Sakurai Brasileira

Autor(a): Pedro Suzuki


Volume Único

Capítulo 8: Mau por natureza

A noite caía sobre a cidade de Kyoto, e a luz diurna se esvaía. A iluminação escassa das lanternas funcionava como um toque de recolher para os moradores de um pequeno bairro tradicional, já muito antigo na região.  

Um homem pálido caminhava pelas vielas do bairro. Sua figura era imponente, pois, além de uma postura admirável, carregava consigo delicadas vestes cerimoniais, típicas, normalmente, de um monge da alta hierarquia. Sua idade aparentava ser de aproximadamente trinta anos, mas cabelos curtos e completamente brancos já cobriam sua nuca por completo. No entanto, uma atmosfera estranha o cercava, era como se, intencionalmente, não deixasse praticamente nenhum resquício de sua pele à mostra. 

Enquanto atravessa o beco, seus lábios moviam-se suavemente, entoando uma canção de ninar. 

Ele parou em frente a uma grande placa dourada, na entrada de uma mansão, que tomava conta da maior parte do bairro. 

— Kō-He-I? — leu em voz alta.  

— Ei! Alguém está aí? 

Alguns berros podiam ser ouvidos do outro lado da mansão: Um grupo de pessoas, posicionadas do lado de fora, seguravam tochas e agiam de forma desordeira. Um dos invasores saiu para olhar os arredores, mas, não encontrando nada, voltou apressadamente para a confusão. 

“Ladrões? Não, estão vestidos bem demais…”, pensou o homem. 

Dez minutos antes.  

Dentro da casa, ao redor de uma pequena mesa retangular, feita de madeira de alta qualidade, Sota recepcionava um soldado beneficiado pelo seu pai.  

— Aceita um pouco de chá? — perguntou Sota. 

— Sim, por favor.  

Hm, já está tarde, tem certeza de que não quer ficar para o jantar? 

— Fica para uma próxima vez. 

Sota se levantou e andou para a cozinha, retornando com uma bandeja cheia de biscoitos. 

Matcha sozinho não tem graça, pegue também alguns biscoitos! Fui eu que fiz. 

O soldado pegou um biscoito quadrado com um padrão semelhante a um tabuleiro de xadrez e deu uma mordida. 

— Nossa, que biscoito delicioso! — Após comer o biscoito inteiro, continuou. — Teve aulas de culinária desde a última vez que vim? 

Ah, qualquer um consegue cozinhar uma receita simples dessas... 

— Não, você realmente tem talento nisso. Isso está melhor que vários restaurantes que eu fui! — Após tomar um gole de chá, ele pigarreou e disse. — Indo para o assunto principal... Eu temo que haja mais a morte de seu pai, do que chegou a você. 

— Como assim? 

— Na verdade... Seu pai não morreu por inimigos de guerra ou pelo tal do demônio de Tokyo. Ele morreu traído por seus próprios companheiros. 

— De onde que você tirou isso? 

— Dou minha palavra que isso é verdade. 

— Essa não foi minha pergunta.  

— Eu... O que vou dizer põe em risco a mim e minha família. Eu vi... Eu vi a traição com meus próprios olhos.  

Ah... Seu desgr... — Sota virou o copo de chá como se fosse um shot de bebida, para manter a calma. — Ha... Você é um amigo próximo de meu pai, por que não contou isso antes? 

— Obrigado por manter a calma... Como eu disse antes, só mencionar isso é algo que põe a minha família em risco... 

— Droga, então eu quase morri por nada... Continue. 

— O... O culpado por isso é o Xogum. 

— O Xogum!? Mas por quê? Ele não tem nada a ganhar com isso...  

— Quem matou seu pai foram seus próprios companheiros, mas poucos dias depois, o filho dele veio pessoalmente nos alertar que se alguém abrisse a boca sobre isso estaria morto... Talvez fosse por motivos pessoais, ou, mais provavelmente... Foi porque Seu pai estava o investigando... 

— O investigando o Xogum? Por que motivo? Sabe de mais alguma coisa?  

— Infelizmente isso é tudo que eu sei. O resto você tem que descobrir por conta própria.  

— O Xogum, o Xogum... Se me vingar de Hiroshi já era uma tarefa difícil, imagina agora, que o culpado é quem manda em toda Kyoto!  

“Falando nisso... Se ele não tinha nada a ver, eu tenho que me desculpar com ele...”, pensou. 

— Obrigado por fazer o certo, mesmo sendo um assunto tão perigoso.  

— Não precisa agradecer! Eu... Isso é pouco perto do tanto que ele me ajudou!  

— Mesmo assim não é sempre que as pessoas retribuem... Tenho certeza de que meu pai fez isso sem esperar nada em troca!  

— Fico feliz em poder ajudar... Tenho que ir, mas se precisar de qualquer coisa é só mandar uma carta para esse endereço aqui. — disse, entregando um papel com suas informações pessoais. 

— Digo o mesmo, se precisar de alguma ajuda é só voltar aqui!  

O soldado se curvou profundamente e foi embora. 

— Para lidar com esses problemas... Eu preciso ficar mais forte! 

Sota levou a bandeja para a cozinha, e, enquanto a lavava, pensou: 

“Aprender sozinho não é o suficiente... Preciso de um...”  

Um som alto — desconhecido para Sota — veio da entrada, interrompendo seu pensamento.  

— O que foi isso?... Ah... Mas já?! — Sota correu para cozinha, pegou uma faca e se esgueirou, com medo, até um cômodo antes da entrada. 

Sota respirou fundo, e tomou coragem para olhar para a entrada. 

— Droga... Como eles?  

Havia um rastro de sangue que levava até a porta aberta. 

E no início do rastro, em meio a uma explosão de sangue, havia um pequeno pedaço de metal. Sota o pegou na mão e examinou de perto. 

— Uma... Bala? Como eles conseguiram isso? Isso não se limitava apenas ao... 

— Muito prazer, Sota! — Da porta, uma pessoa surgiu. 

Um jovem que aparentava ter a mesma idade de Sota, mas vestido com roupas muito mais extravagantes, disse sorrindo: 

— Nos encontramos mais cedo que o planejado! 

— C-como você conseguiu isso?! — disse Sota apontando para a arma de fogo que ele carregava. 

Ah, esse rifle? Simples, um amigo foi até o exército e pegou emprestado alguns desses. 

Não havia dúvidas, o único capaz de dizer algo assim tranquilamente, só podia ser o filho do Xogum. 

— Por que está fazendo isso!? — gritou Sota. 

— Bom, eu avisei que mataria quem espalhasse a informação... 

— Não! Por que está atrás da minha família? 

— Ah, está falando disso... É porque vocês estão atrapalhando nossos negócios? Não, se fosse só isso eu nem teria vindo pessoalmente. — Diversos guardas começaram a invadir a casa, jogando óleo nos móveis, nas paredes e no chão. — É porque eu acho muito divertido! 

— Só por isso? 

— Estou brincando, relaxa! Não sei como não sabe disso, mas nossa família se odeia já faz uns bons séculos... Enfim, algum tempo atrás, meu bondoso pai decidiu engolir seu próprio orgulho e oferecer uma proposta de aliança para seu pai. — Então fez um gesto para um dos vários guardas que estavam com ele. 

O guarda então atirou a tocha que segurava no chão de madeira, e o fogo rapidamente começou a se espalhar por toda casa. 

— Amarrem ele. 

Após apertarem o seu corpo com uma corda e sua boca com um pano, todos, menos o jovem que ordenou tudo isso, saíram para queimar os outros cômodos. 

— Bom, o Japão não é mais pacífico como antes, e sua família escolheu o lado perdedor. — E saiu acenando, sorrindo tranquilamente enquanto o fogo se espalhava depressa. — Sua família é só um pequeno exemplo do que está por vir. Hoje, os Xoguns declaram guerra ao imperador! 

Os soldados saíram e a casa começou a desmoronar. O terrível cheiro de fumaça começava a adentrar nos pulmões de Sota. O calor infernal aumentava. O som do teto caindo se misturava com explosões, mas Sota não podia fazer nada além de se contorcer no chão, gritando por ajuda.  

“Se ao menos eu tivesse a força daquele demônio...”, pensou. 

— Que sorte a sua! — exclamou o homem pálido. 

“Estou... alucinando por causa da fumaça?” 

A consciência de Sota começou a se esvair. 

— Você me ajudou com um favor, eu o ajudarei com dois! 

“Que favor?” 

— Garoto? Garo... 

Sota desmaiou. 



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