Ribeira dos Desejos Brasileira

Autor(a): Rhai C. Almeida


Volume 1

Capítulo 1

Dia 15 | Ano 1***

06:40 AM

 

Perto de uma cabana de madeira de carvalho escuro, os pássaros da floresta anunciavam que, em breve, o sol nasceria dentre as nuvens da colina semi-submersa na densa e acinzentada neblina.

A residência era simples, mas bem construída. Cada móvel em seu devido lugar, desde o arco pendurado no gancho da parede, e a espingarda em cima de uma estante próxima a uma porta entreaberta. 

Em um dos cômodos — no quarto bagunçado, cheio de peças de roupas espalhadas pelo chão — Asher dormia despreocupado, até ser acordado pelos pássaros.

Já estava na hora de caçá-los, de qualquer forma.

Uh… — resmungou, seu rosto afundado no travesseiro. — Tsk.

Seu peito estava descoberto, sentado na cama enquanto a coberta cobria até a sua cintura. De repente, um cheiro familiar — e muito agradável às suas narinas — chegou no quarto. 

Sem pressa, Asher levantou, e do chão, apanhou as calças, abotoando-as ao se dirigir até o local de origem da fragrância de ovos fritos e torradas recém-preparadas.

— Bom dia, bela adormecida — comentou uma moça tão jovem quanto ele.

— Rose…? — Asher se apoiou na guarnição à entrada da cozinha e coçou os olhos, sonolento.

— Rose de novo? Quem é essa? Já é a segunda vez que você me chama por esse nome. — Ela soltou a frigideira. 

— Hm… — Ele tocou na barriga e observou a mulher com a sua camisa enquanto lançava mais lenha ao fogo. — Você poderia vestir suas roupas.

— Não fuja da pergunta. É alguma amante?

A mulher de longos cabelos castanhos encaracolados se desafiava a virar o ovo da frigideira sem qualquer utensílio. Estava determinada, porém sua confiança foi em vão quando a gema se esborrachou na frigideira. 

— Não, ela é uma amiga de infância. — Ele pegou uma torrada e se sentou na cadeira de madeira perto dela. — Crescemos juntos, então era normal acordar e vê-la na casa.

— Entendo. Vocês sempre foram próximos? — Ela despejou os ovos num prato, colocando-os sobre a mesa. — Coma enquanto está quente.

Asher fitou o café na caneca. — Estou em algum tipo de interrogatório?

— Não seja bobo. — Ela sorriu. — Você me conhece, sou um pouco curiosa.

Ele bufou, um sorriso surgindo em seus lábios. — Obrigado pela ajuda. 

— É o meu trabalho, não é? — A mulher brincou com a torrada no prato. 

— Não, não por isso.

Asher encarou a mulher de cabelos bagunçados, sua camisa amarrotada enquanto ela, em silêncio, mantinha a expressão gentil no rosto.

— Pode ficar por quanto tempo precisar. 

— Não se preocupe, ele abriu uma exceção porque você é amigo dele. — Ela se atentou à cantoria dos pássaros. — Você sempre é gentil, até para alguém como eu. 

— Eu não sou amigo dele, apenas me importo com você. — Ele erigiu da cadeira. — Agora, devolva minha camisa.

Ela tinha dúvidas sobre o relacionamento de Asher com a misteriosa Rose. No entanto, preferia admirar os fortes músculos e o cabelo bagunçado de quem ainda despertava do sono. Além disso, ele parecia incomodado com os poucos fios de barba que cresceram durante a noite.

— Hum… — Riu. — Claro. — Com o sorriso de canto nos lábios, ela deslizou a camisa por seus braços esguios, ao tempo que os pássaros entoavam suas melodias.

Na moradia de campo, afastada das demais casas, a residência era decorada com jarros de diferentes flores e vinhas vivas. Nela, Rose lavava a seco seus longos cabelos. Ela acabara de acordar e ainda vestia uma camisola aos trapos — um tecido envelhecido, porém confortável.

Por outro lado, quando ela torceu o pano, uma voz falou:

— Vá até a cidade e compre os ingredientes para o almoço — disse uma mulher com uma criança de colo em seus braços.

— Mãe, a senhora conversou com o Timothy hoje? Eu… não o vi quando acordei. Ele não me disse nada. 

A mulher reparou no pescoço da filha, franzindo o cenho.

— O que você e ele fazem a noite toda, não é da minha conta. Ele é o seu marido, então trate de encontrar uma maneira de prendê-lo na cama. Não deve ser difícil para alguém que grita igual uma prostituta — expressou a mulher, seus olhos na pequena menininha. — Vamos, minha bebê.

Irritada com a fala descarada, Rose atirou o pano na bacia de água. Ela respirou fundo, estufando o peito enquanto a raiva se esvaía de seu corpo num suspiro prolongado.

De todo o modo, Rose trançou as madeixas e se arrumou para as tarefas diárias. Ela conferiu a lenha do caldeirão, e com a cesta vazia nas mãos, a jovem calçou as botas. Ao abrir a porta, Rose espantou as galinhas fugitivas do galinheiro e caminhou até o cercado de tábuas desalinhadas, como também desgastadas. 

Ela atravessou uma ponte — uma prancha de madeira — improvisada que impedia seus pés de afundarem na lama. E não muito longe dali, Asher seguia o trajeto num corcel de pelagem preta pela silenciosa estrada de terra amarronzada.

O canto do galo ecoou pelo lugar neblinado, onde o sol lançava seus primeiros raios brilhosos na vegetação ao derredor. Para Asher, era uma vista cinza, contudo, por um descuido, seus olhos notaram Rose erguer a bainha do vestido.

Algo por debaixo de suas vestes gerava desconforto, e a única cor que Asher pôde observar, era o amarelo vívido dos olhos da jovem descuidada — e o branco desbotado de seu traje íntimo, o qual preferiu ignorar.

— Rose! — Asher aumentou a voz, sua mão firme no cabresto do animal.

— Eu? — No mesmo instante, ela soltou a mão do vestido. — Asher! Ei, espere! — Correu até ele — de certo modo, animada.

— Está com formigas aí embaixo? — Ele mostrou um sorriso provocador.

— Não zombe de mim! — Ela fez uma careta. — Por que estava me encarando, para começo de conversa?

— Você é muito descuidada. Deveria agir como uma dama às vezes. — Ele desceu do cavalo.

— E você deveria se preocupar com esse seu rosto desprovido de maturidade.

— Hahaha! — Ele soltou uma gargalhada, surpreso. — Desprovido de maturidade? Era para soar ofensivo? Esperava um xingamento de verdade.

— Não brinque comigo! — Rose soltou a mão em um leve tapa no braço dele, junto do sorriso afável.

Era a distração que ela procurava após o comentário desnecessário de sua mãe, que ainda voltava para atormentá-la. Ele era um amigo que, quando Rose mais precisava, estava lá, sempre por perto, ponto para ajudá-la.


Capítulo novo toda sexta.

 

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