Volume 1
Capítulo 51: Entre Aliados e Amigos
— O quê? O que aconteceu? — perguntou Garta se levantando do chão após sofrer com o golpe da poderosa imperatriz, Lashir.
— Colth... — sussurrou Celina ainda se recuperando. Seus olhos se fixavam aos dois corpos ajoelhados no centro do altar, um frente ao outro, guardiã de Rubrum e guardião de Anima estáticos.
Koza já se aproximava da situação incomum com seus saltos rápidos. Perto o suficiente, sentiu a respiração Lashir e Colth, leves como se estivessem em um sono profundo.
O anfíbio continuou analisando a situação enquanto Goro, agora recuperado, também subia ao altar para acompanhar a situação preocupado:
— Colth, ele está bem?
A pergunta do homem foi ignorada por Koza, ainda não tinha certeza do que acontecerá, mas já tinha noção que aquilo era algo atípico e possivelmente preocupante.
Ao fundo do altar, Índigo mantinha-se calado assim como durante todo o combate que Lashir sofreu. Soturno, ele mal tirava os olhos do chão.
Celina se aproximou do centro do altar e repetiu a pergunta apreensiva e preocupada em direção a Koza:
— O Colth está bem?
— Ele está vivo, se é o que você quer saber.
— Ufa... — suspirou aliviado Goro.
— Mas isso, definitivamente, não é de todo bom — disse Koza concluindo seu diagnóstico sobre os corpos desacordados dos guardiões.
— O quê?! — Goro irritou-se confuso. — Seu sapo imundo, como é que isso pode não ser bom? Colth está bem ou não, afinal?
— Ele está bem, se eu conheço bem a magia de Anima, diria que ele está em um sonho agora — disse Koza sendo imediatamente alvo de olhares questionadores. Se antecipando as perguntas, ele continuou: — O problema é que ele está nesse sonho com a pessoa mais perigosa desse mundo. — Mirou os olhos para Lashir completamente desacordada.
— Entendi, estão compartilhando o sonho. — concluiu Goro lembrando-se do seu sonho estranho em que Colth fez parte.
— Bom, se ela está dormindo — Garta se apresentou à situação, coletou a adaga de Sathsai que foi largada por Colth ao chão e a apontou em direção a Lashir enquanto avançava seus passos com um objetivo único em mente —, então é a hora perfeita para acabar com isso.
Celina foi acertada pela angústia, se colocou entre o caminho de Garta e seu alvo.
— Não, você ficou maluca?!
— O quê? — Garta parou e encarou a guardiã com a cara fechada que só ela sabia fazer. — Saia da frente Celina, eu vou acabar com isso.
— Eu disse, não! — A garota se impôs elevando a voz.
— Celina? — Garta se assustou com o ímpeto dela, até onde podia lembrar, Celina era uma garota totalmente passível ao ambiente quando o assunto não se tratava de Aldren, mas esse não era o caso. Ficou confusa sem entender a reação áspera dela.
— Se ferir Lashir nesse estado, ela pode acabar perdendo a consciência de seus sonhos, o que faria a mente de Colth ficar presa lá no mundo dos sonhos pela eternidade.
— O que você quer dizer com “mente presa no mundo dos sonhos”? — indagou Goro sem tirar os olhos observantes sobre os dois corpos inconscientes.
Antes que Celina viesse a responder, Koza assumiu a fala:
— Resumidamente, nesse momento, a consciência de ambos se encontram em uma realidade diferente da nossa. Uma realidade criada apenas para acolher os sonhos e os anseios de Lashir. Destruindo essa realidade, suas mentes não voltariam a esse mundo, aos seus corpos. Em outras palavras...
— Colth seria um corpo sem consciência. — completou Celina pensativa e um tanto preocupada com aquela conclusão presumida.
— Sim — Koza concordou em tom lamentador.
Goro e Garta sentiram aquelas palavras. Só de imaginar em ver o amigo sendo um corpo vazio já lhes faziam mal, desviaram seus olhos pelo chão e mantiveram-se em um silêncio desconfortável por alguns poucos segundos que pareceram mais do que um minuto inteiro.
— Então, o que fazemos agora? — perguntou Goro levantando a cabeça em direção a Koza.
— Eu estou pensando, mas não consigo imaginar outra alternativa, a não ser deixar você protegendo esses dois.
— O quê? Por que eu? — rebateu Goro.
— Eu e Celina temos que cumprir nossa tarefa. Vamos atrás da Deusa de Tera.
Todos os outros foram minimamente surpreendidos por aquelas palavras convictas da criatura, se olharam tentando entender. Koza se antecipou e continuou em seu tom mais sério:
— É para isso que estou aqui. É para isso que você, Celina, está aqui. Para garantir a segurança de Tera, afinal você é a guardiã dela, certo?
A pergunta afirmativa de Koza surtiu um efeito imediato em Celina, ela se calou e se concentrou em deixar seus sentimentos de lado, seu olhar sem emoção retornou como há muito tempo não se via, simplesmente manteve-se existindo como se sua vontade fosse um mínimo detalhe.
Koza não freou as palavras, continuou:
— O problema são eles — disse e apontou com os olhos para Garta e Índigo ao fundo da sala, em seguida continuou seu assunto com Goro —, eles vão tentar algo, e a única coisa que posso fazer pelo Colth é torcer para que você o proteja.
— Espera, o quê? — Goro, novamente com as interrogações. — Você vai abandona-lo aqui?
— Eu agradeço pela ajuda de vocês, mas meu objetivo sempre estará acima de qualquer um de vocês. Somos apenas aliados, não pensem que somos amigos. Já estou fazendo muito deixando-os vivos.
— Seu filho da puta! Ele salvou a sua vida. — Goro se exaltou, franziu a testa e apertou os dentes.
Celina não reagiu e o silêncio mais uma vez renasceu. O rapaz balançava a cabeça negativamente mostrando os seus olhos cheios de raiva e descontentamento sobre Koza que retornou:
— E eu estou poupando a vida dele nesse momento. Lashir ainda está viva e a mente de Colth segura — concluiu o anfíbio desviando o olhar.
— “Segura”, porra nenhuma. Ele está preso com a guardiã de vermelho e esses dois vão tentar algo, você mesmo disse isso.
— Exatamente. A guardiã de Rubrum não está mais no caminho do meu objetivo, e esses dois também não. Ou seja, Colth não é mais problema meu.
Goro deu um passo para frente avançando com ódio:
— Seu...
— Parem vocês dois. — Garta o impediu determinada, o movimento que fez se colocando entre os que discutiam, fez a pequena criatura se preparar para um suposto combate. — Eu não sou problema algum, não vou tentar nada. Colth é meu aliado. Por que eu faria isso?
— Você é a guardiã de Finn, isso por si só já é motivo. — disse Koza encarando-a. — Mas além disso, foi você que entregou a localização da Celina, não foi?
Garta desviou os olhos acanhada. A pequena criatura reagiu de imediato:
— Eu sabia, e ainda tem a ousadia de dizer que não é o problema aqui.
— Garta... — sussurrou Celina deixando escapar a sua decepção.
— Esperem. — A palavra ecoou pelo anfiteatro, sua origem era o canto da sala. Índigo se apresentou com passos leves em direção ao grupo do centro do altar enquanto Koza se preparou para o combate mais uma vez. — A Garta não teve escolhas a não ser entregar a localização da guardiã de Tera. Ela fez isso para proteger uma criança.
O homem encapuzado da pele pálida parou diante de todos os outros com aspecto melancólico.
— Isso aconteceu mesmo? — perguntou Goro se intrometendo em direção a garota de preto.
Garta apenas acenou uma única vez positivamente com a sutileza que geralmente não tinha.
— Acha que eu vou acreditar nisso? É óbvio que é mentira. Você é o guardião que esteve no ataque à região Norte da capital, está tão metido nisso quanto a própria Lashir.
— Não é mentira — rebateu Índigo sereno, olhou para a guardiã de preto para se encher de determinação —, mas é verdade que Garta protegeu uma garotinha que é muito importante para mim. Tenho Garta como uma aliada.
— Grande coisa — desdenhou Koza —, e o que isso tem a ver com a sua história ser mentira ou não?
— Meus aliados sempre estarão acima de qualquer objetivo — respondeu prontamente sem qualquer sinal de desprezo, mas fez questão de colocar as palavras de forma antagônicas as ditas pela pequena criatura. — Além disso, você poderia acabar com isso agora mesmo, é só cortar a garganta de Lashir. Mas essa não é uma opção, não é? Você quer proteger a vida daquele rapaz também. No mínimo, você ainda tem esperança dele sobreviver, mesmo que sozinho contra aquela víbora da Lashir.
— Tsc. Colth é o guardião de Anima, matar Lashir nesse momento é matar ele, se eu fizesse isso, poderia iniciar uma guerra entre Anima e Tera, esse é o único motivo para eu não machucar Colth.
— Não, não é isso — discordou Índigo. — A verdade é que seria fácil cortar a garganta de Lashir e os laços entre Anima e Tera, mas seria difícil e doloroso de cortar a sua relação com um pupilo.
— Ele não é meu pupilo — rebateu Koza.
— Eu sei exatamente como é sentir algo sobre um aprendiz, seja orgulho ou preocupação, e ficou bem óbvio que é isso que você sente.
— Colth não é meu aprendiz...
— Negue o quanto quiser, isso não muda os sentimentos que tem sobre ele. E acredite, eu sei bem quais são. É por isso que sua decisão não pode ser a mais fácil.
Koza odiou por completo toda a situação, qualquer coisa que diria dali para frente não faria o mesmo sentido de antes. Índigo foi perspicaz em suas palavras, e ele havia de reconhecer isso, desistiu do embate.
— Façam como quiser, se matem ou se abracem, não me importo. Vamos, Celina. Temos coisas mais importante.
A criatura se virou em direção a saída e, aos saltos, caminhou apressadamente. A guardiã de Tera permaneceu, mesmo tentando evitar qualquer emoção e se esforçando para isso, não conseguiu deixar de pensar sobre o seu objetivo ali, seu papel.
— Vamos, garota — apressou Koza.
Celina chacoalhou a cabeça para deixar de lado seus pensamentos questionadores, retomou suas escolhas e concordou em seguir a criatura mandona:
— Tá, claro.
Koza saltou e se posicionou ao ombro dela quando passou, ambos deixaram o anfiteatro para trás em comum objetivo, a deusa de Tera.
Enquanto isso, Goro, Garta e Índigo ficaram sobre o altar frente aos corpos inconscientes de Lashir e Colth.
— Vou acreditar em vocês, mas se tentarem alguma coisa contra o Colth, eu acabo com vocês — alertou Goro cheio de dúvidas sobres os outros dois.
— Você não é o idiota que deu uma cotovelada no Aldren e derrubou ele na escalada do exame da Defesa? — perguntou Garta sem dar a mínima para o alerta ameaçador. — Eu achei que você fosse tipo um inimigo do Colth.
— Inimigo? Não, eu cresci com ele. Colth é só alguém que tenta me acompanhar, mas como eu sou muito superior, ele não consegue.
— Uau... — Índigo fez questão de mostrar suas sobrancelhas levantadas — Certeza de que o seu ego é superior ao dele.
Goro estranhou sem entender de fato onde o homem queria chegar com aquelas palavras, apenas se virou aproximando-se de Colth imóvel.
— Aí — Garta chamou a atenção de Índigo após pensar por um segundo calada — Valeu por... você sabe. Ajudar.
— Eu só retribuí pelo o que fez antes salvando a garotinha.
Garta acenou com a cabeça, um cumprimento que exprimia muito mais do que suas curtas palavras. Em seus pensamentos ela só conseguia pensar na sorte que teve. Índigo não era leal á Lashir, estava apenas sendo coagido a isso, se fosse o contrário, Colth já estaria morto.
— Certo, vamos resolver isso — disse o homem mirando seus olhos ao guardião de Anima enquanto se aproximava do centro do altar.
— Aguenta, Colth... — sussurrou Garta antes de seguir os passos de índigo.