Volume 1 – Arco 2
capítulo 35: Embate das bestas, parte 2: O gênio
Longe da clareira, num morro muito acima das árvores da floresta, havia uma casa. Nela, os examinadores podiam avaliar o potencial de cada um deles, tanto para preparar a terceira fase quanto para ver quais seriam as presas mais fáceis da segunda.
Dentre eles, Inasa encarava a luta de Ethan com um rosto inexpressivo. Aquilo chamou a atenção de alguns de seus colegas, que se pegaram atraídos por aquela batalha. Alguns dos mais experientes ficaram impressionados com a maestria como usava a espada, já outros, os mais perceptivos, olharam para o padre, tentando entender o porquê dele estar tão interessado na luta.
Helena pegou-se olhando para o amigo, tentando entender o motivo da animosidade que ele sentia contra o rapaz.
— Olha só, o garoto tem potencial. Não é todo mundo que consegue lutar nesse patamar. — falou Luxus, indo até onde estavam. Quando parou diante dos dois, assentiu para a meio elfa e ignorou o outro. — Talvez deva trazê-lo para o exército depois que passar no exame.
Era um homem alto, com a coluna reta e que vestia roupas militares. Tinha a insignia de sargento no peito, cabelo escuro com o topo amarelado, e olhos castanhos, junto da pele parda.
— Está bem confiante no sucesso dele… — Inasa virou levemente o rosto para si, os olhos sem compaixão e totalmente frios encararam-no. — O que fará quando ele falhar?
— E por que toda essa antipatia com o molequinho, Inasa? — Desta vez, a voz de Distra foi ouvida, o homem caminhou até os dois, com a mesma passada arrogante de sempre. Diferente de antes, agora vestia uma calça invés da bermuda e uma camisa desabotoada. — Talvez eu deva conversar com ele… Se o padrezinho de Seth o odeia, acho que viraremos bons amigos.
Nada disse, invés disso, voltou-se para frente, olhando com cuidado o próximo movimento de Ethan e arregalando os olhos assim que identificou a postura.
— Aquele movimento…
— Isso é alguma piada? Ele acabou de usar o Rasen Suisei? — Luxus pareceu ainda mais interessado no rapaz, tentando entender como a técnica de um Mármore poderoso como Suika foi acabar nas mãos de um novato.
“Como esperava de uma aberração desalmada…” pensou, apertando as mãos enquanto a raiva que sentia transparecia. “Não tem nada próprio. Nada que o defina… invés disso, precisa daquilo que não lhe pertence para alcançar algum resultado…”
O antigo esquadrão do Olho do Corvo observava com cautela o rapaz, cada um deles tentavam entender o que acontecia. Cada um deles chegando as mais diversas conclusões. Inasa, contudo, tinha uma certeza apenas.
“Ethan não deve se tornar um Mármore.”
Riu nervoso, sentindo a pressão sobre si.
Apontou a espada para frente, vendo como estavam rodeando-o, aguardando uma baixa na guarda e tentou imaginar uma forma de virar a situação. Sabia desde cedo que estaria em desvantagem, que não conseguir alcançar os Ciels acabaria deixando-o na desvantagem extrema…
Mas não esperava estar numa situação dessas. Não tão cedo assim.
— Então, não vai lutar a sério? — disse Rino, aproximando-se pela esquerda e fazendo com que travasse.
Sentia que um passo em falso e seria o seu fim… E estava adorando cada segundo disso.
— Você é realmente insano, sabia? Sabe, nossos ataques agora podem quebrar o chão e partir os céus… E você continua com esse mesmo sorrisinho no rosto? Até que ponto pretende nos insultar?
Sorriu com isso, adotando uma postura mais ofensiva, pronto para sacar a espada em um instante. Os dois ao seu lado notaram isso e correram em sua direção.
“Eles são rápidos…” percebeu, relaxando o corpo e pulando para frente, como se houvessem molas nos pés. “Mas só há um quem eu realmente quero enfrentar…”
O punho se chocou contra a Bento, criando uma onda de choque e fazendo com que os dois atrás de si olhassem surpresos.
Novamente, uma chuva de faíscas voava da troca de golpes, a pele dura como aço oferecia um obstáculo difícil de ultrapassar.
“Por que eu deveria tremer de medo?” Sorriu enquanto desviava de vários socos, cortando a carne do Touro, ainda que levemente. — Vocês são como um bufê enorme! Por que teria medo de comida?
Desviou de um golpe do lado esquerdo, uma voadora. Antes que pudesse ter a chance de punir o Leão, teve de bloquear um ataque do mais velho, um que o mandou voando.
Sentiu um puxão na consciência e então viu, mesmo sem ter nenhuma superfície com reflexo, o que lhe aguardava atrás.
“Ele quer me empalar, é?” Invés de tentar esquivar, permitiu que a mesma sensação de antes guiasse seu próximo ataque, vendo calmamente cada linha possível e selecionando quais caminhos seguir conforme lia o “Verdadeiro eu” do oponente.
Embainhando a espada, girou o corpo e, com um rápido movimento, segurou o chifre e cortou o ombro do Rino enquanto usava o impulso para subir.
Estralou a língua ao notar a ausência de sangue na espada. “Ele tá mais resistente.”
— Não me subestime! — A visão de outras três linhas apareceram para si, cada uma vindo do Leão. Desesperadamente, bloqueou aquela que brilhava mais intensamente e contra-atacar, tirando um pouco de sangue do corte profundo.
Seguido disso, virou o corpo novamente e usou os pés para desacelerar o movimento. Quando parou, correu de volta contra o Bestial.
— Patada Leonina! — gritou, cortando o peito do mesmo. Quando estava para finalizá-lo, precisou pular para longe ao ver mais sete linhas, quatro marrons e três cinzentas.
Bloqueou golpes e se afastou, sentindo mais e mais o peso mental daquela situação. Ainda que doesse, ainda que quisesse dormir, sentia que, se ao menos ficasse acordado mais um pouco, conseguiria ver algo incrível.
— Qual o problema? A comida esfriou? — gritou, correndo com o maior sorriso no rosto. Seu corpo estava no limite, mal conseguia segurar a Bento e sentia a consciência falhar a cada segundo.
Trocou golpes com o chifre de Rino, bloqueando cada linha e então desviando de outras diferentes, que apareceram do nada. Seguido disso, continuou desviando de mais ataques, até ver um ponto em específico.
Onde todas as linhas convergiam. Este era o princípio e o fim, a essência de sua habilidade “Nascido da Tinta” que quando combinada com a forma básica do “Mushin” e seu Status como Escolhido do destino, davam a ele um poder único de moldar o futuro.
— Irmãos! Afastem-se dele!
Um evento que só conseguiu experimentar uma vez, mas que lentamente lembrava a forma de usá-lo. Naquele momento, quando viu aquele único ponto, o que significava, Ethan avançou e gritou:
— Andorinha raivosa! E Onda frontal! — Pulando, deu uma estocada no peito do Leão e então, indo para frente com outro golpe igual. Ao acertar Rino, girou o punho num corte horizontal, enviando-o para longe com um corte profundo no peito.
Os dois não entenderam o que acabara de acontecer, apenas caíram de joelhos conforme a dor os corroía. Ethan caminhou para frente, sentindo as pernas bambas e a respiração descompassada.
O último ataque foi efetivo ao ponto de ter certeza que agora era um contra um, mas sentia-se incapaz de se mover. Mal podia olhar para frente, sentindo todo o peso da espada pela primeira vez em muito tempo.
“Isso é ruim…” pensou, segurando a bile na garganta. Assim como antes, o mesmo fenômeno fez com que experimentasse o vazio que o preenchia, que o afogava naquela maldita tinta, que tanto queria sair.
— Droga… quase caminhei até a luz naquela hora. — Virou-se para trás, incrédulo ao ver os dois se levantando. Sentiu um pingo de suor e tentou desesperadamente se mover para longe, mas não conseguiu.
— Hora de acabar com essa brincadeira… Irmãos! Vamos usá-la! — gritou Touro, fazendo com que os dois assentissem e se afastassem do jovem, entrando em posições de corrida e pulo.
— Mas o que… — perguntou, o enjoo dando lugar para um sentimento desagradável.
— Se não usar os Ciels aqui, vai morrer, aprendiz de Ittai! — disse, olhando para o jovem com expectativa. Vendo que não faria nada, suspirou. — Então você realmente era um farsante…
Um pensamento preencheu sua cabeça naquele momento. Uma única sensação de temor antes de ser mandado voando pela força dos chifres.
“Rápido… Se não tivesse bloqueado com a Bento…” Engoliu em seco e então viu outra linha se aproximando rapidamente. “Essa não… minha base…” Percebeu tarde demais que não conseguiria bloquear o ataque e, antes que pudesse montar um contragolpe, teve o cérebro chacoalhado com o impacto de um chute na testa, que o mandou voando para baixo.
Tentou recuperar o controle do próprio corpo, conseguindo mover o braço para a direita. Por sorte, puramente sorte, que fez esse movimento. Justamente por ele que não teve o coração esmagado pelo chifre do Rino.
Contudo, o ataque perfurou o seu pulmão, mandando-o para longe e fazendo com que cuspisse sangue enquanto rodopiava no chão.
Quando enfim parou, não conseguiu se levantar.
“Merda… eu vou perder? Aqui? Sem nem avançar para a próxima etapa?” Incrédulo, buscou força dentro de si para levantar, para lutar, mas não achou nada.
Aquele ataque era uma combinação que os irmãos criaram. Um golpe que os ajudaria a enfrentar alvos mais fortes que eles no trabalho de mercenários, criado numa época de paz no reino, um que fora feito exclusivamente para matar, para proteger a irmandade deles.
Um golpe que simbolizava uma união mais forte que o sangue. Um golpe que esperavam mostrar para Ittai, o herói de Vesta. Que acreditavam que lhes renderia até certo respeito do velho mestre caso um dia conseguissem o encontrar novamente.
Um dos motivos pelos quais Rino e Touro se tornaram mercenários foi para quando esse momento chegasse. O irmão mais novo, que nunca viu as façanhas de Ittai em ação, queria fazer algo com os mais velhos e, por esse motivo, seguiu-lhes.
Desse desejo profundo e sincero de encontrar um herói que nasceu aquela técnica…
Porém, era apenas isso. Uma técnica. Uma que, ainda que não pudesse replicar, Ethan podia facilmente dizer qual a fraqueza dela.
Era uma habilidade que descobriu depois de copiar o Rasen Suisei. Esta era a capacidade de dissecar uma técnica nos mínimos detalhes. Quando via, não só copiava-a como também entendia o processo que ela tomava, podendo ver facilmente o que trabalhava e, mais importante, quando contra-atacar.
Em essência, Ethan sabia que, se usassem a mesma técnica contra ele, ganharia.
O problema era ficar de pé.
— Antes de nós te mandarmos para o inferno, vou lhe conceder um último pedido… O que quer?
Parou para pensar. Tinha algo que queria saber, algo nascido de seu passado, quando era um jovem tolo…
Algo que trouxe um sorriso em seu rosto.
— Me diz… como Ittai salvou o reino de ocês…