Transcendendo a Existência Brasileira

Volume 2

Capítulo 144: Discípula do Banheiro

 

— Huuuum, que delícia! Sim, sim, sim! Esse é o verdadeiro sentido da vida que os grandes sábios tanto buscavam! — Qin Xa soltou um grande suspiro de prazer ao sentir a água quente abraçar seus dedinhos, seguido por seus pés brancos, pernas delgadas, subindo por sua virilha, barriga e costas, até finalmente cobrir seus seios e o pescoço.

Qin Xa quase revirou os olhos com a gostosura daquele lugar!

O calor na medida certa trouxe um prazer imenso para sua mente, tanto que enquanto encostava seu bumbum em uma pedra morna, ela percebeu toda sua musculatura relaxando ao extremo. Se aconchegando contra pedras e a água…

— Hmm… — fechou os olhos, gemendo com as ondas intermináveis de relaxamento que ocorreram em poucos segundos. Da ponta do dedo mínimo do pé esquerdo até o centro das sobrancelhas, vibrações agradáveis tiraram o peso do seu corpo. Lentamente, com cuidado, seu corpo perdeu as forças… e se arrepiou.

— Banhos são a verdade… banhos são o caminho… quem não toma banho não deve nem ser considerado uma pessoa… Hmmmmmm…

O canto baixo de alguns pássaros abriu os olhos de Qin Xa… — Que erro não dar atenção ao ambiente do banho! Pensando bem, esse lugar não é bem maravilhoso? 

A banheira natural se estendia por uns 50 metros, com a água vermelha coberta por uma camada fina de vapor branco. Pedras grandes e pequenas — pretas e vermelhas — eram os sais de banho que além de darem uma ótima apresentação visual, também ajudavam a cuidar da pele.

Na beira da banheira, grandes salgueiros (?), deixavam seus galhos caírem na água, suas folhas trazendo um aroma suave e relaxante — muito bem vindo — para Qin Xa, deixando-a ainda mais admirada.

— E pensar que eu estou dentro de uma casa… isso não é justo, eu também quero uma casa com um banho assim… será que existe o Dao do Banho? — juntou água nas mãos e jogou no rosto, molhou os longos cabelos verdes, e se encostando nas pedras, ignorou o restante do mundo.

"Sim, não importa o quão dolorido está o corpo de alguém, o banho deixa isso parecer apenas um sonho distante.” Respirou fundo, e exalou com um sorriso fraco. “E por agora, me deixe sonhar com o mundo perfeito onde apenas esse prazer existe…”

Fechou os olhos e deixou que a água lavasse sua alma, figurativamente. Ou talvez fosse literalmente, não fazia diferença. Mas se banhos pudessem lavar a alma, eles seriam as entidades mais supremas e absolutas de todo o universo, desde os seus primórdios. Tinham que ser! Era ilógico que não fossem! Uma coisa tão boa não poderia ser tão pequena!

Iuuut!

Depois de 15 minutos ou 1 hora e 40, a porta do banheiro se abriu e alguém entrou com calma, os passos batendo nas pequenas poças que haviam no caminho de pedra da porta à banheira — Qin Xa não se importou com isso, porém.

Nesse mundo as casas de banho públicas eram compartilhadas entre aqueles do mesmo sexo. Desde que escolhessem entrar nesses tipos de banho também. Eninguém que era dono desses lugares, era sem noção ao ponto de obrigar todos a mostrarem suas intimidades durante o banho. 

Existiam banhos privados para os tímidos.

Também havia aqueles que entravam todos juntos para fazerem outras coisas… uma profanação do que um bom banho deveria ser. Como eles ousavam transformar esse ato sagrado em algo tão impuro?

Mas Qin Xa estava segura de que não foi por esse serviço que ela pediu. Quem quer que entrasse aqui tinha intenções puras… ou algo parecido, na verdade ela já estava quase entrando no reino dos sonhos para se importar com o exterior. 

Que se danem as intenções puras... esse banho era seu novo deus, apenas isso.

— Pelo jeito que você está feliz, esse banho parece muito bom… — a voz adulta de uma mulher soou nos ouvidos de Qin Xa, tão suave quanto o canto dos pássaros ao fundo e tão distinta quanto uma nuvem no céu da manhã. Isso deixou ela ainda mais relaxada do que já estava.

— Sim, está ótimo...

Ela estava com preguiça demais para sequer falar alto, quem dirá abrir os olhos. Com a cabeça encostada numa pedra, pendida para o lado, Qin Xa não tinha mais forças para manter a consciência. 

Desde que reencarnou nessa vida, banhos eram as únicas e mais prazerosas coisas que Qin Xa sentiu, seja nesse mundo ou no outro. Mas desde que chegou na Seita dos Céus das Oito Cores, ela sequer teve a oportunidade de praticar seu passatempo preferido.

Mas agora ela finalmente teve a oportunidade, somente após quase morrer…

A mulher riu de Qin Xa que estava esparramada dentro da banheira e entrou também, ela soltou um suspiro prazeroso quando afundou na água. 

— Está realmente ótimo...

— Não disse...?

…

Mais ou menos 40 minutos depois, Qin Xa abriu os olhos, despertando com uma certa confusão. 

Era a primeira vez que isso acontecia, mas ela tirou um cochilo no banho. 

Além de confusão, em seu olhar havia surpresa ao perceber a figura que estava diante de si.

Lindas asas brancas, brancas como a neve do inverno no pico de uma montanha, entreabertas atrás de suas costas retas. Coberta por gotículas brilhosas de água, a pele branca da mulher continha um toque místico e sobrenatural de beleza em cada polegada exposta. Descendo de sua cabeça, faixas de cabelo rosados cobriam seus ombros — mesmo que ainda estivessem amarrados, demonstravam uma beleza efêmera no seu longo tamanho — e seus lábios vermelhos causavam um encanto adicional com o par de chifres cor branca, que enroscavam por suas orelhas, deixando as pontas rente as sobrancelhas finas.

Mas Qin Xa não era inocente, e além da beleza apresentável da mulher, seus olhos desceram, junto com seu queixo caindo, até os grandes peitos flutuantes sob a água… como eles estavam flutuando? Isso nem sequer fazia sentido dado ao peso que tinham!

“Isso não está certo… cultivadores tem muito mais peso que pessoas comuns, não tem lógica essas belezas moles, molhadas e arrebatadoras estarem boiando na água… Física! Por favor, faça sentido pelo menos nisso! Não que eu esteja reclamando, é claro… será que as leis da física funcionam de um jeito diferente ao redor dela?”

A mulher também abriu os olhos e sorriu para Qin Xa que estava olhando fixamente para os seios dela — um olhar que poderia conter um apreço sexual, mas que tinha somente confusão e choque. 

Qin Xa desviou o olhar de lá e cumprimentou a mulher, atrasadamente, e bem sem jeito. Mas ela era cara de pau o suficiente para devolver o sorriso e agir como se não estivesse fazendo nada.

— Desculpe pela minha falta de educação, a sênior! Espero não tê-la ofendido. — mesmo tentando não demonstrar, havia um evidente toque de cautela em sua voz. A mulher que estava diante dela, era facilmente umas 100 vezes mais poderosa do que um dia ela já foi. 

E hoje Qin Xa estava em seu auge.

— Estamos em um banho, não existe sênior ou júnior aqui. Já nos conhecemos?

— Não exatamente. Eu assisti a Reencenação do Romance de Lin Xi e Zhao Piao, há… — hesitou, lembrando que não fazia ideia de há quanto tempo foi isso. —... antes do Templo Cristalino se abrir, não sei exatamente quanto tempo se passou desde aquela noite exatamente. 

Han Lining ouvindo isso assentiu, com calma e ainda sorrindo com educação. 

Qin Xa ficou calada por um segundo até perceber o que falou. Um pequeno bico se formou em seus lábios enquanto seu olhar corria para a copa das árvores, vendo os pássaros cantarem e se divertirem. 

“O que eu faço agora?” 

Han Lining disse naquela noite que estava à procura de discípulos, mas aqui estava Qin Xa falando com ela, sem ser sua discípula! Céus, que tapa na cara! 

Mesmo que Qin Xa fosse 100 vezes mais cara de pau, ela não conseguia de jeito nenhum não se sentir mal por essa mulher. Procurar por herdeiros era uma luta… mas ser tão brutalmente rejeitada era uma luta muito mais amarga.

Isso não era nada exatamente ruim, mas saber que alguém não queria seguir o mesmo caminho que você — por pensar que ele era inútil — não deveria ser a melhor das sensações, foi o que Qin Xa pensou. 

— O Dao do Entretenimento é tão inútil assim? Sempre que os cultivadores ouvem sobre ele, eles nunca levam a sério o que o Dao do Entretenimento pode realmente fazer, sequer pensam no seu potencial. — Han Lining ficou surpreendentemente calma e tranquila, Qin Xa ficou um pouco aliviada por isso.

— Por que tantos especialistas gostam de ler mentes?

— Eu não li sua mente.

— Mas sua pergunta foi bem incisiva. Parece até que leu minha mente.

— Você faz caretas demais enquanto pensa. — os ombros da mulher tremeram levemente ao que pequenos sorrisos escaparam. — Estava escrito na sua cara seu desconforto…

— Estava escrito nas estrelas então… — Qin Xa olhou para o céu… mas tudo o que viu foi o teto.

— Estava escrito na sua cara…

— Nas estrelas…

— … na sua cara.

— Eu não faço caretas…

— Sua cara diz o contrário. 

— O poder de saber o que seus inimigos estão sentindo, sentirão ou sentiram não pode ser inútil, eu acho. Minha vida seria muito mais fácil se eu soubesse como eles pensam, assim eu poderia nunca me aproximar deles… Além disso com a atuação dá para controlar o que ele sentirá, as vantagens do Dao do Entretenimento em uma batalha são vários, mas cultivar um Dao que não oferece poder ofensivo não é nada chamativo nesse mundo. 

Qin Xa já tinha pensado bastante sobre esse Dao, e ela realmente não via nada de mais na atuação, em um mundo onde cachorro come cachorro. Mas agora seu pensamento era muito diferente.

— Hmm, estou surpresa que você tenha uma avaliação tão boa do Dao do Entretenimento. — um certo brilho passou pelos olho da mulher. — Você está interessada em-

— Desculpe, mas eu faço parte da Seita dos Céus das Oito Cores. — o corte foi tão rápido que a mulher levantou as sobrancelhas. — Não acho que posso ter um mestre que não seja membro da seita. E descobrir isso não parece uma boa ideia também, eu ainda pretendo viver com minha pele grudada na carne.

Isso mesmo. Qin Xa fazia parte de uma seita, então ela não poderia — logicamente — ter um mestre que não era membro também. 

Caso essa pessoa fosse membro de uma seita rival, a Seita dos Céus das Oito Cores teria suas informações internas entregues de bandeja. Esse tipo de coisa era punido com coisas bem horríveis. E Qin Xa era destemida o suficiente para querer desafiar essas regras, apenas por curiosidade no assunto?

Nem em sonho!

Nem era doloroso admitir que ela era covarde nesse nível. 

Han Lining ouviu isso e sorriu brilhantemente, juntanto as pontas dos dedos numa expressão fofa o suficiente para fazer Qin Xa querer dar um abraço apertado nela! 

Céus malditos! Como vocês criaram uma mulher tão deslumbrante?!

— Mas você está interessada?

Qin Xa não entendeu o motivo da felicidade de Han Lining, mas assentiu. — Bem, sim, atualmente eu não estou indo muito bem "na grande arte de ficar forte", então ter uma nova perspectiva não é ruim.

— Então não tem problema! Eu não faço parte de nenhuma organização, já que não busco força, e dentro do Vale da Proteção não há quem seja meu inimigo. Então tem problema nenhum em você ser minha discípula! 

Qin Xa ficou visivelmente atordoada por um segundo, piscando sem parar. Ela ainda sentia que tinha algo muito errado com isso, só não exatamente o que era… bastava que não fosse filiado a ninguém para poder ser mestre de discípulos de seitas? 

Que regras frouxas eram essas, meu pai? 

Ela ficou com uma expressão estranha no rosto, buscando respostas para suas infinitas dúvidas… mas se não havia nada impedindo ela de ser discípula de Han Lining e aprender o Dao do entretenimento, então:

— Espero por suas instruções, mestra! — Qin Xa se curvou para Han Lining respeitosamente, que sorriu para ela.

— Você poderia ao menos estar vestida na sua primeira saudação. — Han Lining levantou-se, puxando a água morna e vermelha como uma montanha, enquanto uma bela cachoeira cobria sua figura, impedindo que toda sua intimidade fosse vista. 

Essas eram as leis de proteção. Nada que não fosse para ser visto por olhos curiosos, não poderia ser visto por olhos curiosos.

— Eu farei novamente minhas saudações, peço perdão. — Qin Xa acompanhou a saída dela, já sentindo saudades da água em seu corpinho. 

— Não há necessidade. Agora venha, vamos conhecer seus irmãos. 

…

As duas caminharam calmamente enquanto cruzavam as ruas, com Han Lining respondendo questões adversas de Qin Xa, até que chegaram à uma escadaria de 200 degraus. 

No topo dos degraus havia um pavilhão. Essa era a morada de sua mestra, Han Lining. 

Era um pavilhão que ficava um pouco afastado do centro da cidade, há quem diga que é um bom lugar para se cultivar em paz porque quase ninguem iria passar por alí. 

Mas também há quem diga que morar tão longe do centro é sinônimo de pobreza. Afinal, em toda a cidade havia uma formação de matriz que reunia uma quantidade exorbitante de Qi, facilitando o cultivo de quem morava mais para o meio dela, que era o lago e a mansão do Lorde da Cidade.

Mas havia aqueles que perceberam que só o fato de alguém possuir um pavilhão inteiro, junto com uma montanha, no meio de uma cidade, é uma demonstração clara de poder. Talvez o próprio Lorde da Cidade não possuísse uma montanha só sua… e essa pessoa foi Qin Xa, que subiu aqueles degraus com leveza.

Ao chegar no pavilhão, viu que quase todos que participaram da peça estavam alí, Qin Xa cumprimentou todos e eles já ficaram sabendo das circunstâncias dela. 

Mas todos a cumprimentaram com sorrisos e boas-vindas calorosas. 

Isso foi muito diferente do que ela esperava, esse lugar mais parecia um clube para amigos do que um pavilhão onde um dos caminhos da vida iria ser discutido, aprendido e aprimorado.

…

— Para cultivar o Dao do Entretenimento não é preciso ter um alto nível de compreensão, além disso seu talento com Qi é quase irrelevante aqui, tudo o que você precisa para cultivar o Dao do Entretenimento é de uma vontade firme e disposição para enxergar o mundo com clareza.

Han Lining sentou-se de frente para Qin Xa em uma sala cheia de lanternas laranjas, seu olhar focou no rosto da garota, que assentiu e parecia ansiosa pelas instruções de sua mais nova mestra.

Não era para menos, a mulher nem mesmo deixou ela se apresentar direito aos seus irmãos antes de arrastá-la esse lugar. 

Com essa pressa toda, aprender o Dao do Entretenimento deveria ser extremamente, exorbitantemente, ou incrivelmente maravilhoso! 

— Conforme minha família evoluía no Dao que desenvolvemos, percebemos que cada vez mais nossos sentimentos, que foram perdidos pelo tempo, e pela forma como vivíamos, ficavam cada vez mais despertos quanto mais fazíamos avanços… o que foi tirado da gente pela natureza, foi devolvido pelo Dao. Nesse ponto eu posso dizer que tenho os mesmos sentimentos de alguém normal, apesar de não ter nascido com eles. E é por esse motivo que muitos não podem evoluir no Dao do Entretenimento. 

Um olhar confuso pairou no semblante de Qin Xa. Se o objetivo deles era compensar seus sentimentos com o Dao do Entretenimento, então por que não conseguiam evoluir mais depois de recuperarem seus sentimentos?

Han Lining sorriu para a pergunta silenciosa de Qin Xa. 

— Sentimentos são a força de todos os seres que possuem inteligência e sabedoria. Eles ditam toda a sua vida desde o berço… mas eles também são a fraqueza que irá definir todo o seu modo de viver até que seu fim chegue. Cabe a você refletir se eles são sua fraqueza ou a sua força… e viver para descobrir se sua decisão está correta.

Qin Xa balançou a cabeça, mais ou menos compreendendo algo, evendo Han Lining levantar a mão, apontando para o meio de suas sobrancelhas. 

— No Dao do Entretenimento tudo o que você precisa para avançar é de vontade, e ela nasce dos sentimentos, que por sua vez são sua força e fraqueza. Então, Qin Xa, você tem uma vontade firme?

Han Lining colocou um dedo na testa de Qin Xa e quando ela estava prestes a responder a pergunta, o dedo de Han Lining brilhou em dourado, fazendo-a perder a consciência. Ela só fechou os olhos e permaneceu sentada sobre as pernas, com as mãos entre as coxas.

Han Lining sorriu para isso e esperou que Qin Xa fosse capaz de passar em seu primeiro teste.

Ao pegar um instrumento com muitos tubos, talvez uma espécie de flauta, Han Lining fez uma música suave ecoar pelo lugar conforme seus dedos finos cobriam os furo.

Cada tubo fazia um som diferente que parecia tomar forma a cada sopro de Han Lining. 

Era uma bela música. 

A sala ficou cheia com o som suave que estava saindo do instrumento, e Qin Xa... essa se encontrava no lugar mais profundo da sua consciência.