Volume 4

Capítulo 170: Trigésima Quarta Página do Diário – Parte 2

— Finalmente cê acordou, chefe. Os outros estavam começando a me encher o saco com tantas perguntas sobre a sua situação.

Chefe? Como assim chefe? Eu nunca tinha visto aquele cara antes.

-- Ah, sim... — O homem pigarreou e continuou — Deixe me apresentar. Sou Bepo, um dos ex-ratos. Atualmente um dos coletores de informações das Pessoas Livres na capital do Reino de Prata.

Isso fazia sentido.

— Eu trabalho como guarda da masmorra do castelo tem quase dez anos. E quando soubemos que o senhor tinha sido trazido para cá, Gruder me passou a missão de te proteger.

Então foi isso.

— Mesmo desacordado, eu colocava um pouco de água na sua boca todos os dias. É claro que tinha que fingir que estava te torturando para os outros prisioneiros não descobrirem que estamos do mesmo lado. E como eles não confiam em mim o suficiente para me deixar com as chaves, eu precisava ser acompanhado por um carcereiro. Então a atuação precisava ser bem convincente...

É claro que tinha. Aposto que muito ali em baixo não pensariam duas vezes quando o assunto fosse trocar uma informação por um mísero pedaço de pão, ou no caso dos carcereiros, conseguir uma promoção.

Não que estivessem errados, eu também me humilharia a tal ponto se tivesse que passar uma vida inteira preso em um subsolo fedido e cheio de dejetos. Se bem que era exatamente a minha situação naquele momento, mas eu não planejava demorar muito.

— Acho que a sua garganta ainda não se recuperou. — Bepo disse — É de admirar o quanto o seu corpo já se recuperou em tão pouco tempo, qualquer outra pessoa teria morrido com aquele tanto de dano.

Isso era verdade. O que ninguém sabia era que eu havia ganhado uma capacidade de regeneração tão absurda para resistir à maldição, que me deixava à beira da imortalidade.

Achei melhor manter isso como um segredinho meu.

— Zi... ta? — Forcei minha garganta até conseguir emitir um pouco de voz.

— Zita?! — Bepo me encarou de forma estranha — Fala da sacerdotisa?

Acenei com a cabeça positivamente.

— Ele ficou uns três dias em recuperação, mas já está bem. — Bepo explicou — Foi somente graças a ela que não te mataram.

— Casamento... — Tudo que consegui dizer foi apenas uma palavra.

— Não casamento. Não ainda. — Para minha sorte, Bepo era rápido em entender as coisas —O príncipe pediu ela em noivado, a cerimônia de apresentação do casal será em três dias.

— Cavaleiro... disse... casamento. — Aos poucos as palavras começaram a sair com maior facilidade.

Foi então que percebi que meu corpo parecia se regenerar com mais velocidade quando eu o forçava. Foi por isso que consegui lutar com um tornozelo quebrado, mas não regenerou enquanto eu fiquei desacordado.

Eu precisava “querer”, para que a regeneração funcionasse.

— Olha, chefe, tudo que sei é que o tal Cavaleiro de Prata tá metido até o pescoço nessa história. — Bepo coçou o queixo — Ele se faz de amiguinho dos heróis, mas quando está longe deles age todo arrogante. O cara é um baita de um metido, acha que é melhor que todo mundo, saca?

Eu pensava o mesmo.

— Saquei. — Dizer isso foi menos doloroso, sinal que a regeneração estava funcionando.

— Tenha cuidado com ele, chefe. — Bepo me entregou um embrulho através das grades — E como isso, é melhor do que esses pães mofados que eles dão para os prisioneiros.

Pelo tanto de pão mofado que eu já tinha comido, um a mais ou a menos não faria diferença. Acho até que meu organismo desenvolveu resistência às toxinas dos fungos e bolores.

— Eu vou... fazer uma... bagunça! — falei para Bepo.

— Bagunça? — Ele arregalou os olhos.

— Imagina esses... prisioneiros... todos eles... no meio do banquete...

— Pretende arruinar o noivado do príncipe com a sacerdotisa? — Bepo realmente entendia as coisas rápido, que orgulho — Isso parece incrível. Mas como planeja sair daí e ainda tirar todos eles?

— Confia...

— Tá bom. Não é à toa que o senhor é o chefe. Agora preciso ir. — Bepo olhou para os lados — Tudo que posso fazer é passar informações, não vou poder ajudar mais do que isso.

— Já fez o suficiente. — Finalmente consegui dizer uma frase inteira — Apenas repasse a notícia... que estou bem.

— Mais alguma coisa?

— Diga a eles que tenho que resolver umas coisinhas antes de voltar. — Uma ideia de merda me passou na cabeça — Tenha uma missão de espionagem para resolver.

— Espionagem?

— Apenas diga isso às nossas pessoas. Adênia é uma ótima líder, ela vai cuidar de todos enquanto eu resolvo os meus assuntos.

— Tudo bem, chefe.

— E... obrigado.

— Não tem de que.

Conforme Bepo saiu pelo corredor, a porcaria de ideia foi se enraizando e ramificando em minha cabeça. Primeiro eu precisava conquistar a confiança dos outros prisioneiros, e nada melhor para isso que mostrar força.

Levantei e caminhei até a porta da cela. Usando o poder do Rancor, fiz a névoa entrar na fechadura e forçar ela a girar por dentro. Com a porta destrancada, comecei a caminhar tranquilamente pelo corredor da prisão.

A dor no tornozelo havia diminuído o suficiente para andar de boa. Minha voz estava bem melhor. A maioria das dores havia sumido, e minha mente estava clara como um dia sem nuvens.

— Como é bom acordar e ver que ainda estamos vivos, não é, senhores? — Falei em um tom relaxado, enquanto olhava para dentro de uma cela aleatória — Mas a comida desse lugar não é das melhores...

— Como saiu da sua cela? — Um dos prisioneiros perguntou.

— Cela? Não sei do que estão falando. — Me aproximei da cela dele — Isso aqui não é uma hospedaria? Tudo que vejo são quartos, não celas.

— Esse cara é louco! — Outro prisioneiro comentou.

E essa era a segunda parte do plano.

Eles precisavam achar que eu estava louco para que o plano desse certo. Ninguém acreditaria que o meu plano funcionaria se eu não parecesse um louco. Pelo menos na minha mente fazia sentido, ou eu estava mesmo enlouquecendo.

— Eu não sou um louco! — Apontei para o homem que tinha comentado aquilo — Veja, as portas estão abertas...

Enquanto falava, fiz o meu poder destrancar a porta da cela deles e entrei lá.

Haviam ao todo, cinco prisioneiros naquela cela. Todos eles me encaravam de olhos arregalados e bocas escancaradas, sinal de que meu showzinho estava funcionando.

Agora era o momento para a terceira etapa, justamente a mais delicada. Se desse certo, eu teria um novo miniexército. Se desse errado, eu teria muita dor de cabeça e umas dezenas de cadáveres.

Saí da cela e fiz meu poder trancar novamente a fechadura. Assim que comecei a andar pelo corredor, os prisioneiros correram para a porta e tentaram abrir. Seus olhares de decepção e ódio me fuzilaram.

— Senhores...

Eu já tinha a atenção deles, era o momento perfeito para um discurso motivador.

— Não sei se estão a par das notícias do reino, mas o príncipe dará uma festa de noivado em três dias...

Falar devagar e em tom de dominação foi uma das coisas que aprendi nas aulas de teatro do Reino do Leste. Quem diria que aquelas aulas chatas seriam tão úteis.

— Eu, como uma das pessoas mais importantes desse mundo, fui convidado, obviamente...

Ao me colocar como alguém importante logo após fazer uma demonstração das minhas capacidades “misteriosas” eu joguei a semente da dúvida em seus corações.

— E o convite me permite levar alguns acompanhantes. Aí pensei: Já que estão hospedados aqui, e a comida é horrível, estariam interessados em um banquete no palácio?

Terminei de falar abrindo os braços em uma postura acolhedora.

— Você é mesmo louco.

— Não sei que truques usou para entrar na cela, mas não pode estar falando sério.

— Vai embora daqui, seu retardado!

Começou uma chuva de xingamentos em minha direção. Exatamente o que eu previ. O que significava que estavam abalados emocionalmente, tudo que precisavam era de um empurrãozinho e estaria na minha mão.

— Vocês serão meus guardas durante o banquete! — Pus as mãos na cintura e anunciei, ignorando os comentários nada amistosos.

Acho que eles desistiram de mim. Todos fizeram silêncio e voltaram para a solidão de seus sofrimentos. Talvez achassem que não valia a pena gastar a pouca energia que tinham, me xingando.

Virei para a cela ao lado, esta ficava de frente à que eu abri.

— Você aí! — Apontei para o maior dos prisioneiros da cela — Sabe usar uma espada?

O homem apenas me lançou um olhar de pena.

Perfeito. Agora era a hora da surpresa. Fiz uma espada de Rancor aparecer bem na frente dele. Todos na cela ficaram chocados com uma espada surgindo do nada no meio deles.

O homem encarou a espada, mas não a pegou.

— Pelo seu tamanho, acredito que deve estar mais acostumado com um machado. — falei, enquanto mudava a forma da espada para um machado de cabo longo.

O homem segurou o cabo do machado e o levantou.

— Isso é de verdade! — Ele exclamou.

Abri os braços e usei todo meu poder para fazer uma infinidade de armas aparecer ao mesmo tempo dentro das celas e pelo corredor. Cada prisioneiro pegou uma e encarou por segundos, mas resolvi desfaze-las antes que eles tentassem se matar.

— Como podem ver, eu consigo abrir as celas e ainda posso lhes fornecer armas. — Mudei o tom para algo mais sombrio — Agora pergunto a vocês: querem morrer dentro dessas celas imundas ou tentar uma fuga daqui a três dias?

— Por que não fugimos agora? — Um dos prisioneiros gritou.

— Porque não temos a distração do banquete.

Com a minha resposta, uma série de murmúrios dentro das celas.

No final eles acabaram concordando com a minha ideia louca. E quando eu estava prestes a voltar à minha cela, alguém fez a pergunta que mudou a minha reputação:

— Você consegue entrar e sair das celas sem chaves e em um lugar onde não pode usar magia, consegue criar armas do nada... Você é um deus?

Um deus? Não. Eu odiava o conceito de deus e tudo que eles representavam. Odiava como eles manipulavam ou eram usados para manipular as pessoas a continuarem em suas vidinhas de merda. Se eu pudesse escolher, seria o contrário de um deus.

Eu seria...

— Eu sou o demônio!

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