Volume 1 – Arco 6
Capítulo 43: Nasce Um Conflito
Já haviam se passado uma semana desde o baile, no começo do mês de abril, e seria naquela semana que Tiago participaria de sua primeira competição. Mais uma vez todos estavam ansiosos com o que aconteceria na luta. Mas não por conta do loiro.
Para a surpresa de todos os alunos, Margô substituiu Neto e iria lutar também naquela semana. Uma substituição forçada. Um pedido de Orlando Rosa em pessoa que fez o Prof. Gutierrez repensar em suas designações.
Neto ainda estava com raiva dela por conta do que fez com Selena, e ainda mais raiva após tirar a sua oportunidade de ajudar a turma. Não que Neto fosse um exímio lutador. Muito pelo contrário, perdia a maioria das partidas e só tinha vantagem quando os adversários eram muito ruins; raramente isso acontecia.
Diego ficou no vestiário, acompanhando tanto Margô quanto Tiago. Ainda assim, a moça não parecia precisar de companhia, já que praticamente todas as garotas, até algumas frias, queriam ficar perto dela; mas só aceitava a presença do amigo.
Margô chamou atenção de todas as pessoas no baile e continuou chamando a atenção durante a semana que se passou. Acabou virando amigo das meninas mais inteligentes e respeitadas.
O melhor era que ela não fazia com malícia, isto é, calculadamente, como se a amizade de cada pessoa fosse uma peça crucial para dar uma boa impressão. Ela chamava a atenção de pessoas importantes porque era simplesmente impossível ignorá-la.
Engraçada, agitada e boa de papo. Tudo bem que às vezes ela tinha uma atitude completamente fora da curva, chamando atenção de uma forma negativa. Entretanto, até isso era bem-visto pela maioria das pessoas. Se algum outro falasse mal dela estava subentendido ser por pura inveja.
E, além disso, Margô e Diego se davam muito bem. Na verdade, a amizade deles era invejada o tempo inteiro, tanto pelos meninos de sua turma quanto por outras meninas. Ele não parava de receber perguntas do tipo: “Como ela é?”; “Como você consegue falar com ela?”; “Qual é a tua?” Dentre outras.
Era um pouco incômodo ter de lidar com aquilo. Todos queriam se aproximar mais dela na mesma medida em que ela era próxima dele, pois a relação dos dois era muito mais forte que as dos outros.
Embora se falassem pouco, ela lhe contava sobre coisas das quais não contava a mais ninguém. Geralmente, fofocas. E ele confidenciou sua vida a ela. Em pouco tempo, a moça ficou sabendo sobre todo seu sofrimento com os D. Monte, sobre o possível nocivo e sobre as informações que ouviu por aí, incluindo as informações que ouviu do Sr. Rosa.
— Eu acredito em você — dizia ela com determinação. E aquilo era o que o rapaz mais queria ouvir. Enquanto Tiago era cético com relação ao que Diego dizia, Margô apoiava.
Como os dois passavam pouco tempo juntos, graças a toda a atenção que ela recebia, o rapaz ficava mais com Tiago e eles conversavam sobre qualquer outro assunto que não fosse ela. O loiro não se incomodava quando falava sobre Margô, porém a menina não parecia ficar satisfeita quando falava sobre Tiago.
Era estranho. Ela não dizia nada e esse era o problema. Apenas ficava calada, ouvindo e então mudava de assunto. Conversar sobre qualquer outra pessoa era resultado de horas de conversas, porém quando tocava em Tiago ela simplesmente não queria puxar assunto.
Graças a isso ele deduziu que talvez não fosse bom ficar falando sobre Margô para o loiro, afinal ele poderia também não estar muito afim de puxar assunto sobre. No fim das contas podia ser só coisa de sua cabeça. Talvez ele fosse o chato que ficava forçando os assuntos.
Agora, porém, no vestiário, não teria como os dois não interagirem. Estavam confinados no mesmo espaço. Porém, mesmo assim não trocaram nenhuma palavra. Isso foi muito mais culpa do nervosismo do loiro do que qualquer outra coisa.
Tiago estava tão nervoso que não parava de mexer sua perna para cima e para baixo, a mão na boca, pensativo, falando baixinho e concentrado. Enquanto isso, Margô se mantinha distraída, chutando, socando e desviando do vento.
— Bons movimentos, parceira — disse Lauro. Ele quase sempre era escalado para lutar, já que na turma dos quentes do primeiro ano ele era o mais cheio de energia. Dessa vez não foi diferente. — Mas se liga, se você tentar fazer assim fica melhor…
Ele se aproximou dela e tentou desferir um soco direto em sua cara, obviamente sem querer de fato acertar. Mesmo que o golpe tivesse sido um fingimento, o que aconteceu a seguir foi rápido o suficiente para tirar o fôlego de todo mundo. Até mesmo o loiro saiu de seu estupor.
Margô empurrou a mão do rapaz para o lado, o puxou para perto de si e lançou o seu corpo contra o chão. Movimentos rápidos e precisos. Pareciam tão leves que até mesmo Diego pensou que uma criança poderia fazer algo parecido.
— Foi uma boa dica, garotão — riu ela, beliscando o nariz do rapaz com a ponta dos dedos.
Ele se levantou meio desajeitado.
— É… Quase isso… Tu até que é boa.
Boa era apelido. Margô era ótima. Derrubou Lauro tão rápido que nem ele estava acreditando no que aconteceu. Dani, que estava perto, ficou com os olhos arregalados olhando para ela. A menina não gostou e disse para ele olhar para outro canto, enquanto o insultava de pervertido. Ele obedeceu.
— E A PRIMEIRA LUTA DO DIA É LAGUM CONTRA WESTON! — começou Gutierrez, em seu tom de animação mais esganiçado que podia ter.
Lauro saiu em direção ao ringue. Diego teve de ir para fora do vestiário também, indo para as arquibancadas. De lá pôde ver a luta mais bobona de sua vida. Os dois eram péssimos, errando socos e até mesmo tendo medo de acertar a cara do oponente.
No fim das contas, Lauro recebeu três socos no nariz e desistiu. O outro garoto parecia extremamente aliviado com a situação. Quando Diego voltou para o vestiário, Margô não parava de rir do desempenho do rapaz. Ela não o viu, por conta da televisão que ainda permanecia quebrada, porém ouviu os comentários.
A segunda luta era de Margô contra uma menina chamada Cassia, que era quase invisível e o rapaz raramente a via andando por aí com outras meninas. Talvez ela fosse realmente muito boa, porém, para seu azar, sua oponente era Margô.
A menina simplesmente destruiu Cassia com uma série de movimentos rápidos com os pés. Derrubou sua oponente quatro vezes. As quedas eram tão fortes que o barulho que o corpo da menina fria fazia ao se estatelar no chão reverberam por todo o salão.
Cansada de cair, Cassia tentou revidar com poderes de Geração. Era como se projetasse uma névoa gelada pelos dedos. Margô, entretanto, foi mais rápida. Um soco no rosto da adversária fez ela cambalear para trás, anulando seus poderes. Outro a fez ir direto para as cordas e um último empurrão a fez cair para fora do ringue
— A SENHORITA ROSA GANHOU SEM NENHUM ARRANHÃO!
E todos deram os aplausos mais prolongados que podiam dar. Realmente, foi uma luta e tanto, embora a vantagem tenha sido totalmente de Margô, desde o início. Entretanto, o problema era o que se seguiria.
Tiago iria contra um garoto chamado Edward.
O loiro estava apreensivo antes e enquanto entrava no ringue. Assim que Gutierrez pediu para que a luta começasse, Tiago colocou as mãos para frente, fixou o corpo no lugar onde estava, de forma firme, e ficou parado. Edward também ficou parado. E assim se seguiu toda a luta.
Durante os primeiros 2 minutos, nenhum deles se moveu. E isso fez a plateia ficar entediada. Começaram a pedir para o narrador falar algo, para que parasse a luta ou desclassificassem um dos dois. Até os quentes estavam vaiando.
Diego começou a apertar as mãos. 3 minutos e nada dos dois se mexerem. Para piorar, o narrador não falava absolutamente nada. Até o rapaz da cicatriz ficou preocupado, pensando que o mundo inteiro parou ou que alguém muito poderoso resolveu atacar o Craveiro em plena luz do sol. Ele não poderia estar mais enganado.
Gutierrez encarava a luta fixamente, sem parar, de uma forma séria. Era como se estivesse mesmo vendo um campeonato. Ele se segurava na cadeira para não explodir de tensão. O professor via algo que Diego não estava vendo, tampouco entendendo.
5 minutos e os dois tinham apenas mais 1 minuto para terminar a luta, ou se não teriam de decidir nos pontos e seria extremamente difícil definir quem mais tinha pontos já que os dois só ficaram parados.
Foi aí que todos notaram que sangue começou a escorrer do nariz de Tiago e que Edward começou a se mexer. Ele se mexia lentamente, com esforço. Na verdade, estava se esforçando mais do que deveria.
Só quando estava para acabar que todos notaram como Edward estava cansado. Ele estava suando e fazendo uma cara de quem iria explodir a qualquer momento, como de uma pessoa que tenta colocar mais força do que devia em algo que sabe que é pesado demais para ela.
Aos 5 minutos e meio, Tiago caiu de bunda no chão e levantou as duas mãos para cima, os dois mindinhos levantados, ofegante. Edward revirou os olhos e desabou no chão, desmaiado.
— MAS QUE BATALHA FOI ESSA, MEUS AMIGOS! VITÓRIA PARA OS FRIOS!
Muitos começaram a amparar Edward e Tiago. O loiro sangrava pelo nariz e muito, enquanto o oponente ainda permanecia inconsciente.
— O que foi isso? — perguntou Diego a seu amigo, porém não recebeu nenhuma resposta. O loiro estava cansado demais para falar qualquer coisa.
Depois de um tempo e de muita conversa, a quarta luta iniciou. Era Margô, mais uma vez, contra Edward, que tinha performado a pior nota, por isso Weston ficaria por último.
Diego ouviu Tiago soltar um xingamento baixinho ao ver seu antigo oponente subir no ringue. O rapaz da cicatriz não entendeu a reação do amigo e tampouco o motivo de Edward estar tão cansado. Parecia ter acabado de correr uma maratona.
Quando a luta iniciou, o rapaz tentou manter o máximo de distância possível de Margô. Ela tentava se aproximar, porém ele usava suas únicas forças para correr para um canto. A luta ficou assim por pelo menos 3 minutos.
— Ela não vai conseguir se aproximar dele desse jeito — disse Tiago, finalmente. Como foi desclassificado, não podia ficar no vestiário, então estava na plateia, com um algodão enfiado no nariz, junto de seu amigo. — O Edward tem Antevisão.
— Igual a do Fabio?
— Não, a do Fabio é diferente. — Ele ia recuperando o fôlego conforme falava. — Ele consegue sentir a presença de armadilhas e coisas do tipo. Já o Edward consegue ver alguns movimentos à frente do oponente. Não são muitos. Eu diria que são uns dois ou três, mas é o suficiente.
— Que covarde — disse Diego, baixinho. — Mas então o que foi aquilo? Você prendeu ele com a sua mente?
— Bom… Mais ou menos…
Então Margô fez um movimento que deixou todos sem fôlego. Ela estava de um lado da arena, quando de repente desapareceu e no mesmo instante apareceu na frente de Edward, o socando com tanta força que o rapaz desmontou no chão.
— E MARGÔ CONSEGUE GANHAR! — gritou o professor, fazendo o rapaz da cicatriz levar um susto. Daí em diante era difícil se concentrar em qualquer outra coisa se não na menina que se teleportava, um segredo do tipo Troca.
Margô ganhou e agora iria para a próxima luta, contra Weston. A luta não foi nem um pouco difícil. Com uma rasteira e um galo na testa, o aluno frio desistiu da luta, dando a vitória para os alunos quentes. Todos ficaram felizes e eufóricos por conta daquela vitória, afinal de contas, Margô fazia parecer fácil.
Enquanto todos parabenizaram a menina, ninguém falou da luta que o loiro teve. Ninguém exceto uma pessoa.
Diego, junto de Tiago, se encontraram com Margô para lhe parabenizar pela vitória. Foi difícil expulsar todos aqueles curiosos de perto deles, porém acabaram conseguindo ficar apenas os três. E quando isso aconteceu, uma figura alta e elegante, andando com passos leves, veio em direção aos dois.
Ele tinha cabelos dourados e os olhos tão azuis que pareciam cinza. Uma barba rala e um notório terno Rosa com uma rosa pendurada no bolso. Diego não precisaria de apresentações para saber quem era aquele homem.
— Com licença — disse ele, com um tom atrevido. — Espero que não esteja atrapalhando nenhuma conversa importante, meninos. — Ele riu.
— Não senhor — respondeu Diego, com certo ar de fascínio. — O senhor veio ver a luta da Margô?
— Sim — respondeu com simplicidade. Então olhou para a menina e imediatamente ela adotou um tom completamente diferente do normal. — Como vai, querida?
— Vou bem, pai. — Ela fez uma reverência, enquanto mantinha as mãos juntas e a cabeça baixa em sinal de respeito, as mechas antes louras, iguais a do pai, adotando uma cor rosada. — O que o senhor achou da minha luta?
— Ah, foi ótima — respondeu de forma direta. — Você só me surpreenderia caso perdesse. — Ele soltou uma risada. Aquilo não parecia muito positivo para Margô, pois Diego notou um tom triste no rosto dela quando ouviu aquilo do pai, fora a cor azul de suas mechas. — Mas eu fiquei muito surpreso com você, rapaz.
Rosa colocou a mão sobre o ombro de Tiago.
— Quem? Eu? — perguntou, incrédulo.
— Sim, ora, quem mais? Você viu a importância do que fez, rapaz? — Ele balançou o corpo de Tiago para frente e para trás, como se quisesse acordá-lo de sua estupidez em não enxergar o próprio brilhantismo.
— Eu só… Tentei ajudar, não foi nada de mais.
— Nada de mais? — Agora quem estava incrédulo era Rosa. — Nenhum garoto da sua idade, eu acho que de nenhuma idade aqui do Craveiro, pensa tão bem quanto você. E não faria nem metade do que você fez hoje. — Ele riu de forma fraternal.
Enquanto Tiago balançava a cabeça em concordância e escondia o rosto ruborizado, Diego se intrometeu para tentar entender.
— Ahm… Mas o que foi exatamente o que ele fez?
Rosa riu e o encarou com curiosidade logo em seguida.
— Por que você não explica para nós o que fez? — perguntou o homem para Tiago.
— Bem… — começou, falando para os próprios pés. — Eu só usei meu segredo para colocar pressão sobre o oponente…
— Só?! — O homem estava rindo mais uma vez.
— Espera, não entendi — interrompeu Diego. — Você tava apertando o Edward ao ponto dele explodir?
— Não. Eu estava colocando pressão para baixo, para ele não conseguir sair do lugar. Era meio que… Como se ele tivesse um peso enorme nas costas. Aí ele tinha de fazer muita força para poder se mover. Pensei que ele ia desmaiar assim, mas ele ainda conseguiu ir para a outra partida.
— Você não fez nada de errado — reiterou Rosa, pondo a mão sobre o ombro do rapaz mais uma vez. — Esse torneio é uma preparação para o campo real, onde vocês vão trabalhar em equipe. Então vocês têm de pensar como equipe já aqui, para quando chegar no campo real terem experiência. E o que você fez, rapaz, foi trabalho em equipe. Enfraqueceu o mais forte para que alguém capaz derrotar. Isso é pensar em equipe. — Ele deu um tapinha de leve na cabeça do rapaz.
Margô começou a se mexer, parecendo meio incomodada.
— Mas ele era até que fácil — disse ela, as mechas adotando a cor vermelha. — Não deu tanto trabalho assim. E mesmo com a ajuda dele eu teria ganho.
— É aí onde está o erro — começou Rosa, em tom de censura. — Subestimar o inimigo. Ele podia prever seus movimentos, Margô. Ele só estava fugindo porque sabia que não conseguia ir para cima de você, e isso graças a fadiga que estava sofrendo.
— Mas eu acho que…
— Você acha demais para alguém que demorou tanto para ganhar de uma pessoa enfraquecida — interrompeu. — Imagina se ele estivesse bem. Você teria ainda mais trabalho e era bem possível que ele fosse ganhar te cansando. Ele podia ver seus movimentos, Margô.
A menina abriu a boca, como se fosse falar alguma coisa, porém desistiu e voltou à posição meio frustrada de antes. Os cabelos cor escarlate. Rosa se dirigiu a Tiago mais uma vez.
— Continue assim garoto, você vai longe. Um verdadeiro Transfigurador. — Enquanto o loiro ria, o homem se dirigiu a Diego. — E você é o Murdock, não é? Ouvi falar muito de você, principalmente de sua última luta.
— E eu ouvi falar do senhor.
Ele riu.
— Bom saber que você anda com as pessoas certas. Um Nebeque e uma Rosa?
Fazendo uma pausa, olhou diretamente nos olhos do rapaz. Diego o encarou de volta, meio curioso para entender o que sua intuição queria lhe dizer a respeito daquele homem.
No instante seguinte, Dani chegou no grupo pedindo licença e entregou um envelope para Diego. Assim que o rapaz abriu se deparou com uma designação de luta. Teria de participar do torneio no começo do próximo mês.
Rosa, que estava ali, abriu um grande sorriso e perguntou:
— Tudo bem eu poder ver a sua próxima luta?
Diego balançou a cabeça afirmativamente. E após se despedirem, todos voltaram felizes para seus lugares.
Todos menos Margô.