Volume 2

Capítulo 65: O Último Dia de Calmaria

Diferente do que Lídia esperava, a fuga foi calma e sem perseguição, não havendo nenhuma perseguição e troca de tiros como passou pela cabeça dela.

— Óbvio que isso só acontece nos filmes! — Pensou ela — Só não entendo o porquê de Felipe ter deixado uma arma se ele sabia que seria uma fuga segura….

Após dirigir por cerca de uma hora, Lídia finalmente chegou à casa de André. Era a primeira vez que ela vinha ali pessoalmente, e a sua impressão foi de que estava no endereço errado.

O local era um sítio na zona rural, cheio de mato em volta da casa, se é que poderia chamar aquilo de uma residência. Estava mais para uma barraca improvisada, pequena e mal acabada. Não era um lugar digno de ser a casa de um herói.

André estava deitado em uma rede armada entre a parede da casa e uma árvore, lendo um livro enquanto cerca de uma dúzia de galinhas ciscavam e gritam em volta, e de vez em quando o último herói lançava um punhado de grãos de milho para as aves que logo corriam em busca do alimento.

Aquilo era exatamente o oposto da imagem outrora tão gloriosa de um herói do outro mundo, parecia mais um personagem veterano de guerra que se aposentou, então Lídia seria apessoa que viria lhe tirar o sossego e carregá-lo de volta ao campo de batalha. Ela não pode evitar de sorrir ao pensar nisso.

— Não acha que já descansou o suficiente? — Disse Lídia se aproximando da rede onde André relaxava.

— Quê?.. — André pareceu confuso.

— Acho que você nunca assistiu a um filme desse tipo… — Lídia resmungou enquanto o entrega o livro que Felipe havia deixado.

— O que é isso? — André perguntou enquanto jogava mais um punhado de milho para suas galinhas — Além de, obviamente, um livro…

Lídia entregou o livro e contou todo o ocorrido, desde a conversa com Alice até a fuga dela, obviamente fazendo a história soar mais heroica do que realmente foi. André ouviu atentamente enquanto folheava o livro, e a cada duas páginas jogava um punhado de milho para as galinhas.

 — Felipe é um sacana mesmo, ele arranja essas tretas e pega o beco, aí sobra pra nós resolvermos a parada! — Zita saiu da casa já falando, aparentemente ela estava ouvindo desde o começo.

Após cumprimentar Lídia, a ex ruiva ficou mexendo em algumas plantas, de costas para os outros dois ali. Lídia não conseguia entender com eles estavam tão calmos.

 — E agora, amor? — Zita perguntou enquanto passava a mão na testa para enxugar o suor, deixando terra grudada em sua pele.

 — Nunca tivemos escolha, então não muda muito… — André respondeu com calma entre um riso leve.

 — E quanto a você, Lídia? Qual o seu plano?

 — Precisamos ir ao Outro Mundo! — Disse Lídia com convicção — É a nossa única chance, então, vocês virão comigo?

 — Entra na fila… — Zita falou sem se virar — A Aliança já mandou uma convocação nos obrigando a sermos “voluntários” para uma missão de paz naquele lugar.

 — Engraçado que missão de paz, no Outro Mundo, significa um grupo de pessoas indo acabar com uma guerra, mas nesse mundo significa invadir um lugar e matar pessoas. — André disse se sentando na rede.

 — De uma forma ou de outra teremos que voltar para aquele mundo… — Zita falou torcendo o lábio inferior.

 — E temos alguma escolha? — Lídia olhou para os dois heróis confusa — É bem certo que eu estou nessa por vontade própria, mas vocês são heróis! Vocês tem o dever de proteger o mundo!

 — Se fosse possível escolher, eu preferiria minhas galinhas… — André deu de ombros — Mas nunca tivemos essa escolha, apenas uma falsa sensação de liberdade, e já não temos mais poderes.

 — Desde que cada um de nós recebeu seus poderes, também recebeu uma missão, da qual é impossível fugir, pois as pessoas esperam muito de nós.

 — Então se tentarmos fugir das responsabilidades, os problemas acabam vindo atrás de nós, não importando onde tentemos nos esconder.

Lídia ficou apenas ouvindo e imaginando as dificuldades que os dois deviam ter passado para chegar a esse ponto. Mesmo que, dos heróis, fossem mais conhecidas as histórias de glória, Felipe sempre havia dito que muita coisa ruim havia acontecido com cada um deles.

André virou seu corpo na rede, ficando com a cara para cima, enquanto as duas garotas continuavam conversando.

 — Podemos usar o plano da AI para realizar o nosso!

 — Está esquecendo que ainda existe a chave da janela?

 — Chave?

 — A oitava…

 — Ah… Eu tinha esquecido…

 — Se possível, eu gostaria de não utilizar ela. — André interrompeu sua contemplação do céu azul e falou — Uma vez que eu abra a caixa, não será possível trancar novamente, então a chave está mais segura com a caixa fechada.

 — Tudo bem, acredito que se apenas seguirmos o plano do Felipe dará tudo certo, mas é sem alterar nada, a não ser que não tenhamos saída, aí improvisamos. — sugeriu Zita.

 — Vou logo avisando que sou ruim em improvisar. — Lídia fez uma careta.

 — É fácil, você pensa na coisa certa a ser feita e faz exatamente o contrário. — Explicou Zita.

André esticou os braços e as pernas, jogou o resto do milho para suas aves e finalmente se levantando da rede disse:

— Algo me diz que vou precisar que alguém cuide das minhas galinhas por um tempo…

 

. . . 

 

Longe dali os soldados da Aliança internacional, chefiados por Alice, vasculhavam cada sala da Divisão de Inteligência e Segurança Mundial em busca de qualquer vestígio que Felipe pudesse ter deixado para trás. Por onde passavam deixavam um rastro de papel jogado no chão, gavetas abertas e rastros de botas militares.

 — Como é possível que aquela idiota de óculos e tranças tenha fugido e ninguém viu? — Bradava a francesa, loira e zangada — Já tentaram rastrear o celular dela?

 — Nenhum de nós é amador, sabemos bem o que estamos fazendo! — Respondeu um soldado de olhos puxados, usando um uniforma diferente dos demais — Infelizmente ele também sabem, não esqueça que está tentando encontrar um erro deixado pelo homem mais inteligente em dois mundos.

Alice ficou encarando o soldado parado à sua frente, aquela pose e o jeito de falar, todo perfeitinho, incomodava muito ela. E mesmo ela estando no comando, ele não poderia ser considerado um subordinado.

 — Soldado Lee Sen Park… — Alice disse compassadamente — Eu conheço bem os heróis, não ache que pode me ensinar algo!

 — Me chame de Park apenas… — O soldado disse com um sorrisinho irritante.

 — Então me permita fazer um trocadilho e dizer que não estamos fazendo um passeio pelo “parque”, e sim uma missão de busca de informações! Agora faça algo útil, ou se não for capaz, pare de me atrapalhar!

Lee Sen Park sorriu e balançou a cabeça negativamente.

 — Você é péssima com trocadilhos…

Alice não se importou, e dando as costas ao coreano, foi em busca de informações com resto do esquadrão. Assim que ela se virou, Park levantou o indicador e uma chama tremeluzente surgiu, sendo apagada por um leve sopro de seus lábios.

Em pouco menos de duas horas Alice deu a missão por encerrada, e ordenou que todos os soldados retornassem à base, mas ela não retornou com os soldados, com a desculpa de que tinha que passar em outro lugar primeiro.

Mesmo sem que dissesse onde ia, Park insistiu em ir com ela, ele sabia muito bem os planos da garota. A francesa tinha um pavio curto, e como o único lugar para onde Lídia podia ter fugido era a casa de André, ele não perderia a chance de conhecer a pessoa de quem foi roubado o poder que agora era dele, e o tal trigésimo terceiro herói.

Assim que o sol se pôs os dois entraram em um carro militar e sem dizer uma palavra sequer, seguiram para onde três pessoas que não esperavam por visita, tramavam uma viagem para outro mundo.



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