas um pouco mais analisável. Aquela suposta casa de madeira não existia mais, e ao fundo de onde essa deveria estar, um caminho de terra desaparecia floresta adentro.

Duas pessoas se encontravam ali, tais que aparentavam ser adolescentes. A boca e os olhos ainda existiam, assim como os preenchia.

Porém, apesar das aparências idênticas, algo ainda se manifestava como uma enorme diferença entre eles.

Num grito raivoso, o mais exaltado dos dois chutou um monte de areia próximo e bravejou aos céus:

— Isso tudo é uma merda! A terra, as árvores, o vento e tudo além do céu, tudo não passa de uma grande piada!

A outra figura — bem mais alta que aquele enfurecido —, falou com receio: — Por favor, se acalme… — Estendeu a mão, mas puxou-a de volta antes de completar: — Não deixe a raiva dominar o que sai pela sua boca!

Em resposta, um alto ranger de dentes que se igualava ao de uma fera monstruosa ecoou pela floresta, acompanhado de uma repentina ventania.

— Não diga isso numa situação dessas! — O punho foi contra o chão, apenas levantando um pouco de poeira. — Nós já perdemos tudo! E mesmo assim… Mesmo assim você insiste em seguir aquilo que nunca sequer viu!

Seu olhar era estreito, com a ferocidade agravada pelo franzir constante de seu cenho, que encarava impaciente aquela presa ágil, que por muito tempo apenas desviava de todos os seus ataques.

A “presa” em questão, observou incrédula aquele animal que um dia havia sido um de seus entes mais próximos. Ainda assim, seu semblante nada mostrava além de pena.

Porque? Porque logo ele tinha de ser dominado?? Alguém que por tanto foi admirado de longe…

— Porque você escolheu ele ao invés do seu próprio irmão??

O espernear da pequena fera mal chegava aos ouvidos daquela grande figura, pois em nada ela parecia abalada. Não importava quantas palavras esfaqueassem seus ouvidos, permanecia completamente inabalável.

Em meio aos resmungos enraivecidos, o ambiente começou a escurecer. A natureza, o céu, a terra, tudo foi envolvido em trevas e num silêncio absoluto. Tudo isso para que — num feixe de luz repentino — um pequeno olho avermelhado observasse o mundo pela primeira vez.

Flash! Socada pela sua própria mente, Jessie cambaleou para trás e caiu de bunda no chão. Por alguns instantes, faíscas de eletricidade saltaram da ponta de seus dedos.

Pela janela, a já fraca luz do sol do entardecer iluminava o salão, ultrapassando com dificuldade a grande guardiã que permanecia de pé em frente ao vitral.

Por mais que tentasse, sua boca entreaberta nada expelia além de longas e pesadas arfadas. Uma bagunça colossal foi criada em sua mente, a qual logo tratou de utilizar todas as forças do corpo para organizar cada informação.

Finalmente! Aquele estranho bloqueio que parecia travar seu cérebro foi finalmente quebrado!

Aos poucos, lembrou-se de algumas aulas durante o curso de formação que fez para se tornar quem era hoje. Numa dessas, o homem de terno e gravata explicava-lhe sobre um fenômeno antigo, e também pouco compreendido pela sociedade atual.

Muitos séculos atrás, dizia-se que algumas pessoas eram capazes de “ultrapassar” o limite humano. Em tal época, ainda não existia o hábito de se registrar eventos, muito menos a história da humanidade, proporcionando ao mundo contemporâneo uma vasta quantidade de especulações.

Do que as pessoas eram realmente capazes? Quem eram esses que ultrapassam o limite? Qual a razão para tal fenômeno evolutivo acontecer??

Tudo que sabia até então era que o povo daquela época possuía um tipo de força maior, essa que os estudiosos atuais acreditavam ainda correr no sangue de certos indivíduos.

“É isso… A eletricidade, os contos, tudo está se conectando!”

Ela encarou sua mão direita, preenchida por uma sensação que já não sentia há anos. Não foi um sorriso a tomar-lhe o rosto, mas sim uma expressão tão determinada que nem a mais forte entidade poderia parar.

E, como se tal coisa a observasse, aquela estranha voz ecoou uma segunda vez, no seu mais sarcástico tom.

Parabéns… por fazer o mínimo.



Comentários