Volume 8

Capítulo 3: O Demônio de Gelo e o Gato Infernal

Parte 1

 

Piu, piu, piu.

O chilrear de um pequeno pássaro podia ser ouvido fora da janela.

Na segunda manhã após a conclusão do [Tempest].

Kamito estava entregado a um sono agradável.

— …Onii-sama. Por favor, acorde, Onii-sama.

*Murmúrio enquanto baba, murmúrio enquanto baba*

— Uu, hum… Est, deixe-me dormir um pouco mais.

Kamito gemeu na cama. Seu cansaço da batalha real ainda não tinha diminuído. Ao menos por hoje, ele queria dormir o quanto quisesse.

— Poxa, Onii-sama, seu dorminhoco!

Um suspiro de espanto… de alguma forma, parecia que ela havia desistido.

Kamito ficou aliviado, e naquele momento…

*Beijo♪*

Uma sensação suave em sua bochecha.

— …O quê!?

A sonolência de Kamito desapareceu completamente.

Ele se levantou na cama e…

— Ahh, você finalmente acordou!

Uma linda garota com cabelo loiro platinado brilhante o cumprimentou com um sorriso tão luminoso quanto o sol.

— Mi-Mireille!?

Kamito gritou agitado.

Aquela diante dele era a irmã mais nova de Rinslet, Mireille Laurenfrost.

O vestido branco bem arrumado e a fita vermelha que o acompanhava eram lindos.

— Bom dia, Onii-sama.

Mireille fez uma reverência educada.

— Bom dia, Kamito.

Ao lado dela estava outra pessoa, uma linda garota.

Era Milla Bassett, a líder da Divisão de Ruptura. As roupas fundamentalmente pretas complementavam seu escuro e pouco ondulado cabelo castanho.

Ao invés de—

— O que diabos é isso?

Kamito perguntou, enquanto esfregava seus olhos sonolentos.

— …Humm, eu tenho um pedido para o Onii-sama.

— Um pedido?

— Sim, a onee-sama e a Claire-sama estão lutando na sala.

— Ahh, de novo…

Kamito gemeu.

As coisas tinham se acalmado desde que chegaram a Ragna Ys, mas aquelas duas constantemente começavam a brigar na sala de aula da Academia.

…Isso havia recomeçado, ao que parece.

— É algo que acontece o tempo todo, não vai ficar tudo bem se apenas as deixarmos?

— Nesse ritmo, o quarto do castelo será destruído.

Logo depois que Milla disse isso, um forte tremor veio do corredor.

— Esqueça a sala de aula, destruir uma construção do Instituto do Ritual Divino, como era de se esperar, não é nada bom…

Kamito suspirou cansado e se levantou da cama. Ellis, que normalmente era a responsável por apartar as brigas, estava fora do castelo.

— A propósito, e quanto a Carol?

— Ela provavelmente ainda está dormindo. Aquela Carol, ela simplesmente não acorda a menos que a Onee-sama a chame.

— …Essa é a primeira vez que ouço falar de uma empregada que é acordada por sua mestra.

…Kamito estava mais surpreso do que nunca com a empregada que nunca servia para nada.

 

Parte 2

 

Movendo-se rapidamente pelo corredor ainda assolado por tremores, Kamito chegou ao quarto de Rinslet.

— A culpa não foi minha!

— …O-o que, você está tentando dizer que a culpa foi minha!?

…A discussão podia ser ouvida mesmo do lado de fora do quarto.

— Ei, vocês duas—

Kamito abriu a porta e entrou, e naquele exato momento,

— Hálito do Demônio do Gelo Congelante— Presa Congelante!

— Devore, Conflagração Escaldante— Bola de Fogo!

Os ataques mágicos ofensivos se chocaram dentro do quarto. Kamito foi atingido pelo impacto e se espatifou contra a parede do corredor.

— …Guaa!

— Kamito-san!?

— Kamito!?

As duas exclamaram surpresas e rapidamente correram para o lado dele.

— E-ei, o que você estava pensando!?

Claire parecia preocupada enquanto olhava para o rosto de Kamito.

— …Sim, vocês, vocês estavam tentando destruir o quarto?

Kamito tremeu enquanto pressionava sua cabeça zonza.

— …Is-isso não tem nada a ver com você!

— Is-isso mesmo! Esse é um problema nosso!

As duas ojou-samas desviaram os olhos como se estivessem desconfortáveis.

— Eu chamei o Kamito-sama, onee-sama.

E do outro lado do corredor apareceram Mireille e Milla.

— Mireille…

— É porque vocês duas não paravam de brigar de jeito nenhum.

— Is-isso, na-não é culpa minha!

Rinslet estufou as bochechas enquanto fazia beicinho e se virou.

— …Então, qual o motivo dessa briga?

Kamito perguntou com um suspiro.

— É culpa da Claire!

— É culpa da Rinslet!

As duas apontaram uma para a outra e faíscas surgiram entre elas.

— Bem, acalmem-se. Vou ouvir as duas histórias.

— …!

Com isso, com lágrimas em seus olhos de rubi, Claire mostrou a ele um livro.

Pelas ilustrações na capa, era um dos romances voltados para adolescentes favoritos de Claire.

— O que aconteceu com este livro?

— A Rinslet me contou o final!

Claire olhou para Rinslet com olhos marejados.

— …Hum?

— Eu, eu pensei que você já tinha lido!

— Eu ainda não li! Mesmo que eu estivesse ansiosa para ler quando voltássemos para a Academia.

— E-em primeiro lugar, foi você que começou a falar sobre o livro!

— Es-esperem, esperem!

Kamito apressadamente as interrompeu.

— …Vocês estavam brigando por uma coisa dessas?

— O que você quer dizer com uma coisa dessas?

— Ah não…

— Já-já está tudo bem, você não precisa devolver este livro!

Claire gritou com os olhos cheios de lágrimas e deixou o quarto com suas twintails balançando atrás dela.

— Ei, Claire—

— H-h,ph, faça o que quiser!

Rinslet cruzou os braços e virou a cabeça para o lado.

— Cara…

…Bom, esse tipo de briga acontecia o tempo todo. Não deveria ser nada assim tão sério.

Ele ouviu alguém pigarrear levemente.

— Eu mostrei a você um lado desagradável meu, Kamito-san.

Rinslet parecia se sentir estranha enquanto enrolava uma mecha de seu cabelo ao redor de um dedo.

— …Vocês duas não poderiam se dar um pouco melhor?

— Na-não há como nós nos darmos bem!

O rosto de Rinslet ficou vermelho e ela mordeu o lábio.

— Estou trabalhando junto com ela porque estamos na mesma equipe agora, mas somos originalmente rivais predestinadas!

— Rivais, hein…

Pensando bem, essas duas são amigas de infância de longa data.

Certamente não deveria ter problema se Kamito fosse um pouco mais fundo no assunto.

— Bom, de qualquer modo, amanhã são as finais. Certifique-se de fazer as pazes com ela antes disso.

Kamito deu de ombros e estava para sair, e então—

*Ronco*

Esse tipo de som idiota veio do corredor.

— Kamito-san?

— Onii-sama?

Rinslet e Mireille ergueram as sobrancelhas em perplexidade.

— …Será que você não tomou café da manhã?

— Si-sim, eu acabei de ser acordado por sua irmã mais nova não muito tempo atrás.

Kamito acenou com a cabeça com um tom avermelhado nas bochechas.

Em um instante, o rosto de Rinslet se iluminou de prazer.

— Se-se é assim, eu estava prestes a preparar algo. Se-se você quiser, pode comer também.

— …Mesmo?

Na verdade, era uma oferta muito tentadora. Ele poderia tomar café da manhã em seu quarto se pedisse o serviço de quarto oferecido pelas donzelas princesas, mas o café da manhã preparado por Rinslet definitivamente teria um gosto melhor.

De qualquer forma, ela não perderia nem mesmo contra um chef profissional.

— Não posso fazer nada extravagante porque não tenho uma cozinha de verdade, mas vou fazer o meu melhor.

Rinslet assentiu alegremente.

— Ah, onee-sama, eu quero comer com você também!

Em resposta a Mireille, que ergueu a mão alegremente,

— Mireille já tomou o café da manhã.

A empregada Milla apontou isso com calma.

— Es-está tudo bem! Se for a comida da onee-sama, então eu poderia comer sem parar—

Milla segurou Mireille pela nuca enquanto ela tentava entrar no quarto.

— Fuaa, o que você está fazendo!?

— Está na hora dos seus estudos, Mireille.

— Eu não quero! Eu vim até tão longe, não quero estudar aqui!

— Isso não vai acontecer. Você não vai se tornar uma nobre excepcional agindo desta forma.

— Nãoooooo, o café da manhã da onee-sama—!

Milla arrastou Mireille, que se debatia.

Em pouco tempo, elas dobraram a esquina e os gritos de Mireille já não puderam mais ser ouvidos.

— Ela é realmente a ex-líder da Divisão de Ruptura, mesmo aos treze anos de idade, ela tem o seu próprio jeito de agir.

…Ao contrário de uma certa empregada inútil, ela se tornará uma excelente empregada.

Rinslet começou a vestir um avental, entusiasmada.

— …Há algo em que eu possa ajudar?

— Fufufu, não se preocupe. Por favor, sente-se e espere.

Rinslet tirou uma frigideira da prateleira e ligou o cristal espiritual de fogo na cozinha no canto do quarto.

 

Parte 3

 

— Humm, hummhummhumm♪.

Rinslet estava fazendo panquecas enquanto cantarolava. Enquanto ele olhava o lindo cabelo de Rinslet balançando e sentia a fragrância atraente do mel—

Kamito pegou o romance que Claire havia deixado para trás um pouco antes.

…”A Senhora que Floresce na Calada da Noite”. Mais um título genérico.

Ele leu o conteúdo.

Parecia ser sobre uma bela garota nobre e obstinada que foi capturada por um lorde demônio cruel, tornando-se sua prisioneira, e sobre como seu corpo e mente sucumbiram.

…Hum, a Claire só gosta de livros assim.

Enquanto pensava sobre isso, ele fechou o livro e,

— Está pronto.

Rinslet, vestida com seu avental, virou-se na direção dele com um rosto radiante.

Haviam três panquecas sobre o prato, todas com bastante mel.

As crostas crocantes pareciam realmente deliciosas.

— Agora, então, pode comer♪.

— Sim. Obrigado pela comida.

Kamito encheu a boca com a panqueca em seu garfo e,

— …Delicioso!

Disse apenas uma coisa com um tom de voz aprovador.

O interior era fofo enquanto a superfície externa estava frita na medida certa.

A manteiga e o mel, especialidades da Família Laurenfrost, também eram excelentes.

— Assim como esperado. As panquecas estão perfeitamente fritas.

— Fufufu, que bom.

Rinslet olhou feliz para Kamito, que estava enchendo a boca.

— O que foi?

— Na-não, não é nada!

Ele perguntou com uma expressão confusa, e ela desviou os olhos timidamente.

Enquanto Rinslet estava se divertindo, Kamito comeu as luxuosas panquecas.

— …Ahh, isso estava delicioso. Obrigado pela refeição.

— Fufufu, se você quiser, pode ficar com a minha parte também.

Rinslet passou para ele outra panqueca.

— …Hum, tudo bem?

— Sim, eu não como muito pela manhã.

— Então vou aceitar.

*Chomp, chomp, chomp.*

— …Des-desse jeito, você poderia me comer também?

— Hum?

— A-apenas falando sozinha!

Rinslet rapidamente balançou a cabeça.

Depois que Kamito terminou seu café da manhã, Rinslet serviu um pouco de chá preto.

O chá preto foi servido em xícaras, e o rico aroma das folhas de chá Laurenfrost preencheu o quarto.

Ao que parece, o chá tinha sido preparado de antemão. Na verdade, ela podia ter planejado tomar café da manhã junto de Claire.

Ela provavelmente pretendia conversar com ela sobre este livro…

…Ele tentou perguntar algo sobre o qual estava curioso há algum tempo.

— Então você também lê esse tipo de livro?

— Is-isso é…!

Naquele instante, o rosto de Rinslet enrubesceu.

— Isso é, eu fui apresentada a este tipo de livro pela Claire, e-e se você o ler verá que o conteúdo é profundamente intrigante, então eu gostaria que você não pensasse em mim como uma garota imodesta! Meu interesse, no final das contas, é meramente acadêmico—

Ela se defendeu enquanto esfregava os joelhos timidamente.

— Eu não acho que seja algo pelo qual você deva se envergonhar.

Kamito sorriu ironicamente e devolveu o livro à mesa.

— Mas se vocês compartilham livros, então seu relacionamento é muito bom.

— É-é apenas uma relação inseparável!

Rinslet desviou o olhar.

— Entendo, uma relação inseparável…

Kamito deu um gole em seu chá preto e,

— Então vocês são rivais desde a infância, certo?

— …Bem, sim.

— Se você estiver bem com isso, você me contaria mais sobre isso? Sobre quando vocês eram crianças.

— Po-por quê!?

— Bem, vocês estão sempre brigando. Eu só estava me perguntando se tem sido assim desde sempre.

— …

Rinslet colocou a mão sobre a bochecha como se estivesse pensando um pouco e—

Pouco tempo depois, ela suspirou como se estivesse se lembrando de um dia distante.

— …Isso vai levar algum tempo. Vou ferver um pouco mais de chá.

Ela se levantou em silêncio de sua cadeira e colocou a chaleira sobre o cristal de fogo.

— Isso foi quando a conheci e a reconheci como minha rival.

— Quando você a conheceu?

— Sim. Foi há exatamente dez anos. Foi quando meu pai me levou para dar nossos cumprimentos à casa do Marquês Elstein—

Como se perdida na nostalgia, ela começou a contar a história suavemente.

 

Parte 4

 

 Dez anos atrás, quando Rinslet acompanhou seu pai em uma visita ao território Elstein. Quando Rinslet tinha apenas seis anos de idade.

O pai de Rinslet, Margrave Gryas Laurenfrost, planejava obter a opinião do chefe da família o Duque Elstein, que produzira sucessivas gerações de Rainhas do Fogo para o ritual dedicado ao Lorde Elemental do Fogo.

O Conde estava trazendo sua filha para que ela pudesse conhecer sua futura colega de escola da mesma idade, Claire Elstein.

— A Casa Elstein é proeminente mesmo dentro do Império. Dê-se bem com a Lady Claire.

— Se vamos nos dar bem ou não vai depender dela.

Gryas Laurenfrost suspirou ao ver o rosto sereno de sua filha de seis anos.

Sua personalidade dominadora era uma preocupação secreta do Conde.

——Aquele que veio os cumprimentar após terem percorrido uma longa distância de carruagem foi o chefe da Família Elstein, o próprio Wolfram Elstein.

— Bom, bom, obrigado por virem de tão longe.

Ele era um homem grande com a presença de um nobre do alto escalão. Sua esposa ainda estava trabalhando na Corte Imperial na Capital, portanto ela não estava presente.

— Eu sou a filha mais velha da Família Laurenfrost, Rinslet Laurenfrost. Estarei sob seus cuidados nesta oportunidade.

Rinslet segurou a barra do vestido e fez uma reverência elegante.

Mesmo com seis anos, ela já se comportava como uma nobre perfeita.

— Ó, como esperado da filha da Casa Laurenfrost. Ela age com compostura. Eu jamais imaginaria que ela tem a mesma idade que minha filha.

— Não, não, sua filha também é muito amável—

— …

Rinslet não dava a mínima para as interações socialmente controladas dos adultos.

Seus olhos verdes-esmeralda estavam olhando para o ponto diretamente atrás do Duque Elstein.

Twintails que lembravam fortemente as caudas de algum animal estavam balançando.

A garota de vestido branco parecia estar se escondendo atrás do Duque.

…O que há com ela?

Rinslet aguçou o olhar e a garota se encolheu ainda mais.

…Ela era como um pequeno coelho assustado.

…Ela não é nada parecida com o que se esperaria da filha de uma família nobre do alto escalão.

Rinslet a avaliou dessa forma em seu primeiro encontro.

— Claire, cumprimente Gryas Laurenfrost e a Lady Rinslet.

— …Pa-papai!?

A garota arregalou os olhos de rubi e entrou em pânico.

— Hu-humm, isso, eu…

— Claire, acalme-se.

— Si-sim…

Claire respirou fundo e,

— Eu sou a segunda filha da Casa E-Elstein, Claire Elstein.

Ela agarrou a barra da saia e abaixou a cabeça.

— Haha, que filha doce.

— Não, é muito embaraçoso que ela tenha um medo mortal de estranhos.

O Duque Elstein balançou a cabeça com um sorriso irônico.

— …

Rinslet analisou impiedosamente a garota à sua frente.

Twintails vermelhas amarradas nos dois lados de sua cabeça. Olhos de rubi espreitadores.

O vestido branco combinava muito bem com sua constituição esguia.

Ela era incrivelmente bela… não havia como negar.

Porém, apesar disso—

Ela não é muito interessante…

Esse foi o pensamento honesto de Rinslet.

Eu estava um pouco ansiosa, porque ela faz parte da mesma família que a famosa Rainha do Fogo.

Rinslet já havia perdido o interesse por Claire.

— Parando para pensar sobre isso, onde está sua outra filha?

E Gryas Laurenfrost verbalizou sua pergunta.

— Minhas desculpas. Ela desmaiou após ofertar um ritual aos espíritos da terra. Após um grande ritual, ela sempre dorme por três dias.

— Sua filha já está recebendo a responsabilidade pelos rituais para os espíritos da terra?

Gryas Laurenfrost disse com surpresa e Rinslet também arregalou seus olhos cor de esmeralda.

Devia haver apenas três anos de diferença de idade entre ela e a filha mais velha da Família Elstein, Rubia Elstein. Como esperado, era um choque que os rituais aos espíritos da terra estivessem sendo confiados a uma garota de apenas nove anos de idade.

— Parece que minha filha mais velha tem potencial como Rainha. Eu pretendo inscrevê-la no Instituto do Ritual Divino no próximo ano.

— Ó, o Instituto do Ritual Divino. Isso é muito importante.

A casa Elstein tinha uma história de produzir inúmeras Rainhas do Fogo.

A filha mais velha poderia se tornar uma candidata à Rainha no futuro.

…Rubia-sama é incrível. Completamente diferente de sua irmã mais nova.

Essa irmã mais nova sorria levemente, talvez porque estivesse feliz por ouvir sua irmã sendo elogiada.

— Bem, então, Gryas Laurenfrost, vamos discutir o ritual desta vez no quarto de hóspedes do andar superior.

— Sim. Rinslet, você vai brincar com a Lady Claire.

— …Eh? Pa-papai!?

Rinslet mostrou uma condição rara de nervosismo.

…Eu tenho que brincar com ela? Isso não é uma piada!

— Hu-humm…

Claire também parecia confusa.

— Rinslet, você é uma nobre honrada, então não pode se esquivar de suas responsabilidades. Agora, vamos andando, Duque Elstein.

— Se-sem chance! Papai—

Como se para cortar os apelos de Rinslet, a porta se fechou sem piedade.

 

Parte 5

 

— …Hum, espere. Espere um pouco.

Kamito colocou a xícara de chá sobre a mesa com um estalo e—

A história de Rinslet foi interrompida.

— O que foi?

Ela franziu as sobrancelhas, aparentemente insatisfeita por ter sua história interrompida.

— …Não, bem, essa era mesmo a Claire?

Kamito perguntou com uma expressão meio descrente.

…O que ele tinha ouvido até agora não parecia em nada a Claire que ele conhecia.

…Em vez disso, é como se ela estivesse falando de uma pessoa totalmente diferente.

— Parece inacreditável, mas é a verdade. Naquela época, aquela garota era tímida e dócil.

— É-é mesmo…

Bem, mesmo agora ela tinha algumas áreas que se assemelhavam a um medo de estranhos, e ele também sabia que ela tinha pontos gentis e femininos.

Mesmo assim, sabe…

— Posso continuar?

Rinslet pigarreou.

— Si-sim…

Kamito assentiu, ainda perplexo.

 

Parte 6

 

——Quando o Duque Elstein e Gryas Laurenfrost deixaram o quarto de hóspedes, vários minutos já haviam se passado.

Claire se escondeu atrás das cortinas e parecia estar observando o clima de Rinslet, que enrolava uma mecha do cabelo no dedo.

Haaa, estou entediada…

Embora Rinslet estivesse se aproximando do seu limite, não havia se passado muito tempo.

— Ei, Claire-san?

— …Eh?

Os ombros de Claire tremeram, como se ela estivesse assustada, quando Rinslet chamou por ela.

— Eu sou sua convidada de honra. Posso ao menos ganhar um pouco de chá preto?

— …Ahh! Sim, sim!

Claire assentiu e rapidamente buscou um bule de chá. Dentro do bule haviam pequenos fragmentos de cristal espiritual de fogo que o mantinham aquecido.

— Ó, você está usando folhas de chá razoavelmente boas.

— Sim, usamos o nosso melhor chá preto porque estávamos esperando convidados.

Rinslet expressou um elogio honesto e Claire sorriu alegremente.

— Ahh, nós também temos lanches. Eles são realmente deliciosos!

Claire saiu correndo para algum lugar e voltou com um prato de biscoitos.

— Eles parecem deliciosos. Foi você que os fez?

— Não, é uma lembrança que papai comprou na Capital. Eu gosto muito dos doces de lá.

— Hummm…

Rinslet elegantemente pegou um dos biscoitos com as pontas dos dedos e o levou até a boca.

— O sabor é muito bom. Eu gostei.

— …Estou feliz.

Claire se sentiu aliviada, uma vez que estava muito ansiosa.

Enquanto Rinslet bebia seu chá preto, ela olhou ao redor do quarto de hóspedes.

Como esperado de uma família proeminente do Império, o design do interior era extravagante. O gosto dos móveis também era bom.

No entanto, infelizmente, não havia nada que pudesse aliviá-la de seu tédio.

— Haa, estou entediada…

Enquanto segurava a cabeça com as mãos sobre a mesa, ela suspirou.

— Hu-humm…

E Claire começou a resmungar como se estivesse tentando dizer alguma coisa.

— O que foi? Se você é a filha de um nobre, diga claramente o que deseja.

— Hu-humm…

Claire abriu a boca várias vezes e,

— Eu, eu tenho bonecas!

— Bonecas?

— Sim, vou trazê-las agora!

Claire acenou com a cabeça feliz e saiu correndo da sala.

— …O quê?

Enquanto olhava fixamente para o vazio, Rinslet esperou e—

Por fim, Claire voltou com os dois braços cheios de brinquedos de pelúcia.

Todas eram lindas bonecas em forma de gato.

— Aqui. Escolha o gato que mais gostar.

Claire alinhou as bonecas em forma de gato no tapete e,

— Eu vou te emprestar essa. É o meu gato favorito…

Ela empurrou um gato de pelúcia vermelho para uma perplexa Rinslet.

— Nya— Nya—♪

— …

— Nya—?

— …Você está zombando de mim?

Rinslet jogou a boneca de pelúcia para o lado.

— …Eh?

— Algo tão infantil quanto brincar de bonecas, de modo algum eu faria isso!

— …Des-desculpe.

Claire mais uma vez ficou em silêncio.

…Eu devo ter sido um pouco dura demais agora.

…Tendo uma expressão tão triste como resposta, ela obviamente se sentiu mal.

Rinslet pigarreou e,

— A-além de bonecas, há algo mais que possa ajudar a aliviar meu tédio?

— Si-sim, humm, que tal… um livro de histórias?

— Livro de histórias?

Rinslet perguntou sem pensar.

— Você, por acaso, sabe como ler?

— Sim, Rubia-nee-sama me ensinou como!

Claire saiu correndo novamente, e desta vez voltou com uma pilha de livros.

— Que quantidade impressionante…

— Eu realmente gosto de livros interessantes. E você?

— Be-bem, eu leio. Se for um livro sobre política, história ou espíritos.

Rinslet disse, enquanto bancava a superior.

— Wah, incrível! Eu, eu gosto de livros de histórias!

A garota que vinha agindo de forma hesitante até então, agora estava com os olhos brilhando pois o assunto tinha se voltado para o tema livros.

— Como este, ou este, e este e aquele, todos são realmente interessantes!

Ela empilhou seus livros favoritos um a um diante de Rinslet.

— Hu-humph, livros de histórias são para crianças!

Rinslet, que não tinha nenhum interesse em romances, virou a cabeça para o lado.

— Mas… eles são realmente interessantes…

Claire recolheu os livros enquanto parecia triste.

— …Há algo mais interessante?

— Humm…

Claire apertou os lábios como se estivesse preocupada e,

— Hah…

Pressionou as bochechas lentamente.

— …O-o que você está fazendo?

— Um rosto interessante…

— …

Rinslet suspirou profundamente.

— …Haa, eu me pergunto quanto tempo vai durar a conversa entre nossos pais.

— Disseram-me que iria durar até à noite.

— Até à noite!?

O rosto de Rinslet endureceu.

— Você está brincando. Eu vou morrer de tédio!

— Sim, então vamos ler um livro juntas!

— Um livro…

Naquele momento, Rinslet se lembrou de algo.

— Pensando bem, ouvi dizer que existe uma coleção de tesouros mágicos na Biblioteca Selada subterrânea da casa da Família Elstein.

O boato sobre a Biblioteca Selada da casa da Família Elstein era amplamente conhecido por toda a nobreza do Império.

Todos os tipos de livros raros cobiçados por elementalistas deviam estar reunidos lá.

Poderia haver algum livro que despertasse o interesse de Rinslet.

— É a coisa perfeita para me livrar do tédio!

Claire correu para parar Rinslet, que havia se levantado com grande vigor.

— Vo-você não pode! Meu pai disse que tínhamos que ficar neste quarto. Além disso, há livros de magia perigosos selados na biblioteca subterrânea—

— Ora, ora, você está com medo?

Rinslet a desafiou.

— Isso é…

— Você realmente não precisa ir junto. Vou apenas procurar por conta própria.

— Ah, es-espere— Rinslet-chan!

Rinslet deixou o quarto e Claire correu atrás dela.

Rinslet se virou quando já estava na porta e olhou para Claire.

— Espere, quem te deu permissão para me chamar pelo nome?

— …Eh?

Ela apontou o dedo para Claire, que estava olhando fixamente em sua direção.

— Entendeu? Você deve me chamar de filha de Gryas Laurenfrost.

— Mas… a onee-sama disse que uma pessoa deve chamar os amigos pelo nome—

— Que-quem é sua amiga aqui?

— Fuaa…

Rinslet gritou e Claire recuou com olhos marejados.

— …Humph, eu não vou reconhecer uma bebê chorona covarde como amiga.

Rinslet se virou e saiu rapidamente sozinha.

 

Parte 7

 

— É aqui, não é?

A mencionada Biblioteca Selada ficava dentro de uma biblioteca anexa.

Uma porta de ferro resistente estava diante de Rinslet.

— …Droga, está trancada.

Era óbvio que estaria. Havia centenas de livros sobre perigosas magias espirituais guardados lá dentro, afinal.

— Sim, sendo assim, vamos voltar logo para o quarto.

Claire puxou a bainha do vestido de Rinslet.

— Chega desse papo chato. Esse tipo de fechadura não significa nada para mim—

Rinslet deu um sorriso destemido e começou a recitar em linguagem espiritual.

Fazendo isso, as seis fechaduras foram preenchidas de uma só vez com chaves de gelo que encaixavam com perfeição.

Virando-as, a porta se abriu com um som pesado.

— Incrível…!

— Humph, isso é o mínimo para alguém que almeja entrar na Academia Espiritual Areishia.

Longas escadas que continuavam descendo estavam atrás da porta.

Não havia luz. O caminho a frente delas era nada além de escuridão total.

— Nó-nós realmente vamos entrar?

— Ó meu Deus, você está ficando com medo?

— …Eu ouvi algo. Que há um espírito mau habitando um dos livros antigos.

— Humph, você realmente está com medo.

Rinslet disse como se estivesse maravilhada.

— Sinceramente, estou desapontada. Que uma pessoa da Família da casa Elstein, a qual a Rainha do Fogo pertence, seja assim tão covarde. Se a pequena irmã é assim, então a irmã mais velha também não deve ser muito—

— Pare de falar mal sobre a nee-sama!

Rinslet parou de falar ao perceber o tom gélido de Claire.

— Eu sou a irmã mais nova da nee-sama. Não sou covarde.

A garota olhou para Rinslet com lágrimas em seus olhos de rubi.

— …É mesmo.

Rinslet deu de ombros.

— Tudo bem. Se for assim, então venha.

— …Ce-certo.

Claire acenou com a cabeça como se tivesse tomado sua decisão.

…Por hora, parece que ela tem vontade.

 As duas continuaram descendo as escadas.

— Está escuro, não está? Não há lâmpada ou algum cristal espiritual de luz?

Rinslet suspirou e,

— Ó chamas, iluminem.

Claire criou uma pequena chama brilhante na palma da mão.

— Ora, ora, você pode usar magia espiritual?

Rinslet estava surpresa. Ser capaz de usar magia espiritual nessa idade significava que ela tinha muito potencial.

— A nee-sama me ensinou o básico.

— Hum, você realmente é uma das filhas da casa Elstein, que governa as chamas. Embora ainda não esteja no mesmo nível que eu.

——E naquele momento ela notou algo.

Mesmo se fosse algo de nível básico, o fato de que ela podia usar magia espiritual dotada do elemento fogo significava que—

— Você por acaso já possui um espírito pactuado?

— Sim, eu tenho um.

Claire acenou com a cabeça.

— Sério?

Ela estava ficando cada vez mais surpresa. Possuir um espírito pactuado basicamente a marcava como uma contratante espiritual completa.

— Mostre-me um pouco. Seu espírito pactuado.

— Não posso. Não é bom invocar um espírito de forma desnecessária se você ainda for inexperiente.

Claire respondeu com lógica. Rinslet, no entanto, não desistiu.

— Ora, ora, se você não quer mostrar, suponho que seja um espírito de baixo nível?

— Vo-você está enganada, a Scarlet é um espírito muito poderoso!

— Se for assim, então prove.

— …!

Claire ficou perdida em sua própria indecisão por algum tempo, mas—

Não era correto uma contratante espiritual invocar seu espírito pactuado levianamente.

Finalmente, ela assentiu resolutamente e,

— …Tudo bem, vou fazer uma exceção especial para mostrar a você.

Ela tirou um pedaço de giz de dentro da saia de seu vestido.

Ela desenhou um quadrado mágico na parede com dificuldade e começou a recitar o ritual de invocação em linguagem espiritual.

— Guardiã da chama carmesim, guardiã da fornalha eterna! É chegada a hora de cumprir seu contrato de sangue, venha e responda ao meu chamado!

Em um instante, um Selo Espiritual na forma de Chamas surgiu nas costas de sua mão direita.

Uma pequena bola de fogo apareceu no centro do quadrado mágico e subitamente assumiu a forma de um gato infernal envolto em chamas.

Era mais ou menos do tamanho de um esquilo, um pequeno e adorável gatinho.

— Esta é Scarlet.

Claire segurou a gata infernal envolta em chamas em seus braços.

— Nossa, ela é bem pequena, não é?

Rinslet sorriu com compostura e,

— A-a Scarlet pode ser pequena, mas ela é poderosa!

Claire inflou as bochechas.

— Bem, eu vou te dar crédito por ser capaz de invocar seu espírito pactuado. No entanto, ele nem se compara ao meu Fenrir.

Fenrir era o espírito de alto nível que Rinslet havia contratado em seu sexto aniversário.

Ela desenhou um quadrado mágico na parede, assim como Claire tinha feito antes, e recitou o ritual de invocação em linguagem espiritual.

— Ó besta congelante com presas de gelo, caçador impiedoso da floresta. É chegada a hora de cumprir seu contrato de sangue, venha e responda ao meu chamado!

Um Selo Espiritual representando o Gelo apareceu nas costas de sua mão direita.

E um forte vento gelado soprou pelas escadas até que—

Um grande lobo branco apareceu do nada.

— Incrível…!

Os olhos de rubi de Claire se arregalaram.

— Fufufu, não é?

— …Que fofinho!

Rinslet caiu.

— E-ele não é fofo e nem nada parecido! O Fenrir é um lobo branco feroz!

— Kuuun…

Fenrir deixou escapar um rosnado triste por ouvir sua mestra dizendo que ele não era fofo.

— Isso não é verdade. Ele é muito fofo.

Claire tocou o pelo de Fenrir e,

— Na-não toque nele como bem entender!

Rinslet estalou os dedos e devolveu seu espírito pactuado ao Astral Zero.

— Ahh…

— Bem então, vamos andando.

— Es-espere—!

Claire também mandou Scarlet de volta e correu atrás de Rinslet.

——As duas continuaram descendo as escadas sem fim.

— Isso é muito longo. Há mesmo um fundo aqui?

— Rinslet-chan, não seria melhor voltarmos…

— Pare de me chamar de Rinslet-chan!

— Si-sim… desculpe, Rinslet-chan.

— Haaaa, tanto faz!

Rinslet suspirou, perplexa.

Finalmente a escadaria chegou ao fim e as duas alcançaram à Biblioteca Selada.

Era um espaço amplo com um teto alto. O ar estava frio.

Claire segurou a luz da chama no alto, mostrando as muitas estantes altas.

— Então essa é a famosa Biblioteca Selada.

— Sim, que quantidade incrível de livros…!

Ao que parece, também era a primeira vez que Claire colocava os pés naquele local, então ela não conseguia esconder sua excitação.

Na verdade, as estantes estavam cheias de livros que pareciam ter histórias próprias.

— —Eu me pergunto se este aqui é sobre rituais.

Rinslet lentamente pegou um dos livros.

No instante em que ela soprou a poeira da capa e a abriu,

— Kyaa! O-o que é isso!?

Com o rosto vermelho como uma beterraba, ela atirou o livro para longe.

— O-o que houve!?

— Ti-tinha uma imagem de uma dama de mãos dadas com um cavalheiro!

— …Ma-mãos!?

Claire timidamente abriu outro livro com uma expressão descrente.

— Fuaaa, ne-neste aqui eles estão de braços dados!

— Que-que-que imoral!

As duas deram gritinhos.

Para as nobres ojou-samas extremamente protegidas, aquilo era muito estimulante.

Rinslet fechou rudemente o livro.

— Is-isto é um livro para adultos! Vamos procurar por um livro diferente!

— Si-sim, isso mesmo…!

As duas estavam com os rostos vermelhos quando trocaram acenos de cabeça.

 

Parte 8

 

——Dezenas de minutos depois.

Rinslet empilhou os livros que tirou das prateleiras no chão.

— …Ufa, valeu a pena vir. Esta é uma coleção incrível.

Por algum motivo, ela bateu nos livros com capas de couro velhas e que tinham caracteres complicados escritos neles.

Ela realmente não entendia o conteúdo, mas tinha acabado de reunir todos os livros que tinham uma encadernação extravagante e que pareciam complicados.

— Rinslet-chan, você consegue ler livros escritos em linguagem espiritual?

Pegando um dos livros da pilha, Claire perguntou surpresa.

Rinslet apertou os lábios. Ela havia recebido uma educação para crianças superdotadas desde nova, mas como já era de se esperar, ela ainda não conseguia decodificar a linguagem espiritual.

— Vo-você consegue ler?

— Sim, apenas um pouco. A nee-sama me ensinou.

Claire acenou com a cabeça.

Rinslet instantaneamente estufou as bochechas como se estivesse descontente e,

— Que-que impertinente!

— Fuaa, Rinfure-hyan, o que foi!?

Rinslet estava puxando as bochechas de Claire.

E então—

— …?

Os ombros de Claire se enrijeceram ligeiramente.

— O que houve?

Enquanto a questionava, Rinslet soltou as bochechas de Claire.

— Si-sim, agora mesmo, havia algo— eu senti um calafrio.

— Um calafrio?

Rinslet franziu as sobrancelhas.

A biblioteca subterrânea era fria, mas não a ponto de causar calafrios.

— Vamos, por favor, não me assuste assim!

— Mas… eu realmente—

*Whoooooosh—*

— …Kyaa!?

Rinslet gritou sem pensar ao sentir a rajada de vento que surgiu do nada.

— Rinslet-chan…

— Es-está tudo bem, é apenas uma corrente de ar.

— Mas não tinha nenhuma corrente de ar até agora.

Claire sussurrou isso, parecendo preocupada e começou a olhar para os arredores de maneira inquieta.

…Tal qual um pequeno animal assustado.

…Deus, acho que não há como fazer nada quanto a isso.

Rinslet encolheu os ombros ligeiramente e—

Segurou a mão trêmula de Claire.

— …?

— Relaxe. Estou aqui.

— Si-sim…

Ao que parece isso a fez se acalmar, uma vez que sua mão parou de tremer.

— …A mão da Rinslet-chan é quente. É como a da nee-sama.

— O que você está dizendo!? Eu sou fria como um demônio do gelo!

O rosto de Rinslet ficou vermelho e ela desviou o olhar.

— De qualquer forma, isso é…

O som do vento soprando foi ficando cada vez mais forte.

Os livros no chão esvoaçavam, e as saias dos vestidas das garotas voavam para cima.

O que exatamente estava acontecendo—

— …Parece uma boa ideia voltarmos.

Rinslet murmurou, e então—

— Quem ousou perturbar meu sono?

Uma voz medonha ressoou pela sala subterrânea.

— Kyaa!

— O quê!?

— —Quem ousou perturbar meu sono?

Desta vez, uma voz ainda mais forte vinda de longe sacudiu as fileiras de estantes.

— …Fuaaa!?

As duas se pressionaram uma contra a outra e se encolheram.

— Rinslet-chan, a-aquele livro—

Claire apontou para o chão e gritou. Era um dos livros que Rinslet trouxera. A página que tinha sido aberta pelo vento estava emitindo uma luz branco azulada.

— Será que havia um Espírito Selado naquele livro!?

— O que você disse!?

Espírito Selado— era um termo geral para espíritos que haviam sido selados em itens mágicos como resultado de sua ferocidade.

Era um tipo de existência que qualquer elementalista com pouca experiência deveria temer.

— U-uma coisa perigosa assim estava naquele livro— kyaaa!

Muita poeira estava caindo do teto como resultado dos estrondos na sala.

E então—

— Quem ousou perturbar meu sonooooooo?

Um quadrado mágico luminoso se formou ao redor do livro.

Uma figura gigante de gelo apareceu no meio da luz ofuscante—!

— …!

Aquilo era um dragão— não, era um grande lagarto feito de gelo.

Claro, não havia como ser uma criatura viva natural.

Era um espírito— e um extremamente forte.

— Salamandra de Gelo…

Claire murmurou com uma voz trêmula.

— Você sabe o que é essa coisa?

— Eu li sobre isso em um livro. É um espírito do tipo fera de gelo terrivelmente feroz…

— …

Rinslet engoliu em seco com as palavras de Claire.

A gigantesca fera de gelo que surgiu do quadrado mágico olhou para as duas com seus olhos vermelhos.

— Então, você duas são minhas oferendas…

Balançando sua longa língua, a criatura se moveu lentamente na direção delas.

Ela parecia capaz de entender a linguagem humana, mas não parecia ser o tipo de criatura com quem se pudesse argumentar.

…Não tenho escolha a não ser fazer isso!

Rinslet se decidiu rapidamente e entoou o ritual de invocação.

— Responda ao meu comando, apareça, espírito mágico do gelo, Fenrir!

Apenas um instante depois, o lobo branco apareceu do nada.

Com um rugido agudo, ele atacou a fera de gelo.

— Eu, eu consegui!

Invocar sem usar um quadrado mágico era uma aposta perigosa, mas—

Não havia nenhuma presa que o espírito mágico do gelo não pudesse caçar.

——Porém, no instante seguinte. O sorriso vitorioso de Rinslet congelou.

A fera de gelo balançou a cauda e mandou Fenrir voando para longe.

Fenrir colidiu contra uma parede e explodiu em partículas de luz com apenas um ataque.

— Sem chance…!

Um grito rouco saiu da garganta de Rinslet.

O espírito mágico do gelo, Fenrir, era um espírito de alto nível que serviu várias gerações da Família Laurenfrost. Tratava-se de uma existência muito superior à de um espírito selado como aquele.

No entanto, Rinslet não era nada além de uma menina de seis anos. Devido a sua inexperiência como contratante espiritual, ela não podia liberar todo o seu potencial.

— Garotinha tola.

A longa língua da fera de gelo lambeu a bochecha de Rinslet.

— Ah, ahh…

Seu corpo inteiro se encolheu de medo.

É minha culpa…

Rinslet lamentou profundamente suas ações.

Teria sido melhor apenas fazer como Claire havia dito e obedientemente ficar brincando de bonecas no quarto.

É minha culpa que mesmo ela—

Ela voltou seu olhar para trás e Claire estava de joelhos tremendo.

— Claire, pelo menos você precisa escapar!

— Eu, eu não posso…!

Claire balançou a cabeça intensamente.

— Está tudo bem, então corra. Proteger os mais fracos também faz parte das obrigações da nobreza!

Rinslet gritou com uma voz trêmula, e parou diante da fera de gelo que se aproximava.

— Rinslet-chan!?

— Depressa, agora!

— Não! Eu não posso simplesmente fugir e deixar uma amiga para trás!

— Claire—

Em um instante, as garras da fera de gelo brilharam.

— Kyaaa!

O pequeno corpo de Rinslet foi facilmente mandado voando para longe e bateu contra uma estante.

O som abafado do impacto ecoou e uma grande quantidade de livros caiu.

O vestido branco desfiado estava tingido com a cor vermelha brilhante do sangue.

— …!?

Um grito agudo saiu da garganta de Claire.

— …Ah, hu… kuu…

— Rinslet-chan, aguente firme! Rinslet-chan!

Ela podia ouvir a voz de Claire ao longe.

Ela poderia dizer que o sangue estava escapando de todo o seu corpo.

Eu fui muito tola…

Em sua consciência nebulosa—

Arrependimentos giravam por todos os lados.

…Eu pensei que poderia fazer qualquer coisa. Eu não tinha nada a temer.

Ela não tinha percebido até agora que aquilo era apenas um conceito infantil.

Pelo menos agora garota…

Ela queria pelo menos salvar a garota que a chamava de amiga.

— Rápido… corra… fuja…

— …Perdoar.

— Eh?

Mesmo quando estava prestes a perder a consciência, aquela voz alcançou seus ouvidos.

— Eu definitivamente não vou te perdoar!

— …!

Ela finalmente percebeu que se tratava da voz de Claire.

As twintails vermelhas balançavam como uma fogueira.

…O-o quê?

Seu corpo estava quente. A temperatura ambiente estava aumentando.

Os olhos de rubi que abrigavam chamas fitavam a Salamandra de Gelo como se a perfurassem.

A fera de gelo que estava se aproximando lentamente parou por um momento, como se estivesse amedrontada.

— —Nascida do nada, as chamas que governam a destruição!

O encantamento em linguagem espiritual saiu de seus lábios.

Não era um encantamento qualquer. Era um verdadeiro encantamento que atraiu o máximo de seu poder divino.

A consciência de Rinslet foi despertada por aquela cena inacreditável.

— Não me diga, Fireball!?

Era um feitiço de fogo de nível médio.

A Salamandra de Gelo rugiu.

Ela balançou suas garras na tentativa de impedir que o encantamento fosse completado—

Pouco antes disso, a magia espiritual foi concluída.

— Tome isso, Chamas da Conflagração— Fireball!

A chama crescente engoliu o oxigênio circundante e atacou a fera de gelo.

Rinslet reflexivamente protegeu o rosto da explosão violenta pela qual estava esperando.

Contudo—

— …?

Mesmo ignorando se a magia tinha ou não atingido a fera de gelo, não houve nenhuma explosão.

…O que é aquilo!?

Do outro lado do ar oscilante—

Um lótus vermelho formado pelas chamas devorava avidamente o espírito de gelo.

Era como se um predador carnívoro gigantesco estivesse massacrando sua presa.

Aquelas chamas se moviam como se tivessem vontade própria e devoraram implacavelmente o espírito.

— Aquela era mesmo a magia da Fireball?

— …

Por fim, com os gritos finais de agonia da fera de gelo, as chamas desapareceram.

— Haaa, haaa, haaa…

Claire tinha exaurido suas forças ao disparar aquelas chamas e caiu de joelhos.

— …Vo-você pode usar esse tipo de magia incrível?

Rinslet perguntou enquanto pressionava a lateral do tronco para diminuir o sangramento.

— Si-sim… mas… meu pai me disse para nunca usá-la… kuu…

— Suas mãos estão—!?

Rinslet engasgou.

…As mãos de Claire estavam gravemente queimadas.

— Eu, eu estou bem, isso…

Com o rosto distorcido de dor, Claire sorriu para parecer firme.

Rinslet suspirou.

— …Eu juro. Mesmo você sendo uma bebê chorona, você é imprudente.

— …

Não houve resposta. Fosse porque ela tinha usado toda sua vitalidade ou poder divino, Claire tinha perdido a consciência como se tivesse adormecido.

Rinslet tocou gentilmente a bochecha dela e,

— Claire Elstein—

Suavemente sussurrou essas palavras.

— Eu irei reconhecê-la como minha rival predestinada.

 

Parte 9

 

— Este foi meu primeiro encontro com ela—

Rinslet finalizou sua história e silenciosamente colocou sua xícara de chá sobre a mesa.

— Depois disso, nós fomos resgatadas por nossos pais, que tinham percebido que havia algo estranho acontecendo, mas Claire e eu estávamos realmente assustadas.

— …Entendo. Bom, é um alívio que vocês duas ficaram a salvo no fim.

Kamito sentiu-se aliviado.

— De todo modo, como esperado, a personalidade da Claire não está muito diferente?

— Sim. Aquela criança mudou há quatro anos, após o incidente com a Rubia-sama. Ela fechou seu coração para todos e se comprometeu a apenas se tornar mais forte.

— …

— Mas—

Rinslet continuou.

— Ultimamente parece que ela abriu seu coração novamente— Isso mesmo, desde a época em que ela se encontrou com o Kamito-san.

— Pensando bem, quando nos conhecemos ela tentou me fazer seu escravo.

Kamito sorriu ironicamente para tentar esconder seu constrangimento e,

— Obrigado pela refeição. Devo voltar para o meu quarto logo.

Ele se levantou do seu assento.

— …Ouvir toda a história tomou algum tempo. Um garoto permanecer no quarto de uma garota por mais tempo que isso seria uma violação das boas maneiras.

— …Is-isso é verdade. Mesmo assim, não tem problema se você ficar um pouco mais.

Rinslet murmurou, como se o fato de Kamito sair fosse uma pena.

—E ao mesmo tempo. O som de batidas na porta ecoou.

— …Sim?

— Rinslet, eu-eu—

— Claire?

Rinslet abriu a porta e aquela parada do outro lado era Claire, que tinha uma pequena caixa em mãos.

— O que é isso?

— …Hum, doces. Eu comprei muitos ontem, então você não gostaria de alguns?

Enquanto desviava o olhar, Claire esticou a caixa na direção de Rinslet.

…Parecia uma chance de elas fazerem as pazes.

Rinslet parecia entender suas intenções.

— Ora, ora, timing perfeito, uma vez que eu estava para fazer chá.

— Ah, é mesmo… eh?

Em um instante, o rosto de Claire, que tinha acabado de entrar no quarto, enrijeceu.

— Ei, Claire—

— O que… vocês dois estiveram aqui sozinhos até agora?

— Sim. Tomamos café da manhã juntos.

— …Hum, humph, entendo. Sozinha com o Kamito.

A expressão no rosto de Claire foi rapidamente tomando traços de desagrado.

— O Ka-Kamito é meu, então, por favor, não o alimente como bem entender!

— Ora, ora, o Kamito-san não é seu. Ele é meu.

Faíscas voaram entre as duas na entrada do quarto.

Enquanto Kamito observava o estado das coisas entre as duas—

…De algum modo, parece que outra briga começou.

Kamito suspirou, exasperado.



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