Volume 1

Capítulo 6: Mal Entendido

 

Os dois jovens adultos se encaravam bem, anotando mentalmente cada característica física um do outro. Mio estava entre os dois, ela olhava para um, e depois para o outro. Zethnniyr deu alguns passos e ficou atrás da garota, levou sua mão até o ombro dela, fazendo assim com que ela encostasse no corpo do maou, isso a surpreendeu e, obviamente, envergonhada. Kintarou corou ao ver a cena e se pôs a falar.

— O-O que isso significa, Mio?! — perguntou mais uma vez, como não obteve resposta, disse: — Eu fico um dia e meio no hospital e quando volto, você aparece com um…

— Calma, Kintarou! N-Não é nada disso que está pensando!

— Ei, o que você quer com a Mio? Você não conseguiu protegê-la naquele dia, ela agora está em boas mãos.  — Sua expressão intimidadora fez Kintarou recuar.

— Ah… Já sei o que está acontecendo aqui. — Colocou a mão debaixo do queixo, como se estivesse segurando. — Você é o namorado da Mio!

— Quê?!

A garota cuspiu com a resposta de seu amigo, suas bochechas automaticamente coraram. Ela empurrou Zethnniyr e colocou a mão no rosto, em sua mente, imagens deles como um casal surgiram. Balançou a cabeça de um lado para o outro, queria esquecer aquela possibilidade.

— E-Eu? Como n-namorada dele? Impossível! Isso nunca daria certo!

— Do que estão falando? — Limpou o ouvido com o mindinho.

— Tudo bem, Mio. Pode admitir, eu sou seu melhor amigo. Não precisa ter vergonha. — Kintarou levou a mão até o peito e deu um sorriso em seguida, querendo transmitir confiança. — Nunca pensei que esse momento chegaria, você é tão tímida com os outros que não conseguia te ver namorando tão cedo. Mas, saiba que estou muito orgulhoso de você!

— Mas, ele não é!! — Aumentou a voz. Aquele assunto já estava a deixando constrangida. — Estou falando sério!

— Você está sendo uma boa namorada? Sabe, você precisa mudar algumas atitudes se quiser levar isso a sério, como a sua preguiça…

— Pelo amor de Deus, me escute!

Kintarou parou para pensar um pouco sobre o assunto. Conhecendo bem Mio, ela nunca esconderia algo dele, pois a mesma é muito ruim em mentir. Outro ponto seria que ela nunca teve interesse em alguém específico, e caso tivesse, ela diria quem seria seu crush. Ele concluiu que talvez estivesse se precipitando.

— Então… Se ele não é seu namorado, quem é? 

— B-Bem… — Mio coçou a cabeça nervosamente. Estava tentando elaborar alguma desculpa, mas nada vinha em sua mente. Sem ter o que dizer, decidiu dizer a verdade. — Entrem. Vou explicar tudo.

O jovem tinha muitas perguntas circulando em sua cabeça, porém decidiu guardá-las para si, pois logo tudo seria esclarecido. Ele pediu licença, e entrou na casa da garota, seguindo-a. Zethnniyr deu um olhar mortal para Taniguchi, que suou frio. O Rei dos Demônios seguiu logo atrás.


— O quê?! Isso é verdade? Sério mesmo?!

Os três estavam na sala de estar, sentados no chão. Mio contou todo o ocorrido e o porquê de Zethnniyr estar em sua casa. Kintarou estava muito confuso, aquilo tudo parecia um dos seus romances!

— Pode parecer mentira ou coisa de anime… Mas é verdade — falou com os olhos fechados e os abriu em seguida. — Zethnniyr é de outro mundo.

— De fato. Eu sou o Rei dos Demônios do meu mundo! — Com o tronco reto e estufando o peito, falou com orgulho. Os outros o olhavam entediados.

— Tem certeza que ele não é seu namorado ou algo do tipo? Eu não sei se devo acreditar nessa história…

— Ele não é meu namorado!! — gritou toda corada. — Por favor, acredita em mim!

— Hmph, seu idiota, ela está dizendo a verdade. — Bufou na sequência, cansado daquela conversa toda. — E eu tenho um jeito de provar a verdade.

O maou soltou uma risada diabólica, mostrando seus dentes pontiagudos, o que assustou os dois jovens. Ele levantou, fechou seus olhos e seus punhos, se concentrando. Mio e Kintarou o olhavam com certa curiosidade. Não demorou muito para algo acontecer e, de repente, Zethnniyr já não estava mais na frente deles! Ambos fizeram uma cara de espanto.

— O quê…?

— Cadê ele? — Virou para o lado e se surpreendeu com um homem de cabelos pretos encostado na parede. Mio recuou, levando um susto e deixando seus óculos caírem no chão.

— Estavam me procurando? — Sorriu maliciosamente, e continuou: — Eu chamo isso de teletransporte.

— C-Como você fez isso…?

— É como eu disse, ele não é daqui. E nem aquela criatura que vimos perto da casa da Haruka. — disse com um rosto sério, algo raro vindo de Mio. — E ele está recuperando seus poderes aos poucos…

— Mas… Como? Onde? Quando? O quê? — A mente de Taniguchi deu um branco. Na linguagem popular, ele bugou.

Quer que eu faça de novo?

Zethnniyr nem deu tempo para os dois responderem. Ele sumiu novamente, mas diferente da última vez em que ele apenas se teletransportou, o Rei dos Demônios estava em toda parte! A velocidade era constante, como se tivessem clones dele, porém não se tratava disso. Era a mesma pessoa — se isso pode se chamar de “pessoa” —, só que em lugares diferentes. Ele estava apenas usando sua super velocidade para estar em vários lugares ao mesmo tempo.

— Eu chamo isso de teletransporte instantâneo, onde eu consigo estar em vários lugares ao mesmo tempo e em uma velocidade que ultrapassa a do som!

— I-Incrível… — disse Kintarou, admirado e surpreso com a “mágica” do demônio.

— Eu posso fazer mais coisas, se quiser. — Parou com o teletransporte, sentando-se ao lado de Mio.

— Não precisa, isso já é o suficiente!

— Se quiser, posso colocar fogo nessa casa toda com as minhas mãos!

— Você não é nem doido pra fazer isso! O que falamos sobre as regras da casa?! — Mio deu um empurrão no maou, o homem apenas gargalhou com a reação da garota de maria-chiquinha.

— Parece que você está o domesticando ou algo assim… — Olhou para os dois que estavam brigando. Kintarou já não tinha mais dúvidas, nenhum humano normal conseguiria fazer aquelas proezas. Mesmo ele sendo cético quando o assunto era o sobrenatural, Taniguchi não podia negar que aquela história era verdadeira. — Então, você nos salvou daquela criatura… Mas como você veio pra cá?  

— Não importa mais como eu vim parar aqui, o que realmente importa é que vou ficar aqui para sempre!

— Você não pode morar na minha casa pra sempre!!

— Francamente vocês dois… — Kintarou coçou a testa. Ele ainda não confiava totalmente no maou, mas tudo o que podia fazer era observar. Logo depois, encarou sua melhor amiga. — Mio, você já fez a identidade dele? Fez todos os documentos certos?

— B-Bom…

Tinham se passado três dias desde que Zethnniyr estava naquele mundo, nem se passou pela cabeça de Mio sobre os documentos para torná-lo um cidadão japonês. Estava mais preocupada em ensiná-lo as coisas do novo mundo. Para ela, isso era mais importante que tudo.

Kawano chegou a conclusão que, para Zethnniyr trabalhar, ele precisaria desses documentos. Ela não quer que ele se torne um vagabundo! A garota de maria-chiquinha suspirou pesadamente e admitiu seu erro.

— Desculpa, eu não pensei nisso… Pensei em ensiná-lo sobre o mundo primeiro e depois partir para a parte “complexa”...

— Tudo bem, Mio. Acredito que você estava dando o seu melhor. — Kintarou se aproximou de Kawano e acariciou a cabeça dela. Então, ele deu um sorriso e sugeriu: — Olha, não precisa se preocupar, eu posso te ajudar!

— Sério? — Levantou a cabeça, animada com a ideia. O amigo recuou um pouco e a olhou surpreso. “Fazer carinha de cachorro abandonado sempre dá certo!”, riu internamente.

— Então, quando faremos? — perguntou Zethnniyr impaciente, ele só queria voltar a assistir anime.

— Podemos fazer no sábado, não tenho nenhum compromisso. — Voltou seu olhar para o maou e esperou a aprovação, não demorou nem dois minutos para Zethnniyr assentir com a cabeça. — Agora que essa parte está parcialmente resolvida, vamos tratar sobre o que realmente importa.

— E o que seria, Kintarou?

— Você realmente se esqueceu do trabalho da faculdade daqui a duas semanas? Vamos ficar só essa semana sem aulas, mas semana que vem volta tudo normalmente.

— Ah… — Mio olhou para o lado, tentando evitar encarar Kintarou nos olhos. Ela havia se esquecido completamente, tudo o que conseguia pensar nos últimos três dias era sobre Zethnniyr.

— Foi você quem me pediu ajuda e já se esqueceu disso…?

— O que eu posso fazer se estou cuidando de um adulto agora?! — Cruzou os braços e fez um biquinho com a boca. E assim, sussurrou: — Você bem que podia fazer o trabalho pra mim…

— Eu ouvi isso! E eu não vou fazer pra você, vamos fazer isso juntos e agora!

— Ehh…?

Kintarou se esticou um pouco para pegar a mochila que estava no canto da parede, em seguida, tirou de dentro livros e um notebook de cor azulada. Mio olhava para aquilo tudo com tédio, ela só queria poder assistir animes. Às vezes ter um melhor amigo responsável tem suas desvantagens. Sem ter como fugir, Kawano apenas aceitou o seu destino.

Enquanto Mio estava pegando os materiais necessários para fazer o trabalho, Zethnniyr, vendo que havia sido excluído do último assunto, decidiu voltar sua atenção para a TV, já estava na metade do episódio. Fora que Mio e Kintarou estavam trabalhando, ele não queria atrapalhar os dois. Então, resolveu ficar assistindo televisão.

A tarde daquele dia havia sido incrivelmente tranquila, e essa tranquilidade se estendeu até o anoitecer.


Eram um pouco mais das 18 horas, Kintarou e Mio passaram a tarde inteira trabalhando no dever da faculdade. Obviamente, a garota de maria-chiquinha fazia de tudo para procrastinar, ela até mesmo sugeriu que fizessem o restante no sábado. Mas Kintarou — como um bom aluno e “irmão mais velho" — recusou e deu vários sermões. Kawano acabou desistindo e só seguiu o fluxo.

Já Zethnniyr ficou assistindo anime por um bom tempo, mas acabou cochilando no meio de um. Mio até tirou uma foto dele descansando, ela achou muito fofo. 

Kintarou guardou todas as coisas que havia trazido dentro da mochila e a colocou nas costas, indicando que já estava na hora de ir.

— Eu tô mortaaa!

— Está morta do que? O que vocês estavam fazendo parecia bem simples.

— Você não vai entender se no seu mundo não existia faculdade! Vida de estudante é difícil, sabia?

— De fato eu não sei o que é essa tal de “faculdade”, mas no meu mundo existia academias. — argumentou Zethnniyr, encostando-se no sofá. — Nunca cheguei a frequentar uma, porque além de eu ser de uma família nobre de demônios, no meu reino as academias tinham poucos recursos.

— Realmente parece que você veio de um RPG… — Com um sorriso fraco, sussurrou. Mio voltou seu olhar para Kintarou. — Você tem certeza que não quer ficar mais um pouco para lancharmos?

— Estou bem. Preciso escrever minhas novels, já faz dois dias que não escrevo.

— Entendi, vou te levar até o portão do prédio…

Antes que Mio pudesse completar a frase, uma música extremamente familiar para ambos os jovens ecoou. Eles voltaram seus olhares para a fonte da música: a televisão. Normalmente, aquela musiquinha tocava quando alguma emergência acontecia em algum canto do Japão. E era esse o caso.

— Informamos que algumas criaturas desconhecidas apareceram em vários locais na província de Kanto, principalmente em Tokyo, Chiba e Saitama. Apresentamos algumas imagens desses seres — comentou a jornalista com um tom sério. A imagem da mulher some para dar espaço às imagens capturadas. 

Orcs, homens fera, goblins, serpentes, gnomos, draconatos, minotauros… Todas essas criaturas e mais outras apareceram nas redondezas de Tokyo, causando caos por onde passavam. No total, haviam 28 imagens de monstros.

Mio e Kintarou olhavam para a tela da TV assustados com a notícia, eles não imaginavam que mais outros monstros apareceriam. Seus corações batiam forte ao ver aquelas imagens, seus corpos tremiam com a ideia de encontrarem com tais criaturas. Zethnniyr observava as fotos com muita atenção, com uma expressão fechada. 

As imagens foram substituídas pelo rosto da jornalista, visivelmente chocada. Então, ela continuou: 

— As autoridades já foram acionadas e as forças armadas estão trabalhando no caso. Se você ver alguma dessas criaturas ou outra, chame por ajuda e se abrigue em um local seguro. Sugerimos a população que evite sair de casa.

O jornal encerrou com o aviso da repórter, sendo substituído por propagandas que ninguém ligava depois da “bomba” que havia sido solta. 

Zethnniyr levantou do sofá e fechou os punhos. Em seu rosto, um sorriso despreocupado apareceu. Ele sabia que não era o único teletransportado.

— Vocês não me deixam descansar nem neste mundo, imbecis!

 



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