Volume 1

Capitulo 1: A Executora

No interior em ruínas da igreja abandonada, se encontra um novo e estranho altar.

O altar não fazia parte da mobília originalmente. Pelo contrário, trata-se de algo provisório que Menou preparou para esta missão. Esta construção especial, usada exclusivamente pela Faust—membros da Primeira Classe que servem ao Senhor—utiliza do poder que flui por todas as coisas para se comunicar com outros em distâncias vastas, enviando sinais ao longo das veias de energia que percorrem por toda a terra.

Sobre o pedestal, está a imagem de uma mulher idosa projetada com Luz Etérea.

“Interessante… Então duas pessoas foram convocadas.”

“Exato, Arcebispa Orwell. O falecido confirmou a informação.”

A pessoa recebendo o relatório de Menou era uma mulher de idade com traços gentis que parecia estar na casa dos setenta. Cada fio de seus cabelos é branco puro, e ela se apoia em uma bengala por conta de suas costas curvadas. No entanto, a clareza em sua voz indica que ela possui mente e corpo sãos.

Orwell está na distante cidade de Garm, a antiga capital. Ela é uma importante líder da Faust, responsável por toda a paróquia.

“Parece que eles foram muito cautelosos com essa convocação. Este trabalho não será tão fácil, Srta. Menou.”

“Tudo bem. Afinal, é o meu dever.”

As Executoras são pessoas da terra santa, mesmo que não oficialmente. Tradicionalmente, elas não estão sob obrigação alguma de relatar seu progresso para esta nação, nem mesmo à arcebispa.

Porém, Orwell forneceu acomodações de diversas formas para as missões de Menou nesta nação. Até mesmo esta base de operações foi arranjada pela arcebispa. Em troca da sua ajuda, Menou ocasionalmente atualiza Orwell de seu progresso quando ela termina suas tarefas.

“Eu tentarei infiltrar o castelo real uma vez que determinar a localização do segundo alvo.”

“Muito bem. Eu apreciaria se você me contactasse novamente quando terminar.”

Os olhos de Orwell de repente suavizam enquanto ela nota sinais de que o relatório estava chegando ao fim.

“Assim que terminar o seu trabalho, fique à vontade para tirar um recesso. É a sua primeira vez de volta à sua terra natal em muito tempo, não?”

“Sim… verdade.”

Menou pisca, surpresa com a inesperada mudança de assunto. Por que a arcebispa sabia sobre seu passado? Ela procurou em sua mente por uma resposta. Havia apenas uma possibilidade.

“Arcebispa Orwell… Por acaso quer dizer que se lembra daquele incidente?”

“Como não? Apesar de ter acontecido há dez anos, eu jamais poderia esquecer daquela cidade ou da garota que sobreviveu àquilo. Deixou uma sensação profunda, entende?”

Orwell é da mais alta patente da Faust nesta nação, tanto em nome quanto na realidade. Ao contrário de Menou, que vive como uma Executora, Orwell salvou muitas pessoas como parte de seu serviço público como uma mulher da igreja.

Suas capacidades foram especialmente clarificadas no incidente de Erro Humano que ocorreu dez anos atrás.

O desastre, no qual uma cidade inteira desapareceu, foi a razão de Menou ter se tornado uma Executora. No dia em que sua cidade natal foi apagada, a pequena Menou conheceu a Arcebispa Orwell.

Apesar disso, foi apenas um brevíssimo encontro. Não é surpresa saber que Orwell se lembrava do incidente em si, mas Menou nunca imaginou que a arcebispa se lembraria de ter encontrado uma sobrevivente como ela.

“Portanto, Srta. Menou, eu adoraria ter uma boa e longa conversa com você futuramente.”

“Seria uma honra ter essa oportunidade… Agora, se me permite.”

Menou curva a cabeça respeitosamente para concluir a reunião.

A leve tensão deixa seus ombros e ela suspira. “Minha terra natal, né…?”

A conversa a fez refletir pela primeira vez em algum tempo. Ela tenta ver se consegue desenterrar algo dos profundos recantos de sua mente, mas não sente vestígio algum de nostalgia.

É verdade que Menou veio dessas terras. Mas a cidade na qual ela nasceu já não existe mais. Ela foi completamente dizimada pela fúria de uma Ádvena.

Aquele lugar foi varrido do mapa e das memórias de Menou. Tal é a natureza de um Erro Humano.

“...Não parece muito real.”

Claro que não. Desistindo de descobrir suas memórias, Menou vira a atenção para o assunto em questão.

Seu trabalho ainda não terminou. Com olhos apertados, ela deixa a igreja pela lacuna vazia nas ruínas.

O edifício é cercado por uma parede, a protegendo dos olhos de cidadãos por fora. Menou para no jardim degradado, chamando em tom de aviso.

“Mostrem-se. Eu sei que vocês estão me seguindo.”

Sentindo que não havia razão para continuar escondidos, os homens emergem das sombras.

São quatro. Todos homens fortes e de aparência perigosa, com espadas longas embainhadas em suas cinturas.

Intuitivamente discernindo suas identidades, Menou curva seus lábios em desprazer.

“Bons cavalheiros da Nobreza deveriam mesmo esgueirar atrás de uma jovem moça?”

“Chega de enrolação, Executora da Faust.”

Claramente, eles não estão interessados em conversar, e sabem de sua posição. Menou levanta uma sobrancelha silenciosamente.

A sociedade é dividida em três classes do reino:

A mais baixa é a Plebe, o povo comum que preenche mais de 90% da população.

Em seguida a Nobreza, que consiste de aristocratas e pessoas da realeza. Eles supervisionam a administração e governam a Plebe.

E finalmente, a santa Faust.

Não é surpresa que os rapazes tenham captado sua posição social. Isso já era óbvio considerando suas roupas.

Mas o fato deles saberem que ela é uma Executora, era outra história.

“Então eu suponho que vocês sejam da Ordem dos Cavaleiros.”

Nem Menou e nem os homens estão dispostos a confirmar ou negar suas posições.

Mesmo entre a Nobreza, apenas cavaleiros possuem permissão para carregar uma espada em público. Claro, esses forasteiros poderiam ser criminosos medíocres que estão em posse de armas ilícitas, mas isso é duvidoso a julgar pelos desenhos dos brasões proeminentemente destacados nas empunhaduras de suas espadas.

“Os cães de guarda de seja lá quem convoca Ádvenas, então.”

“Não pretendemos lutar com você.”

Enquanto Menou os escarnece, os cavaleiros são mais realistas.

“Você já assassinou o nosso alvo. Agora você deve arrumar seus pertences e deixar esta nação de uma vez. Não é agradável ter alguém como você por essas partes.”

“Que pena. Ainda não pretendo partir,” Menou rejeita. “Receio que ainda tenho outro trabalho a fazer.”

Assim, os cavaleiros assumem novas expressões pela primeira vez.

A reação deles confirma a teoria de Menou baseada na informação obtida pelo garoto.

“Entendo. Me perguntava porquê vocês iriam atrás de um Ádvena, mas parece que vocês não são tão acéfalos quanto eu pensava. Imagino que estavam cientes de que não conseguiriam esconder seu ritual da igreja.”

“…”

Os cavaleiros relaxam suas expressões, mas era tarde demais.

Dos diversos tipos de conjuração, convocar um Ádvena exige um ritual particularmente grande. Sua invocação requer a conexão das duas veias astrais—a veia celeste e a veia da terra—que canalizam o poder essencialmente pertencente à energia vital do planeta. A igreja constantemente vigia as veias astrais, uma vez que se trata de algo essencial para a sobrevivência da humanidade. Seria tudo, menos impossível, que eles não notassem a perturbação causada por um ritual desse porte.

“Então vocês planejavam cortar um dos dois desde o princípio. Aquele garoto era uma isca para satisfazer as Executoras… Vocês o convocaram para que eu o aniquilasse. Correto?”

Quando a Arcebispa Orwell os avaliou como sendo “cautelosos,” foi isso que ela quis dizer. A intenção deles devia ser: deixar uma Executora matar um dos Ádvenas e assumir que a missão foi concluída. E o cavaleiro a advertindo para ir para casa estava aqui para garantir isso.

Mas eles não anteciparam que sua isca saberia da existência de outra Ádvena.

“Que truquezinho patético.”

Menou os encara com olhos afiados, fazendo um dos cavaleiros franzir.

“Se pelo menos matar um a tivesse satisfeito e a feito regressar…”

Nitidamente, eles repararam que não havia como resolver tudo na conversa.

É comum a Nobreza desafiar e se erguer contra a Faust. Como a Faust age como supervisora da Nobreza, há uma desavença entre ambos.

“Mas algo ainda não bate. Vocês realmente pensaram que escapariam da nossa investigação?”

Menou expõe suas dúvidas em voz alta, parcialmente para manter o inimigo falando.

Esse plano não os teria ajudado a evitar uma punição da igreja, mesmo que fosse um sucesso.

Independente da Executora assassinar o alvo ou não, a igreja já estava ciente de que alguém convocou um Ádvena. A Nobreza responsável ainda seria oficialmente julgada pela Faust.

Provavelmente resultaria em um processo extenso seguindo procedimentos oficiais, mas a punição viria cedo ou tarde.

Como os cabeças com influência sobre todo o continente, a Faust possui mais poder que toda a Nobreza de uma nação. Não havia como eles esperarem evitar uma investigação para sempre.

A resposta veio de um dos cavaleiros.

“Sua majestade está preparada. Nós sacrificaríamos um Ádvena para esconder o outro das Executoras. Sua majestade sabia da possibilidade de ser até mesmo executado pela Faust—mas em troca, nós ganharíamos poder para nos libertar do controle despótico do seu Senhor…!”

“Ora, mas que nobre. Uma lástima que a Nobreza tenha novamente falhado com essa tentativa de martírio.”

Fim de discussão. Com os olhos brilhando, os cavaleiros sacam suas espadas.

No momento em que Menou soube que dois Ádvenas haviam sido convocados, o plano deles estava arruinado. Se quisessem obter sucesso, os cavaleiros tinham apenas uma opção.

“Agora que sabe nosso segredo, não podemos deixá-la escapar viva. Acabaremos com isso aqui e agora, cão da Faust!”

“...Bom, eu não me oponho.”

Por apenas um momento, os olhos de Menou miram no garoto morto dentro da igreja.

O pobre garoto foi convocado como isca para encobrir a existência de um segundo Ádvena. Um sacrifício para ela, uma vilã. Uma parte de um plano insensato.

Menou encara os homens à sua frente. “Não me incomoda nem um pouco livrar esse mundo de miseráveis podres.”

“Essa fala é nossa, sua assassina egocêntrica!”

Um dos homens grita e corre em direção à ela. Há quatro no total. Um deles parte para cima de Menou, enquanto os demais tentam cercá-la.

Menou está em uma desesperadora desvantagem numérica, mas não há resquício algum de pânico em seu rosto. Ela suavemente prepara a escritura em sua mão esquerda e a adaga em sua direita, sacando o poder que reside em seu interior.

Um leve brilho envolve todo o seu corpo.

Com sua força física potencializada pela Força Etérea, Menou lança-se ao primeiro inimigo, sem medo do alcance de sua espada longa. Os cavaleiros ao redor não ficam parados—um deles ataca com sua espada.

Menou o apara com sua adaga.

“Gah…!”

O cavaleiro grunhiu surpreso com a resistência que ele encarou, muito mais robusta que o esperado de uma adaga, ainda mais sendo empunhada por uma jovem garota.

O grande poder que preenche o mundo é produzido pelos Conceitos, que são a fonte das veias astrais, e esta flui por todo o canto do planeta. Conhecido como Força Etérea, este poder reside dentro das almas humanas e pode ser manipulado por aqueles com intensa fortitude mental para produzir infinitas possibilidades.

Menou a utiliza para compensar seu peso leve e menor força muscular. Isso a permite lutar em pé de igualdade contra homens com o dobro de seu tamanho.

“Sua pestinha…!”

Os cavaleiros utilizam da Força Etérea para elevar sua própria força, mas apesar disso, ainda não conseguem acompanhar Menou.

Comparados à jovem garota, a força física base deles é muito superior. Mas com seu uso natural de Aprimoramento, Menou é capaz de competir contra cavaleiros musculosos em combates próximos.

Sua estratégia é completamente diferente. Ela favorece movimentos rápidos, astutamente lançando fintas e esquivas ágeis para manter a distância engajada como sua vantagem. É um estilo de luta especializado em enfrentar múltiplos oponentes sozinha—e sobreviver.

Menou desvia de seus ataques com primor, nunca parando de se mover.

Com o uso proficiente de fintas e cautelosamente mantendo seus pontos cegos protegidos, ele repele quatro espadas longas com uma única adaga. Seus contra-ataques são mortais e impiedosos, com garantia de morte caso seus oponentes baixarem a guarda. Tanto pela mente quanto pelo corpo, é difícil acreditar que ela é apenas uma jovem garota.

Em apenas alguns minutos de batalha, o desfecho estava claro para ambos os lados.

Em uma batalha de quatro contra um, os cavaleiros têm uma leve vantagem. Mas eles sabem tão bem quanto Menou que o buraco é mais embaixo.

A garota não é apenas aterradora em combates próximos. Ela ainda não fez uso da habilidade que vem do seu status como alguém da Faust.

Em uma tentativa de derrotá-la antes que ela faça uso de seu trunfo, dois cavaleiros recuam do combate e buscam algo nos profundos recantos de suas consciências.

Suas mentes treinadas puxam de suas próprias almas o poder que tudo concebe.

O controle mental leva a Força Etérea até suas espadas, que são capazes de conduzi-la graças à cuidadosa ciência e desígnio de materiais. Então o poder surge nos brasões gravados em suas empunhaduras e produz efeitos especiais.

Força Etérea: Conectar—Espada, Brasão—Invocar [Espada Flamejante]

Chamas surgem das espadas.

Isso é conjuração, invocada usando Força Etérea. A essência de seu poder não é simplesmente aprimorar o corpo de um ser para artes marciais. Seu real valor reside em manifestar milagres superficiais em um processo chamado “conjuração.”

A energia se tornou fogo de acordo com o padrão do brasão, e vai em direção a Menou.

“…Tolos.”

Menou se permite sentir pena desses homens por um momento, que haviam pego distância para evitar de serem pegos pelas próprias chamas. No momento em que eles falharam em derrotá-la enquanto ainda mantinham a menor das vantagens, eles perderam qualquer chance de vitória que talvez tivessem, mesmo que mínima.

A escritura em sua mão esquerda brilha.

Força Etérea: Conectar—Escritura, 2:5—Invocar [Regozijai-vos, pois o muro que cerca um piedoso rebanho de ovelhas jamais ruirá.]

A Força Etérea tirada de sua alma e transmitida para a escritura, toma a forma de uma conjuração, e manifesta um fenômeno físico.

O que surgiu foi uma parede branca radiante, tão pura e limpa que desfigura-la parece algo impensável. A cintilante parede de luz bloqueia completamente as chamas produzidas pelos dois cavaleiros.

“Mas o quê—?!”

Eles ficam chocados pela enorme velocidade da conjuração e a quantidade massiva de energia pura pulsando da parede que apareceu.

As sacerdotisas da Faust são conjuradoras habilidosas, sem exceção. As escrituras que elas carregam consigo são livros de feitiços avançados, contendo magias de toda variedade e força. Por isso eles estavam sendo cautelosos desde o início.

Mas isso superou qualquer coisa que eles pudessem imaginar.

“I-impossível. Que raios foi isso?!”

“Foi tão rápido…! Ela conjurou direto da escritura—sem um brasão?!”

Uma forte vontade e profundo foco são requisitos para tirar energia da alma para uma conjuração. Para uso prático em batalha, é comum haver uma divisão entre linha de frente e retaguarda como os cavaleiros fizeram.

E conjurar direto de uma escritura é muito mais difícil do que usar um brasão.

Escrituras são recipientes com milhares ou até dezenas de milhares de brasões registrados, as contorcendo para que tomem a forma de letras. Um único brasão pode materializar energia de apenas uma forma, mas uma escritura é composta de milhares deles distribuídos em centenas de páginas. Para invocá-los, o usuário precisa focar sua Força Etérea na frase escolhida com precisão perfeita, delicadamente entrelaçando os fluxos de poder juntos para copular um feitiço até que se manifeste como um fenômeno físico.

Contudo, Menou nem sequer abriu sua escritura, continuando a fortalecer seus corpo com energia enquanto simultaneamente ativa uma peça complexa de conjuração. Executoras são escolhidas a dedo entre as melhores da Faust, mas isso ainda é um nível inacreditável de técnica.

Ao testemunhar esse extraordinário poder, um dos cavaleiros manifesta uma teoria.

“Uma escritura e uma adaga! E conjuração absurdamente rápida… Por acaso, você é a infame Flare?!”

“Isso é ridículo! Faz mais de dez anos desde quando aquele demônio perdeu o controle. Ela é jovem demais!”

“Correto. Flare se tornou Mestra há muito tempo.”

Menou se apresenta com um tom quieto e mortal, enquanto os cavaleiros ficam atordoados.

“Eu sou a obra de arte que a Mestra criou—sua sucessora, Flarette.”

A razão de Menou revelar desnecessariamente sua identidade é simples.

Enquanto ficaram distraídos ao saberem sua identidade, ela foi capaz de terminar de preparar seu ataque. A atenção de Menou voltou para dentro de si para sacar sua próxima erupção de poder, a qual agora foca nos homens.

Força Etérea: Conectar—Escritura, 3:1—Invocar [E o inimigo iminente ouviu o badalar do sino.]

O poder infundido na escritura na mão de Menou produz um feitiço.

“Avancem—!”

Quando um deles tentou gritar para alertar os outros, era tarde demais.

A energia de Menou flui pela escritura e estas se fundem, transformando-se em um sino feito de puro poder. O campanário, um símbolo que faz as pessoas lembrarem da santidade da igreja cada vez que ele badala as horas, paira sobre os cavaleiros.

O magnífico sino começa a balançar de um lado para outro.

Carregado com poder, um som alto o bastante para rasgar o ar ecoa. A onda de pressão resultante atinge os cavaleiros abaixo, destruindo seus corpos de dentro para fora. O único que escapou desse destino abominável foi o líder, que se deslocou para frente antes que fosse ferido. Sua hipótese de que o espaço onde a conjuradora se encontrava seria seguro estava correta—e fatalmente errada ao mesmo tempo.

Ele corre para frente com a única intenção de escapar, enquanto isso, Menou prepara sua adaga.

“Gah… Graaaah!”

“Heh.”

Pelo menos, ele tem coragem. Mas a postura do cavaleiro conforme ele corre, quase tropeçando em frente a Menou não era nem um pouco boa.

Menou bufa levemente, aparando seu débil golpe e se aproximando dele. Ela perfura um de seus pulmões e rins com sua adaga, em seguida puxa com uma torção.

“Agh…”

O cavaleiro tropeça para trás e cai no chão.

Um filete de sangue escorre da borda de seus lábios. Sua respiração fatigada soa como ar saindo de um saco furado, indicando sua morte iminente.

Estando ciente disso, o próprio cavaleiro encara Menou com olhos amargos.

“Por que vocês… usam o seu poder… para servir a um tal de Senhor…?”

“...Vou fingir que não ouvi seus comentários rudes sobre o Senhor.”

Menou coloca a escritura debaixo de um dos braços e levanta a adaga em sua mão direita, apontando diretamente para o coração do cavaleiro.

E então a leva para baixo, libertando-o de seu sofrimento.

“A—”

Suas últimas palavras seriam destinadas a sua família ou seu mestre? Ou talvez fossem palavras de ódio direcionadas à igreja?

De qualquer forma, a vida é drenada de seu corpo antes que ele pudesse compartilhá-las.

“Eu ainda sou a vilã, mas neste caso, eu não direi que você não fez nada de errado.”

Ele foi o único dos quatro que deixou um corpo intacto para trás. Menou se abaixa e fecha as pálpebras do cavaleiro.

“O que vocês convocaram foi um monstro muito mais aterrorizante do que alguém como eu… e ao mesmo tempo, uma criança mais normal do que eu jamais esperaria ser.”

O pecado de envolver alguém que estava vivendo pacificamente para usá-lo como seu próprio artifício é algo digno de suas mortes.

“Uma pena que quem o puniu foi uma vilã.”

Com olhos levemente melancólicos, Menou faz uma oração silenciosa por suas mortes.

Quando sua própria punição finalmente viria, e qual forma teria?

O pensamento pesa em sua mente enquanto Menou murmura uma reza pelas almas que foram mortas.

*

Uma vez que terminou suas preces, Menou abre os olhos lentamente.

O som de palmas suaves ecoam serenamente pela igreja, longe das evidências sangrentas de uma batalha.

“Incrível como seeempre, minha adorada e amada queriiida. Esses cavaleiros da Nobreza não tiveram a mínima chance! E você não os deixou encostá-la um dedo sequeeer. Magnífico.”

A voz que chega aos ouvidos Menou é doce, cadenciada e familiar.

Virando para encarar a fonte da pronúncia melosa, Menou encontra uma pequena garota vestida com uma versão branca de suas próprias roupas sacerdotais.

Seu cabelo rosa, suave e ondulado, está dividido em duas tranças curtas que esvoaçam delicadamente com a brisa. Embora suas luvas brancas que chegam até o cotovelo sejam modestas o suficiente, parte de seu uniforme foi modificado para um culote com babados que termina acima do joelho, dificilmente adequado para uma mulher santa.

Ao contrário de Menou, que exala uma clara maturidade, a garota sorridente possui um ar travesso de meiguice.

Ela se aproxima de Menou com um sorriso tão radiante que quase parece calculado.

“Sou eu, Momo, sua serva para toooda a vida!”

“Pare de se chamar assim.”

Menou suspira com a auto-apresentação bizarra, ela foca seus olhos em Momo.

A garota de cabelo rosa é apenas dois anos mais jovem que ela, mas é consideravelmente menor, o que apenas parece enfatizar sua fofura. Ela veste meia-calça por baixo de sua saia curta alarmante, decorada com uma marca na coxa que parece um coração com uma cauda adorável. Sempre que ela vê esse conjunto, Menou não consegue evitar de sorrir friamente, como se fosse realmente apropriado.

Momo é uma integrante da Faust, e serve como assistente da Executora Menou.

A cor branca de suas vestes sacerdotais refletem sua diferença de posição.

“Chegou na hora perfeita, Momo. Preciso lhe perguntar algumas coisas sobre a missão—”

“Ah, isso pode ficar pra depooois.”

“Como?”

Momo caminha até Menou inocentemente, ignorando-a. E então, ela despreocupadamente agarra a mão de Menou e a esfrega em sua própria bochecha.

“Ahhhh, finalmente estou reunida com minha queriiida! Agora, por fim eu posso me reabastecer com Etér-Menou!”

Momo aperta a mão de Menou e a esfrega contra seu rosto com um suspiro feliz, enquanto Menou parece fatigada.

“Escute, Momo. Eu quero saber—”

“Ah, querida, sua Momo não agueeenta mais. Eu sei que é pelo bem da missão, mas ficar longe de você é tão difííícil. Já fazem dois dias inteeeiros! Se fosse por mim, eu estaria ao seu lado toda hora de todos os dias de todos os anos, ou até mais se possííível. Sempre que tenho um trabalho sem você, me dói taaanto que eu poderia— Aiê!”

“Muito bem, já deu. Me solte, por favor.”

Booo. Tá bem.”

Menou deu um leve peteleco na testa de sua subordinada. Momo faz uma cara emburrada, mas relutantemente solta sua mão.

“E como eu sempre digo, você tem que parar de se denominar minha ‘serva.’ Você é minha auxiliar, lembra? E se as outras sacerdotisas interpretarem isso errado?”

“Nosso relacionamento ultrapassa e muito o de uma Executora e sua auxiliar! Eu sou sua amada serva! Eu a sigo e obedeço em nome do amooor! No mínimo, eu preciso ter certeza de que todos saibam, para que seja público e oficiaaal!!”

“Prefiro que não o faça…”

O discurso apaixonado e o balançar frenético dos braços de Momo ameaçam ser uma dor de cabeça para Menou.

Momo é encarregada de dar suporte à Menou em suas missões. Elas se conhecem desde crianças e treinaram no mesmo monastério. Então de fato elas compartilham algo que vai além de um relacionamento profissional de trabalho.

Na verdade, Momo não gostava de Menou quando se conheceram, mas apesar disso, se tornou muito apegada a ela com o passar dos anos, até que alcançou esse novo extremo.

“Mas ver você lutar é incrível, queriiida!”

Momo aparentemente testemunhou toda a batalha do início ao fim. Ela pressiona suas mãos nas bochechas e remexe seu pequeno corpo com deleite.

“Seu exímio manuseio com a adaga contra esses cavaleiros arrogantes, e o controle suave de seu poder que a permite conjurar tão rapidamente da escritura… Ahhh, você faz Momo se apaixonar por você tuuudo de novo. Não é à toa que você se tornou a Executora mais jooovem que já existiu! Eu te aaamo!”

“Esses cavaleiros deviam ter um mensageiro os acompanhando. Você o capturou?”

“Eu também adoro o jeito como você me ignora!”

A conversa nunca iria progredir se Menou criticasse os elogios exagerados de Momo. Porém, mesmo com Menou a encarando e pressionando com uma pergunta, o fervor de Momo não dá sinal algum de fraqueza.

“Se você não parar de brincar logo, eu ficarei brava, você sabe. Só me responda de uma vez.”

Assim que eles identificaram Menou como uma Executora, os membros da Ordem dos Cavaleiros devem ter tentado passar a informação para seus superiores. Sem dúvida, a razão deles terem conversado com Menou antes da batalha foi para ganhar tempo para o mensageiro. Ela tinha certeza de que alguém devia ter sido enviado ao castelo.

“Tááá. Já pareeei.”

Momo finalmente deu uma resposta direta. Como elas se conheciam há muito tempo, ela sabia quando estava começando a passar do ponto.

“Um cavaleiro à espreita correu assim que você entrooou na igreja, mas eu cuidei dele. Sua identidade está intacta!”

“Ótimo.”

Menou confia nela para cuidar das coisas, mas ainda foi um alívio ouvir que sua missão não foi comprometida.

Apesar de seu comportamento bobo, Momo é uma excelente auxiliar. Menou sabe que ela não deixará nada passar despercebido.

Os membros da Ordem dos Cavaleiros são altamente treinados em batalha, até mais do que qualquer outro da Nobreza. Eles não são o exército pessoal da coroa, mas sim a força militar disciplinada da Segunda Classe, geralmente servindo como forças de segurança em aldeias e cidades.

Portanto, não haviam muitos cavaleiros os quais o rei desta nação pudesse contratar e confiar certas informações sem a igreja descobrir.

“Nós devemos conseguir encobrir os detalhes de nossas atividades por um tempo, então. Mas como matamos vários cavaleiros, é seguro assumir que eles sabem que estamos agindo—ou em breve saberão. Precisamos elaborar um plano para infiltrar o castelo real antes do dia acabar.”

“Deixa comiiigo. Eu analisei o castelo e estudei sua arquitetura por diiias. Eu tenho uma boa ideia de onde a Ádvena pooossa estar.”

“Sabia que podia contar com você. Bom trabalho, Momo.”

“Tee-hee.”

No final de tudo, Momo sempre vai além do seu dever. Menou acaricia sua cabeça, fazendo a outra garota abrir um enorme sorriso e se aconchegar na mão de Menou.

“Vamos nos livrar desses corpos e desenvolver o nosso plano.”

“Sim, senhora.”

Após um momento de lamentação de perder o toque da mão de Menou, Momo começa a se livrar dos corpos espalhados.

“Mas saaabe, quando você estava bancando a boazinha com aquele Ádvena, você era a garota mais fofa do muuundo. Foi só uma meia performance, é? Me lembrou de como você age nos dias de fooolga.”

“Você já estava assistindo desde aquela hora…? Eu certamente não acho que sou tão boba.”

Menou sorri e balança a cabeça.

De fato, ela se comporta distintamente quando está em missão e nas horas privadas, porém mesmo a verdadeira Menou nunca é tão aberta e sociável. Ela apenas incrementou uma personalidade mais vívida para que conseguisse fazer o garoto baixar a guarda.

“O truque para fingir sem levantar suspeitas é ser amigável e demonstrar suas emoções genuínas. Se aproximar da sua verdadeira face faz parecer mais natural. Como aquele mês em que jejuamos e não comemos nada além de sal.”

“Ah, verdade. De todos os treinamentos bizarros pelos quais passamos, aquele foi o mais esquisito de todos…”

“Concordo. Eu quase suspeitei que fosse puro entretenimento da Mestra…”

As duas cresceram no mesmo monastério, então ambas compartilham de diversos traumas.

“Mas eu não gosto da ideia de você mostrar sua face interior para uma entidade tabu, queriiida.”

“Hmm? Por que não?”

“...Por naaada. Ah, enquanto fazemos isso, darei um jeito na limpeza, também. O fato é, eu te amo mais do que tuuudo no mundo!”

“Ah, é? Então todo o seu lisonjeiro foi apenas um ato para baixar minha guarda?”

“Você sabe que isso não é verdaaade! É amor cem por cento puuuro!”

Conversando amigavelmente enquanto mantém suas vozes baixas o bastante para não serem ouvidas além das paredes da igreja, as duas terminam de se desfazer dos corpos e retornam para dentro da base.

Embora o clima esteja pacífico, elas nunca abaixam sua guarda.

Logo, elas começam a discutir um plano para eliminar a próxima Ádvena.

*

A reunião de Menou e Momo em um dos quartos da igreja foi notavelmente séria.

Elas elaboraram uma rota de infiltração baseada nas informações de Momo e simularam situações como preparação para imprevistos.

Quando Menou termina de desenvolver uma estratégia minuciosa baseada nas informações de sua auxiliar e começa a colocá-la em ação, ela acaba vestida com um uniforme de empregada.

“Hee-hee. Querida, ficou óóótimo em você.”

“Não diga isso… por favor.”

Momo sorri alegremente, mas Menou não sabe como se sentir vestindo roupas adornadas.

Menou está prestes a partir para o castelo real. Como suas vestes sacerdotais chamariam muita atenção, Momo preparou um uniforme de empregada para ajudá-la a se misturar.

Experimentando o alcance de seus movimentos nessas vestes, Menou segura as bainhas de sua longa saia.

“É extremamente bem feito…”

“Tee-hee. É um traje extra-especial que criei para você com tooodo amor e carinho.”

O tecido de alta qualidade foi cortado sem uma falha sequer à vista, e a exímia costura deixaria um profissional sem palavras. Cada emenda do forro interior foi perfeitamente colocada. De fato, é tão impecável que é quase assustador.

Menou mal consegue acreditar que Momo fez isso sozinha. Foi cuidadosamente fabricado com mobilidade fácil em mente, ao ponto de talvez ser mais confortável do que suas próprias roupas usuais.

“Obrigada por se dar ao trabalho. Apesar de que, se eu pudesse usar Camuflagem Etérea para alterar minhas roupas, você não precisaria passar todo esse tempo criando-a realmente.”

Camuflagem é uma técnica que utiliza Luz Etérea.

Um usuário experiente pode alterar as cores do brilho que envolve o seu corpo durante o Aprimoramento. Não faz muito sentido mudar de uma única cor para outra, mas alterações minuciosas podem criar ilusões de ótica ao redor do corpo, tornando possível que o usuário desapareça pelos arredores ou até mude sua aparência completamente.

Se Menou estiver imóvel, ela é capaz de projetar a aparência de outra pessoa. Camuflar movimentos em tempo real é consideravelmente mais difícil. Portanto, a única forma dela usar um disfarce é preparando vestes reais.

Dito isso, Momo não parece incomodada com a tarefa que Menou a designou. Pelo contrário, ela parece maravilhada de ver sua mentora em uma roupa de empregada.

“Tudo beeem. Não se preocupe. Eu fiquei feliz de fazer essas roupas para você, queriiida!”

“Digo, você poderia apenas ter procurado por algo já feito… Na verdade, é impressão minha, ou isso está elaborado até demais?”

Definitivamente era uma roupa de empregada, mas a saia foi costurada com bastante tecido extra para criar plissados, e havia babados ondulantes ao redor da bainha. Parecia um pouco adorável e extravagante demais para ser prático.

Menou não queria reclamar após pedir esse favor a Momo. Mas como ela arranjou tempo para fazer algo de tamanha qualidade, enquanto coletava informações para infiltrar o castelo? Era um total mistério.

A resposta de Momo, no entanto, é simples.

“É estilo.”

“Isso é necessário? Não acho que roupas projetadas para serem disfarces precisam ser estilosas.”

“É muuuito necessário! Qualquer coisa que você vista precisa ser!”

Momo cerrou seus punhos intensamente, embora não seja ela quem precisa se vestir. Como uma fanática teimosa e apaixonada, ela claramente não está disposta a ceder neste assunto.

O que eu faço com essa garota? Menou ponderou brevemente, mas não era hora para um debate bobo. Ela desiste de entender Momo e avança para o próximo tópico.

“Bem, não deve acarretar em problemas para a missão, então acho que tudo bem. De qualquer forma, talvez você devesse aprender Camuflagem. É muito conveniente, uma vez que pode executá-la enquanto aprimora seus poderes.”

“Você é suspeita de falaaar. Afinal, você é a única que aprendeu essa técnica bem o suficiente para usá-la em combaaate.”

“Sério? Eu tenho certeza que você é capaz de aprendê-la, se tiver o devido tempo, Momo. Você é bem-dotada.”

“Não é pra taaanto. E como foi nossa instrutora que inventou, você sabe como deve ser estranho.”

Menou continua observando a si mesma vestida naquelas roupas, brincando com a saia. O avental até possui um bolso interno do tamanho perfeito para guardar sua escritura.

Invocar uma conjuração requer um intermédio. Uma escritura é especialmente útil, uma vez que serve como intermediário para diversos tipos de conjuração, mas carregar um abertamente vestindo uma roupa de empregada seria suspeito. A adaga que Menou mantém amarrada em sua coxa tem brasões para invocar feitiços simples, porém devido à natureza da materialidade, esta só possui duas. Ser capaz de carregar sua escritura em segredo é a solução perfeita.

“Você realmente se empenhou nisso. Com certeza não posso reclamar—Hmm?”

Fora Etérea: Conectar—Escritura, 1:1—Invocar [Transcreva o milagre perante os meus olhos, pois este deve ser registrado.]

Enquanto Menou coloca sua escritura no bolso interno e testa o quanto isso afeta o equilíbrio de seus movimentos, ela vê de relance um brilho sutil do canto de um de seus olhos.

Foi tão breve que muitas pessoas assumiriam que foi apenas imaginação. O usuário deve ser incrivelmente talentoso para construir e invocar seu poder tão sorrateiramente.

Mas nada passa despercebido por Menou. Ela rastreou a conjuração até a origem e se virou para encarar a culpada.

“...Momo. Responda-me honestamente.”

“Hmm? O que seria, queriiida?”

“Hee-hee. Entre você e eu…”

Menou troca repentinamente de um tom interrogativo para um sorriso doce e sedutor. Imediatamente, o rosto de Momo também relaxa.

Então, Menou utilizou de seu momento de fraqueza para trazer à tona a sua dúvida.

“Por acaso você acabou de gravar uma imagem minha na sua escritura?”

“Como assiiim?”

Momo é notavelmente boa em fingir inocência, com seu adorável sorriso nem um pouco oscilante.

Como uma auxiliar de Executora, é de esperar que Momo mantenha essa expressão. Sem dúvida ela é capaz de realizar qualquer missão que envolve atuação sem percalço algum.

A interrogação de Menou falhou, no entanto havia mais evidências circunstanciais do que o suficiente.

A suspeita e a investigadora ficam em total silêncio por um momento, com sorrisos estampados em seus rostos.

No instante seguinte, ambas brilham com Luz Etérea.

Usando poder tirado de suas almas para aprimorar suas capacidades físicas, as duas começam uma luta de agarramento mais rápido do que um olho normal pudesse acompanhar.

“Apenas arranque a página do capítulo um, versículo um e me dê! Já estou no limite com esse seu hábito de tirar fotos minhas sem permissão!”

“Não pooosso. Sua Momo nunca arrancaria uma página da escritura.”

“Essa é a desculpa mais descarada que já ouvi! Nós duas sabemos que suas notas em teologia eram as menores da nossa classe!”

“Está bem, eu admito que as palavras do Senhor não significam nada pra mim, maaas isso é um registro divino de fotos suas! Nada poderia ser mais sagrado do que minha fé e amor por você. Eu nunca a deixarei arrancar uma pááágina!”

“Largue de teimosia!!”

Os movimentos de Menou são mais suaves, mas Momo possui vantagem de terreno. Como ela já estava próxima do buraco gigante na igreja, Momo foi capaz de escapar para fora com um movimento veloz, conseguindo por pouco manter sua escritura longe das mãos de Menou.

“Ufa, salva pelo buraaaco!”

Momo pula do jardim e fica sobre o muro tão agilmente quanto um gato, e então abre seu livro. Uma das várias funções desse livro de magias é que este permite ao usuário registrar imagens estáticas com Luz Etérea. Nas páginas, tem uma versão miniatura de Menou rodopiando em seu vestido de avental como estava fazendo momentos antes.

“Hee-hee. Modéstia à parte, ficou maravilhosa. Você fica ótima com aquela abertura vistosa em suas roupas normais, é claaaro, mas variedade é o tempero da viiida. Mais uma para a coleçããão!”

“…”

Enquanto Momo dá um sorriso radiante para ela, Menou finalmente fica sem expressão.

Força Etérea: Conectar—

“Ah! Ha-ha-ha. Por agora eu me despeço, queriiida. Nos vemos novamente quando a missão terminaaar!”

Ela deve ter detectado o perigo quando Menou silenciosamente começou a carregar sua escritura com poder. Com um último sorriso, Momo rapidamente disparou em retirada.

Vendo sua assistente desaparecer, Menou range os dentes frustrada.

“Ela sempre desperdiça seus talentos…! O que eu faço com ela…?”

Com um enorme suspiro, ela reflete sobre o encontro.

Momo se comportou mais ou menos como de costume. Aquela quantidade excessiva de bajulação e contato íntimo é o padrão dela.

Embora ela sempre brinque assim, ela agiu de forma um pouco mais ridícula que o usual.

As únicas vezes que Momo realmente encheu o saco de Menou e passou da linha, foram logo depois de missões particularmente desagradáveis.

E Menou acabou de assassinar uma entidade tabu que não passava de um garoto inocente.

“Ela estava preocupada comigo…?”

Graças a Momo, o humor sombrio de Menou dissipou consideravelmente.

Quantas pessoas haviam demonstrado tanta afeição por ela desde quando se tornou uma Executora? Seu posto significava que ela não deveria receber gentileza, mas apesar disso, Momo sempre sorri para ela e a toca como se fosse perfeitamente normal. Ela não hesitou em colocar a mão de Menou em sua bochecha, mesmo estando manchada de sangue.

Menou mexe com seu rabo de cavalo enquanto reflete a raridade de tal evento, mas quando ela pensou mais cuidadosamente sobre o comportamento de Momo, seus olhos ficaram afiados.

“Tem outra questão em jogo. Eu suspeito que ela agiu além do que o de costume.”

Simplesmente, seus sentimentos de gratidão voltam a se tornar irritação. O comportamento rotineiro de Momo continua sendo um problema.

“Hmph. De qualquer forma, uma vez que a missão acabar, eu terei que dar uma olhada na escritura de Momo.”

Menou resmunga para si mesma enquanto retira o avental de suas roupas de empregada, ficando apenas com um simples vestido preto.

Chegou a hora. Ela tem que deixar de lado o momento aconchegante criado por sua assistente, a qual relaxou a tensão de seus ombros.

Menou deixou a igreja pelo portão da frente. Piscando os olhos com o sol poente, a Executora andou em meio a multidão nas ruas e se dirigiu ao castelo real para localizar a Ádvena.

*

Esgueirar-se no castelo é uma tarefa simples para Menou.

Ela memorizou a planta do edifício de antemão, além da rota que Momo havia traçado.

Menou prossegue com minucioso cuidado ao se infiltrar no castelo vestida de serviçal. As informações de Momo eram extensas e quase impecáveis, principalmente quanto à patrulha dos guardas. Enquanto ela continua indo mais fundo no castelo, sendo cuidadosa para evitar ser notada, ela encontra um quarto fortemente vigiado.

Bingo. Se sentindo grata por sua assistente talentosa, Menou localiza os guardas vigiando o quarto à distância e discretamente os nocauteia com conjuração.

“Agora…”

Ao deitar o último guarda inconsciente no chão, Menou vira sua atenção para o seu objetivo, o quarto.

Ela está em uma área do castelo diferente da qual está o quarto contendo a Ádvena. A parte mais profunda do castelo real possui alas nas quatro direções, com um pátio de jardim no centro. Convenientemente, os guardas estão vigiando o quarto da Ádvena na ala do outro lado do jardim.

Como foi construída para vigiar os convocados, o quarto tem uma visão muito boa do alvo.

Menou cruza os braços, e pondera sobre a melhor maneira de infiltrar o quarto. Ela poderia simplesmente ir pelo corredor e entrar pela porta da frente, porém tomaria mais tempo. Ao decidir que rapidez é de extrema importância, Menou fixou seu olhar na varanda fora do quarto.

A Executora saca a adaga que estava amarrada em sua coxa. Os ornamentos nela não são apenas decorativos; são brasões, um intermédio para conjuração.

Ela escolhe um dos dois brasões gravados na adaga e o carrega com poder.

Força Etérea: Conectar—Adaga, Brasão—Invocar [Fio Etéreo]

Um fio finíssimo emerge do desenho na adaga.

Ela utilizou de um dos brasões para criá-lo.

“Hfft…”

Ela expira brevemente, em seguida arremessa a adaga. Ela se enrola na cerca de proteção da varanda, bem como Menou planejou. O fio emite uma luz tênue, mas graças ao sol poente, é praticamente invisível.

Menou também enrola o fio em sua mão algumas vezes por segurança. O fio é forte o bastante ao ponto de mesmo alguém com poder aprimorado ter dificuldade em parti-lo, então o mesmo pode suportar o peso de Menou sem problemas. Ela o puxa um pouco para assegurar que a cerca suportaria seu peso, então impulsionou sua força e pulou sem hesitar.

Segurando-se no fio, Menou se entrega à gravidade e balança pela distância.

*

Akari Tokitou suspira enquanto apoia seu queixo nas mãos.

O quarto para o qual ela foi levada, onde ela foi instruída a descansar pelo resto do dia, é escandalosamente luxuoso.

É repleto de antiguidades autênticas, sendo usadas como mobília normal. Não há tecnologia de ponta, apenas palpável peso e significância histórica—algo absolutamente desconhecido para uma garota moderna como Akari. O castelo majestoso pelo qual ela foi levada no caminho até o quarto era igualmente avassalador.

“Acho que estou em outro mundo…”

Ela tenta murmurar isso para si mesma, mas não parece nem um pouco real.

Ela estava a caminho do colégio quando foi subitamente transportada para um mundo desconhecido e recebida com extravagância. Todas as pessoas que ela encontrou até então foram gentis com ela, mas ela não teve uma impressão muito boa deles.

De alguma forma, ela simplesmente sabia que: Eles estavam deliberadamente dizendo exatamente o que ela queria ouvir.

Parece que eles fazem tudo que podem para evitar de responder suas perguntas, e é quase certo que eles estão retendo informações dela. Apesar de ambos os lados conseguirem se entender, parece que não há uma real comunicação. Essas pessoas estão sendo cuidadosas em esconder seus sentimentos de Akari.

Foi assim que ela soube que havia algo errado.

Mas não é como se ela tivesse algum apego por sua vida no Japão também.

Nem um pouco. Ela fecha os olhos, recordando de eventos dos últimos dias.

Fosse em casa ou na escola, não havia uma única pessoa na qual ela pudesse confiar.

“Hff…”

Akari suspira levemente.

Este mundo pode ser diferente, mas ela ainda é a mesma. Ela não terá encontros dramáticos futuramente, disso ela tem certeza.

Mesmo neste mundo, ninguém estará ao seu lado.

A noite está chegando. O que ela estaria fazendo se ainda estivesse no Japão neste momento? Ela vasculha suas memórias, mas após os eventos acelerados do dia, ela mal consegue se lembrar da noite anterior.

Definitivamente, tem algo errado.

Desde o primeiro momento em que ela abriu seus olhos neste mundo, algo parece fora do lugar para ela. As engrenagens não estão bem alinhadas. Frustração raspa em seu peito, tocando um acorde dissonante.

Se ao menos ela tivesse algum tipo de encontro fatídico que mudaria sua vida.

“O que vai acontecer comigo…?”

Akari não faz ideia do que virá.

Quando ela se deu conta, a tarde estava se tornando um céu vermelho-escuro. O sol se pôs atrás do horizonte, indicando a chegada da noite. Este mundo é diferente. Durante o dia, é o mesmo céu azul de sempre, mas talvez ela veja algo novo quando a lua e as estrelas surgirem.

Será que a realidade de que ela está em outro mundo finalmente a alcançaria? Se de fato ela sentir que é real, talvez algo mude.

Sua curiosidade a leva até a varanda.

“Eh?”

Naquele momento, uma jovem mulher vestida de empregada aterrissa suavemente na cerca da varanda, como se tivesse caído do céu.

Ela é linda; seus cabelos castanhos-claros, tão claros que quase derretem na vermelhidão do sol poente, amarrados para trás com um laço esvoaçante. Assim que Akari põe os olhos nela, ela sente como se o tempo tivesse parado.

Tick. Um som como os de uma engrenagem de relógio estala em seu peito.

*

Seus olhos se cruzam quase que à queima roupa.

“……”

O encontro inesperado foi tão espantoso que até Menou congelou por um momento sobre a cerca da varanda. Nem mesmo a Executora experiente esperava que seu alvo saísse para a varanda justo no momento de sua chegada.

“Hwuh?”

Akari jamais imaginaria que esta recém-chegada estaria aqui para matá-la. Com olhos arregalados, ela pisca para a pessoa em sua varanda.

“Er. Então. Você é empregada de quem, exatamente…?”

“Não sou empregada de ninguém.”

A pergunta soou absurda para Menou, mesmo ao se lembrar de que estava vestindo um uniforme de criada. Esta garota claramente vivia em paz, se a sua falta de temor por uma óbvia intrusa fosse alguma indicação disso.

Menou se recupera rapidamente, seus pensamentos acelerados.

Tentando passar um senso de urgência, ela prontamente faz sua voz soar tensa porém com um tom de pânico ao se dirigir a garota espantada.

“Você é—a garota que foi convocada de outro mundo?!”

“Hã? Ah, um, sou sim.”

“Entendo. Graças a Deus!”

Menou já nocauteou os guardas que estavam vigiando este quarto. Com ciência de que ela não seria ouvida, ela observa a garota, analisando suas respostas.

A jovem moça estava usando uma tiara sobre seu cabelo escuro cuidadosamente preservado, o qual chega até seus ombros. Seus olhos pretos e redondos fazem seu rosto parecer um pouco mais novo, características que indicam que ela não é das redondezas.

Este é quase que seguramente o alvo de Menou. E ela está vestindo um uniforme de marinheira, uma das marcas registradas entre as roupas usadas por estudantes de escolas japonesas—uma Ádvena.

Por baixo da echarpe de seu uniforme, seus seios são notavelmente grandes. Não é à toa que ela deixou uma impressão no garoto que Menou encontrou horas atrás.

No entanto, não é totalmente impossível que ela fosse uma substituta ou uma dublê.

Menou a pressiona com perguntas rápidas, deixando a garota sem tempo para pensar.

“Qual escola você frequenta? Em que ano e em qual turma está?!”

“Iih?! Eu sou Akari Tokitou, do colégio Nishichou! Primeiro ano! Turma três!”

Sua resposta saiu naturalmente em tom de grito. Informações sobre o Japão são estritamente confidenciais, então se ela estivesse fingindo, teriam sido perguntas difíceis de se responder instantaneamente.

Eu não perguntei o seu nome, Menou pensa, irritada. Menou prefere evitar qualquer informação que possa arriscá-la a ter um elo emocional com o alvo, uma vez que ela irá assassiná-lo no momento oportuno.

“Muito bem. Akari Tokitou, né…? Akari, então. Meu nome é Menou.”

Se ela conseguiu responder o nome de seu colégio, ano e turma tão prontamente, então ela deve ser quem Menou procura. Agora que ela sabe seu nome, decidiu que talvez seja melhor usá-lo para fazer o alvo confiar mais nela.

“Ah, está bem. Menou, não é? Prazer em con—Espera, hein? Por que você…? Quê?”

Deve ter sido confuso ser questionada sobre sua turma e ano neste mundo. Os olhos de Akari arregalam, então Menou se aproxima para igualar seus rostos e segura sua mão.

“Eu sou uma integrante da Faust. Nós viemos lhe tirar daqui, Akari.”

“Fau…quê—? C-como assim? Você acabou de cair do céu, e agora vai me levar embora?”

“Você está sendo enganada pela Nobreza desta nação.”

“Quêêê?!”

A voz de Akari soa meio-confusa e meio-pasmada.

Não foi uma reação ruim, pensou Menou. Ela não negou imediatamente a alegação de que estava sendo enganada. Isso significa que a Nobreza que convocou Akari ainda não havia conquistado sua confiança.

“Escute, Akari. A verdade é que, havia outro como você.”

“Outro…?”

“Eu sabia. Eles não lhe contaram… Havia outra pessoa convocada do Japão para este mundo, um garoto. Ele descobriu os planos da Nobreza e fugiu. Ele despistou seus perseguidores e conseguiu escapar até a igreja, mas seus ferimentos já estavam além de tratamento…”

Menou faz uma expressão grave e abaixa a cabeça. À essa altura, ela não sente hesitação alguma em mentir para obter vantagem sobre o alvo.

“Porém, em seus momentos finais, ele nos contou sobre você. Não fomos capazes de salvá-lo, mas pelo menos salvaremos você!”

Sua história estava repleta de furos, mas no momento, precisava apenas ser consistente. Agindo com mais urgência, Menou a pressiona.

“Você deve possuir algum tipo de poder, não? Essas pessoas estão tentando te usar.”

“T-tenho sim. Eles me disseram algo sobre isso, me fizeram testá-lo algumas vezes e, um… Basicamente, eu posso curar os ferimentos das pessoas, ou algo parecido. Eles provavelmente estão tentando tomar vantagem disso…?”

“Exatamente.”

Simples assim, Akari entregou a informação que Menou queria: Sua habilidade envolve cura.

Te peguei, pensou Menou, no entanto ela não deixou isso transparecer e continuou falando.

“A Nobreza desta nação não é boa gente. Eles são aristocratas que irão encontrar um meio para se beneficiar de qualquer poder, até mesmo uma habilidade tão gentil como a sua cura. Então precisamos sair daqui agora!”

Akari suspende a respiração com as palavras de Menou.

Ela não estava sendo necessariamente persuadida pelo que Menou estava falando, mas estava se deixando levar pelo senso de urgência. Confirmando sua análise das emoções de Akari, Menou sorri para ela calorosamente.

“Não se preocupe, Akari. Eu estou do seu lado.”

O rosto de Akari demonstra desorientação de alguém que não está conseguindo acompanhar a situação. E de repente, fica com um leve tom de rosa.

Algo que Menou disse parece ter alcançado seu coração, pois os olhos de Akari brilham enquanto ela pega firmemente a mão de Menou.

“Está bem, eu confio em você!”

Com isso, Akari vira as costas para Menou e volta para dentro do quarto. Imediatamente, Menou desfaz a conjuração de seu brasão. A adaga, que estava presa à cerca, chega às mãos de Menou enquanto o fio desaparece.

“Obrigada. Eu farei de tudo para provar que sou digna de sua confiança!”

Retornando a adaga para as amarras em sua coxa, Menou segue Akari, saindo da varanda e entrando no quarto.

O motivo dela ter enganado Akari com suas palavras meigas foi por precaução aos poderes da garota.

Ao contrário dos cavaleiros, os quais a força e estratégia eram fáceis de deduzir, até mesmo o Ádvena mais inexperiente pode esconder o potencial para destruir Menou com uma única habilidade. As chances são muito imprevisíveis para arriscar uma luta franca.

Portanto, sempre que Menou entra em contato com eles, ela finge ser uma aliada à primeira vista.

E agora, ela já tem conhecimento da habilidade do alvo.

“Me siga pelo corredor.”

“Certo!”

Tendo iludido seu alvo através dessa breve conversa, Menou anda à frente de Akari e cuidadosamente lidera o caminho pelo corredor.

Akari está completamente vulnerável. Mesmo se Menou a atacasse de frente, não seria possível que esta Ádvena pudesse derrotá-la. E como agora ela sabe que sua habilidade não pode ser usada para prejudicá-la, não há mais razão para adiar.

Virando a curva enquanto guiava Akari pelo corredor, Menou aprimora seus poderes e pula direto para cima.

Quando Akari virou a mesma curva momentos depois, ela não vê Menou em lugar algum, e instantaneamente começa a entrar em pânico.

“Quê…? Hã?! Menou…? Pra onde você—? Iih!?”

Da perspectiva de Akari, ela deve presume que algo caiu em cima dela. Menou pulou assim que estava fora de vista, caindo sobre os ombros de Akari com os joelhos e todo seu peso.

Incapaz de resistir ao ataque surpresa, Akari cai de cara no chão. Ouviu-se um doloroso creck—ela deve ter batido a testa no chão—mas Menou não se importou com isso. Ela segura a cabeça de Akari com seus joelhos, mantendo-a no mesmo lugar, e enfia a adaga em seu pescoço.

Uma pessoa normal morreria instantaneamente antes mesmo de sentir dor, mas Menou ainda se lembra do que aconteceu mais cedo. Sem condições de negar a possibilidade do alvo sobreviver a todas as circunstâncias, ela pula imediatamente para longe depois de esfaqueá-la.

Força Etérea: Conectar—

 Como ela suspeitava, Menou sentiu a ativação desse poder como havia sentido com o garoto.

Ela fica longe o bastante para que Akari não a perceba e observa a garota atentamente, com sua escritura e adaga a postos.

A garota disse que possuía poderes curativos. Ela pode tentar restaurar seu próprio corpo da beira da morte.

S?T?i?K???Puro Conceito [Tempo]—

 Luz Etérea envolve o corpo de Akari conforme a conjuração começa.

O que está acontecendo? Menou mantém seus olhos fixos na formação antinatural de Luz Etérea.

Enquanto Menou observa com ansiedade, as partículas vibrantes lentamente começam a tomar forma, mudando do caos para uma figura precisa e inacreditável.

Reluzindo na escuridão, os motes de luz tomam a forma de um relógio de pêndulo.

A hora marcada é a atual.

Tick. Bem diante dos olhos de Menou, o ponteiro do relógio retrocede.

Invocar [Regressão]

 Um instante depois, o relógio explode.

A luz espalhada desvanece, fazendo os olhos de Menou piscarem… e então ela ouve uma voz vindo de onde a luz estava.

“Aaiii…”

Era Akari.

Ela estava gemendo, seus olhos lacrimejando com a dor. O mais estranho de tudo, ela não está com as mãos na nuca, onde Menou havia esfaqueado; ela está esfregando a testa que havia colidido com o chão.

“O-o que foi isso?! Alguma coisa caiu em cima de mim! E onde está a Me—? Ah, você está aí!”

Akari olha em volta, ainda lacrimejando, e ao se levantar encontra Menou.

Tudo que Menou podia fazer era observar silenciosamente a garota que estava vindo em sua direção.

Em nenhuma circunstância isso poderia ser considerado “cura.” Nem um pouco.

Não há sequer uma cicatriz onde Menou enfiou a adaga. Na verdade, até o sangue que havia manchado o uniforme de marinheira se foi.

“Menou, você está bem?! Eu pensei que você tinha desaparecido, será que foi imaginação minha?! Bom, tanto faz! Vamos continuar!”

“…Vamos.”

Por sorte, Akari parece não ter ideia da estranheza que acabou de acontecer.

Até onde Menou pôde notar, a consciência de Akari parece ter voltado logo após a sua morte. Não há indicação de mentira ou fingimento.

É tecnicamente possível que Akari seja uma atriz ainda melhor que Menou, mas de alguma forma essa teoria parece inverossímil.

Entre a estrondosa Akari na sua frente e a conjuração bizarra que Menou acabou de testemunhar, uma certa hipótese se forma em sua cabeça.

Nenhum machucado. Ressurreição. E a Luz Etérea que se manifestou na forma de um relógio.

Parece impossível… mas e se sua habilidade não fosse cura? E se fosse…

“...o Puro Conceito de Tempo?”

“Hmm? Disse alguma coisa, Menou?”

“…Não.”

Foi tudo que Menou pôde fazer para evitar que seu rosto entregasse algo.

Uma habilidade que interfere com o próprio tempo. Akari deve ter Regressado para o momento antes de Menou a esfaquear e matá-la.

Uma habilidade completamente ilógica. Uma habilidade que previne uma pessoa de morrer.

Menou está de cara com uma impossibilidade—mas ela rapidamente se recompõe.

“Ainda bem que você acordou logo. Está tudo bem, Akari?”

“Um, s-sim. Estou ótima. ‘Acordou’, é…? Quer dizer que eu desmaiei?”

“Sim. Você foi atacada de repente… Eu derrotei o inimigo, mas sinto muito por não tê-la protegido.”

“Não precisa se desculpar!”

A expressão de preocupação de Menou e suas palavras foram suficientes para convencer Akari da falsidade de seu desmaio.

“Obrigada por me salvar… Me desculpe por estar lhe atrasando.”

“Você também não me deve desculpas. Eu sou uma profissional—você é a vítima aqui.”

Após Menou conversar com Akari para manter sua confiança, ela pensa sobre o que fazer a seguir.

“Você foi atacada porque eu falhei em protegê-la. Sou eu quem deve se desculpar. Mas fico feliz que esteja bem. Vamos prosseguir. Está machucada? Se estiver, é só falar.”

“Estou, minha testa dói!”

“Ah-ha-ha, entendi.”

Mantendo seu sorriso, Menou estende a mão para Akari.

“Vamos tirar você daqui.”

“Está bem!”

Nesse momento, Menou não tem meios para matá-la.

Neste caso, ela não tem escolha a não ser ficar ao seu lado até ela descobrir um método. Ela precisará manter o controle sobre a Ádvena e seu Puro Conceito, vigiando para ter certeza de que Akari não causará dano algum, mesmo que por engano. E além disso, ela precisa fazer tudo sem que Akari suspeite dela.

“Ah, é mesmo. Antes de escaparmos, eu posso falar uma coisa, Menou?”

“Do que se trata, Akari?”

“Eu sei que pode soar estranho dizer isso do nada, mas… sabe, eu estou muito feliz de tê-la encontrado.”

“Está?”

“Estou. Por algum motivo… encontrar você me fez muito feliz. Não sei porquê, mas parecia que o tempo havia parado desde quando cheguei neste mundo, e ele só começou a correr de novo quando nos encontramos.”

Apesar de terem acabado de se conhecer, Akari parece ter um nível quase excessivo de confiança em Menou. Ela sorri alegremente, apertando a mão de Menou.

“Então, eu estou muito feliz de ter vindo a este mundo, Menou. Eu não sei o que vai acontecer aqui, mas estou feliz de ter me encontrado com você. Isso deve ser… você sabe…”

Akari agarra a mão que carregava a lâmina que a matou momentos atrás.

“Acho que isso deve ser o que as pessoas chamam de destino!”

“...Entendo. Bom, certamente não é ruim ouvir isso!”

Menou sorri. Quando ela o fez, algo formiga em seu peito. Ignorando, Menou continua bancando o papel da pura e nobre sacerdotisa, tudo para que Akari não levante suspeitas.

Nenhuma delas sabia que esse encontro alteraria o futuro de ambas.

E então elas sorriem uma para a outra, apesar de uma não saber nada sobre a outra.

“Também fico feliz de tê-la resgatado, Akari.”

“Sim, e eu fico feliz de você ter me salvado, Menou.”

Naquele momento, nenhuma alma sabia do destino que isso traria.



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