Ultima Iter Brasileira

Autor(a): Boomer BR


Alma Imaculada

Capítulo 48: Provação a Espreita

 

 

Era uma cratera assustadoramente gigante, ninguém de fato saberia a causa de tal explosão. A equipe de limpeza estava trabalhando em conjunto com a de resgate, o que restou de membros da primeira divisão também estava ali dando suporte e segurança.

“Até agora o número de mortes só aumenta.”, pensei em angústia antes de levantar um pedaço de pedra desgastada de cima de alguns destroços de janelas.

O luar dourado banhava os pedaços de concreto e os edifícios partidos ao meio. No fim o destino de Leycrid estava próximo ao da cidade em ruínas que ficava a poucos quilômetros de distância, Thera.

Hm?

Foi então que uma luz irritante bateu no visor do meu capacete.

Meus olhos rapidamente se guiaram até o brilho. Vários cacos de vidro estavam espalhados entre os entulhos, a luz dourada da lua refletia entre os estilhaços transparentes e se guiava para diversas direções como um prisma.

Somado a isso haviam pedaços de vidro cobertos por manchas carmesins, tentei alcançar um deles com a mão e com sucesso levei um caco para mais perto de mim.

“Isso é... Sangue, está bem seco, mas com certeza é sangue.”

Com essa conclusão em mente eu saquei do meu inventário o Data Scan, o pequenino dispositivo poderia coletar quase qualquer tipo de dado, sendo ele virtual ou até mesmo baseado em uma imagem ou objeto real, bem mais ilimitado que a Skill de análise do S.I.S.

[Analise completa!]

[Relatório de unidade completo!]

A pequenina camada de hologramas azuis passou por cima da mancha vermelha no caco de vidro lentamente, a linha laser traçou perfeitamente as beiradas e o formato da mancha.

[Fragmento de DNA examinado]

[Sangue tipo: A]

[Moléculas sanguíneas pertencentes ao usuário de ID 2006]

No instante em que a janela de informações do Data Scan  surgiu diante de mim, abaixo, uma foto de perfil apareceu.

— Isso é um bom sinal, significa que o dono desse sangue tem um perfil ativo no S.I.S, está vivo então. — Suspirei em alívio, para no fim prender a respiração em choque.

[Nome: Jack Hartseer]

[Ranking Atual: F]

[Raça: Lost]

Abaixo da foto de um garoto de cabelos escuros e olhos da mesma cor, as informações reveladas eram quase mentira pra qualquer um que visse.

— Um Ranking F ter sobrevivido a essa explosão?! — Fiquei boquiaberto.

Com certeza tinha algo suspeito nele, como diabos um Lost poderia ter um Rank tão baixo inclusive? Alguém tão fraco sequer sobreviveria.

No fim outra coisa chamou minha atenção.

Shhhhh.

O sangue presente sob o caco de vidro em minha mão começou a soltar um vapor negro.

“Mas que diabos!”, minha mente congelou. A mancha carmesim começou a evaporar para uma fumaça escura como se estivesse queimando.

— Se ele sobreviveu e o seu sangue está reagindo assim tão de repente então ele pode estar... — Um nó se fez em minha garganta.

Quem diria que eu, um simples membro da equipe de limpeza na segunda divisão faria tal descoberta.

— PESSOAL! VENHAM AQUI, RÁPIDO!

 

[Jack Hartseer]

 

No fim nós conseguimos nos distanciar do acampamento Goblin sem muitos problemas. A câmara secreta onde estávamos era bem extensa tanto em questão de largura quanto de comprimento.

— Acho que podemos ficar aqui por um tempo. — Renard suspirou quando terminou de juntar os galhos para fazer uma fogueira.

“Duvido que aqueles Goblins percebam a ausência de alguns galhos velhos.”, em meio a esse pensamento minha atenção se guiou para Neth, que estava deitado de baixo de uma cobertura feita de entulhos de pedra, próxima de uma pilar obstruído.

Zakio estava lá perto, porém logo veio em nossa direção.

— Pelo visto ele ainda vai demorar um tempo pra melhorar dos ferimentos, os Goblins estavam planejando sacrificá-lo daqui algumas horas pelo que pude perceber examinando as lacerações. — Disse ele.

— Entendo, de qualquer modo ainda temos aquele quebra-cabeça do cálice pra resolver — Renard respondeu me passando duas pequenas pedras.

— O-O que é isso?

— Junte-as na aba de criação do S.I.S, todo mundo tem que fazer algo aqui.

O lanceiro de olhos prateados me instruiu para abrir o menu de criação do sistema até que um painel dourado surgiu.

Cräth. — Entoei o comando de criação ao selecionar as duas pedras cinzentas que Renard tirou sabe-se lá de onde.

Vuuush!

Partículas brilhantes em uma cor safira se afunilaram sob a pequenina caixa onde os dois itens foram depositados e em uma pequenina explosão radiante um novo item surgiu.

[Você obteve 50 Ranking Points!]

[Fragmento Ignis foi criado!]

— Ótimo, com isso já podemos ascender a fogueira. — Renard acenou em satisfação.

Terminando as últimas preparações nós finalmente estávamos todos sentados ao redor da fogueira, com exceção de Neth é claro.

O ar dentro da câmara secreta era denso, entretanto o som chiado do fogo a queimar gentilmente entre os galhos era meio relaxante.

Silêncio.

Eu, Zakio e Renard, estávamos olhando fixamente para a chama dançante que emergia dos galhos e iluminava os arredores lentamente.

Paredes ladeadas por tijolos de pedra e musgo, rachaduras, um teto coberto por neblina e o solo rígido de concreto cinzento.

Realmente difícil acreditar que em um lugar desses seres com vida habitavam, mas o real problema a essa altura do campeonato nem era isso.

“Melize Hozarik, essa era a verdadeira Misa Hordrik.”, o mesmo pensamento de antes estava a ocupar lacunas em minha mente.

O fato de eu ter ficado vários dias sob os cuidados de uma assassina mandada por Zykron.

— Vou dar uma olhada em como as coisas estão perto do acampamento Goblin, vocês tratem de ficar aqui.

Quem se manifestou dando tal ordem foi Zakio, o espadachim ruivo se levantou e calmamente se distanciou de nós, sua silhueta sumiu entre os pilares gigantes.

Passos. Passos. Passos.

Renard olhou pra mim. — O capitão não é muito bom com grupos, acho que deu pra ver né?

— Bem, não é culpa dele eu imagino.

O lanceiro de pupilas prateadas e cabelo para trás deu um suspiro levando seus olhos para cima.

A luz amarelada da fogueira banhava as ombreiras de metal dele.

— Sim... Mas acho que isso é fruto dos últimos perrengues, afinal perdemos mais de 300 pessoas inocentes naquela explosão em Leycrid, aquela cidade era um dos maiores trunfos da guilda em apenas 10 anos.

Ele olhava com uma face pensativa para o teto, com certeza deve ter sido um grande choque mesmo.

— Você tinha alguém importante lá? — Indaguei meio hesitante antes de perceber os olhos dele se fixando em mim de forma efêmera.

Ah é, eu tinha. — Renard voltou o olhar para a fogueira, suas pupilas vazias como um abismo foram preenchidas pelo reflexo do fogo. — Minha irmã mais nova, era a única pessoa da minha família que ainda estava viva.

Minha garganta se estreitou.

“Eu não deveria ter perguntado isso.”, culpa foi o que me preencheu.

Em nenhum momento ele havia demonstrado algo que me fizesse pensar sobre seu passado, tive a impressão que talvez fosse apenas um membro qualquer da guilda. Que egoísta eu tinha sido, vendo os outros como meros coadjuvantes quando eu mesmo nem sabia como usar meus poderes.

— Su-Sua irmã heim... — Meus punhos se fecharam tremendo levemente.

Percebendo minha inquietação, Renard deu um sorriso leve.

— Me desculpe por isso, acho que acabei deixando o clima meio pesado aqui. — Ele desviou o olhar tentando disfarçar sua face cabisbaixa. — No fim ela já estava no seu leito de morte, sabe? Era uma garotinha ainda, foi melhor pra ela que seu sofrimento terminasse, a síndrome de Tenebris iria consumi-la por completo.

“A síndrome.”, minhas sobrancelhas se arquearam por um segundo.

Será que eu acabaria no meu próprio leito de morte também?

Meu coração bateu firme.

Um arrepio correu pelas minhas costas. Eu não queria isso, de maneira alguma eu queria morrer. Eu engoli minha saliva ignorando meus pensamentos para no fim levantar a voz mais uma vez.

— M-Mas você não teria mais tempo pra cuidar dela se saísse da guilda?

— Sim, só que na guilda eu ganhava muito mais do que apenas dinheiro pra cuidar da doença dela, — Renard olhou para mim com uma expressão acolhedora. — eu ganhava um mundo melhor pra minha irmãzinha. — completou com um sorriso fraco.

— Um mundo... Melhor. — Mordi o lábio em uma suave angústia.

“Como ele pode simplesmente aceitar a morte da irmã assim?”, pensei com os punhos selados firmemente.

Nesse instante uma memória havia se tornado mais nítida dentro da minha mente, a imagem borrada da garota que morreu em meus braços em um passado obscuro... Minha irmã.

Hm. — Dei um suspiro ao relaxar meus nervos. — Que idiota que eu sou né? — murmurei.

No fim Renard era mais uma história, as pessoas são como livros, cheios de capítulos sejam eles bons ou ruins.

Assim como no mundo onde eu costumava viver as pessoas nessa realidade tinham seus problemas, suas tristezas e obstáculos para ultrapassar.

Apesar de tudo, ainda podíamos sempre tentar entender melhor uns aos outros, algo que pra mim era difícil de perceber.

“Você é realmente forte, Renard.”, era o que eu queria dizer, mas isso ficou apenas como admiração interna.

 

[Zakio Sperr]

 

Com passos calmos eu consegui chegar um pouco mais perto do acampamento Goblin. O Tier que classificava o perigo desse local era o mais baixo, porém quando se trata de Goblins em grupo as coisas podem ser muito diferentes.

“Essa é uma das principais pegadinhas que esse sistema de bosta tem.”, eu disse internamente ao me esgueirar em um pilar caído.

O meu ódio por Goblins... Eu nunca contei a ninguém sobre isso, apenas eu precisava saber disso, apenas eu deveria carregar esse fardo de merda.

Observando o acampamento Goblin de longe mal era possível se imaginar que no passado, essas criaturinhas destruíram uma parte inteira da minha vida.

Os gritos de agonia, as chamas dançantes se espalhando pelo vilarejo... Eu nunca poderia me esquecer daquele dia a 10 anos atrás.

Zakio, por favor... Eu imploro, fuja!

O desespero cravado na voz da minha mãe naquele dia ressoou pelo meu subconsciente, meu corpo rapidamente reagiu em um espasmo.

Huh?! — Meus olhos se abriram bruscamente.

Click~

Antes que qualquer coisa pudesse roubar minha atenção, um som familiar veio abaixo de mim, ou melhor, de baixo da minha bota.

“Merda, eu peguei no sono!”, me praguejei internamente, já esperando o pior.

Desci meus olhos lentamente para meu calcanhar.

O que vi foi um pequeno tijolo destacado, as costas da minha bota estavam pressionadas contra o tijolo de pedra que pressionado para baixo era como uma placa de pressão.

— Uma armadilha. — Mordi o lábio inferior tentando conter um xingamento por tal deslize.

[A Quest secreta (Sacrilégio) avançou para uma nova rota!]

[Pague pelos seus pecados contra a deusa, lute pela sua vida.]

Meus lábios tremendo, as pupilas dilatando e o pânico surgindo.

— O que?! Mas que merda! Pessoal! — Me ergui em desespero quando um brilho irradiou abaixo de mim. — Porra!

Um circulo mágico ascendeu de baixo dos meus sapatos, para no fim um ultimo painel flutuante surgir.

[Cada um dos participantes da Quest será devidamente isolado em provações separadas. Não há limite de tempo.]

[Teletransporte iniciado.]

Será que mais uma vez esses malditos Goblins iriam trazer a ruína até mim? Não, não agora, eu já havia aguentado coisas demais, tinha perdido vidas valiosas demais pra mim.

Se mais alguém morresse aqui e ainda mais por minha culpa, eu nunca me perdoaria!

“Renard, Jack... Sobrevivam.”, um pensamento final de angústia tomou quaisquer coisas que eu pudesse fazer, para no fim partículas reluzentes envolverem meu corpo e me mandarem pro desconhecido.



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