A Deusa do Banheiro Japonesa

Tradução: Brinn

Revisão: Ryokusan000


Volume 1

Capítulo 11

Mofar.

Nesse ritmo ele definitivamente iria mofar.

Olhando para o manto azul pendurado no varal, a expressão de Izumi se curvou enquanto ela franzia o cenho.

O manto dado a ela pelo homem perdido no deserto ― em outras palavras, pelo Rei Huuron ― era mais grosso do que o esperado.

Mas o deserto era quente durante o dia e congelante durante a noite. Talvez algo como isso fosse de se esperar.

De qualquer forma, o manto era certamente grosso. Se fosse apenas isso, então Izumi não estaria preocupada.

Ele era decorado por bordados da mesma cor que o tecido e o trabalho era claramente mais fino do que qualquer coisa que ela já havia visto.

Isso era tão óbvio que a primeira coisa que ela pensou foi ‘ele parece caro’.

Até agora ela havia recebido duas garrafas do mais fino licor, três bolas de bolsas de hahanero e então até um mapa, assim com certeza não era grande coisa receber um manto que era apenas um pouco chique…?

Izumi não pensava assim.

O manto era simplesmente muito exuberante.

Talvez ela fosse encontrar uma pessoa pobre a seguir.

Vendê-lo poderia provavelmente arrecadar uma fortuna. Mas ele ainda era tecnicamente o manto do rei de Yohk’Zai. Talvez vendê-lo fosse atrair atenção indesejada.

E assim ela concluiu que ainda era melhor simplesmente devolvê-lo.

Porém, isso não era o mesmo que querer reencontrá-lo. A razão pela qual ela não se importava com pessoas a vendo nua era porque ela tinha certeza de que jamais as encontraria de novo. Agora que ela sabia que isso não era certeza, ela começou a se importar um pouco mais com sua aparência.

Izumi olhou para a sacola de vinil no canto. Seu recém comprado roupão de banho estava ali dentro.

Dessa vez ela estaria preparada independentemente de quando sua janela se conectasse a um mundo estranho.

Talvez ela seria capaz de relaxar dessa vez.

O que levava ao atual problema. Enquanto seguramente secava o manto a alguma distância, ela batia a cabeça pensando em como conseguiria devolvê-lo ao Rei Huuron.

O ar quente continuou a deixar o secador.

De repente, o grito de “Fogo!” se sobrepôs ao som da máquina.

O grito veio desse mundo ou do misterioso mundo além da sua janela? A forma mais rápida de determinar isso era simplesmente abrir a janela.

Desligando o secador, ela passou por baixo do manto pendurado no varal e então abriu a janela.

E ela estava conectada ao interior de alguma casa que ela não conhecia.

Paredes ocres sujas. Uma cozinha aparentemente esculpida em pedras. Móveis aconchegantes feitos de madeira e finalmente duas pessoas em roupas brancas.

Os dois ainda não haviam percebido a presença de Izumi e estavam olhando para fora pela janela de madeira aberta.

Do lado de fora da janela, do outro lado de uma abertura de cerca de um metro, estava a janela de uma casa numa posição diagonal da deles.

Izumi os examinou com atenção. Seus braços nus eram de cor castanha e isso trouxe a sua mente as pessoas do deserto. Mas suas roupas eram completamente diferentes. As roupas brancas que pareciam com um antigo kantoui¹ ou com uma túnica, estavam amarradas com um cinto que brilhava como seda. As túnicas dos dois passavam da altura da bunda e enquanto uma tinha uma longa saia que chegava até os tornozelos, a outra tinha uma saia curta que chegava apenas até abaixo dos joelhos.

Das silhuetas, Izumi podia dizer que a túnica na altura dos joelhos era usada por um homem, enquanto a na altura dos tornozelos era de uma mulher.

“O-, o que nós devemos fazer, Kyousui-san? Ainda pode haver crianças deixadas para trás! Aahh, por que ninguém está indo salvá-las? Eu deveria trazer água?”

“É inútil. Com habilidades motoras como as suas, só haveria uma pessoa a mais para salvar. Os soldados vão chegar aqui logo.”

“Bem, isso pode ser verdade, mas ainda…”

O homem olhou para a face da mulher ao seu lado. Pelo que Izumi pôde ver, ele tinha olhos que pareciam amigáveis e que se inclinavam para fora, mas o que era particularmente impressionante eram os seus brilhantes brincos vermelhos.

Quando Kyousui, a mulher, olhou de volta para ele, ela percebeu Izumi.

Seus olhos se arregalaram tanto que eles corriam o risco de cair de sua cabeça.

“Eh? EHH? UMM… EHH!?”

Ela apontou para Izumi enquanto visivelmente se esforçava para formar palavras. Por causa disso, o homem também percebeu Izumi.

“Olá. Umm, você pode não acreditar em mim, mas eu não sou uma pessoa suspeita. De qualquer forma, vocês estão com algum tipo de problema?”

Primeiro era preciso cumprimentá-los.

“Oh, bem, obrigado por se apresentar.” Disse o homem enquanto se curvava. Essa foi uma resposta padrão, mas parecia para Izumi que ele estava simplesmente atordoado por causa do choque.

Após erguer a cabeça, o homem correu até Izumi.

“A verdade é que nós estamos com um problema terrível, senhora Feiticeira!”

Izumi não comentou. Sua experiência sugeria que corrigi-lo era inútil.

“A casa do outro lado desse beco está pegando fogo, mas ainda pode haver crianças pequenas lá dentro! Por favor, empreste-nos sua ajuda!”

Izumi estava com um problema. A reação do homem foi tão intensa que ele poderia começar a se prostrar a qualquer momento.

“Ummmm.”

Ela se virou para checar seu banheiro.

A única coisa que parecia ter alguma utilidade era o manto balançando diante dos seus olhos.

Izumi o agarrou. O prendedor de roupas caiu no chão.

Ela girou o registro do seu chuveiro e segurou o manto embaixo da água.

“Talvez você possa se cobrir com isso e salvá-las você mesmo. Não tente o impossível entretanto.”

Izumi conteve as palavras, “Porque você parece um tanto lento”, em sua garganta.

“Oohh, que confiável. Se isso é uma roupa da senhora Feiticeira, então com certeza não haverá nenhum problema.”

Isso é apenas uma roupa chique normal entretanto…

Izumi não pôde evitar se sentir incrivelmente nervosa.

“Querido, espere um pouco!”

Kyousui tentou parar o homem, mas ele já havia vestido o manto e estava prestes a pular pela janela. Ele tentou dar um pulo galante por ela, mas sua perna erguida ficou enrolada no manto e ao invés disso ele caiu pela janela.

Izumi conseguiu ouvir o barulho surdo do impacto.

“Eu disse que isso era impossível para você!” Gritou Kyousui enquanto se inclinava sobre a janela.

Foi nesse momento que Izumi reparou num brilhante cabelo vermelho esvoaçante atrás dela.

“Eu vou pegar essa roupa emprestada!”

Uma voz chegou em seus ouvidos. Ela era calma e baixa, mas inconfundivelmente de uma mulher.

De quem exatamente, Izumi não conseguiu ver, mas aparentemente alguém havia arrancado o manto do homem.

Enquanto o homem se debatia do lado de fora, Izumi acidentalmente viu a cabeça coberta pelo brilhante cabelo vermelho de alguém do outro lado da janela.

Agora completamente enrolada no tecido, a mulher se levantou do lado de fora.

O chamejante cabelo vermelho que alcançava seu quadril estava preso num rabo de cavalo alto.

Sua pele branca estava bronzeada com uma leve cor de oliva, enquanto suas afiadas sobrancelhas, nariz reto e olhos azuis claros pintavam a imagem de uma mulher obstinada. Os ditos olhos atualmente estavam virados na direção de Izumi. No momento em que a viu, a mulher pareceu surpresa por um instante, mas imediatamente recuperou sua compostura.

Envolta no manto de Huuron, ela disparou sem hesitação.

Não demorou muito para ela desaparecer no beco.

“Owowow…” Murmurou o homem enquanto se levantava, massageando a bunda.

Lá longe do lado de fora, Izumi conseguiu ouvir a multidão vacilar entre gritos de horror e torcidas de alegria.

Fumaça negra subiu da casa vizinha à media que as chamas audivelmente estalavam.

“Querido, entre logo!” Gritou Kyousui.

Seu grito fez Izumi recobrar os sentidos.

Ela correu para fora de seu banheiro e pegou cada balde e tina que conseguiu encontrar e quando correu para fora, ela também foi atrás dos vasos.

Quando voltou para o banheiro, Kyousui estava prestes a arrastar o homem para dentro ela mesma.

“Nós vamos fazer um revezamento de baldes.” Izumi declarou para ela.

“Eh?”

Kyousui se virou.

Sem demorar, Izumi forçou um balde de água nas mãos dela.

“Vamos! Rápido! Entregue-o para o homem lá fora!”

Após olhar para o balde e então para Izumi, Kyousui assentiu com força antes de andar até a janela.

“Querido! Isso é água! Vamos, se apresse!” Ela gritou.

O homem estava parado ali aturdido, mas a voz de Kyousui fez sua cabeça se virar abruptamente na direção dela.

Recebendo o balde, ele jogou a água pela janela queimando. Quando ele terminou, Kyousui já estava pronta com o segundo balde. Um após o outro, Izumi entregou os recipientes cheios de água para Kyousui, e um após o outro, Kyousui os entregou para o homem. Cada vez que ele esvaziava um recipiente, ele o trocava pelo que estava nos braços de Kyousui, antes de se virar e jogar a água pela janela novamente. Para uma medida temporária, ela estava sendo até um tanto bem feita.

Quando suor estava começando a se formar nas suas sobrancelhas, um sopro de vento veio do outro lado da janela.

Mais cedo, uma ruiva havia entrado com o manto sobre ela. Aquela mesma mulher estava agora pulando para fora da janela, carregando algo enrolado naquele manto.

Gentilmente colocando a trouxa no chão, ela desenrolou o tecido azul e do meio dele apareceu um menino de quatro ou cinco anos. Seus olhos vermelhos e lacrimosos olharam ao redor apreensivamente. Apesar de ele tentar cerrar seus lábios com força, os soluços que escaparam deles ainda eram de partir o coração. Porém ele não estava ferido e não havia uma única marca de queimadura nele.

“Senhor! Eu vou deixar esse menino com você. E senhora, me desculpe por isso, mas você poderia me esconder? Os soldados estão começando a se reunir e eu tenho uma razão para não querer ser vista.”

Logo após terminar de falar, a mulher entregou a criança para o homem e então entrou na casa pela janela. Naturalmente ela não tropeçou ou algo do tipo.

Kyousui mostrou que concordava ao esticar as mãos para as persianas da janela.

“Querido, eu estou deixando isso com você.”

“Hm? UMM, EHH!? AH-, ESPERE, KYOUSUI-SAAAN!”

A voz do homem desapareceu quando a janela foi fechada.

Kyousui torceu um pano molhado para dar à mulher coberta de fuligem.

Ela o aceitou com um agradecimento e começou a limpar suas bochechas e braços.

Olhando com atenção, agora era óbvio que as pontas do seu cabelo e parte do seu cinto estavam queimados e a parte de trás da sua mão direita estava vermelha.

“Venha aqui.” Gesticulou Izumi. “Nós vamos esfriar a sua mão com água corrente.”

Apesar de a mulher inclinar a cabeça em confusão, ela se aproximou de qualquer forma.

Ligando o chuveiro frio, Izumi pegou a mão da mulher e a segurou embaixo dele.

“Me desculpe pelo trabalho.” Disse a mulher enquanto deixava seu braço esquerdo com Izumi.

Foi nesse ponto que a mulher percebeu o manto em sua outra mão e prendeu a respiração.

“Olhando com atenção, o bordado desse manto não é incrível!? Essa é minha primeira vez vendo um design tão belo e detalhado.”

Após suspirar de admiração, a mulher disse se desculpando com Kyousui.

“Me desculpe Senhora. Eu não acho que eu possa reembolsá-la com algo como isso, mas eu tentarei o meu melhor para pagá-la de volta.”

“Não, isso não pertence a nós. Ele é na verdade da senhora Feiticeira.”

“Feiticeira?”

Agora submetida aos dois olhares, Izumi balançou a cabeça.

“Não, bem, ele não é exatamente meu, mas… Bem, ele salvou a vida de uma criança, então eu acho que o dono original não irá reclamar.”

“De verdade? Que generosidade.” Ela respondeu antes de encarar o manto.

Suas pontas estavam chamuscadas e o resto dele estava sujo de água com fuligem. Seus padrões intrincados agora estavam desgastados e ele parecia sem salvação.

Por outro lado, o cinto enrolado na cintura dela brilhava esplendidamente, sua coloração gradual lembrava o céu da manhã.

Aos olhos de Izumi, ele também era um belo trabalho de arte.

Não, na verdade, não é o cinto que realmente merece minha pena aqui…

“Parece que as pontas do seu cabelo estão chamuscadas.”

O cabelo na altura da cintura era tão vermelho quanto vermelho poderia ser e era óbvio para os olhos de qualquer um que ele havia sido muito bem cuidado

Era uma pena tanto do manto bordado quanto do cinto, mas como outra mulher, era o cabelo dela que mais fazia o coração de Izumi doer.

“Ele irá crescer de novo em pouco tempo.” Sorriu a mulher. Embora o sorriso tivesse sido casual, ele era tão charmoso quanto o desabrochar de uma bela flor.

“Então agora, por favor, sirvam-se.” Anunciou Kyousui trazendo comidas e bebidas. “Eu não sei se isso irá agradar aos seus paladares, mas por favor, vão em frente.”

“Aye, obrigada. Para falar a verdade, eu não como nada desde manhã cedo.” Disse a mulher. Ela prontamente abaixou o manto e levou uma bebida a sua boca. Sem se conter, sua mão continuou indo na direção do que parecia ser um pão sírio com uma pasta verde dentro dele.

“Senhora Feiticeira, por favor, sirva-se também. Isso é naan com grãos de zora.”

“Obrigada.”

Izumi pegou um pouco de naan sem reservas.

O pão que o cercava era crocante, enquanto a pasta verde dentro tinha uma textura não muito diferente da de uma pasta de feijões vermelhos moídos. Embora pudesse receber um pouco mais de sal, ele tinha um sabor leve e agradável.

“Que delicioso.” Murmurou a ruiva.

Izumi concordou. Mas por alguma razão a mulher suspirou tristemente.

Quando ergueu a cabeça, ela encontrou Kyousui franzido o cenho na direção da mulher.

“Umm, poderia ser que você é a Princesa Hitow?”

“EH-!?”

O olhar de Izumi voltou para a ruiva.

A ruiva assentiu com uma expressão complicada.

“Algo do tipo. Eu sou Hitow.”

“UMA PRINCESA!?”

“Shh! Você está fazendo muito barulho!”

Quando Izumi acidentalmente ergueu a voz, Hitow colocou um dedo sobre seus lábios.

Ohh! Então eles têm o mesmo gesto nesse mundo!

Isso era um pouco comovente.

“Por quê? Ohhh, é por que você não quer ser encontrada pelos seus soldados?”

Ela agora sabia o porquê de Hitow não querer ela gritando ‘PRINCESA!’. Mas quanto ao motivo de ela não querer ser encontrada, Izumi ainda não tinha ideia.

“Eu ainda não entendi o porquê entretanto.”

A pergunta franca de Izumi fez a ruiva ― Princesa Hitow ― abaixar a cabeça silenciosamente.

Seu cabelo bagunçado ocultou sua face.

Izumi entrou em pânico.

“Um, eu realmente sinto muito. Eu perguntei algo pessoal, mas eu não pretendia me intrometer se você não quisesse responder.”

Hitow ergueu a cabeça e a balançou.

“Não, é natural ter perguntas. Embora eu possa não ser digna, eu ainda sou da realeza e é uma vergonha fazer um cidadão se sentir apreensivo. Minhas desculpas.”

Sua reverência foi tão perfeita que as pessoas poderiam pensar que ela tinha algum tipo de TOC, enquanto Izumi, aquela que recebeu o gesto, a estava observando com uma expressão rígida. Para começar, Izumi não era uma cidadã dela, então não havia razão para ela se desculpar. Enquanto Izumi estava pensando em como explicar, Hitow deixou escapar um suspiro.

“Eu tive um desentendimento com alguns dos meus oficiais, você vê. Eu desejava um tempo sozinha, então eu saí do palácio para esfriar minha cabeça.”

Vendo o olhar de tristeza aparecer nas graciosas feições de Hitow, Izumi abriu sua boca para dizer alguma coisa, mas a fechou logo em seguida.

Ela percebeu que a pele dessa Princesa Hitow era perfeita, exceto por leves olheiras sob seus olhos.

A menina parecia ter cerca de vinte anos. Era uma idade que já vinha com seus próprios problemas, mas, unidos ao fardo da realeza, eles com certeza deveriam estar em outro nível. Como Izumi poderia possivelmente dar conselhos a uma pessoa como essa.

A atmosfera entre elas havia se tornado negra como o céu antes de uma tempestade.

Foi Kyousui quem primeiro timidamente quebrou esse silêncio.

“Pode ser presunçoso da minha parte perguntar, mas poderia ser que a Vossa Alteza está incomodada com a proposta do Rei Cornou de Tohji?”

Hitow arregalou os olhos.

Suas bochechas começaram a corar levemente.

“Como você…”

“Como você pode ver, eu sou uma imigrante e logo que cheguei a essa nação, eu fiquei chocada com o quão próxima a realeza é de seus cidadãos. Todos são tão gentis e francos que você não consegue nem mesmo sentir a barreira do status social… Esse é o porquê de todos estarem preocupados. Embora a Vossa Alteza ficasse tão tímida e alegre apenas por ouvir o nome do Rei Cornou, recentemente os sorrisos da Vossa Alteza têm todos parecido tão tristes.”

A princesa enterrou a face em seus joelhos.

“Todo mundo percebeu isso? O quão imatura eu devo ser.”

Com uma reação exagerada como essa, com certeza era possível que qualquer um pudesse perceber isso. Izumi encarou a Princesa Hitow.

“Nosso encontro foi certamente algum tipo de destino, então eu irei escutá-la se você quiser. Eu acho que nós podemos ser mais francas do que seus conselheiros.”

“Eu não entendo de problemas políticos, mas pelo que eu humildemente vejo, a situação da Vossa Alteza é diferente, certo? Então, mais do que aqueles cavalheiros de cabelos brancos, talvez nós duas seremos mais adequadas para aconselhá-la.” Adicionou Kyousui.

A Princesa Hitow ergueu a cabeça.

Para não dizer nada de suas bochechas e de suas orelhas, a face inteira de Hitow estava vermelha como um tomate.

“Vocês irão ouvir? Isso é patético entretanto, então talvez vocês fiquem desiludidas.”

“É claro que nós escutaremos.”

“Sim.”

As duas assentiram tranquilizadoramente.

Após respirar fundo, a Princesa Hitow soltou um grande suspiro e deixou seus ombros caírem bruscamente.

“Eu não consigo comer aquilo.” Ela murmurou.

“Hah?”

“Eh?”

As duas vozes se sobrepuseram.

O coração de Izumi bateu forte por um momento enquanto ela se perguntava se isso não era um eufemismo sexual por acaso, mas aparentemente esse não era o caso.

“Não consegue comer o que?” Perguntou Kyousui.

“Eu não consigo comer a comida Tohjiana.”

Como eu imaginei.

Izumi estava apenas um pouquinho desapontada.

“Quase tudo da cozinha Tohjiana inclui coconasso. E eu não consigo aguentar aquele distinto sabor doce que ele tem. Curry, naan, tudo é feito com coconasso… Cada vez que eu visito Tohji eu engulo forçadamente aquele negócio com as bebidas, mas dois dias é o meu limite. Viver em Tohji? Sem comer coconasso? Isso é tão ridículo que o Rei Cornou ficaria perplexo. Então eu sugeri que nós adiássemos o casamento. No momento eu estou no meio de um treinamento especial designado para me forçar a me acostumar a isso. Mas isso pode ser impossível para mim…”

“Isso é, ummm… Terrível, talvez…”

Era um pouco infantil ser enjoado com a comida, mas todo mundo tem alguma coisa de que não gosta. Se algo que você odeia estivesse em tudo que você come, talvez isso realmente seria difícil.

Antes a boca de Izumi estava escancarada em descrença, mas após imaginar um mundo onde tudo incluísse cogumelos shiitake, ela abruptamente revisou sua opinião.

“A Vossa Alteza não poderia pedir para eles tirarem o coconasso da sua comida?” Perguntou Kyousui, antes de adicionar. “Isso poderá levar um pouco mais de tempo para os cozinheiros entretanto.”

A Princesa balançou a cabeça.

Coconasso é especial para o Rei Cornou.”

“Especial?”

Izumi inclinou a cabeça para o lado, curiosa.

“Sim. Aproximadamente dez anos atrás, Tohji foi atingido por uma grande fome. Até então, coconasso era comido apenas em uma região da nação, mas devido à fome, o próprio Rei Cornou espalhou seu uso e aumentou sua produção. Ele amadurece rapidamente, é forte contra pragas e provê uma excelente nutrição. Eu ouvi dos cidadãos de Tohji que muitas crianças foram salvas graças a ele. Com seu lugar nos corações do Rei Cornou e de seus cidadãos, como eu poderia dizer que eu não consigo comê-lo. O Rei Cornou certamente irá me odiar. Ele irá me ridicularizar por ser uma princesa tão egoísta.”

Hummmmm.

Izumi cruzou os braços, pensativa.

Se eles não o comiam até dez anos atrás, então era possível criar comidas sem ele. Se fosse apenas com a comida que ela não estava acostumada, provavelmente não teria problema recusá-la. Mas agora que ele era a comida que salvou a nação, recusá-la também poderia ser considerado como uma extravagância. Porém, como o próprio Rei Cornou encararia isso?

“Que tipo de pessoa é o Rei Cornou?”

No momento em que Izumi perguntou isso, a Princesa Hitow saiu de cabisbaixa e suspirante para alguém com os olhos brilhantes.

“Um maravilhoso cavalheiro! Ele é considerado e é mais sábio do que qualquer outra pessoa, e embora suas feições pareçam gentis, ele jamais recua de alguém ou de alguma coisa e ele é estrito consigo e se esforça para conseguir a perfeição em tudo. Eu sempre o admirei.”

“Eu-, eu vejo.”

Enquanto Hitow acentuava cada palavra com punhos cerrados, Izumi pôde apenas assentir rigidamente.

Pode um super-homem como esse realmente existir?

“Huhuhu.”

Olhando para cima, a alegre rizada havia vindo de Kyousui.

Eh? Isso de agora pouco foi algo engraçado?

Izumi olhou para Kyousui enquanto suor frio se formava em sua testa.

“Me desculpe. A Vossa Alteza é simplesmente tão adorável, então…”

Escondendo a boca atrás de sua mão, Kyousui sorriu novamente, fazendo a Princesa ficar perplexa e então fazer uma careta.

Após seu sorriso desaparecer, Kyousui olhou de forma gentil para Hitow, como uma irmã mais velha olhando para sua irmã mais nova.

“Parece que a Vossa Alteza está apaixonada pelo Rei Cornou.”

A Princesa corou de novo.

“Ah… Não, ao invés de apaixonada, é mais… Como respeito…”

Não, isso definitivamente é paixão. Pensou Izumi.

“Às vezes, se apaixonar deixa a mulher frágil. Elas não querem ser odiadas e elas não querem perdê-los e elas gastam o dia todo pensando em nada a não ser neles. Isso uma vez também aconteceu comigo. Naquele tempo, não havia nada mais assustador para mim do que a ideia de perdê-lo… Embora, eu acredito que isso não mudou muito…”

Kyousui sorriu de novo, mas dessa vez não foi um sorriso feliz. Ao contrário, foi um sorriso solitário e um tanto nostálgico.

“Por causa de algumas circunstâncias entre nós, nós não tivemos escolha a não ser deixar nosso país. Com a cooperação do meu irmão mais velho, nós conseguimos fugir, mas até nós atravessarmos as fronteiras, nós não nos sentimos vivos um dia sequer. Mesmo quando finalmente chegamos a essa nação, nós temíamos perder um ao outro e passamos todos os dias temerosos. Até então, frequentemente me diziam na minha terra natal que eu era corajosa como meu irmão, você sabia? Mas então eu me apaixonei por ele e mudei.”

Para Izumi, Kyousui parecia estar vivendo uma vida feliz com seu marido tonto, mas gentil. Mas, aparentemente, Kyousui havia tido uma vida difícil. Enquanto a vida tempestuosa de Kyousui entristecia Izumi, ao mesmo tempo isso também lhe dava inveja. Afinal, os medos de Kyousui eram uma prova da força de seus sentimentos pelo homem.

“Mas está bem. Se apaixonar enfraquece uma mulher, mas construir esse amor dá força a ela. E assim que ela der a luz, ela se tornará o ser mais forte do mundo, ou assim o meu irmão sempre me dizia.”

Mudando completamente a aura melancólica de antes, a expressão de Kyousui ficou clara.

“Afinal, você não será capaz de viver a sua vida se você não parar de se afligir.”

“…Bem, é verdade que a energia das donas de casa no mercado assusta até a mim de vez em quando.”

Izumi se lembrou das mulheres mais velhas durante as vendas de tempo limitado. A descarada coragem delas era certamente assustadora.

“Soa desagradável falar isso dessa forma, mas por favor, se torne mais sem vergonha. Durante uma fome certamente não há espaço para exigências, mas as coisas são diferentes agora. O dever da Vossa Alteza não é trabalhar duro com o Rei Cornou para que a fome jamais se repita de novo?”

A Princesa ergueu a cabeça em realização. Então ela lentamente abaixou o olhar, fechou os olhos e começou a pensar.

“Desde o momento em que foi coroado, o Rei Cornou enfrentou dificuldade após dificuldade. Ainda assim, ele enfrentou tudo sem titubear… Eu quero me tornar a força dele… Mas apesar disso, antes que eu pudesse perceber, eu já estava pensando em mais nada exceto em como eu não queria que ele me odiasse.”

Se levantando, a Princesa puxou Kyousui para um forte abraço.

“Obrigada por ser tão honesta comigo. Eu vou tentar dizer isso a ele e eu posso acabar sendo odiada, mas eu deixarei ele saber que eu darei o meu melhor.”

Sob aquele brilhante cabelo vermelho, Kyousui arregalou os olhos. Eventualmente eles se fecharam enquanto ela assentia e acariciava as costas da Princesa, quase como uma irmã mais velha acariciando sua irmã mais nova.

A cena meio que pedia por uma salva de palmas e parecia que as coisas haviam sido resolvidas, então quando Izumi estava se perguntando se ela já poderia fechar a janela agora, um grande estrondo ecoou.

A porta foi escancarada e por ela passou o homem de antes, a criança que Hitow havia salvado e finalmente um enorme estranho com uma grande barba.

No mesmo instante em que a porta foi fechada, o homem barbado curvou sua cabeça. Enquanto ele fazia isso, Izumi vislumbrou o interior do cesto em suas costas.

“Princesa Hitow, muito obrigado por salvar a vida do meu filho.”

A pequena criança também se curvou.

“Muito obrigado, Vossa Alteza.”

A Princesa Hitow se separou de Kyousui para andar até o lado do menino e se abaixou para olhá-lo na altura dos olhos.

“Não há de que.” Ela disse, bagunçando o cabelo do menino enquanto ele parecia sentir cócegas com isso.

“O fogo foi apagado.” Começou o marido de Kyousui. “Ah-, eu não disse nada para os soldados, certo? Ele disse que queria agradecê-la não importava o que, então eu o trouxe aqui, mas… Isso não foi certo?”

Ele olhou para Kyousui para checar sua expressão.

“Não, está tudo bem.”

Ouvindo a resposta de Kyousui, um sorriso brotou em sua face.

“Graças a deus. Você é assustadora quando está irritada Kyousui-san.”

Se você colocasse isso de forma agradável, o homem era puro, mas ele era a pessoa menos confiável que ela já havia visto. Ainda assim, todos tinham seus próprios gostos para parceiros românticos. Enquanto Izumi observava o casal se aninhar juntos, ela sentiu que lhe havia sido ensinada uma lição sobre a complexidade do coração humano.

“A Vossa Alteza pulou no fogo sozinha. Como eu posso lhe agradecer? Eu farei qualquer coisa ao meu alcance.”

Em resposta às palavras sinceras do homem barbado, a Princesa se virou para encarar Izumi.

“Se você quiser agradecer a alguém, agradeça a Feiticeira-dono. Ela me emprestou seu manto, embora ele fosse luxuoso o suficiente para alimentar uma família por um ano inteiro.”

Ela sabia que ele era caro, mas e pensar que ele era tão caro…

Se, apenas se, ela encontrasse Huuron uma terceira vez, o que diabos ela deveria dizer?

Enquanto Izumi rezava para jamais encontrá-lo de novo, o homem barbado se aproximou dela.

Do cesto em suas costas, ele tirou um par de longas tesouras. O cabo era um tanto longo e ela lembrava muito uma tesoura de jardim.

“Eu costumava usá-las, um tempo atrás quando eu era um artesão. É a segunda coisa mais importante para mim após minha vida. Ela não pode se comparar ao seu manto, mas por favor, aceite-a.”

“Não, pegar algo tão importante para você é um pouco…”

Izumi balançou as mãos e tentou recusar, mas isso fez o homem barbado franzir o cenho.

Vendo isso, o marido de Kyousui repentinamente tomou a tesoura.

“Senhor Karasu…”

O homem barbado lhe lançou um olhar aliviado.

O marido de Kyousui, Karasu, reverentemente apresentou a tesoura para Izumi.

“Por favor, aceite-a. Se você a recusar devido à gentileza, senhora Feiticieira, isso, ao contrário, o fará se sentir desconfortável. E as pessoas geralmente dizem que as coisas que você recebe sem retribuir acabarão te atrapalhando no final.”

Ainda assim, Izumi não tinha certeza disso. Mas quando ela olhou para o homem, ela descobriu que tanto ele quanto o menino estavam se curvando na sua direção. Então ela alcançou a tesoura. Se isso ajudaria o homem a acalmar seu coração, então era isso que ela faria.

“Cuidem-se.”

Após acenar para o menino, com a tesoura em mãos, Izumi fechou a janela.


Nota(s):

1 – Algo como isso: http://kimonomadamnoriko.com/wp-content/uploads/2015/05/KANTOI.jpg 



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