Volume 2

Capítulo 135: A Peça; Desfecho Ridículo. #1

 

— Aquele reino finalmente alcançou seu maior período de paz em anos de guerra... — o narrador disse, enquanto um canteiro surgia no palco de madeira, e sementes se transformavam em mudas, rachando a terra molhada.

— Os plebeus mais uma vez voltaram ao seu estado natural de vida, aproveitando os dias de sol e chuva, calor e frio, junto de seus irmãos e companheiros. Os nobres continuaram fazendo negócios e aumentando as próprias riquezas, enquanto se recuperavam das perdas que ocorreram na guerra.

As mudas então se transformaram em ramos longos e cheios de espinhos, com grandes folhas verdes. Seus aspectos, com as veias visíveis, secas e agressivas talvez seriam um aviso de que elas não deveriam ser tocadas.

— E no palácio do rei, a vida surgiu para a sua felicidade. — sombras se destacaram no fundo quando uma escuridão profunda tirou dois bebês dos braços de uma mulher. 

— Ela é a coisa mais resistente do mundo afinal. Nunca houve ou haverá um ser vivo que não pudesse gerar vida, e mesmo para os que acham que não podem, eles ainda irão conseguir fazer isso. E onde houve vida, para sempre haverá vida. — nos ramos então brotaram pequenos botões pretos, uma após o outro em rápida sucessão. 

E no fundo, as sombras se moveram.

— O General Vermelho fez um grande festival que durou 10 dias, em comemoração pelo nascimento dos seus herdeiros na terra. Foi uma festa que trouxe e envolveu metade do seu reino. Por onde quer que os viajantes fossem, a primeira coisa da qual se ouvia falar era do nascimento dos filhos do rei. 

Os botões estouraram, se abrindo na forma de flores brancas e vermelhas, cheias de pétalas grandes, finas e perfumadas! Um demorado olhar de apreciação cruzou o rosto da plateia, admirando a visão daqueles ramos serem cobertos de belas cores.

Foi então que Lin Xi caminhou até o canteiro e cortou uma das flores, levando a mesma até o nariz. Após uma breve inalada, profunda, ela jogou a flor aos pés. 

E cortou uma segunda.

— Ehahaha! Ah! Piao! Mãe, o Piao jogou água em mim! — o corpo de Lin Xi enrijeceu quando ela ouviu uma voz infantil quebrar o silêncio do canteiro. Ela olhou em direção da voz, e mesmo tendo sido chamada de mãe não havia sequer um indício de felicidade em seus lábios.

— Fique quieto, Hong! Eu vou te pegar! — uma segunda voz surgiu, e foi então que dois garotos entraram correndo na cena. 

Eram duas crianças comuns, suas alturas mal chegavam a bater nos joelhos de Lin Xi se ela estivesse de pé. 

Piao correu até Lin Xi, que estava meio ajoelhada perto dos ramos e se escondeu do seu irmão atrás dela, enquanto o outro irmão veio em sua perseguição carregado várias bexigas de água.

— Mãe, ele quer me molhar! — Piao gritou pulando de animação, pegando nas roupas de Lin Xi que se levantou, furiosa e empurrou o garoto.

— Parem de folia perto de mim e vão brincar em outro lugar! — sua voz grave fez os dois garotos se encolherem, com Hong parando sua corrida, tremendo, e Piao se afastando com passos trêmulos. 

Lin Xi jogou a tesoura que usou para cortar flores às raízes e saiu, com a cara do tamanho do mundo, deixando os dois garotos em silêncio. Eles, vendo as costas dela, se encararam e abaixaram a cabeça e as mãos.

— Por que não vão fazer alguma coisa que preste ao invés de ficarem correndo e gritando como dois animais?! Me deixem em paz!

...

Eles não olharam para ela, mas Qin Xa percebeu o nojo na expressão da mulher. Aquele olhar era muito pior do que se ela odiasse as crianças — ela sentiu ainda mais desprezo por essa peça, e agora até mesmo a vítima havia se transformado em um monstro.

"Me diga com quem andas e eu te direi quem és... acho que ela diria uma coisa dessas ao ver essa coisa. Lin Xi viveu tanto tempo com um doente que também ficou contaminada com sua loucura e maldade... eu deveria odiar ela por ter essa atitude? Eu deveria sentir pena por ela ter se tornado essa coisa? Preciso tentar entender as razões dela…? Não, se os garotos se aproximaram dela para brincar, quer dizer que em alguns momentos ela se dispõe a entreter eles, talvez por amor de mãe, talvez por coesão ou ameaça do pai… mas as crianças ainda são inocentes dos atos do pai. Lin Xi não tem razão em tratar eles como monstros… ou talvez tenha?"

Confusa, ela permaneceu a observar o cronômetro que agora marcava 15 minutos para o fim da peça... isso estava lhe causando desconforto... será que não era um cronômetro para o fim da peça? 

Se não era para isso, então o que deveria ser? 

Ao abrir das cortinas, instrumentos de cordas fizeram um estrondo tão alto que a plateia inteira pulou de susto, e os sons de passos firmes e pesados ecoou no palco.

— Que desgraça! — Lin Xi murmurou, olhando para suas roupas que estavam sujas de terra das mãos de Piao. Como os garotos estavam brincando, era lógico que em tudo o que eles tocassem ficaria sujo com algo. 

Lin Xi não tentou limpar, ela só apressou o passo. Mas bateu com a mão na parede para expressar uma fração da sua raiva. — Mãe, mãe, mãe! Eu não quero ser a mãe dessas coisas! Eles não são meus filhos! Eu não tenho filhos!

Mesmo não falando alto. Na verdade, suprimindo seus murmúrios ao mínimo, a mulher ainda não conseguia deixar que sua voz não fosse ouvida.

Os quadros pendurados na parede trocavam de pintura a todos os passos que a mulher dava, e assim que ela estava prestes a cruzar a esquina do corredor que levava para o único lugar em que ela tinha alguma família... Lin Xi parou.

Enraizada no local, ela observou o General Vermelho sair do quarto de sua irmã. A confusão transpareceu em seu olhar, porém, tal sentimento se transformou em completo choque quando ela observou o homem puxar Lin Chaoyan pelo braço e grudar seus lábios nos dele.

Aquela ação pareceu derrubar um raio na cabeça de Lin Xi, que de tão atordoada sequer conseguia se mexer vendo aquilo.

— Se limpem antes que Lin Xi apareça. — ele falou, virando as costas e fazendo Lin Chaoyan limpar a boca com rapidez e raiva no olhar, encarando intensamente as costas largas dele.

— Hmm... — Vermelho parou, e se virou para Lin Chaoyan, que como se estivesse vendo uma fera abaixou o olhar, tremendo. Lin Xi se escondeu para não ser vista, mas colocou a mão na boca, enquanto seu rosto aos poucos ia se tornando vermelho e roxo de raiva conforme as palavras do homem eram ditas.

— Lin Piao e Zhao Hong já estão na idade de começarem a estudar. Seja uma boa tia mais velha e vá ensinar a eles. Quem sabe eu deixo vocês saírem do palácio mais algumas vezes, ou até arranjo um marido para as três... já passou um pouco do tempo de vocês casarem, mas ninguém vai rejeitar uma princesa, não é?

Um sorriso fresco pairava em seus lábios grossos, enquanto seus olhos apreciavam a garota. Falar dos filhos deixou seu humor muito melhor, e parecia que escolher as 3 irmãs para o trabalho de ensinar a eles lhe agradava demais.

Lin Chaoyan enrugou as sobrancelhas, franzindo os lábios numa expressão desagradada. Por fim ela balançou a cabeça, mesmo que não quisesse aceitar e mesmo que desejasse com todas as forças negar: — Sim, Senhor... nós iremos fazer como mandar.

— Bom. Agora eu vou brincar com meus garotos. Onde será que eles estão? — saindo sorridente e com passos suaves, o homem só ouviu a porta ser batida com muita força, BANG!, enquanto Lin Xi perdeu as forças nas pernas e caiu contra a parede.

— Não... ele não fez isso... — derramando lágrimas enquanto cravava as unhas nos braços tão forte que saiu sangue, Lin Xi olhou para a parede à sua frente. 

Vermelho não ouviu nada do que ela falava, afinal, ele saiu pelo outro lado do corredor e havia uma distância considerável entre as duas pontas. Os murmúrios e lamentos de Lin Xi nunca seriam ouvidos por ele.

— Ele prometeu que não iria tocar nelas... mentiroso... maldito mentiroso... por quê?! Por que você tinha que tocar nelas?! — se levantando, mordendo os lábios, Lin Xi disparou para o quarto que acabou de ser fechado e abriu a porta com força!

E no batente da porta ela ficou paralisada... As cortinas desceram sobre o palco, cobrindo todos e em segundos se ergueram, revelando a visão de Lin Chaoyan a poucos passos da cama grande, onde Lin Ji estava, com roupas frouxas, apertando elas contra seu corpo magro, encarando a mortificada Lin Xi que observou Lin Ning segurando um pano molhado para se limpar.

— Xi... — as palavras de Lin Ning morreram na sua garganta quando ela se cobriu às pressas, tentando esconder o pano. — Você esqueceu que deve bater na porta antes de entrar? Foi assim que nos criamos… Por que está chorando? O que aconteceu?

— Nós pedimos para trazerem roupas novas e estávamos provando, por que não nos diz o que acha deles? 

Lin Ning sorriu, se levantando e apertando as roupas. Enquanto Lin Ji e Lin Chaoyan não se demoraram a agir como se estivessem apenas trocando de vestimenta. 

Lin Xi, com os olhos molhados, caminhou até Lin Ning e abraçou-a de repente, fazendo a garota, agora da sua altura, congelar no lugar.

— Desculpa... desculpa por não ter percebido o que aquele demônio fez com vocês... me desculpem… — apertou Lin Ning com força, fazendo a garota fungar e devolver o abraço.

— Do que você está falando... A gente só estava trocando de roupa, apenas isso-

— Eu vi ele saindo daqui! — Lin Xi gritou, e Lin Ning em seus braços enterrou o rosto vermelho em seu ombro. — Vocês não precisam mais mentir para mim, me desculpe. Me perdoem por eu não conseguir proteger vocês! Me desculpem... desculpem... eu não deveria ter confiado nele...

Lin Ji sentou na cama, com seus ombros tremendo e colocou a cabeça entre os joelhos. 

5 minutos.

Lin Chaoyan se aproximou delas com passos fracos, dando um abraço nas duas. — Não precisa se desculpar, Xi... aquele homem é um demônio que não se importa com nada além dele mesmo! Não foi sua culpa! Nós estamos bem... nós sabemos que você tentou nos proteger dele...

No quarto, apenas os sons dos fungados eram ouvidos, junto com os abafados pedidos de desculpas de Lin Xi, que se repetia. As 4 irmãs não podiam mais manter de pé a mentira que durou anos, que as fez sofrerem em silêncio até engolirem todas as suas queixas e apenas aceitarem sua vida da forma que ela era.

Mas agora que não tinha mais sentido em mentir, elas finalmente poderiam falar sobre o que aconteceu, desabafar toda a angústia que sentiam em palavras. Poderiam se livrar do peso de viverem sendo maltratadas como se fossem animais e não terem escolha nenhuma a não ser a de suportar tudo caladas. Caladas como se fossem coisas que nem mesmo poderiam ser chamadas de gente, sendo humilhadas e destratadas!

Mas o quanto seus corações não queriam soltar o grito mais estridente de socorro? O quanto de paz elas não desejaram? 

— Eu não protegi vocês... — Lin Xi murmurou, levantando a cabeça e limpando as lágrimas. — Mas agora vai ser diferente. Eu vou tirar vocês daqui...

As 3 irmãs se entreolharam, assustadas, quando Lin Xi virou as costas para sair do quarto. 

— O que você vai fazer?! — Lin Ji se levantou com rapidez e pegou no ombro dela. — Não faça nenhuma besteira! Você acha que não vimos as vezes que tentava esconder os hematomas?! Se você tentar fazer qualquer coisa, imagine o que vai acontecer com você! Eu não vou deixar você fazer nenhuma besteira!

— Não se preocupe. Eu não vou fazer nenhuma besteira. — Lin Xi segurou as mãos dela, vendo-se agora rodeada por suas irmãs, cujas lágrimas não conseguiam parar de escorrer e cujos braços não paravam de tremer. — Não vai acontecer nada comigo, e amanhã vocês já poderão estar longe daqui. Preparem suas coisas e esperem eu vir buscá-las, eu vou tirar vocês daqui!

— Não faça nada! 

— Não!

— Pare de ser teimosa! Eu não vou deixar você fazer nada perigoso e deixar aquele demônio machucar você! — Lin Ning gritou. — Nós estamos bem. Você não tem que fazer nada que vá te machucar...

Lin Xi assentiu e olhou para Lin Chaoyan por alguns segundos. Chaoyan ficou em silêncio e desviou o olhar.

Era mentira. Elas não estavam bem. Elas queriam sair dali. Queriam ficar longe daquele homem. Longe de toda essa situação degradante e horrível. 

Mesmo que dissessem o contrário, suas lágrimas eram a única verdade que era impossível de negar com palavras. 

Quem é que queria continuar sofrendo? Sofrer não era bom…

Chaoyan deu alguns passos para fora do quarto, e subitamente puxou Lin Xi, que bateu asas e se impulsionou para fora. Chaoyan então bateu a porta com força, passando a tranca assim que ela foi fechada.

— Chaoyan! Não! Não deixe ela fazer nada! Pare com isso! — Lin Ji gritou, batendo na porta. 

— Xi, não vá! Você sabe que ele não vai deixar a gente ir! Podemos pensar em outro jeito! Xi... Xi... não tem como a gente sair daqui... — as palavras de Lin Ning aos poucos foram sendo engolidas, aos poucos o som das suas batidas desaparecendo. Até que o som dos seus joelhos caindo soou.

Lin Xi virou seus olhos para a irmã mais nova. — Daqui a pouco eu volto e vocês vão poder sair daqui, tudo bem? 

Chaoyan assentiu, e Lin Xi deu as costas.

— Você tem certeza que isso vai dar certo? — sua pergunta fez os passos de Lin Xi pararem. Ela virou a cabeça, e com um rosto sério, confirmou: — Sim. Vai dar certo! Vocês vão sair daqui!

Faltava 1 minuto e meio para o cronômetro chegar a zero. Qin Xa olhando para as cortinas percebeu sua perna subindo e descendo num ritmo nervoso. Aquele sentimento sinistro de que ela esqueceu de algo importante já estava dominando seu corpo a algum tempo.

E isso era corrosivo demais. E ela odiava. Mas o que foi esquecido?

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