Volume 1

Capítulo 13: Acordos

Após anos sendo tratado apenas como um mero e simples — até mesmo ingênuo — sonho, com poucos ou mesmo nulos avanços, uma janela de oportunidade havia acabado de se abrir perante Elisa. Não era qualquer janela, porém, era a chance definitiva de alcançar seu objetivo máximo e mais importante.

— Qual é? Não é isso que vocês querem? — Gotículas de suor foram surgindo na testa de Tranca, brilhando e reluzindo suavemente à luz do sol nascente. Seu sorriso pretensioso logo se tornou trêmulo perante o silêncio ameaçador. — Quer dizer, não é algo que todos nós queremos, hein?! Uma arma tão poderosa que…

— Desembucha de uma vez — Elisa o interrompeu, olhando fixamente para o homem amarrado ao mesmo passo que Roberto abaixava a arma. — Como é essa história aí?

A tão desejada é necessária atenção finalmente havia sido plenamente conquistada. Mesmo Gab se aproximava do grupo a fim de escutar o que Tranca tinha para dizer. 

— Eu garanto apenas uma coisa pra vocês, se eu morrer aqui, podem ter certeza que nunca mais vão ter uma chance da porra dessas. — Tranca olhou nos olhos de cada um no recinto, entendo que era mais que hora de se apressar em falar. — Eu garanto que no mínimo um @Eins é de vocês…

— Não — Elisa o interrompeu novamente, agachando-se perante ele. — Um Riesiges completo ou sem trato e eu começo partindo seus dedos do pé em pedaços.

— Ugh… — Apenas de imaginar o quão lenta Elisa seria em fazer isso e de se lembrar da posição de torturadora que ela assumia na antiga Black Hardware quando necessário fez com que desejasse a morte pelas mãos de Roberto de uma vez. — Não era você quem estava me protegendo da morte, hein?

— Meu problema é te matarem aqui, é uma porra limpar sangue e miolos.

— T-tá, tá beleza… — O homem pensou bem antes de continuar sua fala. Assumir um compromisso assim poderia evitar sua morte na hora, mas com certeza teria que pagar o preço depois. — Um Riesiges é mais difícil… mas eu desenrolo.

— Simples assim? — questionou Roberto, olhando-o com o rosto totalmente torcido pelo que poderia ser raiva, desconfiança ou desgosto. — Porra, Elisa, olha pra esse cara, se fosse verdade uma coisa dessas acha que estaria aqui? Esse merda tá mentindo pra sair vivo.

— Meu irmão tem razão, Elisa, uma coisa dessas não tem o menor cabimento.

— Parece mentira — constatou Renan.

— Fiquem quietos, e ótima participação, Renan — disse Elisa, arrastando sua voz num desdém claro. — Eu sei que parece mentira, porra.

— Como é?! Não, eu tô falando a real, porra! Eu…

Ninguém ali entendeu no momento que Elisa havia calado Tranca com um soco na coxa, apesar do alto som de impacto e contorcionismo de dor do homem. 

— Eu não tô perguntando se é verdade — ela começou, apontando o indicador na cara dele. — Essa é a promessa mais mal feita que já me disseram. Se você tivesse mesmo acesso a uma coisa assim já teria nos matado com ela. — Elisa ergueu-se, alongando o pulso direito.

— O que quer fazer com ele então, hein? — Roberto perguntou, puxando a moça pelo ombro. Elisa o olhou no fundo dos olhos, fazendo-o recuar e a soltar. — Vai aceitar que devemos matar?

— Me matar…?! Qual é, vocês nem vão me dar uma chance?

— Nem precisa, porra, como que você…

— Como num tenho a merda do robô? Cês nem sabem!

— Isso já está respondido, você…

— Eu tenho provas! Gah!

A bicuda furiosa de Elisa na canela do homem servia muito bem de ponto final.

— Primeiro você para de me interromper, porra! — ela exclamou, desferindo mais dois chutes bastante dolorosos na visão de Renan. — Segundo, se você tem uma prova, é melhor mostrar agora, tá me entendendo?

Imediatamente após, como um pop-up, brotou na visão de Elisa um arquivo compartilhado não muito pesado. 

— Tá lá… — grunhiu o homem preso, sua voz para dentro e dentes cerrados impossibilitaram o melhor entendimento de qualquer outra palavra proferida por ele.

Elisa pareceu um tanto estranha enquanto olhava para o nada. Demorou bem mais que o normal para tomar qualquer decisão ou dizer alguma coisa. Todos no recinto olhavam-na, na expectativa de algum anúncio ou confirmação da veracidade da história de Tranca-Rua. Quanto mais minutos passavam, mais o sono voltava a bater em Renan e mais seu organismo pedia por outra dose de café e de sua droga diária.

— Porra, agiliza aí, Elisa — reclamou Renan, que batia seu pé no chão em um ritmo sequenciado e bem rápido. — Não deve ter tanta coisa nisso aí, é o quê? Um arquivo?

A moça o olhou furiosa e impaciente. Como se já não bastasse a noite estressante que tivera, ainda tinha que aturar desaforo de moleque chato? Imperdoável para a mulher extremamente arisca por diversos motivos.

— Quer agilizar, é? Então abre você. — Num gesto sublime de abrir bem os olhos e, consequentemente contrair a retina, Elisa enviou o arquivo compartilhado para Renan. — Boa sorte, maldito.

— Pera, como é?

— Agora é bom você abrir — Gab riu, cruzando seus braços e abrindo espaço para que Elisa passasse em direção a um dos cantos da sala.

— Espera, eu não sabia que… 

— Vai logo, abre isso de uma vez! — Elisa ordenou, virando-se em direção a Renan por um instante e logo dando as costas novamente. — Tomara que esteja lotado de vírus para você.

Renan permaneceu estático vendo a mulher mexer e amarrar o cabelo. Ele não imaginou que o motivo da demora fosse algum tipo de inspeção ou precaução correlação ao arquivo compartilhado — forma mais fácil do mundo de lançar um verdadeiro cavalo de Tróia de vírus no sistema de algum desavisado. 

— Que merda… — o jovem resmungou, coçando a cabeça.

Mesmo que fosse apenas uma bomba de vírus, normalmente não eram nada mortais ou destrutivas o bastante para romper com todo o sistema. Daria uma tremenda dor de cabeça para limpar tudo, mas normalmente não perdia nenhuma informação importante. Bom, isso com os vírus mais simples e comuns da ultranet.

Renan não sabia o que esperar de um ataque assim vindo diretamente de um líder de uma das grandes facções da cidade e estado. A última vez que algo assim havia acontecido… bem, não foi exatamente muito bom. Já bastava ter seu aparelho condenado quando cometesse qualquer erro, não gostaria de ter outra arma na sua cabeça.

— Ai, que se foda então. — No fim, ele não sabia se o que estava falando mais alto era o sentimento de estar condenado de ambas as formas ou se era a impaciência da falta da privação da droga e do sono.

Quando a respiração de Tranca finalmente se estabilizou, Renan tomou coragem e abriu o documento que… era apenas uma foto. Uma foto leve, mas com um peso inacreditável para todo o grupo.

— Parece… legítima… — balbuciou, analisando cada detalhe da imagem.

— O que é, Renan? — perguntou a curiosa Elisa, de braços cruzados.

Todos do recinto encaravam, agora, o jovem que permanecia em pé e parado olhando para o nada. O sorriso firme e presunçoso de Tranca-Rua foi se formando novamente aos poucos. 

— Viram só? 

— Vou mandar pra vocês a foto. — Renan baixou a imagem e logo a enviou para Elisa, que imediatamente enviou para os contatos de Roberto e Gab. O minuto seguinte pode ser resumido em uma minuciosa busca por traços de edição e/ou inteligência artificial, bem como qualquer coisa que pudesse comprometer a veracidade daquela prova.

— É… Parece verdade… — Elisa, em um tipo de transe, admitiu.

A foto em si era surpreendente. Renan já havia visto o mesmo tipo de coisa antes em algumas postagens que buscavam ostentar alguma coisa. A imagem de tratava de Tranca sentado na cabeça de um @Eins, com alguns Riesiges ao fundo como se fossem meros enfeites. 

— Eu tenho algumas outras pra vocês, otários. Todas de verdade — comentou o homem, aparentemente muito orgulhoso de suas imagens.

— Isso não significa nada — contestou Roberto, com as veias de sua testa saltando de um jeito que Renan nunca antes havia visto em alguém. — Isso não significa que eles são seus e muito menos que pode conseguir um. 

— Ah, meu véi, não quer dizer nada?! — Tranca grunhiu, igualmente irado.

Ao fazer a menção de sacar sua arma, Roberto foi imediatamente parado por sua querida irmã, que pôs a mão em seu braço — jeito suficiente para fazê-lo travar no mesmo instante — e sussurrou algo em seu ouvido.

Renan, por sua vez, não dando muita bola para o que os irmãos conversavam entre si, voltou sua atenção para Elisa. Viu os seus olhos focados no nada, mas havia certa coisa diferente neles que Renan não via por aí. Ele botou algo cintilante, ele notou um brilho, não artificial ou implantado, um brilho característico de algum sentimento verdadeiro.

Renan uma vez na vida escutou um clássico ditado: “os olhos são as janelas da alma”. Ele se lembra de perguntar-se algo simples no mesmo momento que o escutou e confirmou a sua dúvida com o passar dos anos de sua vida.

“Como assim a janela da alma? Os olhos são tão vazios, tão falsos, não há alma alguma no olhar dessas pessoas.” 

Sempre que via alguém fixado em qualquer coisa que fosse na ultranet ou no próprio neurocell, acabava por se lembrar dessa pergunta e sempre chegava na mesmíssima conclusão, sem tirar nem pôr ou mudar algo.

“Os olhos são tão vazios, tão artificiais, não há alma alguma no olhar dessas pessoas, não há alma alguma nessas pessoas.”

Nunca foi algo que o incomodou, de fato. Mas sempre foi uma constante mas vivências do jovem, sempre foi frustrante perceber que a pessoa com quem ele conversava no momento não estava lá de verdade.

Em Elisa ele percebeu algo diferente.

Mesmo tendo olhos artificiais, mesmo estando inerte em outro plano invisível para ele, mesmo sendo aquela pessoa complicada e desagradável às vezes, mesmo com tudo isso Renan havia percebido o brilho que tanto carecia nas outras pessoas.

E esse brilho pareceu aumentar aos poucos, tremulou e logo ele entendeu que Elisa está a lacrimejando.

— E aí, cambada? Como vai ser? — perguntou o curioso e incomodado com a falta de resposta de qualquer um do recinto, Tranca-Rua. — Temos um acordo ou nem?

— Nós vamos…

— Temos sim, mas com uma condição — interrompeu Elisa.

Roberto, que teve a fala cortada no meio, olhou irritado para a moça que cruzava os braços. Gab acompanhou o olhar do irmão e ambos foram muito bem recepcionados pelo cenho franzido e clara falta de paciência dela. Nenhum dos dois tiveram coragem ou força de vontade suficiente para puxar mais uma discussão no momento.

— Beleza, eu também tenho uma condição e acho que vocês vão ter que aceitar.

— Vamos negociar, mas cuida com essas exigências. — A fechada e carrancuda face da moça ia contra tudo que Renan havia acabado de ver, como se vestisse uma máscara em menos de um segundo.

— É de boa, e é o único jeito… — o detido disse, conectando seu olhar com o de Elisa.

Um silêncio inesperado abalou os ouvidos dos ouvintes do recinto. Que trocaram olhares entre si e julgaram bem o homem e a mulher estáticos perante eles. Renan, já bastante incomodado e impaciente, aproximou-se de Elisa e a tocou no ombro, chamando por seu nome.

A resposta veio segundos depois — não mais que 5 — e foi uma mera piscada de olhos, regularizando de volta ao normal o foco vazio que Renan bem conhecia. Elisa olhou para os outros membros do grupo na sala com o mínimo de movimentos possíveis e então olhou de volta ao homem preso.

— Nós aceitamos.

Também levou um piscar de olhos para que Renan visse o armário ambulante pular de ódio para cima de Elisa. No segundo seguinte Gab usava toda sua força para freá-lo de alguma forma mística. No fim do 2ª segundo Renan constatou o coice dado pela moça no pé do estômago de Roberto. Na metade do terceiro instante, o armário já havia deixado de ser ambulante e estava caído no chão com a mão na barriga.

— Que… porra…

— Há há há! Otário! — Tranca gargalhou como uma criança que nunca teve um problema na vida, até mesmo balançou as pernas descontroladamente.

— Quais os termos dele… hein? A gente… tem que saber! — disse Roberto, recuperando-se aos poucos enquanto sentava no chão.

— E vocês vão saber — respondeu Elisa, calma e um tanto quanto mais alegre. Antes de prosseguir ela se virou para o homem caído e o olhou. — Eu não disse que ia ser segredo.

— Meu irmão tem razão, você não pode aceitar esse tipo de acordo sem nos consultar.

— Que tal vocês serem mais que nem Renan, hein? — A moça, então, apontou para o jovem ao seu lado, que recuou o tronco imediatamente. — Ele é tão quieto e comportado quando deve ser.

— Ele é teu capacho drogado… sua maldita!

— Que seja! Já está decidido — Dando as costas a todos novamente, a moça presunçosa tornou a focar no prisioneiro, que já parava de gargalhar. — Vejo que já está cumprindo sua parte do acordo, certo?

— Claro… acordo é acordo, já mandei as informações que tenho do meu contato.

— A pessoa que tem esses mechas? — perguntou Renan, curioso.

— Exatamente — respondeu Elisa, tocando o peito do jovem com a mão esquerda. — Descobrir mais sobre ele vai ser sua responsabilidade, entendeu?

Dando de ombros, o jovem fez que sim com a cabeça e instantaneamente recebeu os dados copiados em seu neuro. Roberto, ainda com a cara fechada — fosse de ódio ou dor — terminou de se erguer e estendeu a mão para que Elisa o visse.

— Eu quero ter uma conversa com você, Elisa, agora.

Sem respondê-lo, a moça apenas ordenou que Renan desamarrasse o prisioneiro e o levasse embora de uma vez. Ainda liberam alguns protestos por parte de Roberto — alguns poucos por parte de Gab —, mas nenhum que fizesse a líder do grupo mudar de ideia. Com as chaves do apartamento em mãos, Renan saiu do recinto e levou o homem ao elevador, onde desceram em completo silêncio.

A porta do elevador se abriu no e, para a surpresa de Renan, o coitado do zelador da noite anterior estava na recepção. O zelador os viu, suando imediatamente depois. A fim de tentar ser um pouco mais agradável, Renan o cumprimentou de longe, mas o homem apenas desviou o olhar e entrou correndo em alguma área de serviço restrita.

— Que estranho — Renan comentou. — Acha que fiz alguma coisa?

— Quê? — Confuso, Tranca olhou o jovem de cima a baixo antes de responder a sua inesperada interação. — Sei lá, ontem quando cês me trouxeram pra cá eu tava sem os braço?

O jovem imediatamente parou sua caminhada em direção a saída e olhou para os braços pela metade de Tranca-Rua, que o tranquilizou ao dizer que isso já havia sido resolvido com Elisa.

— Ela te manda depois, né? — Renan teve certeza no mesmo instante que sobraria para ele de novo. Definitivamente não gostava muito de trabalhar como burro de carga.

Toda a movimentação enfim havia acabado às 6:19 da manhã, com a saída de Tranca-Rua do condomínio onde era a casa de Elisa. Renan pôde suspirar aliviado ao pensar que finalmente poderia dormir um pouco e subiu de volta ao apartamento pouco depois de ver o ex-presidiário descer a rua.

 

 

Não demorou muito para que Tranca percebesse que estava fora do alcance de qualquer um do grupo, fosse por vista ou qualquer conexão insegura como bluetooth. A fim de agilizar sua vida, chamou um auto-Uber para sua própria casa e já no meio do caminho começou a diversão.

— Ótimo — disse ele, consigo mesmo. — O moleque não era exatamente o que eu queria, mas deve dar pro gasto… 

Depois de abrir alguns vpns e aplicativos de gravação e replicação, Tranca estava pronto para inicializar seu vírus personalizado.

— Essa não é bem a visão que eu queria acompanhar, mas foi o único otário o suficiente pra abrir o arquivo. — Perante os olhos de Tranca abriu-se uma janela, a princípio totalmente preta. — Vamos ver… — Numa configuração aqui e ali, não demorou muito para que finalmente começasse a ser transmitido algo na janela. — É, isso aí…

Parecia ser a visão em primeira pessoa de algo… melhor, alguém.

— Esse Renan pareceu alguém próximo ao grupo… vamo ver o que ele me dá, então. — A instalação do vírus silencioso e quase invisível batizado de “Viruvisão” pelo próprio Tranca havia sido um sucesso. — Espero que esse pov seja útil.

Tranca viu que Renan tentou cumprimentar o zelador novamente e não obteve êxito.

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