Volume 1

Capítulo 76: O fim desastroso

A escuridão da noite pesava sobre a rua estreita, onde murmúrios temerosos ecoavam entre as sombras das paredes. Era uma passagem conhecida por sua aura sinistra, afastando os mais corajosos com seu medo palpável. E ali, três figuras se destacavam entre manchas vermelhas no chão.

Era o grupo de Alaric, após a terrível queda. Astrid, apoiada na parede, sentia suas costas latejarem de dor. Enquanto isso, Alaric mantinha-se no centro da passagem, segurando o corpo de Gideon em seus braços.

— Me deixe aqui e fuja — Gideon implorava, agonizando no colo daquele que sempre o protegera, enquanto o sangue fluía incessantemente de seu ferimento abaixo do peito.

— Não vou te abandonar, Gi. Você é meu irmão... Aguente firme... Por favor...

A atmosfera tornou-se pesada, carregada de melancolia, enquanto o jovem lutava contra um ferimento aparentemente irreversível.

Astrid, com a consciência vacilante, observava a cena impotente. "O que devo fazer?" ecoava em seus pensamentos. "Como chegamos a essa situação? Ah, sim... lembro-me..."

De repente, os irmãos magos surgiram diante deles.

— Eu disse a vocês, garotos, que se tivessem sido bonzinhos e ouvido, não estariam nesta situação — Dalian falou com deboche.

Delilian permaneceu em silêncio, sua expressão carregava uma estranha dúvida.

"Se ao menos eu tivesse mais poder!" Gideon refletiu amargamente.

Alaric, preso em um momento que se estendia como uma eternidade, viu-se envolto pelo desespero, algo que raramente o dominava. Mas a situação era desesperadora por si só, o levando a isso, e na sua mente ecoava uma urgência incontrolável: "Salvar Gideon e Astrid.”

Então, Alaric ouviu algo soprando em seu ouvido, algo que há muito tempo não escutava, algo que havia sumido de suas memórias; palavras que ele deveria... recitar.

— Pela lua que ilumina o céu, pelo vento que sopra ao norte, concede-me poder, ó deusa da noite, Luna...! — Imediatamente, o céu iluminado pela lua cheia escureceu, o vento soprava com uma força descomunal na direção de Alaric... Algo estava acontecendo.

— O que é isso!? — exclamou Dalian, seus olhos arregalados, lutando para manter-se de pé. Sua parte demoníaca parecia gritar, pedindo para ele se afastar.

— Eu realmente estou vendo isso!? — questionou Delilian, protegendo o rosto dos ventos agressivos com uma mão.

Uma luz intensa envolveu Alaric, um resplendor que emanava diretamente da imponente lua no céu noturno, enquanto os ventos o faziam levitar. E a deusa falou: 

— Ó pequeno garoto, eu ouvi teu lamento e tuas preces, e por terem sido verdadeiras, e do fundo de tua alma, atenderei a ti, mas uma vez. — Alaric transformou-se instantaneamente; seus cabelos vermelhos agora ostentavam uma coroa com formas lunares, em sua mão uma espada, nas costas um arco e em sua mente... O ódio.

Era a primeira vez que Luna não aparecia em carne e osso para auxiliar, uma ausência que pesava mais do que nunca sobre Alaric, especialmente diante da nova e desafiadora situação em que se encontrava. Mas ao menos lhe deu esses objetos, que ajudaria. Com a mente focada e o corpo restaurado após ter seus ferimentos tratados, Alaric gentilmente colocou Gideon no chão e avançou na direção de Dalian.

Os olhos de Dalian se arregalaram, não apenas pelo temor que sentia, mas por uma sensação que ia além do medo: era como se Alaric fosse um predador prestes a atacar, e ele, um coelho indefeso diante da iminente ameaça. 

Seu coração, outrora sereno, agora batia descontroladamente, enquanto a escuridão da noite parecia intensificar-se ao seu redor, destacando a figura do jovem que se aproximava, a única luz em meio às trevas. Mas por que esse medo? Era um temor irracional, inexplicável, que transcendia até mesmo o medo da morte iminente. 

Tudo o que Dalian conseguia compreender, ao ver os olhos claros de Alaric e a lâmina da espada cada vez mais próxima, era que ali, naquele momento, todas as suas ambições e desejos de poder poderiam chegar a um fim abrupto.

No entanto, no momento em que a espada de Alaric estava prestes a ceifar sua vida, Dalian desapareceu como um fantasma, como se nunca tivesse estado ali.

— Desgraçado! — Foi tudo o que Alaric conseguiu articular ao ver Dalian e seu irmão desaparecerem diante de seus olhos.

— Alaric… — Com o último fôlego, Gideon tentou chamar pra ele.

Ao ouvir a voz de seu irmão, Alaric abandonou a busca por vingança. Nada mais importava além da segurança de Gideon. Ele correu até o corpo ferido de seu irmão, ajoelhando-se diante dele.

— Não fale, Gi — Alaric implorou, com os olhos já marejados. — Você vai ficar bem...

Ele tentou canalizar sua mana divina para curá-lo, mas percebeu que sua conexão estava fraca, nem saia. Até mesmo Apolo, desapareceu como fumaça. Ele se viu sem nenhuma opção, sem nada poder fazer. 

— Acho que já acabou para mim… — As palavras de Gideon saíram entre o sangue que manchava seus lábios. — Mas foi divertido...

— Cala a boca! Você não vai morrer... você não pode… — Alaric segurava a mão de Gideon, tentando conter as lágrimas, mas já não era mais possível.

— No último momento você chora… — murmurou, seu olhar já se perdia na vastidão do céu noturno. — Mas... não dá mais…

— Idiota! Não fale assim… E todas as nossas aventuras, e nosso reino, e nossa história juntos!?

— Desculpe, Alaric... Você vai ter que seguir adiante sozinho, pois minhas vontades agora se tornarão as suas...

— Mas eu não quero! Quero você ao meu lado! Por favor… não me deixe só... — Os braços dele cederam, exaustos, nada mais lhe restava. — Por favor… você é tudo o que tenho, Gi. Você é meu motivo de viver… meu motivo para caminhar, lutar… Por favor… não me deixe...

— Pare, Alaric… pare de implorar... Eu... — Os olhos antes serenos começaram a se encher de lágrimas, traídos pela emoção. — Eu queria ter vivido tudo ao seu lado... Eu desejava isso mais do que tudo... Mas não é mais possível... Me perdoe...

Astrid reuniu suas últimas reservas de força e aproximou-se dele, ajoelhando-se atrás de sua cabeça, já exausta, já sem a energia que uma vez possuíra. Seus olhos vazios testemunhavam o inevitável.

— Desculpe, Astrid... — Um sorriso frágil se formou entre o sangue e as lágrimas, uma característica que Gideon jamais perderia. — Me perdoe mesmo...

— Bobo... — A cabeça dela baixou até tocar a dele. — Eu sempre irei te perdoar, eu sempre irei te amar...

Um biquinho se formou nos lábios dele, e ela o beijou, indiferente ao sangue; o que importava era o último beijo de seu amado. Ao se afastar, ele olhou para Alaric e depois para Astrid, num derradeiro gesto de despedida.

— Eu... amo vocês... — Sua mão apertou a de seu irmão. — Eu amo todos vocês…

Com seu olhar perdendo o último lampejo de vida, Gideon proferiu suas palavras em um tom entrecortado pelo peso do momento.

— Eu vivi, encontrei aquele que mudou minha existência, aquele que trouxe a felicidade que há tanto tempo faltava em meu coração... encontrei a garota que amo... — Sua mão tentou alcançar os cabelos de Astrid, mas a fraqueza era evidente, então ela gentilmente a guiou. — Obrigado... queria sentir seu toque pela última vez... Vocês dois, prometam ser bons amigos... e Alaric, não se culpe... nem se preocupe... tudo ficará bem... tudo... fi...ca...rá...

Os olhos de Gideon se apagaram, a luz da vida se extinguiu por completo.

— Gideon! Gideon! — Alaric agitava o corpo de seu irmão, implorando para que ele acordasse, para que o abraçasse novamente, mas era em vão. — Gideon! Por favor, irmão! Não me deixe assim! Por favor! Gideon! Não me abandone...

— Alaric! — Astrid exclamou, tentando afastá-lo do corpo, mas ele resistia, desesperado para chegar até seu irmão. — Alaric! Pare!

— Gideon! Gideon! — Seu grito ecoava pela noite, uma expressão dilacerante de dor e perda, suas mãos estendidas em busca de algo que não poderia mais alcançar. — Deixe-me! Deixe-me ir com meu irmão! Por favor!

No entanto, seus apelos desesperados encontravam apenas o vazio da noite, que parecia se solidificar em torno deles, envolvendo-os em um manto de tristeza gélida. Apenas os lamentos angustiados de Alaric perfuravam o silêncio, uma sinfonia de desespero pela perda daquilo que mais amava, uma alma dilacerada pela partida prematura de seu motivo de viver.

— Chega, Alaric... É difícil, mas precisamos aceitar... ele se foi... — Astrid tentava trazer algum conforto ao amigo, mas suas palavras pareciam se perder na tempestade de dor que assolava Alaric.

No final, era ela, a mais sensível, que segurava suas próprias lágrimas, suas próprias mágoas, para amparar aquele que mais precisava dela.

— Não pode ser... — Os olhos, outrora tão luminosos como a lua cheia, agora estavam opacos, sem vida. — Ele... por que ele!? Por que não eu!? Por quê!? 

As perguntas ecoaram sem destino, dissipadas pela brisa. Naquele momento, o jovem compreendeu que tinha perdido tudo: seu avô, seu irmão, a garota que amava, tudo por causa de seu egoísmo.

— Astrid... Me odeie...

— O quê!? — Ela estava perplexa, sem entender por que ele pediria para ser odiado. Mas ao notar que ele estava mais calmo, relaxou os braços. — Por que eu te odiaria?

— Porque eu o matei... — Sua voz era desprovida de emoção, seu olhar fixo no vazio, sem lágrimas a enfeitar seu rosto. — Meu egoísmo o matou... me odeie...

— Eu não vou te odiar, não seja idiota!

— Me odeie! Sinta raiva de mim! Quero que me despreze! Astrid!

Tap!

O jovem sentiu o ardor em sua bochecha, sem compreender completamente o gesto. Enquanto tocava o local atingido, seus olhos buscavam Astrid, encontrando uma expressão irritada, porém, ao mesmo tempo, compreensiva. Foi um tapa para trazê-lo de volta à realidade.

— Desculpe... você não estava em si... — Sua voz baixou em arrependimento, mas tudo o que viu foi Alaric levantando-se sem dizer uma palavra. — Onde você vai...

Ela o viu caminhar em silêncio até o corpo de seu irmão, observou-o por alguns segundos e então se abaixou para erguê-lo nos braços.

— Adeus, Astrid... Volte para seu pai, conte o que aconteceu e diga que estou me despedindo... — Antes que ela pudesse argumentar, ele alçou voo, levando Gideon consigo.

Ela ficou ali, no beco escuro, sozinha, sem nada, vendo-o partir. Graças ao poder concedido por Luna, ele podia voar, e em um breve momento desapareceu no horizonte. Do alto, avistou as terras nórdicas, um breve sorriso cruzou seu rosto, substituído logo por uma expressão determinada enquanto voava para longe de tudo e de todos, atravessando todo continente.



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