Volume 1 – Arco 2
Capítulo 31: A chegada em Alamar
Quando parou o combate, começou a tossir, a bile subia a garganta, lentamente, quase como uma centopeia, rastejando lentamente até a boca.
“Por quê?” A pergunta que tanto buscava responder soou uma vez mais conforme o mundo tornava-se preto e branco. Como telas manchadas por tinta, sentiu seu interior ser preenchido por algo.
Algo que não era humano, algo que não era a alma que tanto buscava, que tanto invejava daqueles escolhidos pelos Ciels. Aquilo tentava escapar para fora, procurando não só sair pela boca como também rasgar o estômago e peito, escapando para o mundo e pintando aquelas cores tão vibrantes no mais profundo preto.
Sentiu o olhar preocupado de Hector sobre si e soou frio. Tentou agir como se nada o incomodasse, ignorando a multidão que se formou enquanto lutara contra o Mármore.
Não teve sucesso.
“Por quê?” perguntou-se de novo, sentindo lágrimas de frustração escaparem de seus olhos. “Por que me sinto tão vazio? Antes estava bem… estava satisfeito… feliz até… o que mudou?”
Sentiu algo tocar os pés, um líquido quente. Virou-se para trás e arregalou os olhos, sentindo todos os músculos paralisarem com o que viu.
— Kukuku…
Tentou gritar, mas a sensação de bile o fez ficar quieto conforme Agar se aproximava do corpo.
— Ele ainda está respirando, Ethan… — Engoliu em seco enquanto tentava em vão manter o equilíbrio. — Vamos, sabe o que tem que fazer, não é?
Olhou para a lâmina e então para o estranho que cortara a pouco. Sentiu um arrepio conforme a escuridão continuava a tomar o branco ao redor. Sentia-se perdido, como se não estivesse mais no controle.
Olhou para baixo, tentando manter a voz do lorde demônio longe. Teve um pouco de sucesso, porém foi breve. De repente, ouviu algo que gelou sua espinha.
— Entoe.
— O que?
— Entoe… Entoe o cântico.
Naquele momento de extrema confusão, sentiu algo dentro de si quebrar conforme mais e mais peças se encaixavam. Ante a pressão de todas aquelas vozes, todas ordenando que cantasse aquela maldita melodia, Ethan riu.
Começou de forma pequena, como um sussurro. Então, evoluiu para uma risada quebrada, até se tornar uma gargalhada demente. Riu e riu conforme as vozes gritavam mais alto, ao ponto do tímpano quase furar.
— Eu… Eu sou…
— Entoe!
— Entoe!
— Entoe!
— Sou aquele que anuncia o prelúdio do…
— Ethan! — Uma voz irrompeu a escuridão que se apossou de seu corpo, cortando a cortina que impedia-o de ver, permitindo que voltasse a consciência. Que enfim o vazio lhe deixasse. — Ethan… abaixe a espada.
Saindo do estado que estava, olhou nos arredores, surpreso com a expressão de todos. Estavam paralisados de medo…
Nisso, voltou-se para Hector, que parecia pronto para lutar, ainda que a contragosto. Sentiu um nó no estômago quando percebeu que o único amigo que tinha estava apavorado.
Olhou para a própria mão e, conforme a sensação horrenda do vazio desaparecia, mais percebia que aquilo que os deixara com medo era ele.
Ethan enfim percebeu o monstro que era e caiu de joelhos, um olhar perdido no rosto.
“Entendo… essa é a verdade sobre quem sou…” Ethan agora aceitava algo que desesperadamente queria poder negar.
Uma triste verdade sobre o mundo é o fato de que os homens temem aquilo que não entendem. Esse medo costuma, muitas vezes, dar lugar para o ódio. Ethan sabia disso.
Mesmo que crescesse numa situação relativamente boa, conseguia lembrar de, ao menos, três ocasiões onde presenciou essa natureza dos humanos, ainda quando criança.
E, para ele, só restava ser odiado. Não queria isso, nem ser temido, mas o primeiro e único amigo que fez mostrou-se incapaz de entendê-lo.
Nisso, continuaram viagem. Com o testemunho de Liza e algumas provas que acharam na cabana do Mármore, conseguiram provar sua inocência, não que importasse mais.
Ainda que todos agora soubessem que não era o assassino, não impediu que ainda tivessem medo. Que quisessem manter distância.
Ainda que fosse merecido, queria que isso parasse. Não queria ser visto com aqueles olhos, aqueles que deviam ser direcionados a monstros como Agar.
— Vem, vamos. — Nisso, seguiram viagem até chegar na vila, onde a caravana se separaria, com o grupo de examinados indo direto para Falbion.
Quando enfim chegaram na cidade portuária de Falbion, em Alamar, Ethan não pôde deixar de esquecer a tristeza que o atormentava. Ainda que o resto da viagem tenha curado boa parte do sofrimento, conforme olhava para a grandeza do reino, ficava mais e mais empolgado.
— Ei, o que é aquilo? E aquilo? E isso? E quem são aquelas mulheres bonitas?
“Parece uma criança na manhã de natal…” pensou Hector, indo até o amigo e tentando explicar da melhor forma que podia cada coisa, até empacar numa delas.
Especificamente, as prostitutas que chamavam os dois homens para o distrito da luz vermelha.
— E elas? Quem são elas?
— Bem… eu… — Engoliu em seco, tentando pensar numa forma de tirar a curiosidade do rapaz. Quando estava para falar a verdade, sentiu uma enorme pressão atrás de ambos e virou o rosto lentamente.
— Elas são bruxas — disse Liza, sorrindo enquanto segurava ambos pelos ombros. A força do aperto fez com que ambos suassem frio. — Elas te enfeitiçam e roubam toda a sua energia vital, deixando você uma casca do que era antes. Nunca deixe ser pego nos encantos delas.
Ethan assentiu, sentindo que qualquer outra resposta seria sua perdição.
— Bem… vamos ir para a área do exame? — Tentou dissipar a tensão que se instalou no grupo, sem sucesso, claro.
— Ainda não é hora. Temos dois dias até o início do exame. — Hector sentiu uma pontada de culpa quando viu o rosto desapontado do amigo. — Ei, não fique assim. Ainda podemos fazer outras coisas enquanto esperamos.
— Sério? Que tipo de coisa?
Hector sorriu enquanto colocava o braço sobre os ombros do amigo e o guiava para uma seção em específico da cidade.
— Me diz, Ethan, meu caro… Já visitou um cassino?
Demorou pouco mais de trinta minutos para acharem as cinco melhores casas de aposta que Alamar tinha a oferecer. Após entrarem, ficavam alguns minutos e eram expulsos.
— Como ousa me acusar de trapacear! Tem provas que fiz isso?
— Não quero saber se trapacearam ou não! Só tirem ela daqui! Essa mulher vai me levar a a falência!
— Se não aguenta, não devia ter deixado que qualquer um entrasse!
Ambos o dono e Liza continuaram discutindo. Este era o quinto cassino que visitavam e, para o espanto de Hector, era o quinto que a jovem limpava em menos de cinco minutos.
Ethan não sabia o que dizer. Ele sempre ouviu que a casa sempre ganha em jogos de azar. Ittai sempre lhe avisou que era perda de tempo e dinheiro, mas nunca viu alguém faturar tanto com o que era chamado de jogo de azar.
Pelo nome, sempre achou que uma hora a sorte da pessoa acabaria, mas aquilo não parecia ser o caso com a pequena curandeira.
Em contrapartida…
— Droga! Perdi tudo! — Um jovem adulto, que parecia ter vindo do extremo leste do mundo livre, continuamente perdera todos os jogos que participou.
— Vamos, rapazes! — puxou-os para fora dali, quando foram parados de novo.
— Por favor, jovem dama! Qual o seu segredo! — O homem perguntou, ajoelhando-se. Ele vestia uma camisa branca com botões da bambu e calça verde-escuro, com duas sapatilhas negras. Seu cabelo era longo e pele bronzeada, mas o mais marcante nele eram os olhos amarelos com fenda, quase como um dragão.
Ethan sentiu algo vindo dele. Não sabia o que era, apenas que era… familiar. Nostálgico até.
— Ethan…
— Também sentiu? — perguntou enquanto a jovem tentava se desvencilhar das mãos, indo ao ponto de chutar o rosto dele. Sorriu com uma ideia e pôs a mão no cabo da espada.
Hector sentiu uma enorme irritação e tentou impedir, mas antes que pudesse completar uma frase, o destruidor já havia se movido.
— Tem tempo para um duelo?
“Seu idiota!”
O homem olhou surpreso para o rapaz, em especial para a postura relaxada que tinha e suspirou. — Desculpe, não tenho interesse em lutar com alguém mais fraco que eu.
— Como é?
Hector suou frio conforme ambos se olhavam, cada um esperando que o outro se movesse ou cometesse algum erro.
— Além disso, prometi para meus aliados que não começaria nada até o exame acabar.
Ethan arqueou uma sobrancelha e sorriu.
— Espero ter a chance de te enfrentar lá então — sussurrou alto o suficiente para que o guerreiro ouvisse. — Meu nome é Ethan, de Cuckoo. E o seu?
Pareceu receoso em dar-lhe o nome, mas decidiu que, se não o fizesse, acabariam tendo que lutar ali mesmo.
— Zhan Long, do templo de Artas.
Nisso, saiu dali, indo em direção a outro cassino. Após estar longe o suficiente, ambos Hector e Liza deram um soco na cabeça do destruidor.
— Ei!
— Seu idiota! Acabou de se recuperar dos ferimentos que recebeu contra aquele examinador! Eu não vou cuidar mais de você se sair por aí se machucando.
— Sabe quem desafiou? — Hector tentou se acalmar e, vendo que tinha a atenção de ambos, tossiu na mão. — Quando trabalhava para a Guilda, um grupo de dez pessoas do nível dois foram mandados numa missão, lá na terra de Artas. Só um deles voltou com vida. O coitado nos deu um único aviso antes de sair da guilda… Se cruzarem com Zhan Long, corram.
Ambos engoliram em seco e Ethan sentiu um pouco de receio quando viu que a história ainda não havia acabado.
— Isso foi há cinco anos. Sem dúvidas um artista marcial daquele calibre continuou treinando. Se formos levar isso em consideração, não tenho dúvidas que ele é nível 3, no mínimo.
“Nível 3? Este é o mesmo nível do meu irmão… e como você sabe disso, Hector?” Nisso, olhou para Ethan, que estava completamente quieto, com um sorriso no rosto.
“Finalmente… uma chance de enfrentar alguém tão forte quanto o Jack.”
Após aquele encontro, o grupo foi para o hotel, onde passariam os próximos dias em preparação mental e física para o exame dos Mármores.
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