A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 1

Capítulo 14: Julgamento (2)

Com o corpo ainda pesado como pedra e a mente ainda pior, Jessie esforçou-se para erguer levemente a cabeça, capaz apenas de apoiar o queixo contra o chão para encarar as escadas à frente.

“Passos… Eu ouvi passos na varanda… Era o James? Ele tá tentando chegar aqui?”

Entre os vacilos de seu corpo, a força era lentamente recuperada. A visão ainda turva dificultava enxergar até alguns metros à frente, mas conforme ganhava clareza, era notável o aumentar de um outro tipo de clarão.

Através do vitral entre as escadas, o céu assumia um tom branco em alguns momentos. Não havia mais dia ou noite, apenas por alguns meros segundos, enquanto o resto do tempo era dominado por uma vastidão esbranquiçada.

“Parece até… o mundo das visões.” Os braços foram na altura dos ombros. “Será que eu ainda devo tentar tocar nos altares?”

Como um bebê aprendendo a ficar de pé, Jessie fez o dobro de esforço para simplesmente conseguir ficar de joelhos.

A força externa exercida sobre seu corpo mantinha sua cabeça baixa e a respiração pesada. Não importava o quanto tentasse, o olhar apenas se manteria de pé por alguns instantes antes de ter de descansar em direção ao chão outra vez.

Entre as arfadas e as possibilidades que atravessavam sua mente numa velocidade absurda, preparou-se para se colocar de pé, sendo interrompida por um par de pés que se colocaram no caminho.

Toda aquela determinação acumulada em seus braços se esvaiu. Pés de pedra era o que havia ali.

Ignorando suas atuais fraquezas, ela levantou a cabeça. A estátua lhe encarava de cima, cegando-a com a chama do lampião ao mesmo tempo que ameaçava sufocar-lhe com o grande par de asas brancas.

Por mais angelical que sua aparência fosse, toda a sua presença redigia ao infortúnio.

A mão direita se mantinha em punho e estática, e o corpo curiosamente da mesma forma. Não se movia, um músculo sequer, pela primeira vez se assemelhando com a estátua que deveria ser desde o começo.

“Por que tá parada? Decidiu fingir ser uma escultura? Não brinca comigo, filha da…!!!

Um soco colidiu diretamente em seu seu peito. Por mais que estivesse de joelhos, o pode do golpe lhe tirou do chão e fez o corpo voar contra a grande porta principal.

O gorfo avermelhado cobriu o chão e as calças pretas, para que então fosse deixado para trás ao ressoar dos tambores.

TU-RUM-TUM!!

Ao distorcer de seu próprio corpo num número incontável de cópias, ela se viu novamente à centímetros de distância do punho julgador.

“Essa Silhueta!! Impressão minha ou esses batimentos estão mais potentes!?”

A cabeça latejava junto dos tambores, tão forte quanto os próprios. Qual mandamento foi ativado!? Se estava sendo atacada, algo deveria estar errado, mas O QUE!??

Dessa vez, não foi o punho, mas uma das pernas a se erguer.

O rachar da pele de pedra se sobrepunha cada vez mais aos outros sons, assim como as grandes asas se tornavam mais brilhantes e as penas dominavam o salão, tornando-o branco gradualmente.

BLOW! Uma onda de choque atravessou o corpo de Jessie, criando fissuras não apenas no chão abaixo de si, como também em seu corpo.

Os vários rasgos no terno indicavam as feridas, por onde o sangue começou a escapar velozmente.

A brutalidade daquela golpe não parecia vir de algo que não fazia barulho algum ao andar. Uma imagem que em teoria não teria peso algum, agora ameaçava atravessar seu corpo com o mero apoiar de uma perna sobre as costas.

O mínimo de força e um truck podia ser escutado a partir de sua coluna.

Heh! Heh! Heh! Heh!

Seria aquela a risada da morte que ecoava em seus últimos momentos de consciência? Só poderia, que outro tipo de existência surgiria num momento como aquele.

Bastou a perna ser erguida acima de seu corpo mais uma vez que a figura até apareceu, prevendo o desenrolar de toda a situação.

Os olhos esmeralda da mulher podiam vê-la, sentada no degrau mais alto da escada e tendo a aparência escondida pela luz que atravessava o vitral. Sentada no camarote, com o rosto apoiado na mão esquerda e encarando-lhe nos olhos com seu… olho dourado?

Você está pronta para morrer?

TU-RUM… TUM!

Uma luz azulada foi paralisada no salão. A escuridão que há tempos não mais existia — assim como a luminosidade do dia —, pôde dominar o local em uma rara ocasião.

O olhar exausto da mulher foi atraído de imediato até a fonte daquela claridade nostálgica e aconchegante. Do outro lado do vitral, cobrindo uma boa parte do céu visível, se colocava a lua cheia na sua mais pura forma.

Estava parada! Sem uma única movimentação sequer!! O tempo parou de acelerar!? Essa seria a explicação mais lógica e desejável, isso se não fossem pelas penas espalhadas pelo salão.

Cada uma delas, sem uma única exceção, estavam completamente paralisadas em pleno ar como uma pintura viva.

Porém, a estátua não me mostrou na mesma situação. As fissuras que na pedra surgiam ainda despedaçavam a pele dura e inabalável, assim como a perna se preparava para um último e definitivo golpe.

Ainda que seu único movimento fosse a dificultosa respiração, Jessie ainda sentia cada nervo; junta e pedaço de seu corpo tremer.

Sua visão escurecia aos poucos, levando a mente cada vez mais longe do corpo conforme a escuridão tomava conta do mundo visível.

Vou morrer! Era o único fato que passava pelos vestígios de sua consciência. E foi nesse mesmo momento que um convite lhe foi oferecido.

A Morte permanecia sentada no degrau mais alto, e agora exibindo um sorriso branco e destacado que ignorava qualquer tipo de lógica da luz, realizou um ato simples, mas que despertou uma última chama no coração da investigadora.

O Abismo lhe estendeu a mão. Qual a sua resposta?

Perdida na floresta do desespero e aprisionada na mansão de uma existência demoníaca, que outras palavras poderiam sair da boca de uma criatura frágil como um humano? Algo cuja única prioridade em vida era a auto-preservação?

— Po-por favor… me… ajuda!

O tempo congelou, e dessa vez incluiu a estátua.

Do alto da escadaria, a mão estendida se fechou em punho, e o largo sorriso diminuiu para o mero elevar de um lábio sombrio e o tremular de uma emoção quase extinta.

Imaginei.

TUM

TU-RUM

Finalmente! Ao estranho e curioso fraco soar dos tambores, a figura de James surgiu a partir do corredor direito. Seus olhos analisaram todo o salão em meros instantes, logo pousando sobre o corpo arremessado de Jessie, acompanhada pela estátua logo ao seu lado.

“Está… encarando ela? Por que? Será que pretende atacar!?”

Nenhum sangue era notável perto da garota, nem mesmo marcas de agressão física em sua roupa. O rosto era escondido pelo chão, mas a falta de reação só podia significar um desmaio.

“Como eu chego ali?? Aquela coisa não vai deixar eu me aproximar, sem contar aquelas cópias que estão me seguindo!!”

Sua questão, no entanto, foi uma das poucas, senão a única a ser verdadeiramente resolvida de forma rápida.

TU-TUM!

“Mas que porra! Ela usou a Silhueta??”

Colocado ao lado de sua esposa adormecida, James se viu confrontado pelo juíz alado pela primeira vez.

Em cada uma das portas, outras estátuas idênticas se colocaram como muralha, assim como a suposta original bloqueava as escadas ao se prontificar no auge da divisória, impedindo que qualquer luz alcançasse o réu de seu tribunal.

Um já passou em meu julgamento.

Aquela voz! Apesar de não ser tão potente quanto se lembrava, o dejá vù que gerava não poderia ser outro.

“Tão desconexa… Quem está falando? Impossível ser essa coisa, nem boca ela tem!”

Essa mulher fez a sua parte do trabalho, e agora não é mais necessária para o resto do julgamento.

Encarou sua esposa com um olhar de canto. “Não é mais necessária!?” O medo do significado da frase fez seu coração saltar em direção à boca, mas a respiração fraca que Jessie ainda apresentava impediu isso de acontecer.

Resta agora à você escolher o destino final de ambos…

A atenção retornou para a criatura. Com a mão direita estendida na direção do detetive, deu início ao último julgamento daquela Corte brutal.

Se terá liberdade ou não, tudo depende de você… apenas você.



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