Volume 1

Capítulo 47: Alaric e o Deus

Mani já começava a sentir a irritação crescer diante do jeito convencido de Alaric. O jovem havia ferido sua região lateral do estômago, e o sangue fluía de maneira singela. Apesar do ferimento físico mínimo, o ataque de Alaric atingira seu ego de forma imensa.

— Que foi? — O jovem notou a expressão arrogante no rosto da deusa, dando lugar ao crescimento do ódio. — Tá ficando bravinha?

Ao fundo, afastados, Nadine e Gideon auxiliavam Astrid, ainda debilitada, a avançar em direção a Fuxi, que prestava ajuda a Aldebaran.

— O que aconteceu com ela? — perguntou Nadine, observando a jovem que, embora não estivesse gravemente ferida, ainda estava mal.

— Ela tentou enfrentar Mani — respondeu Gideon. — Mas sua força não foi suficiente...

Nadine escutou aquilo ainda observando Astrid, e cerrou as sobrancelhas, indagou ao jovem:

— E por que você não a ajudou?

— Eu... eu — O garoto não sabia o que responder. Na verdade, sabia sim. Foi por sua fraqueza. Sua força foi insuficiente. Tudo o que pôde fazer ao ser subjugado pela deusa foi ficar no chão como um verme, observando Astrid lutar com toda a força que lhe restava.

Nadine percebeu a dificuldade do jovem em responder, engasgando-se a cada meia palavra. A situação estava se tornando constrangedora e deprimente, algo que ela não queria naquele momento. Sua expressão cerrada aliviou-se, transformando-se em algo mais gentil.

— Tudo bem… depois você pode explicar com mais calma.

Ela compreendia que não era o momento ideal para aprofundar essa conversa. Talvez ainda precisassem lutar, e um guerreiro com a moral baixa, abatido, era como um lutador próximo da morte. Gideon, por outro lado, assentiu com a cabeça e baixou o olhar, envergonhado de sua própria fraqueza.

"Mas o que era aquilo? Senti minha alma doer..." Recordava o momento em que permitiu que a ira o dominasse, transformando sua força em algo imenso. Talvez desejasse mais daquela sensação. "Bom, não importa agora. Como será que está meu avô?"

Astrid havia levado Dolbrian para um local seguro, conforme as instruções do jovem, mas ele próprio não sabia onde era. Afinal, nem a cabana existia mais naquela área, e não havia como perguntar para Astrid no momento, já que a consciência dela mal permitia que caminhasse com extrema dificuldade.

Nadine observou os braços de Astrid, vermelhos como se tivessem sido queimados, e o braço da garota que envolvia seu pescoço estava gelado, como se estivesse morto. No entanto, Nadine tinha certeza de que não estava, pois ainda escutava seus batimentos cardíacos, que eram fortes, pareciam até martelar contra a caixa torácica.

— Como ela se machucou assim? — perguntou Nadine, enquanto se aproximavam de Fuxi.

— Ela usou um poder que eu nem sabia que ela tinha. — Ele olhou para Astrid, sorrindo. — Ela é incrivelmente forte, utilizou um poder de gelo tão poderoso que pensei que até me atingiria.

— Gelo? Ela tem poder de gelo?

— Sim, como eu disse, pensei que até seria atingido, e era tão gelado que achei que meu corpo congelaria. No final, ela não permitiu, me protegendo. — Ele baixou o olhar resignado. — Eu sou patético mesmo... Se ela não precisasse se preocupar comigo…

Nadine percebeu novamente a desanimadora autocrítica do jovem, sua insegurança e frustração diante da própria falta de força. Compreendia esse sentimento, entendia o que significava não ter força. No entanto, mais uma vez, não era o momento para sentimentalismos, pelo menos na visão de Nadine. Optou mais uma vez pelo silêncio, talvez como uma forma de consolo para Gideon.

“Ele é bem diferente do irmão...” Não pôde deixar de notar a distinta personalidade dos dois, observando Alaric mais atrás, que encarava a deusa com confiança. Seu olhar retornou para Gideon, que, ao contrário dele, encontrava-se deprimido, sem qualquer resquício de confiança.

Ao continuarem andando, chegaram próximos a Fuxi e Aldebaran, o guerreiro se apoiava no lobo para se levantar.

— Obrigado, Fuxi — agradeceu Aldebaran, colocando a mão na cabeça. — Usar o modo Berserker tem seu preço... hahaha...

Utilizar um modo tão poderoso não seria gratuito; nada no mundo vinha sem custos. Sempre haveria um preço, e o do modo Berserker era o esgotamento: mental, provocando intensas dores de cabeça; físico, causando dores musculares excruciantes; e espiritual, pois sua alma ficava à beira da quebra. Se mais uma vez for ativado o modo Berserker e concluído, sua alma se despedaçaria, resultando em sua própria morte.

— Tudo bem, o garoto me pediu para auxiliar no que fosse — respondeu Fuxi.

— Garoto… Onde está aquele cabeça de vento? — perguntou em um tom descontraído.

— Lá, enfrentando aquilo que nem você foi capaz… — Fuxi apontou na direção de Alaric.

Os olhos de Aldebaran se arregalaram, ele, melhor do que ninguém, conhecia a imensa força daquela deusa. As memórias do modo Berserker, mesmo que embaralhadas, ainda permaneciam em sua mente. Nadine e Gideon aproximaram-se.

— Aldebaran! — exclamou Gideon, feliz, ainda com Astrid apoiada em si. — Pensei que tivesse morrido…

Hahaha! Vai precisar de muito mais para me matar! — Aldebaran se vangloriou, batendo no peito, o que não foi uma boa ideia. — Aí! Eh… mas acho que agora poderiam me matar… Então o que houve?

Ele observou Astrid debilitada e a estranha jovem que acompanhava Gideon, ajudando-o a carregar a garota tímida.

Nadine notou o olhar intenso em sua direção e desviou os olhos, ela ainda era uma garota desconfiada, apesar de confiar estranhamente em Alaric, um jovem que mal conhecia. Gideon percebeu a atmosfera anormal se formando e decidiu intervir.

— Aldebaran, não se preocupe com ela — Ele dirigiu o olhar para Nadine. — Ela é amiga do Alaric. Sendo assim, eu confio nela.

— Se você confia, eu também confio, haha! — Seus olhos voltaram-se para sua filha. — Mas e Astrid? O que aconteceu? Ela parece muito debilitada.

O guerreiro demonstrava uma preocupação mais tranquila, sem alardes para não deixar a situação pior.

— Enquanto você estava desmaiado, ela lutou contra Mani — explicou Gideon e continuou: — Ela fez o máximo que pôde, e no final… Foi derrotada...

— Astrid decidiu lutar? — Aldebaran estava entre o orgulho e a apreensão, sem saber muito bem como lidar com essa atitude de sua filha. — Bem, vamos recuar por agora.

Nadine, que estava silenciosa até então, consternou-se ao ouvir a palavra "recuar".

— Vocês vão abandonar o Alaric!?

— Não temos muita escolha, garota — Fuxi tomou a frente. — Não temos forças no momento para lutar.

— Ela está certa! — exclamou Gideon. — Não podemos abandonar Alaric!

— Como eu disse, jovem. Não temos forças. — Fuxi olhou para todos ali, cada um com um ferimento diferente, cada um com uma expressão de dor única em seus rostos. — Eu e a jovem Nadine acabamos de sair de uma batalha. Aldebaran e você também acabaram de lutar.

Nadine e Gideon fecharam o semblante, insatisfeitos com a decisão de Fuxi. Enquanto ele se afastava, não havia espaço para discussões; não era o momento. Aldebaran, por outro lado, estava indeciso. Queria concordar com os jovens e auxiliar Alaric, mas sua força era insuficiente no momento. Sem opções, tentou aliviar o clima.

— Vamos, com certeza Alaric irá vencer — disse ele em um tom confiante, observando o jovem encarando a deusa. — Afinal, aquele cabeça de vento é forte.

Nadine e Gideon, mesmo contra suas vontades, aceitaram e seguiram Aldebaran, que pegou Astrid no colo. Juntos, afastaram-se o máximo possível, mantendo uma distância que ainda permitia testemunhar o embate.

Retornando ao confronto entre Alaric e Mani, os dois se entreolhavam, cada um expressando uma emoção distinta. Alaric ostentava um olhar pouco fechado, repleto de confiança, enquanto a deusa ficava cada vez mais irritada, mantendo sua atitude arrogante.

De repente, a deusa desapareceu e reapareceu atrás do jovem. Este, com agilidade, saltou para a frente, escapando por pouco do golpe.

— Um segundo antes e… Eu estaria morto. — Ele caiu no chão, já se impulsionando para ficar de pé. — Teleporte?

— Conhece essa palavra? — Mani girou as espadas nas mãos e desapareceu novamente.

Alaric olhava para todos os lados, aguardando o momento em que ela reapareceria. Foram microssegundos, e lá estava a deusa, atrás dele. Assim que reapareceu, lançou um corte horizontal, mas Alaric habilmente defendeu-se usando uma espada de luz que voava ao seu redor. Em seguida, saltou para a frente, caindo na sombra de uma árvore onde a luz lunar não conseguia penetrar.

“Esse teleporte... espera, por que ela não está aparecendo atrás de mim?” Já haviam se passado alguns segundos, e a deusa permanecia parada, onde tentara aplicar o golpe anterior em Alaric.

"Deusa da lua… A luz lunar… descobri o segredo!" Alaric não pôde evitar o sorriso convencido que era característico dele. Um sorriso que apenas serviu para deixar a deusa ainda mais confusa e irritada.

"Por que ele está sorrindo desse jeito!? E além disso… Como ele escapou do meu primeiro golpe!? Nem mesmo aquele idiota no estado de poder máximo, o Berserker, conseguiu..." A deusa tentava conectar alguns pontos, percebendo que Apolo estava de alguma forma ligado àquele jovem, mas sem entender totalmente. Apesar disso, o jovem parecia possuir uma grande força de forma independente, talvez até no nível de um Arquidemônio. Ela não conseguia afirmar com certeza, mas se fosse classificar com base na esquiva, seria isso.

— Parece pensativa… — Alaric começou a levantar-se, as espadas pairavam à sua volta.

"Preciso encerrar isso logo… minha mana." A energia mágica de Alaric estava se esgotando. Mesmo tendo recuperado um pouco após o embate contra os Lycaions, estava chegando ao fim.

— Pensativa… Talvez esteja imaginando como te matar da maneira mais dolorosa. — Ela avançou correndo em direção ao jovem.

— Calma, flor, tá muito violenta — debochando, Alaric não se moveu, afinal, não queria sair da sombra daquela árvore.

"Ele compreendeu meu poder de teleporte...!" Percebendo que o jovem permanecia à sombra da árvore, notou que ele havia descoberto como seu poder de teleporte funcionava. Sem muitas opções, lançou-se em direção do jovem, as espadas à frente de seu corpo. Ao se aproximar, viu as lâminas de luz deslocando-se enquanto o jovem mantinha o olhar firme nela. As espadas de luz saíram cada uma por um lado, fazendo curvas para atingir suas laterais.

Próximas de acertar o corpo de Mani, a deusa parou bruscamente, lançando-se ao solo com firmeza. Com a lâmina curva na mão direita, tocou na espada de luz e com delicadeza a orientou na direção da outra espada de luz que vinha pelo outro lado. Fazendo assim as espadas se chocarem com uma enorme violência. Um amontoado de poeira dourada surgiu resultante do choque, encobrindo a deusa da visão de Alaric.

— Que diabos, o que ela fez!? — Ele forçava a vista tentando enxergar enquanto voltava a invocar suas espadas de luz, mas era a última vez que conseguiria, pois o custo de trazê-las de volta era maior do que o de mantê-las invocadas. — Mas que…

De entre a fumaça dourada, uma silhueta surgiu. Esta estava com um sorriso largo e um olhar confiante, inicialmente deixando Alaric perplexo. Ao girar as espadas em suas mãos, fez com que elas se batessem.

— O que você acha que es- — Antes de terminar de falar, sentiu um impacto atrás de si, como uma explosão, e foi arremessado para frente, longe da sombra da árvore.

Com dores por todo o corpo, ansiava apenas por sua cama; seu corpo clamava por descanso. Girou até ficar com o tórax para cima. Seus olhos, já sem vida e quase fechados, exibiam cansaço. Observavam a lua, refletindo-a. Enquanto sorria, sem forças para continuar a lutar, a onda de choque foi fraca demais para matá-lo, mas, com tanto cansaço e dores acumuladas, o preço foi cobrado. Sentindo a leve brisa agredir suas bochechas, percebia como a noite estava serena apesar de tudo.

Para sua infelicidade, em frente à grande lua, uma figura surgiu. Mani havia se teleportado para lá, despencando em sua direção, e as espadas estavam prontas para ceifar-lhe a vida.

Alaric, Alaric.” Ele escutava seu nome em sua mente, como se alguém o chamasse, apesar de não ouvir nada além dos grilos cantantes e do assobio singelo da brisa que lhe agredia com mais força. “Alaric!

— Que foi, droga!? — Ele já estava irritado com tanta incomodação; se fosse para morrer, que fosse em silêncio e na plenitude. Mas então notou que a voz em sua cabeça parecia realmente conversar com ele. — Quem é você? Está na minha cabeça? Será que enlouqueci de vez?

O tempo parecia diferente, a deusa ainda despencava do céu. E a voz continuou:

Sou eu, você me conhece, Apolo”. Isso por si só fez o jovem arregalar os olhos.

— Apolo? Você não estava adormecido, morto ou sei lá?

Estava adormecido, por isso não pude te ajudar, mas agora estou aqui”.

— Mesmo que não estivesse, você disse que não iria me ajudar. — Revirou os olhos. — “Para mim evoluir sozinho”. — disse em tom de deboche.

Não foi com essas palavras, mas sim. Contudo, posso te auxiliar sem tomar o controle de seu corpo”.

— Olha, eu até poderia negar… afinal, não confio em você. — Mas então Alaric olhou para o céu, com Mani cada vez mais próxima. — Mas não tenho muitas opções agora…Tsc.. O que sugere?

Primeiro... LEVANTE ESSE CORPO DO CHÃO!!

Alaric, como se tivesse recebido um choque, ergueu-se com grande agilidade, enquanto a deusa encontrava-se em direção ao solo, exatamente onde ele deveria estar. Isso resultou em um estrondo ensurdecedor, acompanhado por uma nuvem de poeira.

— Além de gritar como um idiota, tem alguma outra sugestão? — Alaric se afastava de costas, sem desviar os olhos da nuvem de poeira.

"Segundo: Você está manipulando a mana divina de forma demasiadamente simples."

— Mana divina? Quer saber, mais tarde você explica isso. — A nuvem de poeira começava a assentar, revelando a deusa, intocável e já preparando outro golpe. — Como faço para utilizá-la de maneira correta?

"Mana sagrada, distinta da mana comum, pode elevar seu corpo além dos limites normais."

— Traduza... — Alaric afastava-se cada vez mais rapidamente.

"Ah... Concentre-se, deixe a mana fluir por todo o seu corpo, veias, carne, ossos, músculos. Tudo!"

Mani avançou, suas espadas baixas aos seus lados. Acelerava sem parar, mais e mais. Seus passos nem deixavam rastros, já estava aproximando-se do jovem.

O rapaz inspirou profundamente, e o tempo pareceu dilatar; suas pupilas expandiram. Fechando os olhos, ele iniciou o processo de canalizar a mana para seu corpo.

"É como se o fluxo estivesse escapando, como um rio seguindo seu curso". Toda a mana de seu corpo fluía em direção às extremidades das mãos e pés, ansiosa por se libertar. Alaric tentou redirecionar o fluxo em direção aos músculos, conseguindo, ainda que de maneira improvisada e frágil. Agora, sentia todo o seu ser aquecer, seus músculos eram envolvidos por uma energia vibrante. E assim, abriu os olhos, que irradiavam um brilho poderoso.

"Apesar de ser algo temporário devido à sua quantidade limitada de mana, você deve estar sentindo o poder."

— Sim... — Ele sentia seu corpo revitalizado, uma sensação de poder além do comum. Seus músculos doloridos pareciam rejuvenescidos.

"Quanto mais você aprimorar o controle da mana, mais profunda será sua conexão com ela. Você facilmente superará um mago de nível 10 de controle de mana comum. Agora, aponte a palma da sua mão para aquela deusa imbecil e diga 'Globus Vis'."

O jovem, ainda incerto, seguiu as instruções do deus, apontando a palma para a deusa e, com um sorriso confiante, pronunciou:

Globus Vis! — Uma esfera de mana divina em alta velocidade foi projetada de sua mão em direção à deusa, que não teve tempo de esquivar-se, sendo atingida em cheio. E, foi Arremessada para trás. — Incrível…

Apesar de ser algo extraordinário, ainda não era poderoso o suficiente. Mani logo levantou-se, mas parecia um tanto tonta.

— Não me pareceu tão poderoso, para a deixar até tonta. — O jovem coçava seus cabelos vermelhos. 

E não foi. Aquilo é o efeito da mana divina em um estado tão puro... Ao ser atingido, causa uma desestabilização energética. Essa desestabilização provoca fraqueza, tontura e até desmaios. Como ela é uma divindade, mesmo enfraquecida, ainda suporta bem esses efeitos”, explicou Apolo.

— Ela é uma divindade, não tem mana divina?

Apenas anjos têm mana divina; deuses normalmente possuem poderes especiais não ligados à mana. A mana de uma divindade é comum como qualquer mortal”.

— Calma, calma. E você? Você não é um deus?

Não é o momento para você se preocupar com isso; ela já está se estabilizando”.

A batalha estava longe de terminar, e Alaric estava à beira do esgotamento de sua mana. As coisas começavam a se complicar, apesar da ajuda temporária de Apolo.



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