Volume 1
Capítulo 1: Aquele que caça dragões
Uma única estrada pavimentada percorria, de norte à sul, toda a propriedade da Academia.
Aquela era conhecida como a estrada principal. Tratava-se da principal via da Academia, já que dava acesso às inúmeras salas de aula, aos prédios de dormitórios e à sala de jantar. Durante o intervalo para o almoço, os alunos se aglomeravam ao longo daquela estrada.
Era uma Segunda-feira clara e ensolarada. Como esperado, hoje também os alunos se aglomeravam pelas ruas durante o intervalo para o almoço.
Abruptamente, a agitação diminuiu.
Uma onda de medo se espalhou pela multidão nervosa e, um após o outro, os estudantes se viravam na direção da fonte.
Atrás deles, uma solitária garota se aproximava, com seus lindos cabelos dourados esvoaçando atrás dela.
Ela possuía feições graciosas, e seu corpo era bem proporcional. Ela era uma garota tão bela que quase se podia ver o ar brilhando ao seu redor, porém tinha um olhar azedo em seu rosto, o que estragava sua beleza élfica. A aura hostil que emanava dela fazia com que ela se assemelhasse a um animal feroz.
Um pequeno dragão, não maior do que um gato, descansava sobre o chapéu que ela usava.
Não poderia ser chamado de outra coisa além de dragão. Sua cabeça parecia um cruzamento entre um lagarto e um crocodilo, mas a expressão em seu rosto era mais nobre e refinada. Haviam dois chifres crescendo em sua cabeça e a estrutura de seu corpo se assemelhava a de um felino. Ele tinha quatro asas em suas costas, mas ao invés de dizer que se pareciam com as de um pássaro, seria melhor dizer que se assemelhavam as de uma borboleta. Todo o seu corpo estava revestido por escamas cor de aço.
— É como Moisés abrindo o Mar Vermelho.
O dragão em seu chapéu falou. Tinha uma voz surpreendentemente baixa para o seu tamanho.
Como o dragão havia dito o caminho a frente da garota ia se abrindo. O mar de gente a frente dela ia rapidamente se dividindo em dois.
— Todos tem medo de você.
— Hmpf. Isso é o que normalmente acontece.
— Isso que você chama de normal é que é o problema. Mesmo que você seja a verdadeira identidade do Canibal Candy, o nível de medo que as pessoas têm de você não poderia ser maior do que o atual.
Naquele momento, um garoto caiu diante dela, aparentemente após ter tropeçado em algo.
Notando a garota, ele começou a se remexer violentamente.
— Aah, ah me desculpe! Por favor não me mate!
— ... Mexa-se.
— Siiiiiiiiiiiiiiiiiim.
Ele rapidamente afastou-se. Seu rosto enquanto fugia lembrava o de alguém que acabara de se deparar com um urso. A garota fez um beicinho.
— Você está certo, parece um pouco irracional. Como as pessoas podem estar com tanto medo de mim?
— Porque você é assustadora. Você é a garota que, mal tendo pisado na academia, mandou cinco senpais para o hospital.
— Eu estava apenas punindo-os por sua insolência. Eles podiam estar tentando me convidar para o clube deles, mas uma vez que eles foram um pouco melosos demais comigo, eu senti meu corpo em perigo e então...
— Depois teve aquela vez em que você empurrou sua companheira de quarto pela janela.
— Isso foi por força-maior. Aquela garota tentou esgueirar-se para o banheiro e, como isso me irritou— quer dizer, para proteger os segredos de uma donzela, eu tive que fazer isso.
— Você também chama a destruição do laboratório de Anatomia, só porque você não queria tocar no sapo, de força-maior? O professor até mesmo chorou por ter perdido tantos espécimes raros, sabe.
— ...
— E que tal aquela vez em que você entrou em pânico por causa de uma vespa e acabou incendiando todo o jardim?
— Quieto, Sigmund. Se não se calar agora, eu irei trocar seu frango por grão-de-bico.
— Eu não sou um pássaro, Charl. Apenas grão-de-bico não irá sustentar meu corpo.
A garota loira — Charl, não fez nenhuma questão de esconder sua irritação enquanto caminhava a passos largos.
No entanto, o dragão não desistiu, e continuou.
— Que tal fazer alguns amigos? Eu acho que assim a reação das pessoas também mudaria um pouco.
— Todos aqui na Academia são inimigos. Todos são obstáculos em meu caminho até o trono de Wiseman. Eu não pretendo me familiarizar com nenhum deles.
— É esse tipo de atitude que faz com que você fique sozinha. Desse jeito, você nunca vai conseguir arrumar um namorado. Você não se importa em ser impopular pelo resto de sua vida?
— Quem você está chamando de impopular? Sem chance que todos os homens do mundo iriam conseguir resistir a uma garota tão fofa como eu. Mesmo agora eles me abordam aos montes. Assim como moscas que voam em torno de uma Rafflesia.
— Rafflesia é um apelido perfeito para você — já que significa algo que as pessoas põem o nariz e fogem em seguida — tenho sérias dúvidas sobre essa parte de garotos abordando você. Fazendo o que lhe dá na telha, não tem como uma pessoa burra e teimosa como você conseguir — Oh, corrigindo. Parece que você atraiu uma mosca afinal. Embora pareça que ele já tenha alguém o dominando.
Levantando uma pata dianteira, o dragão apontou para frente. Charl olhou e, parados no meio do caminho aberto estava um estranho par.
Um deles era um jovem. Ele estava vestindo algo que se parecia com um suspensório de uso militar sobre seu uniforme, que parecia desgastado. O suspensório parecia ser usado como um substituto de um coldre, pois estava repleto de itens mágicos e de amuletos, além de uma faca e de uma lanterna. Ele tinha um brilho forte no olhar, e seu corpo era afiado e angular.
A outra era uma garota. Ela não vestia um uniforme. Em vez disso, ela usava um esplêndido traje, provavelmente um quimono. Ela já havia visto
aquilo antes em uma daquelas estanhas pinturas, chamadas Ukiyo-e ou algo parecido. Ela era baixa e tinha um rosto pequeno, como se fosse uma boneca — não, Charl tinha noventa e nove por cento de certeza de que ela era um autômato.
Em todo caso, ambos eram rostos que ela nunca havia visto antes.
Enquanto seus olhos atentavam para o trabalho minucioso feito no autômato, o garoto havia falado descaradamente.
— Senhorita Charlotte Belew, eu presumo.
Ele disse isso como se estivesse em uma peça de teatro, e mantinha um sorriso arrogante em seu rosto.
Para rotulá-lo bonito imediatamente... seria difícil, mas olhando para sua aparência em geral, era impossível negar que houvesse algum charme oriental nele.
— Estudante do Segundo ano na Academia; Membro dos Rounds, que constituem os treze principais participantes da Festa Noturna. Em algumas casas de apostas de Londres, a cada três apostas, uma é em você, o que significa que você é uma das principais candidatas ao Trono de Wiseman.
Ele recitou suavemente o perfil de Charl.
— Código de Registro: Tyrant Rex. Eu acho que você é mesmo como um temível dragão.
Ele terminou com um tom zombeteiro em sua voz. No entanto, seu olhar era afiado, ao contrário de sua voz, e mirava a mão de Charl — ou mais precisamente, seu olhar estava fixo em sua luva. Feita de seda, ela brilhava sob a luz; As palavras ‘Tyrant Rex’ haviam sido tecidas na luva branco-pérola com fios de ouro. Aquela era uma luva especial, apenas os participantes da Festa Noturna possuíam uma.
Quem afinal era aquele garoto rude e mal-educado?
Charl franziu a testa com petulância, olhando para o jovem.
— Já que você sabe tanta coisa, o que está planejando afinal? O que você quer comigo?
— Entregue a sua qualificação de entrada.
Ela ficou espantada com a afirmação. Por um breve momento, ela não conseguiu compreender o que ele acabara de dizer.
— ... Você está me desafiando para uma batalha?
— Não. Considere isso mais como um aviso prévio.
Charl suspirou profundamente.
— Você é idiota? Ou talvez — você realmente queira morrer.
Ela irradiava uma aura assassina, fria como o gelo.
Instaurado o medo nas pessoas ao redor, os alunos fugiram às pressas do local.
Assim, de forma abrupta, o intervalo para almoço na Academia transformou-se em um campo de batalha.
Dois dias antes.
Era noite, e no escuro corredor do auditório central, Raishin tremia.
— Das mil duzentas e trinta e seis pessoas, eu fiquei em milésimo ducentésimo trigésimo quinto...?
Dentro de seu punho fechado, estavam seus, assim chamados, resultados do teste.
Após entrar na Academia, ele fora mandado imediatamente para fazer um teste especial que avaliaria suas capacidades acadêmicas. A resposta do examinador havia sido fria desde o meio do teste, mas ver sua habilidade reduzida a pequenos números era difícil de suportar.
— Por favor, não fique tão depressivo.
Yaya estava consolando-o com um gentil sorriso no rosto.
— Yaya sabe tudo sobre o treinamento infernal pelo qual o Raishin passou. Deixando de lado os exames escrito e oral, não há a menor chance de o Raishin perder em uma batalha real. Eu não estou certa?
No entanto, Raishin ficou ainda mais depressivo, apertando mais forte a própria cabeça.
— ... Desculpe, Yaya.
— Por que você está se desculpando?
— Aqui está uma das principais autômatos da marca Karyuusai que, facilmente vale tanto quanto um navio de guerra. E mesmo assim, as qualidades do seu manipulador são um fracasso, eu sou tão patético — Não diga isso! Tudo que Yaya precisa é ficar junto do Raishin...
— Como posso mostrar meu rosto para a Shouko!?
Houve um som estranho quando Yaya enrijeceu de repente.
— Hmm..., Yaya? O que há com essa expressão chateada em seu rosto –Espe- espere um pouco, pelo menos me diga a razão!
— Shouko, Shouko, Shouko... É sempre nada além da Shouko...!
Yaya estava em meio às lágrimas enquanto estrangulava Raishin.
— Pelo menos agora você sabe o seu lugar, Garoto Samurai.
De repente, uma voz surgiu ao lado deles. Surpresa, Yaya largou Raishin, fazendo-o cair.
Tossindo violentamente, Raishin olhou para cima e viu uma alta e bela mulher diante dele.
Seu cabelo estava preso, e inteligência podia ser vista dentro de seus olhos azuis. Ela usava o uniforme da equipe educacional, e seus óculos estavam pendurados sobre seu peito.
Sua beleza fria lhe era familiar. Ela havia sido a oficial no comando do teste de Raishin.
— Eu sou a Professora Kimberly, responsável por Física das Máquinas. Infelizmente para nós dois, você foi designado à mim.
— Onde estão meus modos? Prazer em conhecê-la. Estarei aos seus cuidados a partir de agora, Professora Kimberly.
Raishin fez uma saudação rápida. Yaya o imitou e também curvou-se em uma saudação.
Kimberly continuou, sem sequer esboçar um sorriso.
— Eu o parabenizo por fazer essa longa viagem partindo de uma pequena vila no Extremo Oriente, mas suas notas são a dura realidade. Se você deseja se formar, eu sugiro que pegue alguns créditos, mesmo que isso possa matá-lo. Eu recomendo, particularmente, minhas aulas. Você pode conseguir até 6 créditos em um ano regular. Claro, isso considerando que um oriental como você conseguiria, ao menos, entender minhas aulas em primeiro lugar.
— Isso não foi um pouco racista?
— Eu sou uma filantropa. Brancos, negros, índios, judeus — todos me aborrecem igualmente. O único valor de um homem é o seu conhecimento. Eu odeio idiotas e isso é tudo.
— Eu acho que é difícil de acreditar que você possa se chamar de filantropa com uma cara séria.
— Você ficará no Dormitório Tartaruga. É o lugar para o qual vão todos os alunos que não conseguem acompanhar o ritmo das aulas, os piores entre os piores. Vá até lá quando estiver livre e arrume um quarto para você. –Isso é tudo que eu tinha para dizer.
— Espere um minuto, Professora Kimberly. Pode ser um pouco repentino, mas tem algo que eu gostaria de perguntar.
— Fale.
— Como eu consigo entrar na Festa Noturna?
Kimberly já estava indo embora, mas sua pergunta a fez parar inconscientemente.
— Não tem como você não saber disso, certo? Os únicos que se qualificam para entrar na Festa Noturna são os estudantes com as melhores notas, e mesmo dentre eles, apenas os cem melhores se qualificam. Como está agora, você se encontra no lado oposto disso, então até mesmo falar sobre esse assunto é inútil.
— Além disso, a Festa Noturna começará em breve, então há apenas mais uma rodada de testes de entrada restando –Acho que é realmente impossível, então?
Raishin deu uma risada autodepreciativa, como se zombasse de si mesmo.
Kimberly lançou um olhar em sua direção.
— ... A Festa Noturna não é um tipo de dança elegante idiota. É um lugar em que marionetistas se enfrentam, até que haja apenas um de pé. Se você entrar apenas por impulso, sua vida seria facilmente perdida.
— Então tudo o que eu tenho que fazer é conseguir a última vaga, certo?
Kimberly parecia surpresa. Seus olhos se estreitaram e ela olhou Raishin de cima a baixo, como se avaliasse seu valor.
— Por que você está tão obcecado pela Festa Noturna? Se formar aqui e receber o prestígio desta Academia para garantir que você estará à frente dos demais, já não é mais do que o suficiente?
— Eu tomei minha decisão há muito tempo. Uma vez que meu objetivo é virar o Wiseman.
— O que você deseja? Riquezas? Fama? Conhecimento? Poder?
— Essa questão não tem sentido. Se eu me tornar o Wiseman, conseguirei tudo o que você disse.
— Isso é verdade. Sendo o Wiseman significa que você não estaria limitado pela Carta Internacional de Artes Mágicas ou pelo código de ética que todos os magos devem seguir-em suma, ‘nada estaria fora dos limites’. Você poderia ler os livros proibidos, usar as artes proibidas ou até mesmo pesquisar sobre imortalidade ou modificações genéticas. Você teria uma recepção tal qual a de um general militar em qualquer país do mundo.
— Eh, essa foi uma explicação animadora.
— ... Seu objetivo não são riquezas. E não me parece que você esteja atrás de fama também. Você não parece ser esperto o bastante para estar atrás de conhecimento e sabedoria. Então, o que é, do que você está atrás?
Raishin não respondeu. Ele apenas olhou para Kimberly, sem que seus olhos vacilassem nem mesmo por um segundo.
Depois de algum tempo, o silêncio tornou-se insuportável.
— ... Deixe-me pô-lo a par do consenso geral. O único objetivo da Festa Noturna é encontrar o marionetista mais habilidoso de sua geração. A verdade é que vivemos em um mundo completamente meritocrático. Portanto, no improvável caso de alguém com uma qualificação de entrada ser, digamos, derrotado em batalha por alguém que não tenha uma—
Como se estivesse contando algum segredo, Kimberly continuou em voz baixa.
— Eu penso que o Comitê Executivo da Festa Noturna teria que alterar a forma de seleção dos participantes, não acha?
— ... Obrigado por sua instrução.
— Trabalhe duro. Estou ansiosa por esplêndidos resultados, Sr. Penúltimo.
Com traços de um sorriso se formando, Kimberly voltou a desaparecer pelo corredor.
— ... De algum modo, eu acho que ela é um pouco assustadora.
Yaya timidamente ofereceu sua opinião sobre a Professora.
— Sim. Mas não acho que ela seja uma pessoa ruim.
Apesar de ter chamado Raishin de idiota, ela não o ignorou quando ele falou. No que se refere à Festa Noturna, ela poderia simplesmente ter dito que não havia nenhuma forma de entrar. Ela não tinha razões para discutir hipóteses com ele afinal.
— Ao contrário, acho que ela pode ser uma boa mulher.
— Raishin... Então você realmente prefere mulheres mais velhas...!
Ignorando os soluços de Yaya, ele refletiu mentalmente sobre as palavras de Kimberly.
Ele era o penúltimo. Para entrar no top cem, ele teria que superar mais de mil pessoas, a nata cultural da sociedade, reunidas do mundo todo naquele local — ou ele teria que eliminá-las.
(Isso provavelmente não é algo para se gabar, mas seu conhecimento teórico sobre autômatos e artes mágicas é praticamente o mesmo de um novato nessa arte).
A possibilidade dele usar suas notas para vencer a disputa era zero.
Nesse caso.
Preocupada com Raishin, que havia mergulhado em um silêncio profundo, Yaya aproximou seu rosto do dele.
— Devemos discutir isso com a Shouko?
— Eu não vou pedir conselhos para as Forças Armadas. De qualquer forma, só há uma opção para nós.
Raishin riu ironicamente. Mesmo para ele, essa era uma forma divertida de fazer isso.
— Nós vamos ter que entrar na Festa Noturna. Este é o caminho mais rápido para mata-lo.
— Mas como—Você já pensou em alguma coisa?
— A Professora Kimberly já disse. Se eu quiser entrar, terei de ser como Momotaro.
— Você vai trocar bolinhos por milho com alguém?
Ele balançou a cabeça. Apertando os lábios, Raishin anunciou o seu plano.
— Eu vou roubar de um bando de demônios.
— Ei, vocês tem que ver isso! Um estudante estrangeiro está desafiando a T-Rex para uma batalha!
— O que!? De onde ele é? Que tipos de idiotas eles produzem nesse lugar?
— Japão. Ele é um idiota do Japão.
— Japão? É a Princesa do Estilo Izanagi?
— Não, é um cara novo que chegou na Academia apenas dois dias atrás.
— O que um cara novo está fazendo com a T-Rex? Será que ela está louca por uma luta?
— Não, parece que quem começou a briga foi o garoto novo. Aparentemente ele quer a Qualificação de Entrada dela.
— E de todas as pessoas que ele poderia desafiar, ele escolheu a T-Rex... Ele é suicida ou algo do gênero?
— Eu não acho que seja o caso. Veja, ele parece confiante.
— Ele é tão forte assim? Qual a posição dele?
Naturalmente, a atenção dos alunos estava concentrada nele.
Raishin sentia-se desconfortável por dentro, mas mantinha um olhar relaxado, ignorando os olhares que os outros lhe davam, os quais eram uma mistura de estranheza, desprezo e, até mesmo, de infelicidade.
— Eles sempre aumentam o número em torno da Primavera.
Charl cuspiu essas palavras com o dragão empoleirando-se em seu braço.
— Isto é, o número de idiotas que não conhecem seu lugar.
— Eu posso ser um idiota, mas eu ao menos sei qual é o meu lugar.
— Ah, é mesmo? Qual você acha que é, então?
— Eu estou na milésima ducentésima trigésima quinta posição.
Risadas explodiram ao seu redor. Uma Yaya de aparência envergonhada olhou na direção dos risos, mas o rosto de Raishin permanecia relaxado, ignorando as risadas.
Por outro lado, Charl estava pasma, com sua boca aberta.
— Estou chocada. Você é realmente um idiota. O idiota dos idiotas. Um idiota superior a todos os idiotas. Sua idiotice brilha como um farol. Você disse que está na milésima ducentésima trigésima quinta posição? Como você espera me vencer com uma nota assim...
Ela parou.
A expressão de Raishin ainda estava calma e, em seu rosto permanecia um sorriso de escárnio.
— Vá em frente e ria. Sinceramente, minhas habilidades como marionetista são, na melhor das hipóteses, de terceira categoria. Se você me comparar com a multidão que nos cerca, você irá perceber que possuo menos conhecimento e menos talento do que qualquer um. Entretanto, há uma coisa que me diferencia de todos eles.
— ... E isso é?
— Eu não desisto antes mesmo de começar.
As risadas morreram.
Charl olhou ao redor, e todos estavam desviando os olhos com um sabor amargo em suas bocas.
Ele estava certo—A maioria deles não poderia participar da Festa Noturna.
E, mesmo assim, tudo o que faziam era observar em silêncio.
Todos esses perdedores, os quais admitiram a derrota antes mesmo de tentarem lutar.
— ... Hmpf, eu vou ao menos elogiar sua determinação admirável. Ou talvez você seja apenas lento para perceber sua situação?
— Você deve estar brincando. Eu sou extremamente sensível para captar sentimentos.
— Você é realmente lento, então. Um estúpido. Aposto que é do tipo que se cansa facilmente.
— Você ao menos entende o significado do que acabou de dizer!? Uma dama da sua idade não deveria dizer algo tão impensado!
— É verdade! Não importa o que seja, Raishin finaliza rapidamente!
— Você fica quieta! Como diabos você poderia saber algo assim de qualquer maneira?!
Raishin rapidamente silenciou Yaya. Entretanto, já era tarde demais, uma vez que Charl arqueou as sobrancelhas de forma nítida e irritada.
— Você não apenas é um idiota, mas também é um pervertido que sai por aí fazendo coisas com sua boneca? Você é o pior tipo de desviado, sua aberração lasciva!
A frieza nos olhos dela era quase como o zero absoluto quando ela olhou em sua direção. Era como se ela estivesse olhando para uma barata.
Raishin sentiu uma grande depressão atingi-lo. Tudo o que ele queria fazer era se encolher no canto de um quarto escuro, abraçando-se contra os próprios joelhos. Infelizmente, ele não estava em condições de fazer isso.
— Eu não pego leve com pervertidos. Vamos esmaga-los com toda a nossa força, Sigmund.
— De acordo.
Naquele instante, o dragão (que parecia se chamar Sigmund) soltou um rugido.
Embora sua figura fosse a de uma pequena criatura, ele começou a se transformar bem diante de seus olhos. Uma névoa negra—como uma espécie de escuridão pertencente ao seu verdadeiro corpo—começou a envolver Sigmund; membros, garras e asas começaram a se formar a partir dela.
Finalmente, a névoa se dissipou, revelando a figura de um dragão gigante.
Um dragão gigante com três metros de altura e oito metros de comprimento.
Não havia apenas aumentado de tamanho. Como ele cresceu, sua força aumentou proporcionalmente. Era como ver um filhote de dragão amadurecer até sua forma adulta.
(Sua massa aumentou também...?)
Raishin olhou com espanto. Ele já havia visto autômatos capazes de se transformar, mas aquela era a primeira vez que via um capaz de aumentar de tamanho. Ele se perguntava onde ficaria armazenada a massa extra quando o dragão estava em sua forma regular. Talvez fosse um circuito mágico que corria em seu interior? Muitos pensamentos passaram pela cabeça de Raishin.
Um raio luminoso podia ser visto dentro da mandíbula do dragão, semelhante a uma língua.
Sigmund rugiu e a própria atmosfera tremeu, causando rajadas explosivas de um violento vento. Charl ainda teria que ativar um circuito mágico, mas o corpo de Sigmund já exibia uma enorme quantidade de energia.
Era uma força esmagadora. Seus instintos lhe alertavam de que aquele se tratava de um poderoso oponente.
No entanto, aquilo era algo de que ele já sabia. Raishin sorriu ligeiramente, concentrando sua energia mágica.
— Tudo bem, vamos mostrar a eles o que nós temos também, Yaya. Suimei Nijuuyon (24 Sons)—
— Raishin!
Mesmo sem seu aviso, ele já havia notado. Em um instante, ele se atirou para fora do caminho, esquivando-se lateralmente. Yaya saltou na direção oposta, evitando o objeto atirado.
Uma grande bola de ferro passou voando pelo local em que eles estavam momentos antes.
Tinha cerca de um metro de diâmetro. Pontas afiadas cobriam toda sua superfície, dando-lhe um aspecto muito cruel.
A bola de ferro continuou sua trajetória, em direção a Charl e Sigmund.
Obviamente os dois não iriam apenas ficar lá para, calmamente, receberem o ataque. Sigmund usou sua asa para golpear a bola para longe... Entretanto, o ataque da pessoa misteriosa não parou por aí.
A partir da multidão ao redor, algumas sombras correram para a área de combate juntas.
Uma boneca blindada que se parecia com um cavaleiro, uma menina descalça e uma besta de seis patas—pareciam que eram todos autômatos.
Com a boneca blindada cobrindo a frente, os outros dois se moveram para a direita e para a esquerda, tentando evitar qualquer rota de fuga. No entanto, seu alvo não era Raishin—Era Sigmund!
— Sigmund!
Charl emitira uma ordem. Mesmo que ela não o houvesse instruído do que fazer, Sigmund parecia entender completamente seus pensamentos. Levando Charl às suas costas, ele voou para o ar.
A boneca blindada mal havia iniciado o ataque antes de ser atingida pelas patas dianteiras de Sigmund e ser atirada longe.
Com um movimento de sua cauda, os dois autômatos que se aproximavam lateralmente também foram arremessados. Com estes simples movimentos, os três autômatos foram derrotados. Ocasionalmente se via uma contração em seus corpos sem vida.
(Ela é boa... O título de Rounds não era apenas para se mostrar.)
Basicamente, um autômato controlado move-se de acordo com a vontade do marionetista. No entanto, um autômato não eram apenas bonecos ocos. Eles eram autônomos, o que significa que possuíam vontade própria também. Se o marionetista não estiver devidamente sincronizado com o autômato, os movimentos deste seriam entorpecidos e o marionetista estaria desperdiçando sua energia mágica desnecessariamente.
Neste ponto, Charl e Sigmund estavam em perfeita sincronia. Se os dois não estivessem intimamente familiarizados entre si, seria impossível Sigmund mover-se dessa forma.
No entanto — era muito cedo para dizer que o perigo havia passado.
A visão cinética excepcional de Raishin permitiu que ele notasse os movimentos.
Dentro da multidão, havia alguns com intenções hostis que se moviam cautelosamente, enquanto se escondiam em meio aos demais estudantes.
Ele pode sentir nove, dez presenças... ou até mais. Mesmo que a metade deles fosse apenas de marionetistas, aquela ainda era uma força considerável. E também, isso significava que eles poderiam ter a vantagem devido à superioridade numérica.
Rapidamente, eles fizeram seu movimento.
Duas figuras monstruosas saíram voando. Eram uma Undine e uma Harpia, autômatos cujos desenhos foram baseados em criaturas lendárias. Os marionetistas por trás deles, claramente, projetaram seus sentidos e interesses para criarem autômatos com tais projetos.
O primeiro a atacar foi o autômato com formato de Undine, o qual tinha um corpo semitransparente, que lançou um jato de água de alta pressão em forma de lança na direção de Sigmund.
Sigmund facilmente o desviou, mas ao fazê-lo, um espírito da neve — Jack Frost — se aproximou pelo lado e lançou um ataque. Sigmund mal conseguiu se esquivar da magia gelada lançada contra ele. Embora tenha saído ileso, a explosão de gelo congelou, também, a água do ataque da Undine, fazendo com que todo o terreno também fosse congelado.
Enquanto isso, um ataque veio por cima também. O autômato do tipo Harpia lançou um furioso vendaval de chicotadas. Não conseguindo evitar este ataque, Sigmund perdeu o equilíbrio no ar e chocou-se contra o chão congelado.
Vindo da direita, surgiu um novo adversário. Um gigante com aparência semelhante a de um golem entrou na luta.
Suas pernas não tinham tração no chão escorregadio e, por isso, Sigmund não poderia se esquivar. O golem segurou suas asas, parando-lhe o movimento.
Os alunos ao redor começaram a murmurar entre si. Talvez houvesse chegado a hora da lendária T-Rex?
Um terrível som pode ser ouvido quando as asas de Sigmund começaram a ranger com a pressão sobre elas. Se as coisas continuassem assim, ele estaria em perigo. No entanto, Sigmund não parecia capaz de se livrar do golem. Ainda em cima de suas costas, Charl estalou a língua e, naquele momento, a grande bola de ferro cortou o ar com um assobio.
Cheia de uma grande força destrutiva, a bola de ferro — Não atingiu Sigmund.
— ... O que você está fazendo?
Charl perguntou com uma voz fria.
Raishin ignorou a pergunta vinda de trás dele e falou com sua parceira.
— Vamos lá, Yaya.
— Se esse for o desejo do Raishin, eu iria até os confins da Terra por ele.
Yaya respondeu enfaticamente, enquanto jogava para o lado a bola de ferro que havia pego.
Charl estava completamente confusa enquanto olhava para as costas da pessoa em sua frente.
A pessoa era o garoto mal-educado que a desafiara para uma batalha.
Do outro lado, seu autômato, o qual pegou a bola de ferro, estava de pé em cima do golem.
Ele levou alguns segundos até perceber que os dois a haviam protegido.
E assim que o fez, ficou extremamente furiosa.
— ... Sai da frente.
— Eu faria isso mesmo que você dissesse para não fazê-lo. Afinal, eu tenho mesmo que me livrar de todos eles.
— Pare de dizer besteiras. Mas o que é — O que você está fazendo?
Alguém a cortou, terminando a frase na frente de Charl.
Uma pessoa insolente saiu arrogantemente do meio da multidão.
Próximo a ele estava um autômato tipo fêmea. A expressão em seu rosto não parecia humana, mas sim a de um boneco articulado. Seria melhor dizer que se parecia com uma boneca.
A boneca estava segurando uma barra de ferro. Apontava a ponta na direção da bola de ferro, e um fio de luz se estendia até ela. Uma corrente retrátil de energia—assemelhava-se ao formato da estrela da manhã.
(Então era como se a bola de ferro fosse uma grande estrela da manhã...)
Charl não baixou a guarda e manteve-se atenta à cena da batalha.
Uma vez que o campo de batalha havia aumentado, a fim de suportar os recém-chegados, os alunos que assistiam foram recuando. De pé na rua ampliada, estavam cinco autômatos: Undine, Jack Frost, Harpia, Golem e o portador da estrela da manhã.
—Na verdade, estes não eram todos.
Com um giro, os três autômatos que haviam sido derrotados voltaram a se levantar.
Eles haviam sido restaurados. Quando ela olhou ao redor devido ao seu renascimento, ela avistou ao longe um autômato de manto branco que acenava para sua equipe. O que significava que ele possuía alguma arte mágica de restauração.
Com isso, os inimigos contabilizavam nove ao todo. Arte mágica de restauração, arte mágica ofensiva, alguém para defender, alguém para executar ataques rápidos, alguém para ataques de longa distância; Esta formação era exatamente como a de uma unidade militar.
Enquanto continuava agonizando devido à força do golem, Sigmund murmurou sem emoção.
— Eu acho que você É popular, Charl. Aqueles marionetistas são todos homens.
— ... Este é o momento e o lugar para isso?
O jovem insolente e sua gangue estavam, visivelmente, mirando Sigmund. Ela tentou se lembrar, se alguém poderia ter algum tipo de ressentimento contra ela... e já que havia, Charl preparou-se para a batalha.
Enquanto isso, o garoto insolente continuou sua conversa com o garoto rude.
— Responda-me, estudante transferido, por que está interferindo?
— Aquela é a minha presa. Eu não irei tolerar que alguém a roube de mim.
Ele acabou de se referir a mim como uma coisa!? Eu sou uma presa!? Quanta insolência!
— ... Nesse caso, nós iremos entregar a Qualificação de Entrada da Senhorita Belew para você. Em troca, você não consideraria trabalhar ao nosso lado? Ter alguns camaradas seria vantajoso para você na Festa Noturna.
— Eu recuso.
O garoto rude rapidamente rejeitou a proposta. Ele nem mesmo parou para considerar a oferta que lhe fora feita.
— ... Por que? Não é como se houvesse alguma desvantagem para você.
— Eu não gosto da ideia de depender de dez homens.
Ele ergueu a mão na direção da garota vestida com o quimono. Em resposta à energia mágica transmitida, ela chutou o golem para longe. O enorme corpo do golem parecia ter mais de três toneladas, mas ela o mandou longe com a mesma facilidade com que chutaria uma bola de borracha.
Ooooooh, lá se foi a galeria.
Capaz de se mover novamente, Sigmund abriu suas grandes asas, como se quisesse avaliar as condições de seu corpo.
— Eu vou agrupá-los por aqui. Eles não estão acostumados a trabalhar junt—
Ele não pode terminar a frase. O barulho de uma grande explosão se sobrepôs ao que ele disse, e ele acabou engolido por uma enorme rajada de fogo em um flash. Uma bola de fogo havia atingido o jovem rude por trás.
— Consegui! Ha! Bem feito por deixar sua guarda baixa!
Houve um grito de alegria. Virando-se rapidamente, havia um único estudante que comemorava alegremente em meio a multidão. Ao seu lado estava um autômato bruxa. — Uma equipe de emboscada, por assim dizer.
O fogo desapareceu. O que deveriam ser os restos carbonizados dos dois jovens surgindo da fumaça que se dissipava... eram, na verdade, duas pessoas completamente ilesas.
A garota havia cobrido seu mestre. Uma menção especial deve ser feita a sua notável resistência. Ao contrário de seu quimono, que fora levemente queimado, sua pele não tinha qualquer vestígio de queimaduras!
Sem nem ao menos olhar na direção da equipe de emboscada, o garoto disse apenas ‘Vá’. A garota vestida com o quimono avançou em um piscar de olhos, aproximando-se da bruxa.
Surgindo logo abaixo dela, deu-lhe um chute na mandíbula.
A bruxa fora lançada mais alto do que o prédio da escola, quebrando-se no meio do ar.
Que energia explosiva! Então, novamente, ela conseguiu fazer o golem voar longe.
— O que há com esse garoto... Será que ele poderia ser... forte? Ele está apenas na milésima ducentésima trigésima quinta posição, certo?
A multidão estava agitada. A agitação da multidão alcançou o time de pessoas insolentes, as quais começaram a ficar nervosas.
— O autômato desse cara é de primeira classe! Esmague o marionetista ao invés disso!
O mestre do portador da estrela da manhã gritou. Parecia que ele era o líder da gangue. As pessoas insolentes seguiram seu comando, e começaram a ir em direção ao marionetista.
O cavaleiro de armadura atacou com sua lança, e o golem usou seus enormes punhos de ferro.
— Woah!
O jovem rude de um leve salto, esquivando-se e pousando delicadamente no chão.
— Atacar o marionetista não é contra as regras da Festa Noturna?
Dizer isso fora inútil. A gangue de insolentes continuou seus ataques.
— Bem, se é isso que eles vão fazer, acho melhor eu fazer algo do meu lado também—Kouen Juuniketsu! (12 Grilhões de Luz e Fogo)
— Sim, senhor!
Recebendo o comando, os movimentos da garota mudaram. Com a força de uma explosão, ela chutou o golem, fazendo-o colidir com o cavaleiro de armadura como uma bala e, então, correu na direção dos inimigos.
A cena que se desenrolava diante de seus olhos estava além da mais louca imaginação de Charl.
Ia contra toda a sabedoria e bom senso da maquinagem tradicional. Era um estilo de luta completamente não convencional.
O jovem rude seguia logo atrás da garota. Pegou um pedaço do autômato que a garota havia acabado de destruir e o atirou, ela fez uma espécie de finta e o pedaço de autômato atingiu em cheio um dos inimigos.
Com o inimigo desequilibrado, surgiram brechas em sua guarda, permitindo que a garota lhe desse um chute devastador. O poder das pernas da garota facilmente destruiu o corpo do autômato, espalhando peças por todos os lados.
Aqueles movimentos eram apenas o par se movendo em sincronia.
Ele desafiava o senso comum, mas não ia contra ele. Como tática de batalha, aquela era, certamente, eficiente em termos de produção e, também, bastante racional.
Charl estalou a língua. Um marionetista de terceira categoria? Ele estava mentindo!
Enquanto ele se movia, os movimentos de sua boneca não ficavam nem um pouco mais lentos.
Para controlar um autômato daquele jeito, uma grande força—energia mágica era necessária.
Então, ao menos, ele deveria ter tido uma quantidade considerável de treinamento.
(Então os orientais tem esse tipo de formação de batalha...?)
Enquanto Charl olhava com espanto para a batalha em curso, Sigmund sussurrou em seu ouvido.
— Charl.
— ... Entendi.
Graças aos movimentos do jovem rude ao redor deles, a atenção da gangue de insolentes estava completamente voltada para ele.
Charl começou a acumular energia mágica, permitindo que ela fluísse pelos circuitos mágicos de Sigmund.
Poder começou a se acumular, e ela esperou. Assim que todos os inimigos ficaram alinhados,
— Canhão Raster!
Uma torrente feroz de luz jorrava da mandíbula de Sigmund.
Era semelhante ao sopro de fogo dos dragões lendários. Uma luz tão brilhante que chamuscava as retinas. Junto com a explosão de luz, as moléculas na atmosfera foram aniquiladas, gerando um grande efeito de vácuo.
O feixe de luz estendeu-se por vinte metros, antes de rapidamente se deteriorar, perdendo seu efeito. Entretanto, aquilo havia sido o bastante. Os autômatos da gangue de insolentes haviam sido atingidos na explosão. Alguns perderam um braço ou uma perna, havia até mesmo alguns que haviam tido a metade do corpo destruída.
As partes atingidas derreteram como doces. O que restava das peças apresentava um brilho estranhamente suave.
A batalha havia sido decidida. E eles tinham perdido.
O jovem rude também percebeu que eles estavam derrotados, já que todos os dez autômatos estavam fora de combate.
Os alunos ao redor ficaram sem palavras. Sem sair do lugar, todos estavam estupefatos.
— Assustador. Os rumores estavam corretos; Vocês realmente possuem um poder estupidamente forte.
O jovem rude falou em tom de brincadeira. Ele também tinha um sorriso mais gentil em seu rosto.
Que pessoa irritante. Se ao menos ele também tivesse sido atingido pelo Canhão Raster.
— Não cometa o erro absurdo de pensar que eu precisava de ajuda.
— Sim, bem, você não me parece o tipo de garota que precise ser salva.
— O resultado não mudaria mesmo se um pervertido como você estivesse aqui ou não. Isso também vale para sua boneca ali.
Por um momento, Charl, silenciosamente, encarou o par. Em seguida, seu humor mudou um pouco, e ela falou em tom mais suave.
— ... Hmpf. Em todo caso, me diga seu nome.
O jovem rude riu e, então, apresentou-se.
— Eu sou um marionetista do Japão, Akabane Raishin.
— Da mesma forma, Yaya.
— ... Não, não há nada de similar sobre nós.
— Nesse caso, eu sou Yaya, esposa dele.
— Não é isso também! Eu não vou escrevê-la no Registro de Família nem nada assim, ok!?
Charl riu com desprezo para o garoto confuso—seu nome parecia ser Raishin.
— Rye? Sheen? Que nome esquisito.
— Não é como se eu gostasse disso! Além disso, saiba que em meu país ele é escrito com os caracteres de ‘trovão’ e ‘verdade’!
— Não importa. Vamos acabar logo com isso, uma vez que irei esmaga-lo em uma fração de segundo.
Ela estendeu a mão para Sigmund, mantendo o fluxo de energia mágica entre eles.
Raishin não se moveu. Ele permaneceu olhando fixamente em sua direção. Seu olhar não se direcionava para ela, no entanto. Ele olhava para Sigmund.
E então.
— ... Vamos parar.
Ele virou-se abruptamente. Os alunos começaram a murmurar entre si, tão surpresos quanto Charl estava.
— Eu perdi o interesse. Vamos continuar de onde paramos hoje em outro momento.
Fora uma razão egoísta. Charl tremia de raiva.
— Você está brincando...? Você é aquele que me desafiou e agora está fugindo...
Não permitindo que ela terminasse, algo brilhou em sua mão esquerda.
Ele havia pego algo circular do suspensório em sua cintura, e jogado no chão em seguida.
Uma pequena explosão deu lugar a uma grande quantidade de fumaça.
A fumaça branca tomou completamente a área. Parecia ser uma bomba de fumaça, um produto do Japão, a Terra dos Ninjas.
Com a ponta de sua asa, Sigmund afastou para longe a fumaça. Nesse tempo, porém, o par já havia se distanciado muito deles. Saltando facilmente sobre a multidão de pessoas, eles correram para longe.
A única coisa que poderia ser concluída é que ela havia os deixado escapar completamente.
— ... Que covarde.
— Eu me pergunto, será que é isso mesmo?
Emitindo uma luz deslumbrante, Sigmund retornou a sua forma menor.
— O que você quer dizer?
Sigmund baixou a voz de modo que as pessoas ao redor não pudessem ouvi-lo, e respondeu a Charl.
— Eu acho que ele deve ter notado a minha lesão.
Ele moveu a asa para mostrar a ela.
— Isso dói?
— Eu só preciso de três dias para me recuperar.
Uma lesão faria com que ele não conseguisse voar tão bem quanto gostaria. Se ele assumisse sua forma maior, seria um peso ainda maior.
Charl não havia notado isso, mas o jovem tinha?
Nesse caso, ele havia parado a luta por perceber que Charl estaria em desvantagem...?
— ... Então, ele realmente é um covarde. Apenas um frango ingênuo não atacaria um inimigo em seu ponto fraco. —A Festa Noturna é uma luta implacável pela sobrevivência. Um lugar no qual a pessoa que eliminar todos os obstáculos no caminho, conseguirá tudo. Um idiota pervertido como ele será o primeiro a ser esmagado.
— Devo dizer você parece estranhamente interessada nele.
— Por que você diz que eu estou interessada nele?
— Se você realmente não estivesse interessada, por que perguntaria seu nome?
— Bem, isso é—
Ela parou. Agora que ele mencionara, era mesmo estranho. Era algo difícil de se explicar.
No fim, Charl terminou a frase, irritada.
— Oh, fique quieto. Ou então eu vou trocar seu franco por milho.
Endireitando os ombros, ela foi em direção à cafeteria.
Os alunos em volta, abriram caminho para ela. Assim, com várias perguntas sem resposta e um pouco de mal-estar restando, o movimentado intervalo para o almoço chegou ao fim.
Naquela noite, dentro de um dos quartos do Dormitório Tartaruga.
Raishin atirou-se e rolou na cama, sem conseguir dormir.
— ... Parece que eu não estou acostumado a isso.
A cena do almoço estava queimando em seu crânio. Peças espalhadas por toda a parte, assim como autômatos destruídos. O sentimento que tinha durante a destruição, e a resposta aborrecida dele.
Raishin sacudiu a cabeça, afastando a náusea que se aproximava.
— Você disse alguma coisa?
Enquanto saía da lavanderia, Yaya virou-se com um sorriso no rosto.
—Não. Só pensando que este lugar está tão devastado, que se você chutasse uma parede o lugar todo desmoronaria.
Ele apontou para uma rachadura no teto imundo.
O ar mofado lhe enchia os pulmões, e olhar para a fuligem nas paredes o deprimia. Embora Yaya tivesse lavado os lençóis, a cama rangia ruidosamente, tornando impossível dormir tranquilamente.
Ele pensou que se acostumaria com isso em três dias, mas aquele não era o caso.
Na verdade, ele havia notado que quanto mais tempo passava ali, maior ficava sua insatisfação.
— Bem, eu acho que ele é espaçoso... e é melhor do que ter apenas uma cama.
Murmurando para si mesmo, Raishin virou-se na cama.
O quarto media 12 metros quadrados, e tinha um closet e uma mesa de estudos. Como ele fora construído para receber dois alunos, havia uma segunda cama no lado oposto do quarto.
— É verdade, Raishin. Castigo Divino vem para aqueles que não fazem nada.
Yaya sorriu feliz.
Mesmo que eles estivessem sozinhos, Yaya estava estranhamente mais alegre do que de costume.
— ... Você está feliz por não termos um colega de quarto, não está?
— Sim <3
Ela poderia ser rotulada de obstinada ou tenaz, mas Yaya estava mostrando uma agitação estranha. Mesmo se tivéssemos um colega de quarto, quem sabe quais truques ela usaria para se livrar dele?
— Aliás, o que faremos amanhã? Você vai desafiar alguém outra vez?
— Eu pensarei nisso amanhã. Por hora, vamos dormir.
— Entendido. Boa noite Raishin.
Ela rastejou para a cama dele.
— Sua cama é aquela lá!
— Mas Yaya se feriu na batalha de hoje. E acho que me queimei um pouco também.
— O que uma coisa tem a ver com a outra!?
— Você não sabia? Nós autômatos funcionamos com a energia do marionetista. Quando estamos danificados, nos curamos mais depressa quando estamos próximos do marionetista.
— ... Agora que você mencionou isso, acho que pode ser esse o caso...
O desprazer de Raishin ficou evidente em seu rosto.
Yaya sentou-se ao pé da cama, olhando para ele com seus olhos de filhotinhos.
Olhando para ela, não haviam ferimentos externos. No entanto, ele não tinha ideia sobre seu sistema interno. Como ela mesma havia dito que estava ferida, ele perguntou-se se era mesmo verdade.
Se ela estivesse, então a culpa seria de Raishin. Esta batalha fora por causa de seu egoísmo.
— ... Acho que não se pode fazer nada, então. Já que é esse o caso, acredito que podemos dormir juntos.
— Ok. <3
—Entretanto, você não pode fazer nada estranho.
— Eu não vou. Não vou fazer nada estranho.
— Acho que eu me expressei mal. Não me toque.
— ... Tch.
— Você acabou de resmungar? Por que você está resmungando?
— Se um autômato fica em contato direto com o marionetista, ele se recupera muito mais rápido.
— Isso é uma mentira! Saia! Acho que vou dormir sozinho, afinal!
Yaya, que esperava por uma abertura, e Raishin, que mantinha sua linha de defesa até a morte. Fogos de artifício estouravam entre eles, até que um equilíbrio instável fora alcançado.
Assim, Raishin ficou a noite toda sem dormir.
A luz clara da lua iluminava o campus durante a noite.
Era uma da manhã. Todos os respeitáveis de decentes estudantes já estavam dormindo.
Estava tão tranquilo que poderia se pensar que todos haviam sido extintos, mas, em seguida, uma sombra escondida começou a se mover.
Nos arredores do jardim, dentro do bosque, escondido de eventuais olhares entre as árvores, um par de olhos brilhava em meio à escuridão.
A silhueta era vaga e indistinta. Engatinhava enquanto devorava algo de forma desordenada.
A coisa que a sombra devorava possuía braços, pernas e uma cabeça.
Seus olhos estavam abertos. Saltaram de suas órbitas, evidenciando seus aterrorizantes momentos finais e a morte dolorosa que sofrera. Uma grande bola de ferro havia sido deixada sobre suas pernas esmagadas, e uma substância parecida com sangue jorrava do local. De face para cima, o tronco havia sido canibalizado, fazendo com que se assemelhasse a um cadáver.
Entretanto, aquilo não era um corpo humano.
Debaixo de sua pele destruída, vários cabos e cilindros podiam ser vistos.
Era um autômato. A sombra estava devorando um autômato.
Rasgando o corpo, ele arrancou o circuito interno. Parecia um demônio, pois devorava entusiasticamente o corpo, chupando o excesso de óleo.
A sombra continuou sua refeição durante um longo tempo, terminando apenas quando o céu oriental começou a ficar claro.