Volume 2

Capítulo 63: Décima Segunda Página do Diário

— Não há o que temer, apenas descansem e deixem a segurança da cidade em minhas mãos.

As palavras do magistrado foram exatamente o que eu precisava ouvir, era bom ter alguém cuidando das coisas enquanto apenas ficava escondido. Mesmo que na noite anterior eu estivesse animado por um pouco de violência, era apenas uma forma de dizer aos “heróis” que eu estava vivo e que sou muito forte.

Infelizmente as nossas ações haviam iniciado uma crise diplomática e possivelmente iniciado uma guerra, então, apesar da minha animação por uma guerra, quando Baruu me explicou a fundo a situação, eu mudei completamente de ideia e comecei a pensar que a nossa atitude na Cidade de Prata foi um tanto quanto exagerada.

— As guerras são retratadas sempre como atos heroicos onde guerreiros se enfrentam com valentia em busca de glória, uma batalha sempre entre o bem e o mal onde o bem sempre vence, mas isso é folclore… Após uma batalha o que sobra é sangue e corpos putrefatos, famílias destruídas, cidades arruinadas, e centenas de refugiados em busca de um lugar para recomeçarem as suas vidas. Guerra nunca traz nada de bom, apenas morte!

Enquanto Surii e eu estávamos meio para baixo com a fala de Baruu, nossos guardas foram se unir às tropas da cidade para garantir a defesa das muralhas. À noite, após a janta, houve uma reunião estratégica com os membros do conselho da cidade de Parva para decidir as medidas a serem tomadas mediante ao cerco militar que estava se formando.

Baruu requisitou junto ao magistrado Nerii que ela, Surii e eu pudéssemos participar, na condição de ouvintes e representantes de Miraa. Como a representante diplomática de reino do Leste, Baruu era bastante conhecida e respeitada dentro e fora da Montanha Solitária, e sua participação na reunião seria um ponto importante para a tomada de decisões.

Não havendo motivos para rejeitar a solicitação, os membros do conselho da cidade nos permitiram ouvir as discussões, com a condição de que a decisão que fosse tomada ali seria soberana e inquestionável.

Durante o início das discussões foram apresentadas as demandas dos diversos comerciantes e importantes líderes de caravanas que estavam de passagem na cidade. Eles reivindicaram uma garantia de segurança para os seus produtos e empregados, garantindo uma compensação financeira pelo serviço.

Após as suas reivindicações, foram levadas à público as observações dos militares responsáveis pela defesa da cidade. Estes apontaram números e qualidades do inimigos, mas eu não entendi muita coisa, porque eles falavam de uma forma muito complicada e usavam termos que eu desconhecia.

Após os apontamentos de segurança, os representantes dos comerciantes e dos guardas saíram, ficando na sala apenas o magistrado, os membros do conselho e nós três, filhos de Miraa. Aí sim começaram as discussões políticas.

Eu jamais imaginei que política fosse tão engraçado, assim que o primeiro membro do conselho começou a falar, os demais se intrometeram e não deixaram que ele completasse a sua linha de raciocínio.

O que se seguiu foram gritos e xingamentos, e em poucos minutos alguns estavam trocando socos enquanto uns poucos tentavam separar os animados. Enquanto isso eu e Surii ríamos sob o olhar severo de Baruu, obviamente não devíamos rir. Mas era impossível controlar.

Ao fim de mais de uma hora de discussão, gritos e socos, a reunião foi encerrada coma decisão de que nada fora decidido, ficando a cargo do magistrado a responsabilidade de tomar qualquer ação e propor contramedidas de segurança.

O magistrado estava coma aparência abatida, o que me deixou muito mal, já que a culpa pelo que estava acontecendo era nossa, mais exatamente, minha. Eu queria ser capaz de ajudar em algo, mas se nem mesmo os experientes membros do conselho foram capazes, longe de mim tal responsabilidade.

Assim que os membros do conselho da cidade saíram, eu pedi licença ao magistrado, haviam algumas dúvidas em minha mente.

— Pode falar, se tiverem alguma dúvida é só dizer! — O magistrado falou com ar gentil.

— Não entendi muita coisa do que eles falaram na reunião. — Comentei.

— Nem eu! — Surii concordou.

— Realmente, vocês não têm muito conhecimento de termos militares. — Baruu balançou a cabeça, parecendo entender o que queríamos dizer.

— Vou explicar de uma forma fácil, assim não ficará nenhuma dúvida. Caso não entendam algo ao final da explicação, sintam-se à vontade para perguntar mais. — Claramente o magistrado estava sendo legal com minhas irmãs e eu por causa de nossa mãe, mas era legal se tratado tão bem.

O magistrado se pôs de pé, e começou a falar como se fosse um professor e nós os alunos.

— As tropas do Oeste que os guardas avistaram carregam um estandarte verde com a figura de um urso, o que significa que são a tropa de choque do Reino de Prata. Um grupo pequeno de cavaleiros especializados em cerco, aqueles caras estão preparados para nos deixar presos aqui dentro até desistirmos ou eles forçarem a entrada. Pelo menos não são os cavaleiros do pelotão real, guiados pelo cavaleiro de prata, aí sim seria o nosso fim. Mesmo assim não é motivo de comemorar, um cerco é algo ruim e cansativo, uma batalha de resistência.

— Mas temos muita comida aqui, né? — Perguntei —  Dá para ficar escondidos dentro da cidade até o exército do Leste chegar!

— Você não entende, não temos tanto poder militar, o máximo que resistiremos serão três dias. E estou sendo positivo… — O magistrado disse, ao final suspirou e baixou a cabeça.

— E não temos como fugir e deixar a cidade abandonada? — Perguntei inocentemente.

— Essa cidade é muito importante do ponte de vista comercial, quase todas as caravanas que entram e saem do Reino do Leste passam por aqui. Se as tropas do Reino de prata tomarem a cidade, eles não apenas terem um ponto estratégico como um estoque de alimentos e armas. — Explicou o magistrado.

— Então não podemos entregar a cidade para eles de forma alguma, certo? — Surii perguntou com expressão convicta.

— Não mesmo, vamos dar um jeito! — Eu concordei com Surii.

— Falar é fácil, mas parece que vocês não entenderam nada… — Baruu bateu na própria testa.

— Nós começamos uma guerra, não podemos perder a primeira batalha! — Disse decidido, encarando os olhos de Baruu.

— Tudo bem, não estou dizendo que vamos no entregar, apenas que não será tão fácil vencer! — Baruu falou como se explicasse para uma criancinha.

— E como faremos isso? — O magistrado interrogou a mim e minhas irmãs.

— Só precisamos de um plano genial para impedir que eles adentrem a cidade nesses três dias, e as tropas do leste logo estarão aqui. — Sugeri — Então, vocês que entendem mais de guerra, alguma ideia?

— Não importa qual a ideia genial que se tenha, eles serão capazes de prever… — Resmungou o magistrado.

— Então é só não usar uma ideia genial. — Baruu rebateu a frase do magistrado.

— Então qual ideia usaríamos? A mais idiota?

Baruu me olhou com um sorriso maligno.

— Irmãozinho, qual a coisa mais louca que você pode imaginar para se fazer nessa situação?

— Uma festa! — Respondi prontamente.

— Uma festa? — O magistrado arregalou os olhos em espanto — Essa é a pior ideia que você poderia sugerir.

— É por isso que vai funcionar! — Disse Baruu dando um leve tapa na mesa — Agora Deco, nos fale dos detalhes.



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