Volume 4

Capítulo 167: Guardião do Mundo

Em uma caverna tão ampla quanto um salão de festas e iluminada por dezenas de milhares de velas de tamanhos e cores variados, havia uma mulher que aparentava cerca de trinta anos e meditava sentada sobre uma estrutura de pedra no centro do local.

Ela não era apenas uma mulher normal.

Sua pele escura e cabelos encaracolados que pareciam esvoaçar mesmo sem vento eram características de um povo cuja existência fora extinta séculos atrás. Sua túnica com padrões geométricos coloridos era a última peça feita por seu povo antes da extinção total.

Seu pai e irmãos eram bravos guerreiros, sua mãe foi uma habilidosa tecelã, seu noivo era o filho do líder daquele povo que primeiro domou as areias do deserto frio e mortal. E ela foi a última das sacerdotisas de seu povo.

Depois que se foram, muitos outros povos seguiram seus passos naquele deserto hostil. O nome de seu povo foi esquecido pelo tempo e ela se tornou uma antiguidade, uma velharia, obsoleta, um ser digno de pena.

Mas ela era incapaz de morrer.

Séculos após o desaparecimento de seu povo ela foi chamada de deusa. Uma piada ridícula, ela achava. Tudo que os seres humanos não são capazes de compreender eles remetem à existência divina.

Uma falha que ela teve por séculos até que fosse capaz de ver o que ela era, e o que “os deuses” eram. 

No início era maravilhoso ser adorada. As peregrinações que iam ao seu encontro tornaram os arredores de Motog em um centro comercial. E pensar que agora aquele maravilhoso templo não passava de uma ruína.

E o pior, nessa era os poucos humanos que sabiam sobre Motog o chamavam de “Templo dos Mortos”, uma ofensa àqueles que veneravam o poder espiritual. E ela como a deusa dos espíritos não podia deixar de odiar a passagem do tempo por fazer os humanos serem tão idiotas.

Não.

Os humanos apenas se adaptavam ao momento. Não haviam mais espíritos sobre a terra, a magia estava se tornando cada vez mais escassa e o conhecimento do mundo antigo foi perdido quando o maldito Haroldo ousou trapacear contra os deuses.

Aquele homem desprezível.

Um ser cuja alma não estava em sincronia com o mundo. Ele não tinha história, família ou qualquer referência que fosse, apenas surgiu do nada e ascendeu na hierarquia do Reino de Pedra.

Do ponto de vista dos deuses, era apenas um homem estranho, não havia motivo nenhum para mantê-lo sob vigilância. Mesmo quando ele assumiu  trono de forma misteriosa e levou o Reino de Pedra a um nível totalmente diferente, nenhum dos deuses percebeu que ele poderia ser perigoso.

Um erro que custou caro a todos eles.

Se tivessem se dado conta de que ele já estava vivo por mais de cem anos e sem envelhecer nenhum dia em sua aparência, com certeza eles teriam agido. O problema da imortalidade é que a passagem do tempo começa a fazer cada vez menos sentido, e a vida dos mortais é só um momento comparada à eternidade.

Eternidade essa que não existia mais.

De alguma forma, aquele homem acessou o poder da imortalidade que deveria pertencer apenas aos deuses e descobriu como reverter os efeitos da última das magias primordiais. Essa era a única explicação para agora os deuses terem perdido sua imortalidade.

Esse era o prelúdio de uma nova era.

Ela sentia que um novo período da história estava começando. Deuses, heróis, guerreiros e reis se enfrentariam em um campo de batalha para definir quem mandaria no mundo pelos próximos séculos.

Finalmente.

Esse mundo de merda precisava encontrar um rumo certo, e suas pessoas precisavam de um bom incentivo para se tornarem independentes de suas próprias correntes. Milhares de anos presos a um passado inexistente fizeram aquelas pessoas não evoluírem.

Uma pena que ela não estaria ali para assistir o ascender de um novo tempo.

— Ama-Ya! — Uma voz grave e lenta ecoou pelos paredões rochosos do lugar.

E lá estava o homem que ela tanto odiava. A mesma aparência de quando a deusa dos espíritos havia o conhecido, mas era apenas a aparência. Tudo nele estava diferente, fora do lugar.

Não.

Aquele não era Haroldo. Aquela energia pura emanando era de alguém diferente, alguém mais poderoso, alguém mais perigoso. Não apenas alguém, mas o ser mais perigoso dentro dos limites da existência daquele mundo.

Afinal, ele era o Guardião do Mundo.

A existência divina que escolheu pessoalmente os primeiros trinta e dois, e após ser traído, ficou preso por séculos na Grande Falha. Agra que ele e os “deuses” estavam livres, as coisas iam feder um pouco.

— Algum motivo para essa aparência? — Ama-Ya questionou o Guardião do Mundo.

— Queria irritar o filho dele. — O Guardião respondeu.

Haroldo tinha um filho? Essa foi uma surpresa para a deusa. Se aquele homem sozinho já havia sido um problema, imagina seus descendentes. A não ser que...

— Não me diga que foi o filho dele o culpado por estarmos todos livres. — As palavras escaparam de sua boca.

— Ah, sim. — O Guardião parecia bastante à vontade com aquele corpo — O rapaz é bem diferente do pai, mas é bastante esforçado. Nesse exato momento ele está praticamente morto e mesmo assim não desiste de seus objetivos.

— Isso parece perigoso para um mero humano...

— Sim. Totalmente perigo. Completamente insano. — O ser ancestral caminhava em torno da rocha onde Ama-Ya estava sentada, enquanto falava — A mente de André ruiu no momento em que sua amada morreu, e mesmo assim seu corpo continua agindo. Seu seno de justiça é tão forte que, mesmo desorientado, ele foi capaz de matar Jonas, um dos seus maiores rivais. Eu esperava um assassinato, um homicídio espalhafatoso, mas ele reconheceu a tentativa de redenção de Jonas...

— André... Jonas... Não faço ideia de quem são! — Ama-Ya interrompeu.

— E Jafah? 

— Esse eu conheço. — Ela suspirou — E rezo para que ele tenha uma morte lenta e dolorosa.

— Foi rápida, mas doeu muito, isso eu posso te garantir.

— Jafah está morto? — Pela primeira vez a mulher demonstrou uma atitude agitada.

— Os filhos do vazio... — O Guardião encarou o teto com um sorriso — Aqueles a quem eu criei da minha própria alma, esses sim não me decepcionam.

— Você mandou que matassem Jafah?

— E precisava? Todos odiavam aquele idiota. — O guardião parou diante dela — Até os heróis tentaram mata-lo uma vez, sabia?

Sim, ela sabia disso graças à sua conexão com a heroína dos espíritos.

— E quase conseguiram. — Ele continuou — Se não fosse pela pequena Anne...

— Humanos são voláteis, não é? — Ama-Ya perguntou.

— E vocês, que se intitulam deuses, são apenas humanos.

Tá bom. Ele pediu essa.

— Qual seu plano? — Ama-Ya perguntou mais uma vez — Vai ficar de algum lado ou acabar com tudo e começar do zero?

— Ainda não sei. Preciso primeiro descobrir como conseguiram me derrotar na primeira vez para não deixar acontecer outra vez.

Então ela riu. Riu muito alto, gargalhou sem controle. Era muito engraçado como o ser mais perigoso daquele mundo não fora capaz de descobrir algo tão importante.

É claro que apenas duas pessoas, ou melhor, dois deuses sabiam. E um deles já estava morto de qualquer forma. Ela sabia que ia morrer em breve, não fazia mal contar.

— A existência superior da criação... — Ama-Ya disse lentamente, ela estava se deliciando com o momento — Ela te odeia!

— Por que a existência que me criou e escolheu como guardião iria me odiar?

— Tão esperto, mas tão burro. — Ama-Ya fechou os olhos — Você negligenciou suas responsabilidades e permitiu que esse mundo fosse ao colapso. Tudo começou quando escolheu dar um fragmento do seu poder para aquele cavaleiro corajoso que protegia seu reino dos inimigos invasores...

— Então você sabe sobre a origem de Jafah?

— Eu fui a segunda a ser escolhida, sei de algumas coisas...

Sua frase foi interrompida. Sua força falhou, ela sentiu um peso no abdômen.

Não era preciso abrir os olhos para saber que o Guardião havia perfurado seu corpo. E sem sua imortalidade, Ama-Ya morreria em poucos segundos. Não que isso fosse ruim, ela poderia finalmente descansar ao lado dos seus parentes.

Ela desejava que aquele mundo pudesse ver a luz mais uma vez.

Jaiane caminhava alegremente ao lado de Raniely. As duas garotas conversavam sobre trivialidades do cotidiano, coisa comum para ambas as amigas. Era um passatempo relaxante desde os tempos de Reino de Bronze.

O assunto do momento era sobre como Jaiane havia tirado Alice de dentro da armadura com um chute. Ela desmaterializou seu corpo e rematerializou apenas o solado do pé, conforme passava pela casca de metal prateado.

Um feito que ela mesma demorou a acreditar que tinha conseguido.

Raniely havia sido designada para a parte de ataque, onde ficou responsável por criar uma distração enquanto os outros atacavam o meio do acampamento. Mesmo que as duas preferissem ficar juntas, tinham que admitir que Adênia era genial em seu plano de ataque.

Mas o assunto que estava dominando o acampamento era sobre como Jaiane havia intimidado a comandante inimiga com apenas um olhar. Muitos diziam que ela era tão intimidante quanto André, e até mesmo alguns heróis estavam falando diferente com ela.

Era boa a sensação de ser respeitada.

Raniely insistia que isso ia arruinar a chance da amiga conseguir um namorado entre as Pessoas Livres, mas Jay achava que não era momento de pensar em homens. Havia uma guerra em torno delas, e toda a concentração deveria estar voltada para aos inimigos.

Uma vitória em batalha não significava que a guerra estava ganha.

Jaiane parou de forma repentina, sua expressão congelou e suas pernas cederam. A sensação de impotência percorreu seu corpo e um fio a dominou. O que deveria ser aquilo? 

Jaiane sentiu como se faltasse algo muito importante dentro de si. Sua alma parecia incompleta. Caída sobre os joelhos, ela olhou para cima enquanto uma lágrima descia pela face.

— O que foi, amiga? — Raniely não percebeu a expressão de Jaiane — Caiu de madura?

— Acabou... é o fim... — Jaiane disse em meio a uma voz trêmula.

— O que acabou? Por que está chorando do nada? — Raniely se desesperou.

— O meu poder! A conexão entre mim e a deusa do espírito se foi... eu perdi meu poder, Rani. Eu não sou mais uma heroína.

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