Volume 3
Capítulo 7: Uma Elfa Enganadora, Dançante e Sorridente
Parte 1
— A estrada que se encontra diante de você se abre em dois caminhos, garoto. Você pode optar por ficar aqui e congelar até a morte ou você pode—
Dois anos atrás, Shouko encarou um Raishin encharcado de sangue e deu a ele uma escolha.
— Atire-se em uma batalha contra Akabane Tenzen e pereça caso seja derrotado por ele.
Deitado de costas no chão, Raishin olhou para Shouko após um momento.
A borda de sua boca estava coberta de sangue e seu corpo estava magro e abatido, mas mesmo assim ele não tinha perdido o brilho em seus olhos.
— ...você vai me deixar tentar derrotá-lo?
— Se for este o seu desejo.
Raishin olhou para a garota— Yaya, que estava ao lado de Shouko.
— ...seu.
A princípio foi fraco, mas na vez seguinte ele disse com clareza.
— Eu irei me tornar seu.
— Garoto esperto. Bem, então vamos fazer uma aposta.
— Aposta...?
— Eu, a grande Karyuusai... não venero nem a Deus ou a Buda. No entanto, eu não sou o Diabo. Tudo o que eu estou oferecendo a você é uma oportunidade, garoto. Se você irá ou não continuar a viver até a idade adulta vai depender inteiramente de você.
— O que você quer dizer?
— Se você derrotar Akabane Tenzen, tudo bem. Caso você não consiga, no entanto, o seu corpo pertence a mim, garoto.
A cor no rosto de Raishin mudou.
O que estava passando por sua mente era, provavelmente, a imagem de sua irmã tendo seu conteúdo corporal sendo removido.
Shouko iria fazer o mesmo com ele?
— Por que... nós...!?
— Eu preciso de um sobrevivente com a Pena de Sangue Escarlate para cumprir os meus próprios desejos.
Uma torrente de raiva cresceu dentro dos olhos dele. Raishin olhou para Shouko, antes de cuspir suas palavras.
— Entendido... se você estiver satisfeita com este corpo, você pode tê-lo.
Em meio a neve caindo, os dois selaram o contrato que os ligava.
— Senhorita...
Shouko distraidamente levantou a cabeça. Seu cotovelo estava entorpecido por ter ficado descansando sobre seu braço por muito tempo.
Era porque ela estava embriagada? Ela tinha deixado que sua mente vagasse sem que ela percebesse.
Elas estavam dentro de uma mansão que os militares haviam conseguido. Cerejeiras tinham sido importadas, mas suas pétalas já haviam começado a se dispersar, uma vez que elas já tinham passado de seu auge, por isso as flores eram bastante escassas. Shouko estendeu um cobertor sob os miseráveis ramos, tratando a si mesma como uma versão em miniatura das flores. Irori e Komurasaki estavam ao seu lado.
O copo na mão de Shouko estava vazio. Ela o estendeu em direção a Irori.
— Você já bebeu demais. Por favor, abstenha-se de beber ainda mais.
Irori desafiá-la era uma visão rara. Após uma inspeção mais detalhada, parecia que Komurasaki também estava olhando para ela com uma expressão preocupada no rosto.
Shouko riu de forma autodepreciativa. Ela não estava se comportando como ela mesma e agora tinha feito com que essas duas ficassem preocupadas.
— Senhorita. Em que você estava pensando?
— ...eu estava pensando sobre o garoto. Esse moleque incorrigível. Mesmo tendo dito que havia se tornado meu, ele sempre faz o que bem entende.
Irori e Komurasaki se entreolharam, antes de deixarem escapar risadinhas.
— O que é tão engraçado?
— Minhas desculpas... mas, senhorita, nós não esperávamos que você fosse resmungar dessa maneira. Especialmente porque você é quem melhor conhece a verdadeira natureza do Raishin.
— Hmph... você está calma demais, considerando todas as coisas. Geralmente é você quem fica fazendo barulho por causa da Yaya.
— E- Eu não faço isso!
A pele branca de Irori ficou vermelha. Tossindo constrangida, ela virou-se na direção de Komurasaki.
— Enquanto ela estiver ao lado do Raishin, ela vai ficar bem. Isso é o que a Komurasaki disse... e também é aquilo em que eu acredito.
Ela olhou na direção da Academia. O amplo céu noturno do outro lado da cerca tinha começado a assumir um leve tom azulado.
— ...você está certa. A Yaya ficará bem. Ela irá se alimentar do garoto e, lentamente, chegará mais perto...
Intrigada, Komurasaki inclinou ligeiramente a cabeça. Ao lado dela, os ombros de Irori endureceram.
— Tenho certeza de que o sonho daquela pessoa também irá se realizar.
Shouko olhou para o céu. Seu olhar voltava-se para algum horizonte muito distante dali.
O amanhecer havia finalmente chegado.
Parte 2
— Eu recuso.
Assim que as palavras saíram de seus lábios, Shin desapareceu nas árvores.
Em seu estado de pânico, Charl não conseguiu rastrear seus movimentos. Raishin teve de se lançar sobre ela, empurrando ambos para longe do chute que se aproximava.
Sigmund moveu-se para rasgá-lo com suas garras, mas Shin passou suavemente por ele, ignorando Sigmund para perseguir Raishin mais uma vez.
Saltando em linha reta, ele imediatamente desceu em um chute de calcanhar. Era uma trajetória impossível, que ignorava a inércia. Os movimentos de Raishin estavam entorpecidos. Ele não poderia reagir a tempo!
— Raishin!
Mas Yaya podia. Deslizando entre eles, ela rechaçou o golpe.
Shin saltou para trás em retirada— antes de mostrar o dedo médio para as leis da física e alterar o vetor de sua trajetória no meio do ar, sem dar a mínima para a inércia. Era uma finta!
— Shinkan Shijuuhachisou!
Yaya deslocou-se para uma posição relaxada, esperando que o ataque do oponente a atingisse.
Era uma postura para pegar qualquer ataque que estivesse vindo. No entanto, a perna de Shin parou no meio do caminho.
Com seu timing sendo desperdiçado, Yaya contraiu-se instintivamente. Nesse momento, a perna dele atingiu novamente a aceleração máxima em um instante. Yaya foi lançada no ar pelo chute dele, deixando Raishin completamente indefeso.
Charl nem sequer teve tempo de intervir. O grande tamanho de Sigmund era um problema quando havia necessidade de se tomar alguma ação em alta velocidade. Dessa vez, na frente de seus olhos perplexos, o pé de Shin atingiu em cheio a cabeça de Raishin.
Raishin foi atirado longe. Sua testa estava aberta e o sangue voava por toda parte. Seu crânio também poderia ter sido quebrado.
Raishin caiu sem vida sobre as pedras do pavimento, sem mover um dedo sequer.
Um relaxado Shin voltou-se lentamente para encarar Charl.
— Agora então, é a sua vez...
As botas de Yaya colidiram com as costas da cabeça de Shin, interrompendo-o.
(—Sem chance!?)
Charl olhou com espanto. Shin não havia sido nem um pouco perturbado pelo surpreendente ataque de Yaya.
Na verdade, Yaya parecia ser quem havia levado a pior após o ataque. Após aterrissar, Yaya cautelosamente saltou em um pé só, balançando levemente o outro pé, preocupada.
Raishin levantou-se atrás dela. Seus ombros moviam-se pesadamente toda vez que ele respirava.
Graças a ter sido chutado na cabeça, seu equilíbrio estava instável e ele mal podia se manter de pé. Mesmo assim, a nitidez de seus olhos não havia ficado completamente entorpecida.
— Charl...
Sigmund sussurrou para ela. Charl se assustou e se recompôs.
— Canhão Lustre!
Após um momento de carregamento, um flash de luz entrou em erupção.
Ela havia apontado para o lugar em quem Shin estava, mas ele saltou para o ar, fugindo da linha de fogo.
Ela não ia deixar que ele escapasse tão facilmente. Mais uma vez, Charl disparou uma explosão bem dirigida.
Este Canhão Lustre era preciso o bastante para derrubar um pássaro em pleno voo. Certamente iria acertá-lo!
A torrente de luz definitivamente atingiu Shin. No entanto, com um som alto, o fluxo de luz de repente se afastou, voando em uma direção diferente.
(Ele repeliu!?)
O circuito de magia Gram era uma tecnologia secreta que estava intimamente relacionada a forma como funciona o Universo. Não importa o quão duro fosse o alvo, qualquer coisa com uma forma deveria ser instantaneamente obliterada. Mesmo assim, por quê...?
Forçando os olhos na escuridão, ela conseguiu ver que a mão de Shin estava inflamada e algumas partes haviam sido queimadas e caído.
Ele não tinha escapado completamente ileso, mas aquela estava longe de ser uma lesão fatal.
Muito provavelmente, o circuito mágico instalado nele também deveria ser algo intimamente relacionado a forma como o Universo funciona.
Esse não era o momento de ficar surpresa, no entanto. Shin desceu como uma andorinha, acertando um chute na lateral do rosto de Sigmund. Seu corpo gigante cambaleou, antes de voltar a cair.
Yaya seguiu com um segundo assalto, mas Shin foi rápido demais para ela, jogando-a longe com outro chute.
A força dele não era piada.
Afastando para longe a descompostura que estava tomando conta de seu cérebro naquele momento, de alguma forma Charl conseguiu se acalmar.
E, em seguida, percebendo alguma coisa, ela começou a procurar em seus arredores.
— É inútil, Senhorita Belew. Você não irá encontrar o que está procurando.
— ...mas isso é impossível.
Shin suspirou de forma condescendente. Sua atitude estava deixando-a irritada.
— Não importa o quão elaborado um autômato seja, há uma coisa que os distingue dos seres humanos.
Isso era óbvio. Seres humanos e marionetes eram diferentes. Uma marionete...
— De fato. Um autômato não pode gerar energia mágica.
Isso também se aplicava a Bandolls. Qualquer energia mágica que fosse gerada por eles não vinha de seus mecanismos de marionetes, mas sim das partes humanas que foram integradas dentro deles.
— Então, por que eu sou capaz de lutar sozinho?
— ...não me faça rir. Você ainda está insistindo seriamente que está lutando por si mesmo?
— Eu posso ser hábil em ser o mordomo da Família Granville, mas se eu tivesse que apontar um defeito, seria minha propensão a deixar segredos vazarem. Permita-me explicar a você. O que está de pé diante de você— O que eu sou é—
Colocando a mão sobre seu peito, ele inclinou-se respeitosamente.
— Deus Machina— Uma Machine-doll.
Parte 3
Dentro do corredor da Faculdade de Medicina, Frey estava sentada em um banco.
Dentro do escritório, os doze autômatos Garm estavam mantendo um olho em Henri.
Sendo ruim com cães e agora estando cercada por eles, Henri estava tremendo como se fosse um pequeno animal. Tendo ficado ilhada sobre uma cama simples, uma encurralada Henri não tinha a menor intenção de escapar. Como os autômatos Garm tinham sentidos aguçados e vigilância era o forte deles, eles seriam capazes de sentir facilmente a aproximação de qualquer inimigo. Com esse nível de garantia, Frey permitiu-se descansar.
Frey estava abraçando Rabi quando, de repente, as orelhas dele se ergueram.
Esfregando os olhos, Frey olhou para dentro do escritório— e então subitamente se levantou.
Henri tinha um bisturi em seu pulso e estava prestes a cortar sua própria artéria!
— Robin!
Ela gritou pela porta. O Dachshund entrou em ação, mordendo a mão direita de Henri.
A dor causada fez com que Henri deixasse cair o bisturi. O dano em seu pulso esquerdo foi evitado por um fio.
Frey correu até Henri e pegou o bisturi.
Pensando que estava prestes a ser repreendida, Henri puxou seu chapéu para baixo, escondendo-se atrás dele.
— Por favor... apenas me deixe em paz! Não há nenhuma razão para que alguém como eu continue vivendo!
— Se você morresse, eu não iria me importar.
— ...então por quê!? Não me impeça!
— Mas o Raishin ficaria triste.
A cabeça de Henri baixou-se enquanto ela mordia o lábio. Frey continuou.
— A T-Rex... fez uma coisa ruim. Mas ela fez isso porque... ela queria que você vivesse.
As palavras de Frey perfuraram Henri. Seus ombros caíram e ela olhou para o chão.
— O Raishin... também disse algo assim...
— Então você deve compreender, certo?
— Mas... eu não posso desfazer todas as coisas ruins que aconteceram. Mesmo que alguém como eu continue a viver, a Onee-sama vai... sem falar que o Raishin foi gravemente ferido por minha causa...
— A T-Rex— a Charlotte me contou tudo.
— ...!
— Eu sei. Eu sei que vocês estão sendo coagidas por outra pessoa...
Foi ontem à noite. Quando Charl apareceu diante de Frey, ela expôs toda a verdade sobre esse assunto para ela.
— Por que... você está me contando isso?
Quando ela fez essa pergunta, Charl pareceu ter corado, virando o rosto.
— Se aquele idiota estiver sozinho, então ele vai dar um jeito de agir por conta própria. Mas se você também se meter, eu tenho medo que você acabe se machucando.
Dito isso, havia um tom de súplica na forma como Charl estava olhando para Frey.
— Não conte isso para aquele idiota. Você absolutamente não pode contar. Pode ser arrogância— não, isso não é arrogância. Mesmo que não fosse eu nessa situação, ele definitivamente iria correr para ajudar.
— Se é esse o caso...
— É exatamente por isso que eu não quero que ele saiba. Eu não vou dizer a ele e eu também não quero que você diga nada a ele.
É uma promessa, Charl havia lembrado a ela. Frey assentiu instintivamente, concordando.
Para falar a verdade, ela não tinha realmente entendido o que Charl tinha acabado de dizer.
— Mas agora eu entendo. O Raishin é do tipo de pessoa que vai lutar mesmo que esteja machucado e sangrando. Ele não é do tipo que abandona as pessoas.
Henri olhou para ela. Frey estava aconselhando-a.
— Se ele aparece para te ajudar, você acaba se tornando dependente dele... e isso não é bom.
Raishin apostaria sua vida.
Raishin iria lutar contra o mundo inteiro.
Se dar nenhuma consideração para o próprio corpo, ele sofreria lesão após lesão.
Fosse porque ela não queria que ele se envolvesse. Se ela realmente queria vê-lo seguro, então...
— É por isso que... você também não deve ser tão dependente dele.
Ela sorriu suavemente.
Será que apenas suas palavras seriam o bastante para impedir a Henri?
Henri deitou de bruços na cama, enrolando-se em silêncio como se fosse um molusco.
De repente, todos os cães viraram-se para a janela de uma só vez.
Foi um pouco mais devagar, mas a audição de Frey também conseguiu captar a perturbação.
Houve um flash brilhante do lado de fora da janela. Frey imediatamente ativou o Circuito Sonic do Rabi, canalizando os sons ásperos da batalha para dentro do quarto.
Intuitivamente, ela soube que Raishin estava lutando. Ela ficou inquieta e impaciente, antes de declarar,
— Eu vou deixar os cães aqui. O Loki também está aqui, então você estará segura.
Levando apenas o Rabi, ela se virou e foi em direção a porta.
— Eh... onde você está indo?
— Para onde o Raishin está. Quando chegar a hora da verdade, eu quero poder ajudar.
Montando em Rabi, Frey pensou por um momento, antes de inclinar ligeiramente a cabeça.
— ...você quer vir junto?
Parte 4
E foi assim que Henri passou a ficar escondida na sombra das árvores, assistindo a toda a batalha.
Frey estava ao lado dela. O Circuito Sonic do Rabi escondia todos os sons que elas faziam e, graças a isso, o inimigo não havia notado a presença delas.
Shin estava sozinho. Ele estava suspenso no ar, como se houvesse algum tipo de apoio invisível de pés debaixo dele, olhando para baixo na direção de uma Charl impaciente e de um Raishin ferido.
— ...Machine-doll?
Raishin repetiu o que Shin havia acabado de dizer.
Não era nada de que ele já tivesse ouvido falar antes. Também era a primeira vez que Henri ouvia falar sobre isso.
Por outro lado, Frey parecia ter compreendido as implicações. Henri ouviu a respiração dela ficar mais pesada.
— ...o que diabos é isso? Você não é um autômato?
— Você não possui conhecimento, Senhor Akabane. Como um estudante desta Academia, isto é completamente inaceitável. Não é verdade, jovem Senhorita da Casa Belew?
— ...uma marionete perfeita. Em outras palavras, ele é completamente autônomo.
Henri realmente não entendia o que sua irmã estava dizendo, mas tinha uma coisa que estava completamente clara para ela.
Essa era a razão para que não houvesse um marionetista nas proximidades e a razão pela qual o Shin era capaz de usar artes mágicas.
Se ele fosse apenas uma Bandoll, isso não seria o bastante para explicar tudo. Ele podia usar artes mágicas ilimitadamente. A mecânica por trás de uma Machine-doll era a razão para as habilidades de Shin.
Shin acenou teatralmente com a cabeça, confirmando o que Charl havia dito.
— Uma máquina, mas também uma marionete. Tal fusão representa o simulacro que Deus criou à sua própria imagem e semelhança— em outras palavras, um ser humano.
Um ser humano mecânico— isso é o que era uma Machine-doll.
Raishin franziu as sobrancelhas em desagrado.
— Eu não entendo. Qual é o problema de você ser a coisa que diz ser?
— Desculpe-me. Eu posso ser hábil em ser o mordomo da Família Granville, mas se eu tivesse que nomear um defeito...
— Você dá as explicações mais enroladas da história.
— De fato. Simplificando, como eu sou um ser perfeito, existências imperfeitas como vocês não tem a menor chance de conseguirem a vitória.
Shin recomeçou seu ataque.
Com sua imagem residual arrastando-se atrás dele como a cauda de um foguete, Shin voou pelo ar como se fosse um relâmpago.
Girando em ângulos perpendiculares, ele ziguezagueou, passando por Raishin e Yaya e indo em direção a Charl.
Sigmund sentiu o perigo, usando sua cauda em uma tentativa de afastar o golpe de Shin.
No entanto, Shin moveu-se em um ângulo impossível, esquivando-se suavemente da causa de Sigmund. Sem perder nada de sua velocidade, ele avançou diretamente para o corpo de Sigmund, acertando nele um chute.
O pé afundou no flanco de Sigmund. A força explosiva lançou seu enorme corpo no ar.
— Desgraçado!
Ao grito de Raishin, Yaya avançou em direção a Shin. Embora ela fosse tão ágil quanto um gato selvagem, Shin facilmente se esquivou de seus ataques como se eles não passassem de folhas caindo ao vento, saltando para o alto para novamente escapar.
Uma luz fraca emergiu dele e, mesmo que só um pouco, Sigmund encolheu de tamanho.
— Sigmund! Você está bem?
— Hmph... Isso não é motivo de preocupação.
Sigmund estava mentindo. Ele agora estava do tamanho de um cavalo. Ia ser difícil para Charl montá-lo agora. Ela fez uma careta.
— ...isso é vergonhoso.
Charl se moveu e passou a ficar contrariada, sendo completamente sincera sobre a situação em que eles estavam.
— Isso é humilhante. Extremamente humilhante. Mesmo que haja dois— quatro de nós e apenas um dele, não fomos capazes de conseguir causar um único arranhão nele.
— ...você pode continuar?
— Graças a um certo pervertido que nos obrigou a exagerar mais cedo, a minha energia mágica está quase no limite.
— Desculpe por isso. Você não tem algum tipo de trunfo?
— Você é idiota? Será que o seu cérebro morreu lá atrás? Sem energia mágica, um trunfo não passa de um monte de merda!
— Uma donzela de uma Família nobre não deveria estar usando palavras como merda.
— E quanto a você, então? Você não tem nenhum plano astuto na manga?
— Não.
A mandíbula de Charl caiu. Parece que ela estava esperando ouvir exatamente o oposto.
— Eu não faço ideia de que tipo de arte mágica ele usa. Além disso, ele disse que é uma Machine-doll, que é algo de que eu nunca tinha ouvido falar antes. Se queremos derrubá-lo, não podemos confiar em truques mesquinhos. Vai ter que ser na força bruta... mas se ele se esquivar dos golpes, então não interessa quantos problemas teremos para atacá-lo, ele vai evitar tomar qualquer dano.
Havia um brilho nos olhos de Raishin. Parecia que ele tinha pensado em alguma coisa.
— Se eu te dissesse que tudo o que precisamos é de um tiro do Sigmund, você acha que conseguiria fazer isso?
Charl digeriu as palavras de Raishin, antes de deixar escapar uma risadinha.
— Não se preocupe com isso, nosso tiro foi o bastante para evaporar a Torre do Relógio.
— Perfeito. Não estrague tudo!
— O mesmo vale para você!
Os dois dividiram-se entre esquerda e direita. Henri não tinha ideia do que iria acontecer, mas ao menos ela entendeu que os dois estavam cooperando. Ambos tinham chegado em algum tipo de entendimento mútuo e eles pareciam estar colocando algum tipo de plano em ação.
Raishin e Yaya eram a vanguarda, avançando diretamente para Shin.
Estendendo a palma de sua mão para Yaya, Raishin transmitiu uma grande quantidade de energia mágica para ela.
Todo o corpo de Yaya começou a transbordar com a energia que fluía para dentro dela. Ela estava prestes a fazer alguma coisa. Shin mudava abruptamente de direção, avançando na direção de Yaya para atacá-la antes que ela pudesse fazer qualquer coisa.
Movendo-se mais rápido do que o olho nu poderia acompanhar, Shin desapareceu em meio a uma série de voltas desconcertantes.
Um instante depois, ele estava bem atrás de Raishin.
E ele parou completamente.
Alguém tinha agarrado o corpo de Shin, travando seus movimentos!
Yaya tinha se posicionado entre Raishin e Shin, parando os movimentos dele.
Uma inundação de alívio tomou conta de Henri quando ela percebeu que Raishin não iria morrer, mas, ao mesmo tempo, haviam várias dúvidas surgindo em sua mente.
A velocidade e a trajetória de Shin deveriam ter sido muito além da capacidade de Raishin para acompanhar.
Nesse caso, mover a Yaya para onde ela estava agora havia sido... uma previsão?
Ele tinha enviado Yaya na frente e exposto suas costas... de propósito?
Se Shin tivesse atacado a cabeça dele em um ataque frontal, Raishin agora estaria morto, com toda certeza.
Foi uma aposta muito perigosa. Que demonstração de bravura!
— Por mais que eu odeie imitar o Loki, obter o resultado desejado é o mais importante.
— ...como você pode chamar isso de resultado desejado, Senhor Akabane?
Shin falou com frieza. Enquanto ele e Yaya estavam em uma disputa de força,
— Meu corpo é capaz de suportar até mesmo o Circuito Gram. Não importa quanta força a sua marionete possa possuir, ela não será capaz de causar nem mesmo um único arranhão em mim. Algo assim deveria estar óbvio para...
— Você mesmo disse isso.
— O que...?
— Eu realmente não sei o que é uma Machine-doll, mas você não é completamente perfeito.
Raishin respirou fundo— e um instante mais tarde, ele começou a invocar uma enorme quantidade de energia mágica.
— Kouen Zesshou...
A energia fluiu para Yaya, fazendo-a brilhar com uma feroz luz branco azulada.
— Midare Yozakura.
No momento seguinte, Yaya entrou em ação.
Ela parecia ser uma bala humana. Seus punhos e pés estavam golpeando em alta velocidade.
Era como uma tempestade. Ou como assistir a alguém atirando com uma metralhadora.
Shin não podia se mover. A cada tentativa de fugir, Yaya o acertava e o impedia. O corpo de Shin foi repetidamente atingido por golpes que tinham a força de uma bala.
No entanto, nenhum dos golpes rompeu sua pele. O ataque de Yaya, feroz como era, parecia ser muito fraco contra ele.
Mesmo assim, Raishin não desistiu. Ele era tão intenso quanto fogos de artifício explodindo, forçando todo o seu corpo para canalizar energia mágica ao mesmo tempo em que continuava a controlar com determinação os movimentos de Yaya.
Finalmente, por um breve momento.
Uma gota carmesim voou do braço que Shin estava usando para se defender.
O número de gotas começou a aumentar visivelmente, voando lentamente no ar.
A pele de Shin tinha quebrado, sua pele estava rasgando e suas feridas estavam começando a aumentar de tamanho.
O spray de sangue dançava freneticamente no ar. Era como ver as flores de cerejeira durante uma nevasca.
No entanto, o ataque de Yaya terminou ali.
Como um poço secando, a força deixou o corpo de Raishin quando sua energia mágica acabou.
Cambaleando, Raishin caiu prostrado no chão. Ao mesmo tempo, os movimentos de Yaya ficaram cada vez mais lentos e ela caiu de costas.
Raishin estava sem energia mágica! Os dois já não podiam mais lutar!
Era uma completa inversão da sorte. Shin estava preparando-se para obliterá-los— ou foi isso que ele pensou.
Shin havia caído de joelhos, desabando no chão.
Ele estava respirando desesperadamente. Todo o seu corpo estava coberto de sangue. As partes retalhadas de suas roupas estavam languidamente penduradas em seu corpo, ou talvez aquilo fossem partes da pele dele. De qualquer forma, Henri não conseguia ver o Shin ficando de pé tão cedo.
— Se você pensar sobre isso, é bastante lógico. Por que alguém que poderia facilmente suportar um golpe iria escolher se esquivar dos ataques da Yaya? Obviamente porque existe alguma desvantagem em receber ataques diretos.
Raishin gemeu enquanto murmurava fracamente.
— É a mesma razão pela qual a Yaya se cansa... eu não me importo se você é uma Machine-doll ou o quer que seja, mas desde que você seja uma coisa viva— usar muita energia mágica vai desgastar você.
Entendo, pensou Henri.
A defesa, a velocidade e o ataque eram todos movidos pela mesma arte mágica usada pelo Shin. Era uma arte mágica que permitia que ele controlasse seu corpo a um nível molecular.
Prevenir danos, voar livremente pelo ar, tudo isso era graças à sua arte mágica.
Uma vez que ele compreendeu o mecanismo único de como aquilo funcionava, ele não foi capaz de formular um contra-ataque contra isso.
E foi justamente por não ter um contra-ataque que ele escolheu lutar de frente, uma tática ineficiente, mas com a qual ele estava habituado.
Resumindo, seu objetivo era esgotar a energia mágica de seu oponente através de uma intensa tempestade dos golpes que Shin tanto detestava. Era uma batalha de atrito. Em um cenário comum, essa seria uma batalha sem um vencedor claro. Mas agora...
— Charl, agora!
O Canhão Lustre certamente atingiria um imóvel Shin!
Charl já tinha terminado de concentrar sua energia mágica. Sua mão repousava nas costas de Sigmund e ela estava pronta para disparar a qualquer momento. Gotas de luz flamejante estavam transbordando da boca de Sigmund—
Mas ela não atirou.
A expressão no rosto de Charl congelou e ela ficou rígida.
Isso porque seu adversário tinha a forma de um ser humano. Mesmo que ela tivesse todo o direito de odiá-lo depois do que ele havia feito a ela e a Henri.
— Charl! Fogo!
Charl fechou os olhos e disparou. A explosão luminosa finalmente avançou.
Shin subitamente ficou de pé, desviando o fluxo luminoso com um movimento suave.
No início, ela pensou que Shin estivesse se movendo com algum tipo de energia de reserva, mas não era isso. Mesmo que ela nunca pudesse esperar atingir o nível de sua irmã como maga, Henri ainda foi capaz de detectar um ‘fio’ flutuando no ar.
Alguém havia ligado um fio de energia mágica em Shin.
Um marionetista... mas onde!?
Ela levantou-se sem pensar, varrendo a área com os olhos. Inquieta, Frey também procurou nos arredores. O primeiro a se mover, no entanto, foi o Raishin. Respirando com dificuldade, ele gritou com toda a força.
— Riviera!
Assim que Henri se perguntou quem era aquela, ela viu.
Era um cão. A voz que ele atirou estava atada com energia mágica, voando em direção ao bosque como uma bala. Um golpe invisível rasgou a atmosfera. Ela passou pela copa das árvores, quebrando alguns galhos no meio do caminho.
Ao lado da estrada, no topo de um poste, havia um jovem sentado.
Pouco antes da bala sonora alcançá-lo, ele rapidamente saltou para a luz, esquivando-se.
Entretanto, antes que ele pudesse pousar, Raishin o interceptou.
Agarrando o jovem em um movimento rápido, Raishin o pressionou contra o chão, colocando uma faca em sua garganta.
Com a faca na garganta do jovem, Raishin se preparou. Se ele visse qualquer movimento do jovem, Raishin iria cortá-lo sem hesitar. Com isso, ele não poderia mostrar nenhuma resistência, deixando de controlar Shin.
Falando do Shin.
Isso havia acontecido em algum momento anterior, mas agora Yaya estava prendendo-o com os braços e as pernas atrás das costas.
Charl ficou pasma. O mesmo aconteceu com Henri e, provavelmente, também com Frey. Elas ainda não conseguiam compreender o que Raishin tinha acabado de fazer.
A única coisa que estava clara para elas era que Raishin tinha derrotado o inimigo.
No entanto, apesar de ter sido derrotado, o jovem estava contrariamente feliz.
— Devo dizer que estou surpreso! Como é que você sabia onde eu estava— como você sabia até mesmo da minha existência?
Henri também estava confusa. Mesmo que o cão fosse o responsável por descobrir a localização dele, como é que Raishin sabia que ele estaria mesmo aqui, para começar?
— ...é verdade que me falta conhecimento. Francamente, seja lá o que seja aquele mordomo... isso está além da minha compreensão.
— E?
— Então eu pensei sobre o que eu sabia... pensei ao longo da linha de que ele era um autômato.
— Essa foi uma suposição muito educada! Você estava meio correto sobre isso.
O jovem riu. Mesmo que ele estivesse em uma situação precária, ele não demonstrava nenhum medo.
— Por favor, continue. Então, o que tem o Shin ser um autômato?
— Ele disse que não precisava de um marionetista. Sendo esse o caso, eu decidi criar uma situação em que ele iria precisar de um.
E uma vez que ele fizesse isso, o marionetista seria forçado a se mostrar.
Nesse caso, naquele momento em que Raishin pareceu ter ficado sem energia mágica.
Quando seu plano pareceu ter sido um grande sucesso.
Tudo isso estava dentro dos cálculos de Raishin—
Era tudo uma armadilha concebida para fazer com que o marionetista responsável por tudo aquilo viesse à tona!
Um sorriso terrível estava gravado no rosto de Raishin enquanto ele pressionava a lâmina contra a garganta do jovem.
— Agora vamos, Presidente do Comitê Executivo, Cedric Granville. Primeiro, eu vou fazer você contar toda a sua história e, em seguida, vou derramar um pouco do seu sangue.
O jovem começou a piscar rapidamente, antes de explodir em—
—Risadas. Era uma brilhante e alegre risada, que mostrava o quanto ele estava se divertindo. Uma risada que não se encaixava na situação em que ele estava no momento.
— Pode ser verdade que lhe falta conhecimento. Mas vou dizer isso, você é afiado. Você acabou de exceder em duas ou três vezes minhas expectativas. Mas se você pensa que isso é um xeque-mate, então—
A figura do jovem desapareceu.
Era diferente de Shin. Ele desapareceu de vista, como se tivesse simplesmente evaporado.
— Raishin! Atrás de você!
Yaya gritou. Henri foi lenta demais para perceber onde ela estava.
— Você é muito devagar.
Raishin apressadamente virou o cotovelo para trás. No entanto, foi um gesto fútil, pois ele cortou o ar, sem causar danos. O jovem desapareceu mais uma vez e, um instante depois, tinha se transformado em Shin.
Ou será que ele fez uma substituição? Ou será que eles tinham trocado de lugar?
De todo modo, o jovem tinha desaparecido e Shin tinha escapado das garras de Yaya.
Enquanto Raishin ainda estava confuso pela súbita mudança de eventos, a perna de Shin foi enterrada na lateral do corpo de Raishin.
Houve um terrível som de impacto e Raishin voou em direção a grama.
Yaya e Charl, assim como Henri, gritaram em uníssono.
Inesperadamente, a única entre elas a ter uma reação astuta foi a Frey.
Enviando Rabi, Frey dirigiu-se até Shin. Suas presas afiadas caíram sobre a garganta de Shin. No exato momento em que ele estava prestes a apertar sua mandíbula no pescoço de Shin, ele moveu-se acentuadamente para baixo, esquivando-se do ataque de Rabi.
Como antes, o jovem apareceu de repente sobre os ombros de Shin.
Foi como a cena de um sonho. Ou talvez fosse algum tipo de ilusão.
O jovem olhou para baixo, na direção de Raishin, que estava caído, dando a ele um sorriso brilhante e alegre.
Shin levantou-se ainda mais para o céu e os dois voaram em direção a um local desconhecido.
Tendo acontecido tudo rápido demais, o silêncio da noite retornou.
Parte 5
— Será que você não exagerou um pouco lá atrás? Eu preferiria que você não morresse neste momento.
Sentando-se sobre seus ombros, seu mestre fez o que parecia ser um comentário preocupado.
Mesmo quando disse isso, porém, ele estava sorrindo. Ao contrário do que suas palavras faziam parecer, não havia nenhum vestígio de infelicidade nele.
Voando silenciosamente pelo bosque, Shin baixou a cabeça.
— Minhas mais profundas desculpas. Eu... cometi um terrível erro de cálculo.
— O que, agora você está se desculpando?
— Tal falha é o pior tipo de exibição para a demonstração pretendida pelo Senhor.
— Não seja ridículo. Mesmo sem a assistência de um marionetista, você foi capaz de dominar dois magos com calibre de Rounds. Você já provou suficientemente a qualidade de uma Machine-doll.
Seu mestre riu, claramente de bom humor.
— Eu me sinto ótimo. Você poderia até mesmo dizer que estou com alto astral. Eu encontrei um novo brinquedo, afinal. Ele é magnífico. Eu vou adorar fazê-lo dançar na palma da minha mão.
— Eu posso ser hábil em ser o mordomo da Família Bernstein... mas se eu tivesse que nomear uma falha, esta seria a minha covardia.
— Do que é que você tem medo, Shin?
— Minha Senhora, aquele jovem um dia irá voar da palma da sua mão... é isso que eu temo.
— Você não entendeu. Não é exatamente por isso que ele é tão fascinante?
Sua Senhora não tinha nenhum cuidado. No entanto, o olhar em seus olhos era o de quem ansiava por destruição.
— Eu acho que, de agora em diante, a Festa Noturna vai ficar cada vez mais agradável.
— A Festa Noturna... você está pensando em algum outro plano malicioso?
— Por que você acha que eu entrei com o 87º Assento, um número tão horrível? Eu, Alice Bernstein— Elfa Veloz— Eu vou brincar com você novamente no palco da Festa Noturna. Aguarde ansiosamente por isso, Machine-doll oriental e senhor marionetista.
A figura da mestre de Shin era agora a de uma bonita garota de cabelo prateado.
Seu longo cabelo solto vibrava e fluía no ar noturno como se fosse uma estrela cadente.
Os dois saltaram de árvore em árvore, desaparecendo na floresta iluminada pelo brilho da manhã.
Parte 6
No momento em que a luta acabou, Henri caiu no chão.
Sua força havia deixado completamente seu corpo. Mesmo que ela soubesse que ainda era muito cedo para sentir-se aliviada, um pesado sentimento de fadiga a atingiu. A noite estava tão quieta que machucava os ouvidos— mas assim que ela pensou isso,
— Raishin! Tudo bem com você!?
O silêncio foi rapidamente quebrado por Yaya.
Olhando para cima, ela viu o Raishin deitado no chão, sem se mexer.
Era uma situação perigosa. Antes mesmo de Henri conseguir se levantar, Charl já havia corrido até ele. Parando atrás de uma soluçante Yaya, Charl timidamente perguntou,
— Bem... você ainda está vivo?
Forçando seus ouvidos, uma voz um pouco mais alta que o zumbido de um mosquito pode ser ouvida.
— ...de algum modo... eu acho.
— H- Hmph. Não é como se eu estivesse particularmente preocupada ou nada assim. Já que você é um pervertido cuja única qualidade é sua tenacidade.
Henri deixou escapar um suspiro de alívio, sentindo a tensão começar a se dissipar.
Frey empurrou Henri para frente, apontando para Charl. Dizendo-lhe “Vá em frente”, Frey deu um novo empurrão, fazendo com que Henri se movesse. Embora essa fosse a última coisa que Henri quisesse fazer no momento, ela não poderia recusar. E assim, Henri caminhou timidamente em direção a sua irmã.
— Onee-sama...
A voz dela estava atada com hesitação. Ao que parece, Charl já havia notado a presença dela. Sem se virar para encará-la, Charl continuou a falar com Henri de costas.
— Eu sinto muito, Henri.
— Eh...?
— É verdade... eu podia me sentir um pouco superior sempre que estava com você. Eu podia me sentir mais segura sempre que você estava por perto.
O que foi isso? Alguém tinha dito isso a ela?
— Mas eu quero que você saiba que eu me sentia inferior a você da minha própria maneira.
— Eh... do que eu?
Henri estava boquiaberta. Esta era uma surpreendente virada de eventos.
Em termos de aparência, inteligência e potencial mágico, Charl estava muito acima de Henri.
Charl deu uma olhada de esguelha para Henri, remoendo como se suas próximas palavras fossem difíceis de admitir.
— Você é... uma polegada maior, não é?
— A nossa altura...? Nós temos a mesma altura, no entanto.
— ...ios.
— Eh?
— Eu disse os seios!
A ponta das orelhas de Charl ganharam um furioso tom de vermelho.
— Nãããão! Mesmo que eu tenha prometido a mim mesma jamais admitir isso na minha vida!
Charl virou o rosto corado para longe, antes de perceber a presença de Raishin e explodir de raiva.
— O que você está olhando!? Por que você ainda está aqui, seu pervertido!?
— Uwaaaah, não me chute, sua idiota! Você vai quebrar alguma coisa!
— Não me diga que... você ouviu tudo... Sigmund! Reduza esse idiota a pó!
— Calma, Charl. Isso vai ser difícil de dizer, mas o seu segredo— o fato de que você usa enchimento— já foi exposto muito tempo atrás.
Assistindo a conversa deles, uma pequena risada escapou dos lábios de Henri.
— Ha ha ha!
— Entendo... então é a isso que a Onee-sama estava se referindo, hein...?
— Por que você está rindo!? Poxa!
Charl estava inflando a parte superior de seu peito, mas eventualmente ela desistiu disso, foi até Henri e começou a rir junto dela.
Ela sempre havia pensado que sua irmã mais velha fosse perfeita, mas agora Henri sabia que sua irmã também tinha falhas.
Para um ser humano, a inveja e o ciúme são apenas emoções naturais a se sentir.
Minha Onee-sama é igual a mim. Uma companheira humana.
O aperto em seu coração começou a se afrouxar. Era como os gloriosos primeiros raios de sol da Primavera derretendo os últimos restos de neve que sobraram do Inverno.
Mesmo que eu seja assim, há certamente em alguma parte de mim que é mais fantástica do que na Charl.
Obviamente, isso não se restringe apenas a este peito liso.
Quem a ensinou isso foi o Raishin.
Raishin estava sendo apoiado por Yaya e seu rosto estava encharcado de sangue, mas para Henri aquele rosto parecia muito deslumbrante.
Ela tinha medo de homens, mas parecia que Raishin poderia ser uma exceção.
(Obrigada, Raishin. Um dia, eu também...)
Era apenas uma fração minúscula, mas ela passou a gostar um pouco de si mesma.
Raios de luz alaranjada estavam começando a fluir por entre as lacunas das árvores. Os passarinhos começaram seu coro barulhento, sinalizando o início de um novo dia.
Parte 7
Alguém tinha assistido a luta do começo ao fim.
Este alguém estava de pé no telhado da residência do Diretor. Era um jovem vestindo uma máscara prateada, com duas donzelas logo atrás dele. Ele estava olhando na direção do bosque.
Com um baque suave, alguém pousou atrás dele.
As duas donzelas imediatamente colocaram-se em guarda. No entanto, a pessoa não mostrou sinais de medo, andando casualmente até o homem mascarado.
— Você ficou acordado até bem tarde, Magnus. Passando a noite em claro?
— Eu poderia dizer o mesmo para você. Vai acabar estragando sua beleza ficando acordada até essa hora, Professora Kimberly.
— É uma espécie de hábito meu ver o nascer do sol. Tem sido assim desde quando eu era uma criança.
Mesmo que ela tivesse surgido atrás dele, Magnus não se virou para encará-la. Ele continuou a olhar para a área onde a batalha se desenrolava, como se estivesse tentando averiguar algo.
— Então, você foi escalado para ser o guarda-costas do Diretor? Acho que como você é bom demais, encontrar coisas para fazer deve ser um problema. Você já considerou se segurar? Acredito que no seu país exista um provérbio que diz algo como: “Um falcão hábil esconde as garras”, não é?
Magnus não respondeu e Kimberly sorriu.
— Mesmo assim, isso é muito ridículo. Quem teria pensado que aquela falha era uma Machine-doll?
— ...falha?
— Não tem a menor chance de você acreditar nesse absurdo. Afinal, essa é a sua área de especialização, não é?
Magnus virou-se para olhar por cima do ombro. Ela finalmente havia despertado o interesse dele.
O olhar no rosto de Kimberly era como se ela pretendesse começar a avançar sobre ele, para pressioná-lo.
— Você sabia disso, Magnus? Em alguma região do Extremo Oriente, parece que houve um certo idiota que tentou construir uma Machine-doll usando o corpo de uma garota que ainda estava viva. Isso aconteceu há cerca de dois anos atrás.
— ...usar apenas um corpo vivo no processo criaria uma mera Bandoll.
— A princípio.
Os olhos vermelhos de Magnus trespassaram Kimberly, como se ele pudesse ver completamente através dela.
Kimberly deu de ombros, continuando a falar de forma evasiva.
— Não fique tão surpreso. Passos de bebê são necessários quando se trata de inventar novas técnicas. Uma vez que ele estava tentando criar uma Machine-doll perfeita, não seria surpreendente se, para começar, ele produzisse Bandolls em massa, certo?
— ...onde é que você está querendo chegar?
— A Nectar está o observando de perto, Tenzen Akabane.
Magnus ficou em silêncio por um momento.
E então, perdendo o interesse na conversa, ele voltou a se virar para a frente.
— Oh, você não irá negar isso?
— Se eu sou a pessoa de quem você fala em sua história ou não, é uma questão irrelevante. Eu sigo o meu próprio caminho— mesmo que isso signifique morrer pelas mãos dele.
O olhar de Magnus repousava sobre Raishin, que estava caído no chão. Ele estava cercado por quatro garotas que, por alguma razão, estavam agrupando-se ao redor dele.
— Tamamushi, Kamakiri. Nossa presença aqui não é mais necessária.
Ele girou sobre os calcanhares. As duas donzelas rapidamente o seguiram. Ao vê-lo partir, Kimberly falou com um tom agudo de voz.
— Isso é uma advertência. Não como sua professora, mas como alguém que viveu mais tempo do que você.
— Diga.
— Lembre-se bem disso. O maior tabu para um mago é criar um ser humano.
— ...eu vou guardar isso em meu coração.
Sem parar para olhar para trás, ele continuou a se afastar.
Kimberly olhou para Raishin com um sorriso cínico se formando em seus lábios.
— Agora então... quem será aquele a dar a primeira mordida no fruto que Eva arrancou?
O céu claro foi tingido por um leve tom avermelhado.
Essa é a mesma cor da pele das donzelas do Magnus, Kimberly pensou consigo mesma.