Sputnik Saga Brasileira

Autor(a): Safe_Project


MUTTER

Capítulo 1: Aqueles Abaixo de Mim

Reino de Von Legurn, ano 2**9

Pessoas importantes discutiam com o Rei sobre assuntos importantes, para eles, no caso. Logo, o próprio universo poupa tempo para que os pontos chaves sejam apresentados rapidamente.

— Rei Vast, os espiões dizem que algum vampiro está tramando uma invasão ao castelo — reportou o líder dos guardas, nome esquecível. — O que faremos sobre isto?

O rei ponderou, muito bem ponderado, tanto que sobrou tempo para uma figura brotar de pé na única porta — convenientemente aberta — do grande salão do trono.

Alta, dotada de magníficas curvas, vestindo uma roupa incrível. Bem, talvez esta fosse a descrição, pois o que todos viram desfilar pelo tapete vermelho foi uma literal sombra, a silhueta do invasor — ignora-se o fato de que o ambiente estava muito bem iluminado.

— Guardas! Protejam Von Legurn com suas vidas! — o Rei clamou, afundando na cadeira de tamanho desespero.

Sem tempo a perder, a criatura avançou, não se sabe ao certo contra quem, muito menos como. Mas foi definitivamente uma batalha muito épica.

Um tempo depois, a figura sombria caminhava sozinha pelos largos corredores do castelo. Procurava algo em específico, este encontrado abandonado num berço no quarto mais alto da torre mais alta. Lá jazia um bebê de poucos meses, os cabelos esverdeados começando a crescer. O abrir forçado das pálpebras com os dedos revelava o par de olhos escuros, mas já sedentos.

Sem qualquer palavra, a figura agarrou o pequeno com cuidado de mãe — ou dona de um novo animal fofo —, e carinhosamente depositou os dentes na pescoço gordo do garotinho. Ele sequer sentiu, na verdade, dormiu logo em seguida.

O invasor desapareceu em seguida. Mesmo anos depois, ninguém nunca descobriu quem, muito menos o que invadiu o castelo de Von Legurn. O motivo para isto são vários, mas tal investigação pode ser deixada para outros mais interessados.

 

***

 

A empregada corria pelo grande e vazio castelo de Von Legurn. Os passos apressados e velozes para uma senhora no auge de seus 70 anos impressionavam. Todo o esforço levou-a até o salão do grande relógio.

Vazio, uma sala do trono desprovida do item que levava seu nome. No lugar, um enorme vitral desenhando um olho enorme residia na maior parede. Acima deste, um relógio do tamanho de uma casa fazia presença, os ponteiros imóveis. E sentado dramaticamente num destes estava o alvo da mulher.

— Príncipe Vast, por favor, desça já daí!

O par de olhos escuros veio ao seu encontro. O cabelo esverdeado mais vivo que a grama e o rabo de cavalo tão bem cuidado quanto o dos próprios equinos — sequer havia algum no reino, todos transformados em comida.

A mulher repetiu: — Desça antes que se machuque!

A luz que passava pelos grandes vitrais azulados do castelo revelava a figura de um jovem adulto, e para evitar a perda desnecessária de tempo, digamos apenas que ele estava trajado exatamente como se esperaria de um príncipe.

— Algumas pessoas — disse ele — me entregaram dinheiro hoje. As crianças ainda me chamam de "Príncipe Pobre". Por que será?

— Deve ser por causa dessa sua falta de modos! Um príncipe não sobe uma parede de trinta metros do nada!

A empregada continuou reclamando por algum tempo, insistindo que o garoto saísse de lá. E assim ele o fez.

— E-ESPERA!! NÃO FAÇA ISSO!!

Ele saltou de mais de trinta metros de altura. Caiu em linha reta, em rota de colisão com o chão feito do mais duro concreto conhecido. Porém, sua aterrissagem fez-se leve tal como a de um pássaro.

A empregada se desesperou por um instante, mas a surpresa tomou conta de seu rosto no instante que notou a total plenitude do jovem mestre.

Ah… Hã!? Trinta metros e nenhum arranhão? O limite não era de vinte metros?

— Parece que o treinamento está funcionando, no fim das…

TRULK!! Foi o som de interrupção, seguido daquele emitido pela carne despencando em direção ao chão e a voz aterrorizada chamando-lhe: PRÍNCIPE VAST!!

 

***

 

O sol da tarde entrava no quarto pela grande janela, curioso, visto que normalmente o tempo era sempre nublado.

Aconchegado na beirada de sua enorme cama, Vast ajeitou os cabelos esverdeados, refazendo o rabo de cavalo que sempre usava após tirar a cabeça do travesseiro. Em seguida, o par de olhos negros caiu sobre sua acompanhante no cômodo.

Teve de aceitar os cuidados da empregada que tanto tentou lhe convencer de não subir em lugares altos. Agora que ele havia se machucado — um pouco pior do que o de costume —, sua expressão mostrava uma mescla de satisfação e preocupação.

— Pelo menos foi bom pra você — disse Vast, alisando o rosto da mulher. — Ficou com quantos anos dessa vez?

— Nã-Não diga uma coisa dessas, meu príncipe!

Ao contrário da voz rouca de uma senhora mais velha que o próprio Reino, agora ecoava em sua cabeça a melodia calma de uma jovem senhorita na flor da idade. Sua pele branca e cabelos ruivos, ambos bem cuidados, indicavam uma descendência de família de alta classe.

O feito de rejuvenescer não foi por uma bênção, na verdade, o total oposto.

[Mutter] era o nome da Maldição do único herdeiro do trono, Vast Los Filho. Era fato, ele havia sido atacado por um vampiro em algum momento desconhecido de sua vida e, por sorte, sobreviveu, mas agora carregava consigo a rara marca do ataque.

Suas capacidades físicas eram mais altas que a de um homem comum, no entanto, para todo e qualquer dano que recebesse, a sensação das feridas seria duas vezes pior do que o normal e, para completar, aquele mais próximo de si teria suas próprias lesões curadas.

No caso da empregada chamada Emilia, a cura de Vast atuou em sua idade, tornando-a de volta numa jovem moça que deveria ter pelo menos vinte e dois anos.

— Sério, mesmo que até a sua recuperação seja mais acelerada, o senhor não deve se arriscar de tais maneiras. Deve melhorar seu comportamento para quando assumir o trono!

Ela era fofa quando ficava corada, pois o vermelho das bochechas realçava o brilho que havia em seus olhos escuros. No entanto, ainda levaria algum tempo até o rapaz esquecer a aparência idosa de algumas horas atrás.

— Eu já falei, tenho planos diferentes. Eu pretendo passar o trono para alguém de confiança e resolver alguns assuntos fora do castelo.

Emilia fez biquinho, mas não de raiva. Ao se levantar, pegou as toalhas que usava para limpar Vast e, após deixá-las na bacia ao lado, sentou-se junto dele na beirada da cama.

— Se refere à Torre do Conquistador novamente? Quantas vezes precisamos repetir, meu príncipe, aquele lugar é perigoso demais para ir, mesmo que falemos do senhor.

Ele franziu o cenho, como se repreendido pela própria mãe.

Muitos Amaldiçoados tinham esse sonho: alcançar a Torre que ficava no centro da terra de La Serva.

Qualquer um que entrasse no local teria a oportunidade de realizar um desejo, seja ele qual fosse, tudo isso graças à figura que lá vivia, aquele que todos chamavam de Rei Eterno.

Vast tinha a [Mutter] desde que se entendia como gente. Por algum motivo, o número de trabalhadores no castelo diminuiu e os poucos que sobraram — alguns guardas e o próprio Rei, Vast Los — pararam de falar com o príncipe depois de tal acontecimento. A única exceção era Emilia, que nunca faltava um dia em conversar com seu senhor.

Entretanto, o brilho que surgiu em seus olhos escuros já era fácil para Emilia compreender. Um suspiro bastava, pois era fato que nunca seria capaz de tirar aquela ideia da mente de Vast.

— Emilia, conseguiu falar o que pedi com o meu pai?

Ela negou com a cabeça e respondeu: — Vossa Alteza diz não haver tempo para as suas conversas, meu príncipe. Temo que ele diga isso por causa das recentes tensões entre os grandes poderes.

Vast apenas pôde murmurar em desapontamento. Tal conflito entre a Realeza, a Igreja e o Exército se estendia já há certo tempo, mas não se importava com o que aconteceria com qualquer um dos três envolvidos no assunto. Sua maior preocupação recaía, diferentemente dos outros, naqueles que sequer eram incluídos em tal triângulo desarmônico.

— Pelo menos os nobres estão aprovando algumas boas leis. Vejo que, mesmo que pouco, ainda se lembram que existem súditos para se cuidar.

Emilia resmungou um sim e olhou para o chão. Seu desconforto com certeza chamou a atenção do príncipe, que pensou ser pelo mesmo motivo de sempre.

Era bastante comum Emilia ficar daquele jeito quando tentava adentrar em algum assunto que envolvesse política, provavelmente por alguma coisa que aconteceu em seu passado ou simplesmente por falta de interesse.

Tal sinceridade era um dos motivos para ele gostar tanto da empregada, alguém fácil de conversar, que não ficava mamando as bolas de quem não merecia e que sempre evitava um assunto que lhe desagradasse. Diferente dos outros serviçais, ela mantinha uma honestidade tão grande com seu mestre que às vezes pareciam ser melhores amigos. Não que não fossem de fato.

Vast já tentou avançar em Emilia algumas vezes, e de uma forma bastante cavalheiresca. No entanto, sempre que tentava era impedido por uma intensa atmosfera aterradora que surgia ao redor da mulher. Muito possível que fosse a tão famigerada "aura feminina", mas era apenas especulação sua.

— Meu príncipe, eu gostaria de lhe contar uma coisa importante, mas… — Ela levantou, ajoelhando-se no chão logo à frente e virada para o príncipe. — Preciso que prometa não contar a mais ninguém. Se souberem que contei-lhe isso, podem buscar por minha cabeça.

Pela primeira vez, ele engoliu seco. Aquele tipo de atitude na empregada era uma novidade, um evento inesperado até para quem o buscava.

— É claro que eu não contarei. Alguma vez eu já contei um de seus segredos pra alguém?

Ela não tinha como confirmar, mas sabia que ele não o havia. Afinal sua cabeça já estaria fora do corpo há muito tempo caso contrário.

Ao passo da respiração longa e pesada de Emilia, o coração de Vast saltava mais forte a cada segundo. Tinha incerteza se esperava alguma declaração de amor ou má notícia.

Infelizmente, o abrir da boca da serviçal revelou tratar-se da pior das opções.

— Esta nobreza que tanto admira, meu príncipe… Eu acredito que o massacre crescente da população seja causa deles.

Um breve momento de silêncio. O quê? murmurou sem ar, tendo esquecido de respirar antes de falar.

Ele perguntou uma, duas, três vezes, mas Emilia sempre lhe dava a mesma resposta.

— Eles escondem isso do senhor para impedi-lo de tomar qualquer providência. Sabem muito bem da influência que possui sendo herdeiro do trono. — Estufou o peito e repetiu, pela quinta vez: — A nobreza está vendendo os cidadãos para os vampiros em troca de poder! Por favor, acredite em mim!

Ele nunca sequer duvidaria. Já havia perdido as contas de quantas vezes confiou seus próprios segredos àquela mulher. O relacionamento deles, apesar de não tão avançado quanto gostaria, era profundo o bastante para tal nível de confiança.

"Esses… droga!"

Ele não disse em voz alta, premeditando aquela inevitável hesitação. Sim, podia dizer o quanto quisesse que confiava em Emilia, mas era incapaz de negar a crença que tinha em seu pai e nos nobres de seu reino.

Incrédulo, ele tirou os olhos da mulher para descansá-los no colchão. Uma das mãos foi até a boca, e alguns resmungos começaram a sair sem que percebesse.

— Vender pessoas? Que tipo de ser humano perturbado faria uma coisa dessas? Eles… Eles não fariam uma coisa dessas…!!

O rosto de Emilia se misturava de emoções, tantas que Vast foi incapaz de identificar uma sequer. Num suspiro, ela apenas comentou:

— Muitos matariam por esta sua ingenuidade, meu príncipe. — E estalou os dedos.

Ele ergueu a cabeça num frenesi que faria qualquer um duvidar de seus machucados, abrindo a boca prestes a questionar ainda mais sua serviçal sobre aquela questão.

Porém, quando a encarou, os olhos levemente marejados que antes estavam para o chão de repente se arregalam, jogando para longe aquelas poucas lágrimas. Ao longe, uma presença inédita se aproximava.

— Essa sensação…?!

TURRUUUM!! 

Não somente o grande quarto, toda a estrutura do castelo em si tremeu como se um terremoto começasse logo abaixo dele. Garrafas e lustres despencaram na mesma hora, sem contar as fissuras que surgiram como tubarões ao redor de um cadáver.

— O quê!? Emilia, vá para um lugar seguro!

— Eu ficarei ao seu lado, senhor!!

Sabendo que não adiantaria reclamar, ele se levantou da cama, testando a perna antes machucada e confirmando a total recuperação.

Vamos! Seguido pela empregada, desceu as escadas do castelo ao mesmo tempo que perseguia as fissuras, esperançoso de que encontraria o motivo do abalo na fonte delas.

Em menos de um minuto, alcançou as escadas que levariam para o grande salão do trono. Lá estava o Rei e os seus dez soldados. Todos, sem exceção, miravam a coisa à frente.

"Merda!! Essa aura maldita…!!"

Ele acreditava que era por ser um amaldiçoado, e daria de tudo para que fosse incapaz de sentir aquela pressão muitas vezes inconfundível, mas nada traria tal resultado. No mesmo instante em que seus olhos caíram sobre o invasor, a aura revelou de quem se tratava.

 

Transformado

Força 35/100

Agilidade 28/100

Inteligência 2/100

 

De uma pequena cratera no centro do salão, uma figura negra e com o corpo coberto de pelos emergiu. Semelhante a um grande lobo; desnutrido, por sinal. Ao invés de carne, toda a sua estrutura era composta pelos próprios tendões, expostos em partes aleatórias do corpo, tal como os ossos.

Essa aparição que fez metade daqueles na sala desmaiar era…

— UM VAMPIRO!! — gritou um dos guardas na lateral. — PROTEGAM O REI!!

Os guerreiros em armaduras prateadas formaram uma barreira, empunhando lanças e espadas douradas na direção da criatura animalesca.

De cima, Vast analisou aquela aparição enquanto se colocava à frente da assustada Emilia.

"Como ele invadiu? Nenhum vampiro comum deveria ser capaz de entrar dentro do reino, quem dirá do castelo!!"

Não havia tempo e muito menos razão para buscar uma resposta neste momento, apenas uma coisa importava: aquela criatura tinha que morrer!



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