Volume 2
Capítulo 91: Quimera
Organizar uma guerra não é uma tarefa fácil, além de todas as negociações e fomações de alianças, planejamentos estatégicos, estudo de terreno e rotas, ainda haviam as provisões e retirada de civis. Essa última foi deixada a cargo de Kawã, o herói que mais parecia uma montanha de músculos sabia ser bastante simpático e convincente.
O que impedia Kawã de ser o super-herói perfeito era sua ingenuidade, ele sempre esperava o melhor das pessoas, ou, as vezes, acabava se deixando levar por opiniões de terceiros e desgostando de quem ele sequer conhecia por nenhum motivo aparente.
Jonas conhecia Kawã o suficiente para saber que ele era um soldado perfeito, mas precisava de alguém para ser seu cérebro, caso contrário poderia sofrer uma lavagem cerebral por parte do inimigo. Então sugeriu a Adênia que mantivesse alguém inteligente por perto.
A líder dos antigos Ratos, pôs dois conhecidos de Kawã para lhe acompanharem: Brogo e Jairo. Os dois primeiros a se juntarem a André na empreitada rumo ao oeste, dez anos antes. Eles haviam cruzado o caminhos de alguns heróis, e assim escreveram seus nomes como soldados livres do Leste.
Os três haviam agora recebido a missão de, juntos, evacuarem as pequenas cidades e vilarejos. Em breve toda aquela região se tornaria palco de uma guerra continental e não seria seguro para civis. Mesmo assim muitas pessoas se recusavam a deixar seus lares, mas o Reino do Leste estava auxiliando no deslocamento dos refugiados.
O pior de tudo eram as milícias e os bandidos de estrada, esses grupos se organizavam para extorquir dinheiro das pessoas em situação de vunerabilidade, lhes tirando o pouco que sobrara, era uma situação muito comum desde a primeira guerra, mas Jonas havia explicitado o seu repúdio por tais atos.
Para capturar os bandidos procurados por lesarem as pobres almas retirantes, os três se infiltaram em uma caravana de refugiados, Kawã se passava por um caçador que vivia recluso, usando roupas típicas da floresta e um arco, e torcendo para que ninguém solicitasse uma demonstração de tiro. Jairo e Brogo fingiam ser um jovem casal, para isso ela até retirou a sua máscara, o que chocou Kawã.
— V-você era bonita assim da outra vez? — O herói gigante ficou abismado.
Brogo não respondeu, apenas enfiou o rosto dentro de uma bolsa de viagem para esconder a vergonha. Jairo riu e explicou:
— Ela não gosta que vejam sua aparência real, inclusive, muitos acham que Brogo é homem.
— Na verdade eu achei por algum tempo. — Kawã comentou — Até dois minutos atrás, pra ser franco.
— E também me proibiu de dizer o seu nome verdadeiro, e insiste em ser chamada de Brogo, um nome horrível. — Jairo revirou os olhos.
— O chefe disse que nomes assustadores nos fazem parecer mais fortes. — Brogo comentou sem tirar a cabeça de dentro da bolsa.
Kawã não disse mais nada, apenas se afastou dos outros dois, separados eles poderiam visualizar melhor o andamento da caravana de refugiados que seguia rumo ao leste. Essa era a quarta caravana que eles acompanhavam, nas duas primeiras houveram apenas alguns casos de extorsão, e na última foi tudo tranquilo, mas agora seus instintos estavam gritando.
Se aproveitando de sua altura acima da média, Kawã percorria a multidão com o olhar, verificando as ações de todos ali. Ele podia ver, ao longe, Jairo e Brogo fazendo o mesmo, a garota de capuz até mesmo tinha subido em uma carroça, com certeza se fingiu de cansada para ganhar uma carona e compensar a sua baixa estatura. Mas a verdade era que Brogo tinha uma das maiores resistências físicas entre as pessoas com quem Kawã havia lutado.
Não demorou muito para que se formasse um burburinho, Kawã aumentou a velocidade e se aproximou, foi tempo o suficiente para ver um homem alto e magro passando o que parecia ser uma bolsa de moedas para outro mais baixo, enquanto um terceiro homem, mais idoso o acusava de roubo.
O que estava com o pacote de moedas fingiu não estar prestando atenção no que acontecia e se distanciou da confusão, passando ao lado de Kawã, e caindo desmaiado em seguida. Kawã chegou para o homem idoso e perguntou o que acontecia.
— Esse homem se diz ser um guarda da caravana e extorquiu a maioria aqui em troca de segurança, agora vem e diz que o preço aumentou, como eu disse que não ia pagar mais nada ele tirou o meu pouco dinheiro à força! — O idoso respondeu.
Kawã apenas olhou para o suspeito, o homem magro tinha quase a mesma altura que o herói, mas os braços de Kawã eram tão grossos quanto a cintura do bandido.
— Podem me revistar, se achar alguma coisa desse homem comigo, então será verdade o que ele diz.
Uma tática simples, pegar o que não é seu, passar para outro e depois fazer uma encenação, assim mudando o foco da acusação. A vítima passaria a ser suspeito caso não houvesse provas.
— Pode ser! — Kawã disse sério — Se eu encontrar o dinheiro com você vou te dar um soco dentro da boca, se não encontar, o homem que lhe acusa será quem vai levar o soco.
O bandido sorriu e o idoso engoliu em seco.
— O senhor pode me descrever o que exatamente ele lhe afanou? — Kawã perguntou ao homem de idade — Para o caso de ele vir com a desculpa de que o que o senhor diz ser seu, na verdade ser dele.
O bandido mudou de expressão, mas segurou um sorriso forçado.
— Uma bolsa de moedas com o desenho de uma águia de duas cabeças, amarrada com um cordão vermelho. — O idoso respondeu.
— Nunca vi algo com essa descrição. — O suspeito deu de ombros.
Kawã não disse mais nada, apenas começou a revistar o suspeito, e quando pôs a mão no bolso dele, sorriu. Levantou a mão trazendo entre os dedos indicadores e médio uma pequena bolsa com as mesmas descrições que o idoso havia repassado.
O bandido abriu os olhos em espanto, só então ele percebeu que tudo foi uma armação de Kawã, em choque ele ainda tentou se defender, mas quando abriu a boca o punho esquerdo do herói lhe esmagou os dentes, o atirando a metros dali, desacordado.
O idoso recebeu seu dinheiro de volta, e Kawã sumiu no meio da multidão tão rápido quanto havia chegado, mas não havia como não chamar atenção com os seus atos e seu tamanho. Ele andou na direção contrária à da caravana, e quando passou por Brogo e Jairo, fez um sinal indicando que estava tudo bem.
Se separando do resto das pessoas, ele seguiu por uma estrada sozinho, até chegar em um vale onde antes era uma fazenda, mas agora tudo estava abandonado. Os antigos moradores já haviam deixado tudo para trás.
Kawã ficou parado, como se esperasse por alguém, e não demorou muito até que seus seguidores chegassem, pelo menos vinte homens e mulheres armados. Mas não usavam nenhum tipo de armadura ou couraça apenas roupas simples e surradas, típico de bandidos aproveitadores.
Um dos últimos a chegarem foi o que havia perdido os dentes em um único soco do herói, ele apontou o dedo para Kawã e gritou umas palavras impossíveis de serem entendidas. Kawã se pergutou se o soco foi forte ao ponto de quebrar o maxilar, ou apenas havia deslocado.
— Dando uma de herói, hein! — Uma mulher foi a primeira a falar.
— É o que eu faço… — Kawã respondeu.
— Mas essa é a nossa área, e nunca te vimos por aqui. — Ela continuou — Você aparece do nada e nos causa alguns prejuízos, agora vai ter que nos pagar.
— Vocês foram muito burros em me seguir. — Kawã igorou as últimas palavras da mulher — Mas eu estava contando com isso.
— Burro é você de ter mexido com a milícia do sul da grande falha! — Ela retrucou.
— Nunca ouvi falar de nenhuma milícia com esse nome, e duvido que alguém ainda ouvirá falar. — Kawã deu de ombros.
— Não tente nenhuma gracinha, você pode ser grande mas nós somos muitos! — Anunciou um dos milicianos — E você está cercado.
Kawã andou lentamente am direção às pessoas da milícia, seus passos ficaram mais pesados, fazendo o chão tremer levemente cada vez que seus pés batiam no chão. A respiração foi se tornando mais forte e barulhenta, seu corpo foi ficando maior e coberto de pelos.
Seus dedos foram esticando e desenvolvendo garras a partir das unhas, da sua boca dentes afiados começaram a se tornar visíveis, seus olhos mudaram de cor e a as suas pupilas mudaram de formato. Até mesmo suas orelhas se tornaram pontudas e cobertas de pelos.
Ele não havia se transformado em nenhum animal específico, mas desenvolvido partes de animais que davam vantagens às diversas espécies, tornando-os melhores do que os humanos em vários sentidos. Esse era o modo quimera, uma das poucas habilidades dos heróis que conseguiu derrotar André, e kawã se orgulhava disso.
Agora Kawã tinha as habilidades de uma duzia de animais combinadas com a inteligência de um humano. Os milicianos não tinham mais nada, sequer esperaça. Só então eles haviam percebido que mexeram com a pessoa errada.
— Eu não estou cercado, você é que estão sozinhos comigo! — Kawã sorriu mostrando os dentes assustadores — Se acreditam em algum deus, é o momento perfeito para pedir perdão pelos seus pecados.
Uma série de gritos de desespero ecoou por aquele vale, mas não havia ninguém para ouví-los.