Volume 8.5

Bônus: A aventura de realidade virtual de Tomozaki, o Guerreiro.

Empolgadamente, retirei uma máquina do tamanho de duas mãos de sua caixa.

"Então é assim que parece o mais recente headset de realidade virtual... É mais leve do que eu imaginava... Uau... Tão futurista..."

Eu segurava o que parecia um par de óculos enormes em minhas mãos. Aparentemente, Mizusawa foi selecionado como testador beta, e nosso grupo habitual deveria jogar um jogo online hoje usando esses headsets. Eu estava super animado para experimentar o mais recente jogo de RV.

"Todos nós deveríamos entrar às cinco... Oh, droga, já são 17:02! ...Então acho que, uh, coloco isso na minha cabeça e aperto aquele botão?"

Murmurando para mim mesmo, coloquei o headset, procurei pelo botão na lateral e o segurei por alguns segundos. Um som futurista tocou perto do meu ouvido.

"Uau!"

Passei por um portão feito de luz e emergi em uma sala de estar imaginária no estilo ocidental. Quando movi a cabeça, minha visão da sala mudou exatamente como se eu estivesse realmente lá, e a qualidade da imagem era muito maior do que eu esperava para um display de óculos. Senti que a tecnologia estava quase avançada demais.

Como eles conseguiram isso?

Enquanto estava em choque com o quão avançada era essa coisa, de repente ouvi a voz de Hinami.

"...Olá?"

"O-oi...?" Respondi timidamente. 

"Parece a voz do Brain! Então você finalmente apareceu!" Ouvi Mimimi responder.

"Desculpa. É você, Mimimi?" Perguntei, um pouco surpreso com essa enxurrada de vozes. Parecia que o espaço diante dos meus olhos deveria ser meu quarto no jogo, e agora outros personagens estavam lá. Hmm. Então deveríamos estar nos comunicando por telefone ou ESP?

"Você com certeza está atrasado, Fumiya. Você é o cara que ama jogos, certo?" Era Mizusawa. Seu tom de "eu tenho tudo sob controle" chegava alto e claro mesmo pelo headset. O personagem de nível máximo definitivo.

"S-sim, mas nunca fiz RV antes... Eu estava pirando com o equipamento e perdi a noção do tempo," respondi honestamente.

"Juro, Tomozaki-kun, você é um caso perdido," Hinami disse com um tom provocador. Ela soava um pouco como ela mesma, o que era irritante, mas eu suprimi minha irritação e me desculpei novamente. Maldita seja, Hinami! Não posso fazer nada agora, mas você vai se arrepender depois!

"Ah-ha-ha. Ele gosta tanto de jogos que se atrasou!" Uma nova voz se juntou à conversa: a de Izumi.

"Oh, oi, Izumi, você está aqui também? Achei que você não iria querer se incomodar com a configuração."

"Ei, o que você quer dizer com isso? Minha mãe me ajudou."

"Isso é realmente algo para se gabar?" Provoquei, já acostumado a falar pelo headset.

Com a maioria de nós reunidos, Hinami tomou a frente.

 "Aqui é Hinami. Quem está pronto para começar?"

"Oooh, Takei aqui! Pronto e ansioso!" 

"Uh, Yuzu Izumi aqui! Eu consigo ouvir você!"

"Ha-ha-ha. Você não precisa copiá-los, Yuzu."

 "Hmm, é mesmo, Hiro?!"

"Eu também estou pronto. Venham me pegar!"

Enquanto todos se preparavam, ouvi uma nova voz incerta. "Umm... vocês conseguem me ouvir?"

"Sim, consigo ouvir sua voz adorável, Tama!"

"Não precisa dos comentários!" Tama-chan respondeu com sua afiada usual.

Mimimi riu.

"Uau, este headset é incrível! Não consigo acreditar que podemos conversar entre casas assim!" disse Takei, um pouco fora de sintonia com todos os outros.

"Na verdade, você pode fazer isso pelo telefone," respondi.

"Nossa, Takei... De qualquer forma, todo mundo está pronto?" perguntou Mizusawa.

"Eu estou!" respondeu Mimimi. "Estou muito animada para experimentar o VR pela primeira vez! E com o modelo mais recente!"

"Então você é uma testadora de um jogo que estão desenvolvendo? Você é tão sortuda!" comentei.

"Eles devem saber que sou um cara legal."

"Você é tão irritante, Hiro!" disse Izumi, rindo.

"Mas nós podemos entrar no jogo, né?! Vocês estão empolgados?!" disse Takei.

"Parece que estão usando a tecnologia mais recente. Tenho que admitir que estou animada também," acrescentou Hinami.

"E é um RPG com espadas e magia, certo?! Isso é, tipo, tão emocionante!" respondeu Takei.

Tama-chan riu. 

"Ah-ha-ha. Sim, consigo ver você gostando disso."

"Eu amo!"

Sorri ironicamente e mencionei algo que estava pensando.

"É tão futurista. Eu me pergunto se isso vai mexer com nossos Cérebros."

"Isso... é um pensamento assustador...," disse Izumi. Nesse momento, um sino soou para anunciar um novo participante.

"O-o-oi...?" disse uma voz bela e fugaz, como de uma fada.

"Oh, essa parece ser a adorável Fuka-chan! Estava esperando por você!"

Hinami seguiu a saudação exagerada de Mimimi com uma mais gentil. "Ansiosa pelo jogo!"

"Eu também! Obrigada por me convidar. Desculpe por chegar tarde..."

 "Sem problemas! Teve dificuldade para conectar?"

"Umm, não, consegui me conectar... Eu só não sabia como entrar na conversa..."

Mizusawa e Hinami intervieram para tranquilizá-la. "Ha-ha-ha, entendo perfeitamente!"

"Sim, claro!"

"Ei, não recebi uma recepção dessas!" brinquei, já que haviam me repreendido por estar dois minutos atrasado. Senti que tudo o que estava fazendo era fazer piadas.

"E quanto ao Shuji? Já que a Fuka-chan está se juntando a nós, gostaria muito que ele estivesse aqui," disse Izumi com pesar.

Mizusawa riu. "Ele disse que não tem Wi-Fi em casa, então o que podemos fazer? É um jogo online."

"Sim, você realmente precisa de Wi-Fi para isso. Você queimaria todos os seus dados em um segundo!"

"Tudo o que ele usa o celular é para redes sociais... De qualquer forma, acho que todos estamos aqui, certo?" perguntou Mizusawa.

"Vamos ver... eu, Yuzu, Tama-chan, Fuka-chan, Mimimi," Hinami disse como se estivesse fazendo chamada. "E então Takahiro, Takei e Tomozaki-kun... Sim, todos."

"Ok. Devemos começar?" perguntou Mizusawa, assumindo a liderança. "Soa bem," respondeu Izumi.

"O jogo está começando!"

"Estou ansiosa!"

Um menu inicial flutuava diante dos meus olhos com botões como INICIAR JOGO e OPÇÕES.

"Ok, então escolho INICIAR JOGO e... oh droga!!"

Assim que fiz minha escolha, um tornado de luz engoliu o mundo.

 


 

"Uh, ok... ai... Onde estou?"

Quando a luz se dissipou, eu estava de pé em um campo aberto. O vento soprava, fazendo o capim farfalhar. Os gráficos eram muito melhores do que na maioria dos jogos, e quando eu me movia, meu avatar no jogo também se movia, quase sem emendas. Como será que funciona.

"Um campo aberto sem nada...?"

Ouvi um som estranho atrás de mim, como um distorcer do tempo, e depois o som de algo pesado caindo. Me virei surpreso.

"Hã?"

Mimimi estava sentada no chão. Ela se levantou, esfregando o traseiro. "Aiii! Onde estou...? É você, Brain?!"

"Ei, Mimimi... O que você está vestindo?"

"O quê?"

Ela estava vestida com shorts e um top, com uma capa verde amarrada no pescoço. Ela também estava usando luvas até o cotovelo e uma pequena bolsa de couro presa a um cinto em volta da cintura. Suas pernas e estômago estavam expostos, e ela parecia muito, hm, em forma.

Desviei o olhar dela enquanto respondia, "Você está vestida como uma ladra ou algo assim."

Ela olhou para baixo para si mesma.

"O que diabos?! Você está certo! Esses shorts mal cobrem!"

"E você tem um lenço ou algo assim na cabeça... Disseram que era um RPG, né?"

"Sim."

"O que significa que você é uma ladra."

Enquanto eu falava, finalmente me ocorreu olhar para baixo para mim mesmo. Eu conseguia ver armadura, uma espada e um escudo. Coisas clássicas de RPG.

"Se eu estou com armadura... eu sou um soldado?" 

"Você parece mais um guerreiro para mim."

"S-sério? Não me diga que acabei como o personagem principal!"

"Ah-ha-ha. Você sempre tem a melhor sorte." Ela me deu um tapinha no ombro.

"Não sei se é sorte boa ou má..."

"Sério, porém, este jogo é incrível! Nós parecemos completamente diferentes! É quase real demais!"

Olhamos ao redor da extensão verde ininterrupta. "…Mas o que é este lugar? Uma pradaria?" perguntou Mimimi.

"Oh, aposto que é a pradaria que eles costumam ter no início dos jogos. Parece que... estamos só nós dois por aqui, né?"

"Sim. Isso significa que somos os únicos que começaram daqui?" 

"Parece que sim... Ei, o que foi isso?"

Nesse momento, o capim farfalhou. Virei na direção do som e vi um monstro azul pegajoso saltando na nossa direção e uivando ameaçadoramente.

Quem sabe de onde ele veio. "Pigii! Pigii!"

"Eee! Um monstro! Ele é todo molenga e nojento!" Mimimi disse. "Hmm, ele não lembra meio que o Takei...?"

Mesmo que houvesse algum tipo de efeito na voz, parecia com ele — ou melhor, era ele.

"Sim, mas o que ele é?"

"Bem, este é o primeiro monstro a aparecer, e é azul e molenga... Parece uma geleia para mim."

"Você está tão calmo, Brain!"

"Sim. Isso é meio padrão. Acho que estamos no tutorial agora. Não tem como perdermos, então vamos só relaxar, ok?"

"Isso não meio que tira a diversão?"

"Do que você está falando? Analisar o metajogo faz parte da diversão hoje em dia."

"Não faço ideia do que você está falando, mas sério?"

Senti-me como um peixe na água enquanto explicava nossa situação. Mimimi parecia entender apenas metade do que eu dizia, mas ela se agachou e, pelo que pude perceber, se preparou para lutar contra o monstro que estávamos enfrentando. Ela é natural.

"Pigii!"

 "Ack! Lá vem ele!" 

"Vamos nessa!"

Nossa primeira batalha começou, junto com uma trilha sonora animada de batalha.

 "Uh... como lutamos? Não vejo nenhum comando..."

"Você chamou isso de tutorial, mas quem está ensinando?" Nesse momento, ouvi uma voz gentil e fraca.

"Tomozaki-kun! Nanami-san!"

Mimimi virou o pescoço, confusa. "De onde está vindo essa voz?" perguntei. "Aqui!"

"Onde?" Vasculhei nossos arredores, procurando o dono da voz.

"No seu ombro!"

 "Meu ombro... Argh!"

Mimimi e eu a encontramos ao mesmo tempo. Uma pequena Kikuchi-san, vestida de branco e com um par de asas, pairava sobre mim.

"Você é uma fada que se parece com a Kikuchi-san?" 

"Um... olá," disse a fada.

Mimimi e eu devolvemos a saudação. "O-o-oi."

"Olá!"

"Um... meu nome é Fuka. Sou uma fada que ajuda todos na aventura... aparentemente," disse Kikuchi-san hesitante, voando levemente ao nosso redor. Só de vê-la já me enchia de gratidão.

"Acho que é uma maneira de fazer o jogo funcionar..." 

"Meu Deus, ela é tão fofa! Ela é ainda menor que a Tama! Tão adorável!!"

"Uh, é, err, fofa..."

"Ela caberia na palma da minha mão! Eu não aguento! É perfeita demais! Brain, a partir de hoje, eu sou Team Fuka-chan."

"Uh, ok..."

"Um...? O-obrigada?"

Nenhum de nós sabia como reagir à empolgação de Mimimi — exceto Takei, aparentemente. 

"Pigii!! Pigii!"

"Takei... Quero dizer, a geleia está irritada!"

"Acho que ele está chateado porque não estamos incluindo ele na conversa," disse Kikuchi-san, com pena dele. A geleia pulava para cima e para baixo como se estivesse concordando com ela.

"Eu quero fazer parte da festa também! Pigii!"

 "Ei, você acabou de falar na língua humana!"

"Então Takei acabou virando um monstro...," Mimimi ponderou, soando confusa. Olhei para o pobre Takei e considerei o jogo.

"Interessante. Então nem todo mundo pode ser um aventureiro."

"De repente, virei uma fada, então aposto que foi o mesmo para o Takei." 

"Caramba. Virar uma geleia é um destino horrível," disse, rindo ironicamente.

"O-o-que devemos fazer? Ele é um monstro, mas ainda é o Takei?" Mimimi perguntou em pânico.

"Você está certa... Acho que devemos derrubá-lo de uma vez!" disse Kikuchi-san, decidida.

"Não sabia que você era tão agressiva! Talvez possamos ser amigos dele!" Mimimi exclamou surpresa. Eu também fiquei surpreso.

"Sim... ele pode ser um inimigo fraco, mas ele é o Takei." 

"Sim, não se esqueçam disso!" disse a geleia com a voz do Takei.

 "Ele está falando como nós!"

Mimimi estava claramente desconcertada com o fluxo de eventos. Na vida real, ela pode lidar com qualquer coisa, mas isso não parecia ser o caso neste jogo.

"Grrr!!" disse a geleia com a voz do Takei, lançando-se contra mim. Você vai pagar por isso, Takei!

"Ai!"

"Brain!!"

"V-você está bem?!"

Eu dei um passo para trás, esfregando o local onde ele me atingiu. Mas... o que diabos eu estava sentindo?

"Sim. Não dói... mas minha cabeça parece meio pesada ou algo assim..."

"Sua cabeça está pesada?"

"Um... acho que é porque seu PV caiu!"

"Você quer dizer que é assim que se sente ao perder PV?" 

"Ah, é, PV..."

"Esse jogo é muito bem projetado!" 

"Pigiiiii!!"

Enquanto conversávamos, a geleia com a voz do Takei rapidamente inchou e começou a uivar novamente. Cara, cale a boca.

"Eee! Ele está ficando bravo de novo porque estamos deixando ele de fora!" 

"Pigipigipigipigi!"

Saltando à frente em velocidade relâmpago, ele se lançou contra nós repetidamente. Isso estava ficando ridículo.

"Ele acabou de nos atacar quatro vezes seguidas!" 

"Ele tem ataques múltiplos?"

"Ele é mais forte do que eu pensava!"

"Eu sei, esse é um slime de alto nível..."

Eu e Mimimi recuamos alguns metros, mas a geleia com a voz do Takei saltou na nossa direção novamente.

"...Não, acho que não foi ataques múltiplos, foram apenas quatro golpes seguidos!"

 "Que cabeça dura..."

Eu me desanimei, decepcionado, mas Kikuchi-san se recusou a nos deixar relaxar.

"No entanto, ele ainda é uma ameaça. Se vocês dois não fizerem nada, perderão o jogo!"

"Como jogador, não posso me deixar perder para um slime..." 

"Como humano, não posso me deixar perder para o Takei..."

Reagindo ao comentário de Mimimi, a geleia começou a ferver sob a pele, fazendo com que protuberâncias redondas aparecessem por todo o corpo.

"Pigiiiii!!!"

"Nanami-san, acho que não seria sábio provocar ainda mais o Takei-kun!" advertiu Kikuchi-san.

Nesse momento, a luz começou a se concentrar no corpo da geleia com um som agudo. O que estava acontecendo?

"Oh não! Acho que ele está se preparando para fazer algo ruim!" gritou Mimimi.

"É um feitiço poderoso usado por slimes... Se isso seguir a teoria, será um dos feitiços mais poderosos!"

"Um feitiço de fim de jogo?! No tutorial?!"

"Isso é ruim! Vocês têm que derrubá-lo enquanto ele se prepara!" gritou Kikuchi-san freneticamente.

Mimimi olhou ao redor como se não soubesse o que fazer. "Mas como?!"

"Nanami-san, use a faca em seu cinto! Tomozaki-kun, use a espada no coldre atrás de você!"

Peguei a espada. "Isso? O-ok, entendi!"

"Não acho que ele consiga se defender agora!"

 "Pigi?! Pigii...pigii..."

A geleia deve ter percebido para onde a situação estava indo, pois o tom de sua voz mudou.

"E-eu acho que ele está ficando mais fraco..." 

"Pigi...pigi... Estou com medo..."

Um olhar de piedade gradualmente se espalhou pelo rosto de Mimimi. 

"Eu me s-sinto tão culpada..."

"E-eu sei," concordou Kikuchi-san.

Mas eu estou mais acostumado a jogos do que os dois, e mantive a calma.

 "Lembrem-se... foi o Takei que nos atacou agora."

"Isso é verdade..."

"Me desculpem, mas é pelo bem da paz mundial! Vou fazer isso! Yaaa!" Eu enfiei minha espada direto na geleia.

"Pig...pigi..."

Sua voz desapareceu, e a geleia se dissipou. Desculpe, Takei.

"O Takei se foi...," sussurrou Mimimi tristemente.

"E-eu — eu acho que foi a decisão certa... Talvez," disse Kikuchi-san.

"O que é esse sentimento de culpa persistente depois da batalha?" perguntei, franzindo o cenho. Eu não entendia por que tínhamos que nos sentir tão mal com relação ao Takei.

"Eee!"

"Nossa!"

Naquele momento, Mimimi e eu gritamos ao mesmo tempo. "O q-que foi?" perguntou Kikuchi-san.

"Eu a-acabei de...," comecei, olhando para baixo com apreensão para o meu corpo, "…sentir algo meio...coceguento…"

"Oh, acho que isso se chama… Espere só um momento, tudo bem? Vou tentar!"

Kikuchi-san estendeu as duas mãos à sua frente e rezou fervorosamente. Um livro do tamanho do seu corpo apareceu.

"Algo acabou de se materializar!"

 "O que tem nesse livro?"

"É o livro de regras... ou pelo menos, é assim que eu o chamo. Ele tem informações detalhadas sobre várias partes do jogo."

Usando ambas as mãos, ela lutou para folhear o livro flutuando no ar à sua frente. Tão precioso.

"…Ah, aqui está. Um aumento de nível!"

Eu pensei sobre o que acabara de acontecer. 

"Então, aumentar de nível provoca cocegas?"

"Sim. E parece que se você desejar um pouco, uma tela aparecerá... e você pode conferir lá."

"Desejar um pouco…? Tipo assim? Ta-daa!" Mimimi disse. Uma coisa azul e com aspecto de tabuleiro apareceu em suas mãos.

"Uau! Parece um tablet!"

Os três ficaram olhando para ele. Havia uma lista de palavras como "Item," "Status," "Salvar," e "Opções." O que significava… 

"…Isso deve ser a tela de menu nos RPGs. Podemos ver nosso status, itens e outras coisas."

"E tem um mapa!"

"Sim, exatamente. Hum, de acordo com o livro de regras… os outros jogadores estão desempenhando seus próprios papéis em outras partes deste mundo. Assim como vocês dois são um guerreiro e uma ladra, eu sou a fada explicadora, e o Takei está na categoria ‘outro’."

"A categoria ‘outro’?" ecoei com pena. Ao mesmo tempo, não pude deixar de pensar que era perfeito para ele.

"Então devemos procurar os outros?" sugeriu Mimimi.

"Sim, parece um bom objetivo para começar," respondi.

 "Que tal irmos para este porto? Parece próximo no mapa."

"Acho que é um excelente plano!" concordou Kikuchi-san.

"Okay! Vamos lá!" disse eu, e Mimimi acrescentou um "Yeah!" Ela começou a andar, olhando para o mapa enquanto liderava o caminho. "Sigam-me, nobres aventureiros!"

"…Uh, Mimimi? É por aquele lado." 

"É mesmo?"

Acabou que seu senso de direção no jogo era tão ruim quanto na vida real.

 


 

Avançamos seguindo o mapa e eventualmente chegamos ao nosso destino.

"Bom, aqui está a cidade… É tão tranquila…," disse Mimimi. 

"E tão bonita e limpa," acrescentou Kikuchi-san.

 Olhamos ao redor. A atmosfera era contida, com fileiras de prédios parecidos. Pensei nos riscos padrão em jogos como este. Parecíamos bastante seguros por enquanto.

"Sim, nada extravagante, mas não vejo um único pedaço de lixo," disse eu. 

"Então isso deve significar que é seguro? Ei, é a Tama ali?" perguntou Mimimi.

"As vozes realmente ecoam longe em um lugar silencioso como este…," disse eu. Naquele momento, um homem saiu de um beco em nossa direção.

"Oh, tem mais alguém."

"Olá!" disse o homem suavemente. "Bem-vindos a Shuberg!"

Aquela voz e expressão eram terrivelmente familiares…

"É você, Mizusawa?" perguntei. O homem inclinou a cabeça, confuso — mas ele era a viva imagem do Mizusawa.

"Mizusawa? Que nome oriental exótico é esse? Eu sou Bell, prefeito desta cidade!"

"Ele parece e soa exatamente como o Takahiro para mim," disse Mimimi. "É definitivamente o Mizusawa-kun," concordou Kikuchi-san.

"Vamos lá, uma mera semelhança ao acaso. Não dê atenção a isso, Mimimi."

"Você acabou de usar meu nome!"

"Mizusawa está realmente incorporando o RP em RPG," disse eu.

"Esqueça isso. Apenas ouça o que tenho a dizer."

"Tudo bem," disse eu, concordando relutantemente enquanto Mizusawa, também conhecido como Bell, assumia o controle da situação.

"Então... o que você queria nos dizer?" perguntou Mimimi, mudando de assunto.

"Bem-vindos mais uma vez à cidade de Shuberg! Abrimos nossos braços para os aventureiros! Por favor, relaxem e aproveitem o tempo aqui!"

"Isso soou super roteirizado... mas pelo menos somos bem-vindos aqui!" disse Mimimi felizmente.

"Não tínhamos onde ficar, então isso pode ser perfeito," acrescentei.

"Sim, vocês poderão se recuperar da batalha recente," disse Kikuchi-san.

"Certo?"

"Tudo bem, vamos aceitar sua oferta!" disse eu para Bell. "Então me sigam. Fumiya e Kikuchi-san, cuidado com os passos." 

"Ele é literalmente o Mizusawa."

"Definitivamente."

 


 

"Fiquem à vontade aqui dentro," disse Bell-também-Mizusawa quando chegamos ao grande quarto na estalagem para onde ele nos levou. Olhei ao redor, surpreso.

"Este lugar é enorme, e tem seis camas… hum, Mizusawa?" 

"O nome é Bell."

"Ok, Bell-san. Somos três… bem, duas pessoas e uma fada. Você não precisa nos dar tanto espaço. Além disso, não temos dinheiro."

"Ha-ha, não se preocupem. Você não precisa de dinheiro por aqui. Por favor, apenas relaxem."

"M-mas eu me sinto mal—," comecei a dizer, quando fui interrompido por vozes extáticas.

"Brain!! Essa cama é tão macia! Wheee!"

"Olha, Tomozaki-kun, tem uma cama do meu tamanho! É tão quentinha…!"

Inadvertidos à minha hesitação polida, os dois estavam aproveitando completamente suas camas. .

"…Deixa pra lá. Obrigado."

"Ha-ha-ha! De nada."

Assim que estávamos encerrando nossa conversa, bateram na porta.

"Ah, acredito que sua refeição está pronta!" disse Bell, para minha surpresa.

 "Você também vai nos alimentar?!"

Kikuchi-san e Mimimi pularam de suas camas para agradecer Bell. "M-muito obrigada!"

"Pode contar com o Takahiro para fazer direito!"

"É Bell, não Takahiro. Tudo bem, aproveitem o descanso," disse Bell, saindo enquanto a comida era trazida. Do começo ao fim, ele era 100% Mizusawa.

"Bem, ele estava realmente empolgado com isso," disse eu.

"Sim, acho que ele está se divertindo," acrescentou Kikuchi-san.

 "Oooh, isso parece um banquete! Bife, salada, até sopa!"

"Realmente!" eu disse. "Mas eu me pergunto… o que vai acontecer quando comermos? O sabor existe em RV?"

"Sim, me pergunto… Oh! Tem um do meu tamanho também!" 

"Eles pensam em tudo neste jogo… Vamos comer!" 

"É exatamente isso! Vamos comer!" disse Mimimi.

"Vamos comer!" Kikuchi-san e eu concordamos, mergulhando em nossa refeição. "Não é tão saboroso quanto…"

"É como… uma sensação agradável, não é?" disse Kikuchi-san.

"Sim, quase uma sensação de cócegas, mas não de forma ruim… Um pouco como quando subimos de nível mais cedo."

"Você está certa!" eu concordei.

"Foi assim que você sentiu?" Kikuchi-san perguntou. Eu assenti.

"Sim, acho que é a mesma sensação… o que deve significar que tudo de positivo, como subir de nível ou se recuperar, sente assim."

"Ah, entendi! É assim que eu imaginava que um jogo de RV seria!" 

"Que estranho… Comer agora provoca cócegas…"

Eu estava ficando animado, mesmo sem entender como o sistema geral estava configurado. 

"Sim, este jogo é incrível… Fico pensando no que vem a seguir."

"Ah-ha-ha. Faz o coração de jogador acelerar, né?" 

"Algo assim. Estou ansioso para experimentar tudo."

"Bem, vamos terminar esta refeição e depois dormir para estarmos descansados para amanhã?" propôs Kikuchi-san.

"Você quer dizer, recuperar? Estou dentro!"

Enquanto nos preparávamos para dormir, pensei no cenário. "Dormir, né? Eu me pergunto como o tempo funciona neste jogo."

"Ah, bem… de acordo com o livro de regras, todos do grupo se encolhem em suas camas e fecham os olhos por alguns segundos, e então é de manhã e eles estão totalmente recuperados."

"Ah-ha-ha, parece um RPG," eu disse.

"O quê?! Eu queria dormir nesta cama fofinha por horas!" 

"De jeito nenhum! Isso seria um desperdício de uma boa aventura!"

"Tee-hee. Você está se divertindo, não é, Tomozaki-kun!"

Com isso, nós três nos deitamos em nossas camas macias.

 


 

E então era manhã.

"Bom dia!!" gritou Mimimi.

"Nossa, você está animada. Não disse que queria dormir por horas?"

"Entendo como você se sente," disse Kikuchi-san. 

"Eu só fechei os olhos por alguns segundos, mas de alguma forma me sinto tão revigorada."

"Sim, eu sei… Acho que isso deve significar que nossa recuperação está completa?" 

"Pode ser! Ok! Vamos começar esta aventura novamente!"

"Tee-hee. Você está cheia de energia, Nanami-san."

Com nossas forças de volta, era hora de seguir para nosso próximo destino—o que era um problema.

"…Não sabemos onde os outros estão, e nem mesmo conhecemos nossos objetivos." Eu estava começando a me sentir perdido.

"Bem, de acordo com o livro de regras… o objetivo parece ser resgatar o mundo do controle de um demônio maligno."

"Parece uma versão beta de uma versão beta para mim…"

"Bem, é uma demonstração, então parece que eles simplificaram bastante…"

"Então, por enquanto, nos concentramos em matar o demônio maligno? Entendi! Deixe comigo, Minami Nanami! Eu dou conta!"

Ela estava prestes a sair correndo do quarto, mas eu a detive.

"Espera, espera! Esta pode ser uma versão demo, mas nosso nível ainda é muito baixo para enfrentar o chefe final, e nosso grupo é muito pequeno!"

"É?"

"Pelo menos, precisamos de alguém que possa usar magia ofensiva e alguém que possa curar." 

"Você não pode, Brain? Quando olhei a categoria ‘Status’ ou algo assim, acho que tinha algo sobre PM. Então isso deve ser pontos de magia?"

"Eu sou um guerreiro… então eu deveria ser capaz de usar, mas meu nível é baixo… Acho que estaríamos melhor com alguém que se especialize nisso."

"Então você vai começar procurando os outros afinal?" perguntou Kikuchi-san.

"Sim. Mas primeiro, vamos sair daqui."

 "Entendi!"

 


 

Quando saímos da estalagem, Bell-também-Mizusawa saiu para nos ver partir. "Manhã bonita, não é? Bem, pessoal, boa sorte na batalha," ele disse e desapareceu dentro do prédio. Não tínhamos lhe dado nem um centavo.

"…Ele realmente nos deu tudo de graça," disse Mimimi, parecendo com remorso.

"Sim…" Kikuchi-san concordou.

"Ele disse que a cidade dá as boas-vindas aos aventureiros, mas eu me pergunto por que ele fez tudo isso por nós."

Pensei por um momento, mas não consegui encontrar uma boa resposta. Hmm.

"Bem, é o Takahiro de quem estamos falando. Não consigo deixar de pensar que ele tinha algum motivo oculto," disse Mimimi. "Ele até nos deu todas as armas e armaduras e itens de recuperação, e depois nos disse como chegar à próxima cidade."

"Duvido que tenha decidido fazer tudo isso por conta própria… Talvez, como esta é uma versão demo e esta é a primeira cidade, tenham facilitado para fins de treinamento?"

"Quer dizer que não tem a ver com a história em si?"

"Sim. Mas, dada a alta qualidade, parece que haveria alguma outra razão para ele ser gentil com os aventureiros—algum motivo relacionado ao enredo."

Recordei outros jogos que joguei, procurando por uma resposta.

"Talvez, mas esta cidade é tão tranquila, e todos parecem tão felizes… Não sinto que haja alguma crise acontecendo aqui."

"Eu sei…"

"Mas o que você acha que isso significa?"

"…Pelo que consigo entender…," comecei, tendo uma ideia. Mimimi olhou para mim curiosa.

 "Ele nos deu um lugar para ficar e equipamentos e itens, então não precisamos parar em lojas para nenhuma dessas coisas. E ele nos indicou o caminho para a próxima cidade, então não precisamos perguntar aos habitantes locais por informações… O que me faz pensar…"

"Ah, entendi," Kikuchi-san disse, entendendo por si mesma. 

"Espera, o que? Me conte!" Mimimi disse.

"Se você pensar sobre isso… e se o Mizusawa—quer dizer, Bell—não quiser que falemos com mais ninguém na cidade?"

"…O que?" Mimimi perguntou, parecendo confusa.

"O que ele quer dizer é… Bell está tentando nos impedir de encontrar algo escondido aqui," explicou Kikuchi-san.

Eu assenti.

"Oh, isso faz sentido," disse Mimimi. "Se obtermos nossas informações e itens com ele, não precisaremos falar com mais ninguém, e podemos seguir diretamente para a próxima cidade."

"…O que significa que se investigarmos aqui, podemos descobrir algo," eu disse.

Mimimi de repente ficou animada. "Talvez encontremos todos os outros!" 

"É uma possibilidade."

Kikuchi-san sorriu também, como se estivesse ficando mais interessada em jogar.

"Bem, então… devemos ficar aqui e explorar?"

"Sim, parece um plano," eu disse, e partimos para explorar.

 


 

Depois de um tempo, avistamos um habitante da cidade caminhando pela rua.

"Com licença!" eu chamei.

"Sim?" o habitante da cidade respondeu casualmente.

"…Este cara também é o Takei?" eu murmurei, mas o habitante da cidade apenas inclinou a cabeça.

"Takei? Quem é esse?"

"A voz dele parece diferente," disse Kikuchi-san. 

"Acho que também há NPCs."

"NPCs…?" ecoou Kikuchi-san.

O habitante da cidade nos olhou com uma carranca zangada.

 "Eu apreciaria se vocês não me confundissem com o Takei."

"Ah, espera, acho que este é o Mizusawa," eu disse, quase certo de que estava certo. "Ele adora atuar, não é mesmo!" concordou Mimimi.

"Se for o Mizusawa, aposto que é um vilão."

"Você não está sendo muito gentil com o Mizusawa-kun…"

Ignorando nossa conversa, o habitante da cidade se dirigiu a todos nós. "Vocês são aventureiros?" 

"Um, sim, somos. Takahiro… quer dizer, senhor, os aventureiros vêm com frequência a esta cidade?" Mimimi perguntou.

"Oh, sim," ele começou fluentemente. "Diria que eles passam por aqui cerca de uma vez por semana. Mas o Mestre Bell cuida de todos eles, então logo estão a caminho da próxima cidade." 

"Como eu suspeitava," eu murmurei.

"Sim, e é por isso que estamos sempre no horário." 

"No horário?"

"O que, vocês não sabem sobre o Cronograma? Bem, isso explica por que vocês parecem tão perdidos. Entendi agora."

Eu certamente não sabia. Franzi a testa, tão perdido quanto Mimimi. "O-o que você quer dizer?"

"Vocês estão interessados…na essência da felicidade?" disse o habitante da cidade.

"Um, ah…," Mimimi disse, embaraçada.

"Oh, peço desculpas. Está quase anoitecendo, e hoje, ao anoitecer, supostamente devo descobrir uma garota na cidade causando travessuras. É melhor eu ir."

"O quê? Oh, um, você é?" Mimimi disse.

"Até logo, então. Agradeço ao Mestre Bell e à felicidade prometida a nós."

Assim que o habitante da cidade estava prestes a sair, uma voz jovem nos chamou.

"Pessoal!!"

Nos viramos. "Tama?!" 

"Ei, é a Tama-chan!"

"Natsubayashi-san, você está aqui também!"

Enquanto isso, a expressão do habitante da cidade se tornou severa. "O que temos aqui? Jovem Hanabi, você não está seguindo o Cronograma. Parece que você pretende nos trair afinal."

"Oh…não…," ela disse, recuando com medo. "E esses devem ser seus companheiros traidores?" 

"O-o que você está falando?"

Mimimi olhou de um lado para o outro entre Tama-chan e o habitante da cidade, esperando para ver o que aconteceria.

"Morte aos traidores!"

 "M-morte?"

"Isto está ficando feio!"

Mimimi e eu trocamos olhares.

"Uma situação como essa…exige fumaça!" Tama lançou uma espécie de energia no chão. Areia voou, bloqueando instantaneamente minha visão.

"Uau! Uma nuvem de poeira enorme!"

"Vamos, pessoal, por aqui!" ela gritou, nos levando para a estrada sob a cobertura da poeira rodopiante.

 


 

Assim que estávamos em segurança em um beco, compartilhamos outra rodada de cumprimentos.

"Estou tão feliz por ter encontrado vocês! Mimimi e Tomozaki e…Fuka-chan, você parece meio pequena!"

"Parece que…sou uma fada neste jogo." 

"Eu amo! É perfeito para você!" Tama-chan disse, fazendo Kikuchi- san sorrir e corar. Como sempre, Tama-chan dizia exatamente o que pensava. Ela sorriu.

Aposto que você está feliz por finalmente ter alguém menor que você!" Mimimi provocou.

"Cale a boca e cuide da sua vida!" Tama-chan retrucou. Isso parecia exatamente com a vida real.

"De qualquer forma, o que você está vestindo, Tama? Algum tipo de roupa de artes marciais verde com um lenço vermelho? Uau, que quebra de padrão! Tão fofo!"

"Um, sou filha de uma família de artes marciais que administra um dojo de karatê fora desta cidade!"

"…Essa roupa parece algo que um monge usaria," eu disse, lembrando-me de personagens semelhantes que tinha visto em RPGs. Ela estava usando um vestido verde estilo chinês com um lenço laranja, e seu cabelo estava preso em tranças.

"Então você faz karatê…então você deve ter um coração forte e um corpo forte…mas ainda é pequena…que fofo! A partir de hoje, eu sou Time Tama!"

"Uh, acho que você a apoiou o tempo todo…," eu observei enquanto Mimimi perdia o controle. Ela colocou a língua para fora para mim.

"…Temos coisas mais importantes para fazer do que discutir!" Tama-chan nos lembrou.

"Você está certa. O que diabos acabou de acontecer?" Kikuchi-san perguntou. 

"…Bem, esta cidade é um pouco estranha…," Tama-chan começou devagar.

 


 

"Oh, então é isso que o habitante da cidade quis dizer quando disse aquilo," eu disse. Tudo fazia sentido agora. 

"Então Takahiro…quer dizer, Bell…controla as ações de todos nesta cidade?" Mimimi disse, pensando enquanto falava.

"Sim, todos recebem um cronograma, e você tem que fazer o que ele diz. Diz para onde ir, o que fazer, com quem ser amigo e com quem se casar. Ele diz que se você seguir o Cronograma, será feliz."

"Feliz?" Kikuchi-san murmurou, franzindo o cenho.

"O prefeito Bell costumava ser um excelente vidente…e ouvi dizer que se você fizer o que ele diz, conhecerá pessoas boas e encontrará um bom trabalho e viverá uma boa vida, mas…"

"Você não pode fazer o que quiser?" eu perguntei. A política da cidade soava para mim como o oposto total da abordagem da própria Tama-chan para a vida.

"Então o livre arbítrio não tem lugar aqui?" Kikuchi-san perguntou. Tama-chan assentiu.

"Sim, é como uma distopia. Minha mãe e meu pai neste mundo se conheceram graças ao Cronograma, e eles dizem que são gratos a ele por isso, mas essa vida parece muito rígida para mim—"

"Ah-ha-ha! Sim, nunca conseguiria te ver concordando com isso!" Mimimi interrompeu.

"Não. E…"

Nesse momento, ouvi alguém gritar do final do beco. 

"Ali estão eles! Ali!"

Tive um pressentimento ruim sobre isso. Me virei e vi um soldado de armadura apontando para nós.

"…Então isso significa…"

"Quando disse que não queria seguir o Cronograma, ele me tratou como traidora!"

"Eu sabia!"

Minhas suspeitas estavam corretas. No instante seguinte, nos vimos no beco sem saída.

"Vocês estão encurralados! Nunca conseguirão escapar agora!"

"Nos encontraram! Parece que teremos que lutar!" Mimimi gritou animadamente, claramente aproveitando o jogo agora.

"Cuidado! Ele é muito mais forte do que aquele slime que você enfrentou antes!" Kikuchi-san alertou.

"Entendi! Deixe comigo, Mimimi-chan!"

"Mimimi, você é uma ladra. Deveria desempenhar um papel de apoio." 

"Ah, é?"

"Tudo bem! Sou uma artista marcial, então posso lutar!"

"Tama-chan e eu seremos a guarda da frente enquanto você o distrai, Mimimi! Aqui vamos nós!"

"Hmm, isso não é bem o que eu imaginei," Mimimi murmurou, coçando a bochecha. Enquanto isso, Tama-chan e eu começamos a lutar contra o soldado.

 


 

O campo aberto em que estávamos se transformou em uma arena, como a mudança para um mapa de batalha em um jogo. Aparentemente, não poderíamos fugir desta luta.

"Então vocês querem lutar, traidores? A, uh, ira do Mestre Bell cairá sobre vocês!" disse o soldado de forma incoerente. Mais uma vez, a voz soava muito como a de Takei.

"Ira?" ecoei, confuso. Depois de um breve silêncio, Mimimi se iluminou. 

"...Você quis dizer...ira?"

"Oh, sim, ira e espectro são muito parecidos," concordou Kikuchi-san, acenando. O soldado apontou para os dois felizmente.

"Sim, era isso mesmo! Ira!"

Suspirei. "Você parece muito relaxado para uma batalha, Takei..."

 "Cara, cale a boca!"

No momento em que o soldado-ou-melhor-Takei perdeu a calma, Mimimi avançou. "Eu vou te pegar!" Ela puxou a faca do cinto e investiu contra o soldado. Mas...

"Ha! Não funciona, não é?"

 "Minha faca quicou nele!" Seu ataque falhou.

"A armadura dele deve defender contra ataques físicos! Isso é péssimo, nenhum de nós pode usar magia!"

Enquanto entrávamos em pânico, o soldado gritou, "Avançar!" com a voz de Takei e ergueu sua grande espada para descer sobre Mimimi.

"Mimimi, cuidado!"

 "Brain!!"

Saltei na frente dela, recebendo o ataque do soldado. "Oof!"

"Tomozaki-kun, você está bem?!" Kikuchi-san perguntou

. "Brain, m-me desculpe por você ter que me proteger..."

"Está tudo bem. Provavelmente tenho a maior defesa deste grupo... Mas eu poderia ter uma poção, por favor?"

"B-Brain... Certo, aqui está!" Mimimi disse, selecionando um item do menu e me entregando.

"Obrigado. Estou me sentindo melhor... Mas eu me pergunto como podemos causar dano nele..."

De repente, Tama-chan, que até então estava assistindo à distância, se virou para o soldado.

"...Vou tentar algo!" Ela se agachou, então correu na direção dele. "Golpe de mão aberta!"

Seu golpe de baixo pegou o queixo dele e fez seu capacete voar para cima. "Estou tonto!"

Kikuchi-san assistia com surpresa. "Ele está cambaleando!"

"Achei que poderia dar uma sacudida na cabeça dele!" Tama-chan disse alegremente.

Mimimi parecia inquieta. "Espera aí, então você é realmente boa em artes marciais, Tama?"

"Não muito, mas enquanto olhava para a armadura dele, a ideia simplesmente veio..." 

"Oh, interessante... então isso deve ser um daqueles RPGs onde as habilidades vêm até você em um flash enquanto você luta... Ei, Mimimi!"

"O quê?"

"Você poderia encarar esse soldado por um minuto e ver se alguma ideia surge?"

"Encarar ele...? Ah!"

 "Uma lâmpada acendeu?"

"Heh-heh-heh. Deixe com a Mimimi!"

Nossa corredora residente começou a correr — e num instante, ela estava ao lado do soldado.

"Você é tão rápida!" 

"Moleza!"

Com um som de chave girando na fechadura, a armadura do soldado se desfez e caiu no chão. Ele estava completamente vulnerável.

"Que tal isso para uma quebra de guarda?" 

"A armadura dele caiu!"

"O resto é com você, Brain!" 

"Certo! Ahhhhh!"

Avancei rapidamente e enfiei minha espada de guerreiro no soldado. Fisicamente falando, eu não o cortei ao meio de fato, mas a sensação de resistência permaneceu em meu braço.

"Aaaaargh! Você me pegou, não é?!" o soldado gritou na voz de Takei, desabando no chão.

"Sim! Ele caiu!" 

"Você conseguiu!"

Enquanto Mimimi e Kikuchi-san gritavam felizmente, Tama-chan observava o corpo imóvel do soldado.

"...Coitado do Takei," ela disse suavemente.

"Isso vale para a vida real também," respondi. Naquele momento, aquela sensação agradável familiar percorreu meu corpo. Várias vezes seguidas, na verdade.

"Isso significa... que subi de nível várias vezes?"

"Estou tremendo por inteiro!" Tama-chan disse, parecendo surpresa. Por alguma razão, Mimimi estava se contorcendo.

"Posso me viciar nisso!"

 "Com certeza!"

De repente, o soldado caído estendeu a mão esquerda em direção ao céu. "M-M-Mestre Bell, que você transpire!"

Com isso, seu braço caiu ao lado do corpo. Tama-chan se aproximou timidamente e o observou.

"Ele não está mais se mexendo." 

"Sim," eu disse, concordando.

"Aqueles foram últimos palavras bem estranhas," disse Mimimi, como se acabasse de perceber algo. "Aposto que no roteiro deveria ser 'prosperar', não 'transpirar'..."

Sim, ele fez isso de novo.

"Oh, ele leu errado o roteiro?" disse Kikuchi-san, de forma constrangedora.

"Bem, não é culpa dele — afinal, ele é o Takei," eu disse, tentando fazê-la se sentir melhor. Sobre o quê, não tenho certeza.

"...Sim. Mas esqueça isso, temos que sair daqui!" Mimimi gritou, voltando à realidade.

"Você está certa. Se ficarmos aqui, mais soldados provavelmente nos encontrarão. E eles parecem ser do tipo que reprimem os traidores impiedosamente...," eu disse, analisando a situação friamente.

"S-sim, mas...," Tama-chan disse ansiosamente. Mimimi a golpeou no ombro.

"Podemos conversar depois! Por enquanto, vamos correr até nos sentirmos seguros!"

 "O-okay!"

Todos começamos a correr em direção ao final do beco.

 


 

Corremos pela cidade tentando encontrar um lugar seguro, mas toda vez que um morador nos avistava, eles faziam um grande alvoroço e bloqueavam nosso caminho.

"Merda! Onde quer que vamos, os moradores nos reconhecem!" eu disse, liderando o grupo.

"Aposto que uma mudança de emergência foi postada no Schedule de todos... Ele é capaz de mudá-los em tempo real usando magia...," respondeu Tama-chan, parecendo apavorada. 

"Então teremos que sair da cidade, não é?" Kikuchi-san perguntou.

"As portas que levam para fora da cidade provavelmente estão todas fechadas! Teremos que encontrar uma passagem secreta...," Tama-chan disse ansiosa, olhando ao redor.

"Eu queria que houvesse alguém que pudesse nos salvar!" Mimimi gritou. A cabeça de Tama-chan se ergueu, como se uma ideia tivesse acabado de surgir.

"...Por aqui!"

"Você pensou em algo?!"

"Sim, o lugar onde tenho me escondido! Minha família tem me protegido! Não sei se todos cabem, mas apenas certifiquem-se de que ninguém está nos seguindo!"

Mimimi sorriu. "Entendi! Quando subi de nível, ganhei uma habilidade de furtividade, então usarei isso!"

"Legal! Já que você é uma ladra!"

 "Pode deixar! Isso afetará todos vocês!"

Com isso, os quatro começaram a se esgueirar pelos becos.

 


 

"De leve, de leve... Já chegamos?"

Os pés de Mimimi estavam brilhando enquanto ela recitava um encantamento que suspeito não ser realmente necessário. Acho que os brilhos significam que ela estava usando a habilidade de furtividade.

"Sim, estamos aqui."

"Este... é onde você esteve se escondendo?" perguntei.

"É um depósito?" disse Kikuchi-san.

Estávamos olhando para um antigo prédio de madeira que definitivamente não parecia um lugar onde as pessoas morassem.

"É o galpão de uma loja de ferramentas que foi derrubado. Eu tenho me escondido aqui porque havia muita comida não perecível armazenada aqui. Por enquanto, é seguro porque todos estão tão ocupados seguindo o Schedule que esqueceram completamente deste lugar."

"Eles esqueceram?" Mimimi perguntou preocupada. Mesmo assim, decidimos nos apertar lá dentro.

"Meu pai e minha irmã mais velha estão lá dentro agora... e minha mãe deve estar lá fora pegando água."

"Olá... Ei, é a Yuzu!" Mimimi exclamou quando seus olhos encontraram Izumi dentro do galpão.

"Vocês todos estão aqui?!"

Ela analisou nosso grupo. Eu também fiquei surpreso em vê-la. "O q-que vocês estão fazendo aqui?"

"Oh, esqueci de te contar. Ela é minha irmã," disse Tama-chan, como se fosse algo completamente natural.

"Sua irmã...?" Mimimi parecia perturbada por esta revelação bombástica.

"Sim, Hanabi-chan é minha irmã mais nova!" disse Izumi.

"E-e ela é...? Minha fofa, adorável Tama... é a irmãzinha da Yuzu... hmm..."

"Parece que você ficou muito abalada com isso," eu disse. Estava preocupado, mas queria ver em que emoção ela acabaria por se fixar.

"—Eu posso aceitar isso!" ela finalmente disse.

"Que bom ouvir isso," eu disse com um suspiro aliviado, mas não surpreso.

"Ah, com licença," um homem que parecia ser o pai de Tama-chan disse, tossindo. Eu soube imediatamente quem era.

"É o Takei."

"Definitivamente o Takei," concordou Kikuchi-san. Trocamos olhares e rimos.

"Quem são vocês?" ele perguntou.

"Oh, desculpe. Você deve ser o pai da Izumi, certo?" perguntou Mimimi. Ele sorriu alegremente. "Bingo!"

"Definitivamente o Takei." 

"Definitivamente."

Kikuchi-san e eu trocamos outro olhar. "Somos amigos da Tama e da Yuzu!"

"Oh, vocês são amigos da minha filha? Bem, então, sintam-se em casa!" ele disse, apontando para o ar. Como Takei costuma fazer.

"Ele parece muito relaxado," disse Kikuchi-san. 

"Meio indigno para um pai..."

Nesse momento, ouvi sons de metal batendo e punhos acertando carne, como se uma briga estivesse acontecendo.

"Uh-oh, o que está acontecendo?" perguntou o pai preocupado na voz de Takei.

"Parece que é... a Mamãe!" exclamou Izumi. "Oh não!" disse Tama-chan chocada.

Todos nós saímos correndo. "Olhem!"

"Pegadas de cascos, sinais de uma luta... e sangue," disse Kikuchi-san. As pegadas estavam frescas.

"Não pode ser!" Izumi estava entrando em pânico agora. Algo claramente estava muito errado — mas nem a mãe delas nem o soldado estavam em lugar algum.

"Você acha que ela foi... sequestrada?" perguntou Mimimi.

"Com base nas evidências, sim... E sua vida pode estar em risco," eu disse.

O rosto do pai-de-Izumi-ou-melhor-Takei ficou nublado por uma expressão de desespero tão profunda que mal podia acreditar que era o Takei.

"Mas... nenhum soldado seguindo o Schedule deveria ter nos encontrado aqui..." Tama-chan parecia ainda mais abalada.

"É tudo culpa minha..."

 "Hanabi-chan?"

"Eu fiz algo que não devia, como sempre faço... e é por isso que o Schedule foi atualizado..." A voz de Tama-chan foi gradualmente se apagando.

"T-talvez, mas é apenas um jogo!"

"Sim! É apenas um jogo, então você não precisa se sentir mal!"

Tama-chan não foi tranquilizada pelas tentativas de Mimimi e Izumi.

"Mas... se o jogo é tão realista assim, não é diferente de interagir com pessoas reais."

"Você realmente acha?" perguntou Izumi. Eu podia dizer que ela não concordava, mas estava tentando ser compreensiva.

"Se é assim que ela se sente, quem somos nós para discordar?" disse Mimimi, concordando.

"Temos que salvá-la!" disse Tama-chan, olhando para cima com um brilho determinado nos olhos. 

"Temos que salvar nossa mãe!"

"Hanabi-chan...," disse Kikuchi-san, surpresa. Mas eu entendi o raciocínio dela.

"Você está certa," eu disse com firmeza. 

"B-Brain?"

"Eu sei que isso é um jogo; não é real. Tecnicamente, está tudo bem se alguém morrer aqui."

"Certo," disse Izumi, concordando.

"Mas... não vou ser preguiçoso por causa disso. Sempre me esforço ao máximo quando estou jogando. Acho... que é isso que significa ser um jogador," eu disse.

Kikuchi-san riu. "Você está certo," ela disse. Fiquei surpreso, mas feliz por ter o apoio dela. 

"Eu sinto o mesmo. Acabei nesse papel por acaso, mas agora que estou nele, acho mais divertido dar o meu melhor."

"Obrigado. Sei que sou um saco," disse Tama-chan, soando um pouco deprimida.

Mimimi a golpeou no ombro. "Não, você não é! Bem, talvez um pouco, mas é por isso que gosto de você!" ela disse.

"É? Obrigada." Tama-chan desviou o olhar, corando levemente.

"Ok, então, vamos agir como se fosse a vida real e vamos salvar a mãe delas! Se houver uma chance de ela estar viva, temos que fazer tudo o que pudermos para resgatá-la!" eu disse, liderando o grupo no verdadeiro estilo guerreiro. Eu posso fazer esse tipo de coisa em um jogo, pelo menos.

"R-realmente? Se é isso que todos vocês querem fazer, então eu estou dentro," disse Izumi.

Ela não parecia totalmente convencida, mas foi gentil o suficiente para aceitar o plano.

"Iniciar Operação Resgate da Mamãe!" anunciou Mimimi.

"Aliás, qual é a sua classe, Izumi-san?" perguntou Kikuchi-san, olhando para ela como se tivesse acabado de perceber algo.

"Minha classe?"

Izumi não é muito de jogar, então expliquei.

"Tipo, você é uma maga ou uma guerreira ou o quê?"

"Ah, isso? Disse que sou uma maga branca ou algo assim." 

"Uau! Então você sabe sobre cura!"

"Sim! Posso usar magia de cura!"

Eu acenei feliz para ela. Ela era exatamente o tipo de pessoa que estávamos procurando. Mimimi sorriu também.

"Isso é perfeito! Estávamos dizendo que precisávamos de alguém que pudesse nos ajudar com isso!"

"Acho que temos pessoas suficientes em nosso grupo agora! Um guerreiro, um monge, uma ladra e uma maga branca. Não é uma má mistura!"

"Incrível! Então vamos lá!" disse Mimimi, e o resto do grupo concordou.

"Espera, primeiro vamos matar alguns soldados aleatórios fora da cidade para subir de nível," eu disse.

"Você é tão racional, Brain."

 


 

Estávamos em frente à mansão de Bell.

"Então finalmente chegamos aqui...," disse Mimimi, erguendo o pescoço para olhar o enorme prédio.

Estávamos diretamente no território inimigo. Se baixássemos a guarda por um segundo, estaríamos fritos.

"Pelo menos seu nível está muito mais alto agora," disse Kikuchi-san. Todos assentiram. Depois que começamos a matar soldados, ficamos viciados na sensação de subir de nível, então tenho quase certeza de que todos nós estávamos bastante fortes agora.

Se isso era suficiente para derrubar o chefe, era outra questão.

"Então esta é a mansão de Mizusawa...," murmurei nervosamente.

"O nome dele é Bell, então talvez você devesse chamá-lo assim?" disse Tama-chan.

"Nah, é irritante," respondi tão francamente quanto ela. "Ouviu isso, Kikuchi-san?"

"Um, sim...," ela disse, recuando um pouco de nossa troca brutalmente honesta. Ah, desculpe!

"Bem, o que devemos fazer? Podemos entrar pela porta da frente como se fosse nossa... mas geralmente, se você faz isso nessas situações, cai em uma armadilha," eu disse, pensando em voz alta. Mimimi apontou para os fundos da mansão.

"Nesse caso... vamos por aqui!"

"Você sabe de algo que nós não sabemos?" perguntou Izumi, inclinando a cabeça.

Mimimi ergueu o dedo no ar orgulhosamente. "Não, mas quando subi de nível, ganhei uma habilidade de abrir fechaduras, então acho que posso nos levar pela porta dos fundos!"

"Uau, você é uma ótima vigarista!" disse Izumi entusiasmada, mas como ela não entende muito de jogos, acho que estava apenas acompanhando. Mimimi balançou o dedo.

"Sou uma ladra, ok? 'Ladra' soa melhor."

"Ladra, vigarista, tanto faz! Vamos logo," disse Tama-chan, cortando eficientemente o nó górdio.

Enquanto isso, eu estava me vangloriando interiormente. "Heh-heh, parece que esses aumentos de nível funcionaram!"

"Brain, esse sorriso está assustador..."

"Vamos ver... onde está a porta...," disse Izumi, olhando ao redor. "Ah, aqui mesmo!"

"Acho que é o que estamos procurando," concordou Kikuchi-san.

"Ótimo. Vamos entrar!" eu disse, e entramos na mansão.

 


 

Enquanto isso, no segundo andar...

"Acredito que eles tenham entrado no prédio."

"De fato. Takahiro, você pode fazer algo sobre isso?"

Uma mulher estava sentada em um trono com um elegante assistente masculino ao lado dela na sala mal iluminada. Eles pareciam estar se divertindo.

"...Eu disse para me chamar de Bell aqui."

"Disse? Nesse caso, você precisará falar comigo com mais respeito."

 "Tudo bem, tudo bem, Vossa Alteza."

"Isso é melhor."

"De qualquer forma, quer que eu desça primeiro?" 

"...‘Quer que eu’?"

"Ah, certo — você prefere que eu desça primeiro, Vossa Alteza?"

 "Hee-hee, sim, por favor, faça isso, Takahiro."

"Eu disse para... Ah, deixa pra lá. Como preferir."

 


 

"Parece que o primeiro andar está vazio. Estou procurando com meus sentidos de ladra, mas não detecto ninguém."

"Ladras realmente são úteis," brinquei, mas estava impressionado com a maneira como ela estava usando suas habilidades ao máximo.

"Acho que... há pessoas no porão e no segundo andar!"

"Então isso deve significar que há uma masmorra no porão e que Bell está no segundo andar," disse Kikuchi-san.

"Parece provável. Masmorras em RPGs estão sempre abaixo... o que significa...!"

Quando disse isso, o rosto de Tama-chan brilhou de repente. "Ela está viva!"

"Não sabemos disso ainda. As pessoas lá embaixo podem ser guardas," lembrei-os.

Tama-chan assentiu. "…Você está certo. Vamos lá!" 

Os cinco de nós desceram.

"Ali!" Kikuchi-san apontava para uma figura feminina. "Uma mulher na masmorra... Isso deve significar...!"

Mimimi terminou minha frase por mim. "Deve ser a mãe delas!"

Eu assenti. Eu imaginava que estávamos prestes a testemunhar uma emocionante reunião familiar, mas...

"...Yuzucchi! Tama!!"

A mãe delas começou a falar com a voz de Takei.

"Ei, por que a mãe delas também soa como o Takei?!" gritei. Como isso era permitido? Eles deveriam corrigir isso.

"Estou tendo dificuldade para me sentir emocional com isso...," disse Mimimi, sorrindo ironicamente. Eu não sabia como reagir, também.

"É incrível que a Hanabi-chan tenha levado isso a sério e genuinamente tentado salvá-la..."

"Por quê? Quer dizer, se ele é supostamente minha mãe, então é minha mãe!" disse Tama-chan, como se isso fizesse algum sentido. Izumi se virou para nós com um olhar suplicante.

"Ok, agora vocês entendem por que não consegui me identificar, né?" 

"Sim, entendi agora...," disse Kikuchi-san.

"Consigo entender como isso pode ser ha—," comecei a dizer, quando ouvi a porta se abrir.

"O jogo acabou."

"...Isso parece Mizusawa... Quer dizer, Bell," eu disse.

Bell suspirou. "Se ao menos vocês tivessem ido para a próxima cidade como eu disse... mas não, vocês tinham que ir bisbilhotar onde não deviam."

"Calem a boca e nos devolvam nossa mãe!" 

Tama-chan gritou com um nível impressionante de drama. Ela é incrível.

"Isso é um pedido impossível," Mizusawa respondeu, igualando-se a ela. Izumi e Mimimi observavam e sussurravam entre si.

"Hiro está realmente envolvido nisso!"

"Yuzu, você não pode dizer coisas assim no meio do jogo!"

Mas Izumi estava certa — Mizusawa claramente estava se divertindo com tudo isso desde o início.

"Não conversem entre vocês; estou falando!" ele repreendeu com firmeza. "Sim, senhor!" respondeu Izumi, endireitando-se.

"Mas por que você sequestrou a mãe delas?!" perguntei, entrando no meu papel por um momento.

"Ela estava atrapalhando a comunidade ideal que estou criando aqui. É tão simples quanto isso," ele disse em um tom descontraído.

"‘Comunidade ideal’...?" ecoou Kikuchi-san.

"Eu tenho o poder de divinar o estado perfeito e ideal do mundo. Eu construo os cenários que os deuses me comunicam, e se tudo correr de acordo com meus planos, todos no mundo serão iguais e felizes. Não é preciso dizer que isso inclui tanto a raça humana quanto a dos demônios."

Eu podia perceber que Tama-chan estava ficando mais e mais irritada.

"Mas você ignora como os outros se sentem!" ela gritou emocionalmente. "Alguns de nós têm coisas que queremos fazer!"

Mizusawa se recusou a ceder.

"Sim, algumas pessoas têm. Há alguma verdade no que você diz, jovem senhorita. Mas mais pessoas não têm. Acham mais fácil simplesmente fazer o que lhes mandam e são mais felizes assim. Você pode querer seguir seu próprio caminho, mas tem o direito de obrigar os outros a fazerem o mesmo?"

"Isso é..."

"Se você quiser sair desta cidade sozinha, esteja à vontade. Mas se tentar lavar o Brain de sua família e amigos para saírem juntos, eu não vou permitir. Afinal, seus amigos e família são uma parte importante da minha comunidade. O que há de errado nisso?"

"...!"

"Tama..."

Seu discurso a deixou sem palavras.

"Assim como você não quer ser condenada por avançar, outras pessoas querem que seu estilo de vida fraco seja afirmado. Nesta cidade, oferecemos a essas pessoas fracas a felicidade prometida."

"Qu-quando você coloca assim...," disse Kikuchi-san, soando meio convencida.

"Sua família estava feliz aqui. Inocentemente, inquestionavelmente feliz. Até você começar a atraí-los para sair. Você, Hanabi, é quem destruiu isso para eles."

"Você acha que eu..."

Nesse momento, Izumi levantou a cabeça, não mais encarando o chão. "…Mas!"

"Izumi?!"

"Mas nossa família importa para nós!!"

Tama-chan olhava para Izumi atordoada enquanto ela protestava sinceramente. "…Yuzu-chan."

"Você pode estar indo atrás do que quer de forma egoísta... mas é tão ruim assim querer que os membros da sua família que você tanto ama sejam eles mesmos em vez de fazerem parte de alguma ‘comunidade’ ideal?"

"Por que está sendo tão teimosa?"

"Hiro, você mais do que ninguém deveria entender! Você deveria admirar as pessoas com um forte senso de si mesmas!"

"...Eu não sou o Hiro. Sou o Bell."

"Isso não importa! Bell também deveria entender!" 

"…Maldição. Tudo bem."

"Bell — quero dizer, Hiro…?"

"Caramba, vocês estão levando isso muito a sério. Mas tudo bem, vocês me pegaram. Estou começando a reconsiderar minha posição."

Abruptamente, a tensão deixou o corpo de Bell/Mizusawa.

 "O que significa..."

"De qualquer forma, é tudo bem. Quem se importa se Tama e sua família forem libertados? Quatro pessoas a menos nesta cidade não farão muita diferença mesmo."

"...Nós te convencemos?"

"Não exatamente... Bell não entende o ponto de Izumi, mas eu entendo, então podemos pular a luta."

"Takahiro! Eu sabia que tinha alguma bondade aí dentro!" Mimimi anunciou felizmente. Mizusawa soltou um suspiro frio.

"Suponho. De qualquer forma, é melhor vocês irem embora antes de serem descobr—"

Naquele exato momento, ouvimos o som de saltos duros batendo no chão. Gradualmente, o som se aproximou.

"Meu Deus, Bell. Você não está sendo um pouco gentil demais?" disse uma voz.

"Bom, falando do diabo," respondeu Mizusawa, suspirando com um sorriso irônico. O som dos passos aumentou até que uma forma apareceu na porta.

"Oh meu Deus, que cena emocionante."

 "...Aoi?!"

Ali estava Aoi Hinami, vestida como uma verdadeira demônio.

"Meu Deus, nunca será apropriado para um plebeu me tratar tão casualmente. Eu sou a Rainha dos Demônios. Rainha dos Demônios Aoi Hinami, para ser exata."

"R-Rainha dos Demônios...?" ecoou Kikuchi-san; até mesmo ela estava impressionada.

"Então você finalmente se tornou um verdadeiro chefe final, né?"

Eu, por outro lado, estava impressionado por uma razão completamente diferente.

"Droga, agora não sei o que te dizer." Mizusawa suspirou, erguendo uma sobrancelha. 

"Você pode tentar escapar, mas não vai conseguir ir longe."

"O-o que vamos fazer? L-l-lutar contra ela?!" Izumi gaguejou, claramente aterrorizada.

"M-mas os atributos dela são incrivelmente altos!"

Mimimi também estava sendo arrastada pelo pânico. Quero dizer, essa versão da Hinami realmente era avassaladora em seu poder.

"Você está certa. Um grupo como o de vocês nunca poderia me derrotar... Mas eu não estou com vontade de lutar agora mesmo."

Tama-chan inclinou a cabeça confusa. "Você não está?"

"Eu simplesmente quero criar um mundo onde a raça dos demônios e a raça humana possam viver como iguais."

Izumi olhou nos olhos de Hinami como se estivesse buscando o verdadeiro significado de suas palavras.

"A raça dos demônios e a raça humana?"

Hinami assentiu. "No mundo de hoje, a raça humana controla quase tudo. Mas meu ideal é que vivamos em harmonia, cada um em seu lugar, sem que um receba preferência sobre o outro."

"Seria bom se fosse possível... mas provavelmente não é realista," eu argumentei.

"Um... Eu acho que o problema é... que os demônios comem humanos, certo?" acrescentou Kikuchi-san.

"Sim. Mas isso não é diferente dos humanos que comem animais. É por isso que nós, da raça dos demônios, prometeremos criar certos humanos como animais, e esses serão os únicos que iremos comer. Vamos criá-los em fazendas assim como esta cidade."

Foi quando tudo se encaixou.

"Ah, entendi... Então, na história, esta cidade é um protótipo para uma fazenda de criação onde todos os aspectos da vida das pessoas são totalmente controlados?"

"Pare de falar sobre a ‘história’." 

"Ah, desculpe."

Hinami aparentemente se ofendeu com minha meta-análise. Por um momento, o grupo caiu em um silêncio constrangedor. Hinami tossiu, se recompôs.

"...Isso é o que estou propondo. A raça dos demônios e a raça humana dividirão o espaço de vida igualmente entre eles, e os demônios criarão humanos como animais para comer. Em troca, eles não interferirão nas comunidades humanas. É claro que não reclamaremos dos humanos que criam animais como gado. Nem mesmo nos importamos se vocês criarem demônios para comer. O que acham?" 

"Parece justo..."

"Você está perguntando se vamos aceitar fazendas como esta cidade?"

Mimimi e Izumi pareciam incertas sobre de que lado ficar.

"De jeito nenhum! Não podemos deixá-los construir fazendas humanas!" exclamou Tama-chan.

"Mas é verdade que as pessoas criam porcos e vacas para comer...," respondeu Kikuchi-san.

"Sim, acho que é v-v-erdade..." Tama-chan estava sendo influenciada por suas palavras.

"O- o que devemos fazer?! Brain, o que você acha?!" 

"O quê?! Eu?!"

"Sim, nos diga o que fazer, Tomozaki! Eu não consigo entender coisas difíceis assim!" Mimimi continuou. Izumi concordou. Por algum motivo, tudo agora estava sobre meus ombros. Por quê???

"V-vocês estão brincando comigo..."

"Se você é um ótimo jogador, deve ser capaz de descobrir isso! Está nas suas mãos!" disse Mimimi.

"Sim! Se a Minmi diz que depende de você, então eu também digo!" Tama-chan se juntou, olhando diretamente para mim. Eu queria que ela não fizesse isso em momentos como esse.

"Sim, e você também é um guerreiro," Mizusawa disse. Para mim, esse era o argumento decisivo.

"B-Bem... você tem um ponto," eu disse. Guerreiros tendem a tomar a decisão final nestes momentos críticos. Eu não podia negar isso.

Então eu comecei a analisar a situação. Como Hinami disse, o sistema que ela estava propondo era justo. E se pudesse ser mantido, provavelmente poderia levar a uma paz duradoura... Mas...

"Não, não podemos aceitar isso," eu disse com confiança, tendo chegado à minha conclusão.

"...Mesmo agora. E por quê?" perguntou Hinami.

"Você está certa que as pessoas comem porcos e vacas, e isso é geralmente aceito."

"Como eu disse!" ela interveio imponentemente, então esperou que eu continuasse.

"Mas fazer o mesmo com humanos, criá-los e comê-los da mesma forma — isso é inaceitável!"

"Tomozaki-kun...," disse Kikuchi-san, sua voz tingida de preocupação.

"Você quer desigualdade, não igualdade. É isso que está dizendo?" Perguntou Hinami.

"Claro! Porque somos humanos!"

"...Criaturas idiotas e egoístas," Hinami disse com uma careta de desprezo. Minha determinação não vacilou. Essa era a resposta de Tomozaki o Guerreiro, e não mudaria.

"Ok, Brain! Entendi!" Mimimi disse animadamente com um aceno.

 "Sim, eu lutarei por isso!" disse Tama-chan, também concordando.

"E eu também!" Izumi se juntou.

"Interessante. Porque são humanos, né?" Mizusawa disse, sorrindo agradavelmente.

"...Isso é muito infeliz. Bem, vou fazer o favor de acabar com o seu sofrimento rapidamente," disse Hinami.

"Droga... Ela é tão poderosa... Obviamente o nível dela é muito mais alto que o meu..." 

Senti-me atraído pela aura dela, mas cerrei os dentes e me mantive firme. 

"Tomamos nossa decisão e vamos mantê-la!" Mimimi anunciou, soando positiva apesar da presença majestosa de Hinami. 

"Mãe, me perdoe se eu não sobreviver a isso...!" Tama-chan encarava Hinami, claramente determinada a levar a luta até o fim. 

"Se as coisas ficarem ruins, vocês corram sem mim, ok? Eu posso sempre curar!" Izumi disse, aparentemente pronta para cumprir seu papel de maga branca. Foi quando Kikuchi-san, nossa fada guia, falou. 

"...Não se preocupem, pessoal, vocês ficarão bem! Um... de acordo com o livro de regras, como isso é uma demonstração, a força da Rainha dos Demônios é baixa o suficiente para nós podermos derrotá-la facilmente!"

"Espera, o quê?"

A própria Rainha dos Demônios foi a primeira a soltar uma exclamação surpresa. Após um breve atraso, o resto de nós também entendeu o que as palavras de Kikuchi-san significavam. E então…

"Yaaaaaaaa!"

O assédio desproporcional de quatro contra um contra Hinami começou.

 


 

E assim derrotamos a Rainha dos Demônios Aoi Hinami, cujos status eram de fato muito menores do que sua aparência nos levava a acreditar.

"D-droga... parece que este é o fim." 

"Achei fácil." Eu sorri.

"Ainda tenho muitos PMs sobrando!" Izumi disse, também de excelente humor.

"Eu nem estava atingindo ela com toda a minha força," Tama-chan disse, impassível com a luta.

"A Aoi é tão lenta que nem conseguiu me acertar uma vez!" Mimimi disse, sorrindo como se estivesse realmente se divertindo.

"Eu estou só assistindo porque não quero me machucar," Mizusawa disse com uma risada casual enquanto observava Hinami.

"Os níveis que vocês ganharam fora da cidade parecem ter valido a pena," Kikuchi-san observou.

"Na verdade, se você pensar sobre isso, subir de nível tanto assim em uma demo é meio errado," eu disse, mas estava feliz com o resultado. Não era comum ver a Hinami perder. Será que dá para tirar screenshots neste jogo…? Eu adoraria preservar este momento para a posteridade.

"...Eu sou do tipo que gosta de estar cercado por pessoas fortes, então a partir de hoje estou do seu lado," Mizusawa disse casualmente.

"Inacreditável! Você é tão egoísta!" Tama-chan repreendeu.

"Ofegante... Mas lembrem-se disso," Hinami disse, cambaleando com seus ferimentos. "Vocês não venceram hoje porque estavam certos...vocês estão certos porque venceram…!"

"Palavras bonitas—mas não muito convincentes vindo de uma fraca como ela," Mizusawa disse.

"Sim. Em RPGs, o equilíbrio é tão importante quanto a história," eu acrescentei.

"O que está acontecendo…? É horrível demais...," Hinami chorou, caindo no chão antes de ficar em silêncio.

"Hinami-san... adeus," Kikuchi-san disse com uma prece, observando-a partir deste mundo. Esse foi o sinal para que uma música animada começasse a tocar em toda a mansão.

"Ooh, deve ser o final!" disse Mimimi.

"Isso foi tão divertido! Vamos jogar de novo quando sair à venda!"

Izumi pode ter tido dificuldades em se relacionar com sua mãe fictícia, mas pareceu genuinamente ter gostado do jogo.

"Sim, só queria que pudéssemos salvar nossos dados para a próxima vez," Mizusawa disse, satisfeito.

"Eu sei, mas geralmente versões de demonstração como essa são separadas do jogo real."

"Mas foi divertido!" Kikuchi-san riu.

Tama-chan assentiu feliz. "Eu achei também!" Ouvir isso dos dois não-gamers me deixou feliz.

 "Ha-ha. Estou feliz até mesmo vocês dois gostaram."

De dentro da cela de sua masmorra, a mãe gritou um feliz "Isso foi ótimo!"

"Ainda não consigo me acostumar em ouvir alguém que parece uma mãe falar com a voz do Takei," eu disse, sorrindo ironicamente.

Nesse momento, ouvimos uma voz ecoante.

"Ei, vocês não acham estranho que eu seja a única que não está lá?"

"Estou ouvindo alguém chamando do céu!" brincou Mizusawa.

"Ah-ha-ha! Ah, pobrezinha da Aoi! E eu raramente digo isso!" acrescentou Mimimi. Eles estavam claramente se divertindo com a situação incomum. Mas eu provavelmente estava aproveitando mais do que qualquer outra pessoa.

"É quase estranho o quanto estou feliz," eu disse.

"Tomozaki-kun? Você vai pagar por isso!" a voz ecoante repreendeu.

"Desculpe—tenha piedade de mim, por favor," eu disse, tentando apaziguá-la para que não me desse mais tarefas depois.

"Tee-hee, vocês dois são realmente bons amigos," disse Kikuchi-san. "Eu sei! É incrível!" disse Izumi.

"Oh n-não, de jeito nenhum…," eu disse vagamente, tentando em um leve pânico evitar que ela continuasse o assunto.

"Ei, vocês, o final está quase acabando!"

A música alcançou seu grande final com um da-da-da-da! Houve um momento de silêncio. E então—

"Fim do jogo!!"

"Oh meu Deus, é O Fim," eu disse, corrigindo Takei de forma incisiva enquanto ele mais uma vez lia errado o roteiro. 

Vamos lá — pelo menos acerte a última linha!


Sol esteve aqui 😐👍



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