Our Satellites Brasileira

Autor(a): Augusto Nunes


Volume 4,5

Capítulo 4: O Resumo das Férias de Yonagi Kaede

Apenas desejei estar sonhando.

Queria que tudo o que tivesse ocorrido naquela noite fosse um pesadelo e desaparecesse tal como as nuvens sob o céu. Vê-lo de forma tão sucinta depois de tanto tempo foi como se um fantasma do passado houvesse voltado apenas para me assombrar por deleite.

— Certo, chega por hoje... — disse a voz do professor.

Abri meus olhos, e o que observei foi o dojo vazio após todos os alunos terem ido embora. Ainda estava de joelhos em espera, tentando me livrar daquele transe a cada vez que fechava os olhos e a escuridão surgia com amargura. A faixa roxa em minha cintura sob o quimono branco indica até onde cheguei no Karatê. No final daquele mês terá a cerimônia para troca de faixa, e naquele exato momento havia terminado o treino do Kata.

Desde pequena, comecei a treinar Karatê para defesa pessoal. Não tinha interesse em querer almejar o nível mais alto da modalidade quando ingressei, apenas desejava sentir segurança pela própria confiança. Mas não podia negar que nutria uma sensação de rivalidade com os outros alunos para buscar ser a melhor durante todo aquele tempo.

No começo, frequentava apenas por causa da influência de meus pais. Passei do Shodan ao Sandan em questão de meses, e obter cada faixa não me era diferente de almejar a nota máxima de provas comuns. Porém, foi neste dojo que conheci Makoto e Ayase. Rentaro estudava comigo e me acompanhava nos treinos, enquanto Makoto e Ayase ainda eram iniciantes.

Aos poucos, parei de me importar com a rivalidade dos outros de minha turma e me concentrei em nosso grupo. Com eles me sentia alguém diferente, e me tratavam como tal. Nisso, parei de ver o Karatê como uma atividade para ganhos pessoais, e se tornou como uma forma de interagir com pessoas muito importantes para mim.

Sou a única dali que alcançou a faixa roxa. Rentaro estacionou no Yondan, enquanto os outros dois tentavam chegar no Sandan. Todos tinham grandes expectativas de que poderia buscar o Tekki Shodan e após, a faixa preta.

Só que, durante esse período em que começaram as férias de verão, percebi algo em mim mesma sobre o que estive fazendo. E a verdade foi o fato de estar apenas me enganando.

Meu sensei se aproximou e ficou de joelhos à minha frente, da qual me curvei para falar:

— Obrigada por ter tirado um tempo para me escutar, Asai-sensei.

— Imagina. Agradeço por vir falar comigo a respeito de um assunto tão importante... — respondeu o sensei, sereno. — E respeito sua decisão, também.

— Obrigada. — Me curvei novamente. — Suas palavras me confortam imensamente.

— Quero que apenas saiba que as portas do dojo estarão sempre abertas para você... — ressaltou o sensei. — Mas, gostaria de querer saber por qual razão deseja interromper o seu caminho de obter o que há além do Tekki Shodan.

Fiquei alguns segundos ponderando sob a pergunta, observando o sol entardecendo pela fresta da janela entreaberta do dojo.

— O objetivo real de estar aqui é para reforçar minha disciplina e manter meu espírito resistente. No entanto, acabei me desviando do sentido do que fazer por mim mesma, me iludindo profundamente em uma fantasia da qual não quis me desgarrar. Percebi que esse ganho de defesa pessoal era mais usado como falácia do que para assegurar algo real.

— Entendo.

— Por isso, sensei... peço desculpas por isso... — curvei a cabeça. — Daqui em diante, irei reforçar minha mente e meu espírito para ter orgulho de empunhar o conhecimento que adquiri todos estes anos nesse dojo.

— É normal termos desvios durante o caminho em nossas vidas... — expressou o sensei. — Não quer dizer que fomos para um caminho errado, e sim que estivemos procurando por algo a mais que não há no percurso original. Além disso, o Karatê não se trata de apenas defesa pessoal.

— Não?

— O mais importante do Karatê é compreender o próprio espírito. Dominar as poses e controlar suas emoções, a fim de sempre enxergar o caminho mais tranquilo de seguir... — entoou o sensei. — Estou certo de que, você irá encontrar o seu caminho que almeja e terá sua confiança e segurança, nas quais possui tanta incerteza.

— Como sabe...?

— Eu a conheço por muito tempo, sabe. Você sabe das próprias habilidades, mas deve ter passado por algo que a fez questionar sobre si mesma. Veja, nunca achei que iria parar de treinar até que fosse a melhor lutadora deste país, mas também cogitei que poderia apenas querer a faixa preta para me derrotar e tomar um rumo diferente. Seu objetivo principal nunca foi ser a melhor de todos do mundo inteiro, e sim a melhor que pode ser.

Fiquei sem saber o que responder.

— Você é um velho amigo de meu pai, então... sempre achei que teria que mostraria um resultado à altura do esperado se o enfrentasse em algum momento.

— Meu amigo Hiromiya é um homem excêntrico... — continuou o sensei. — Os desafios que ele colocou consequentemente sob você e Kiyoshi irão moldá-los para o futuro, mas devo dizer que os dois também precisam refletir bem sobre o que devem fazer.

Dizer o nome de meu pai com tanta leveza quase me fez pensar que estivesse falando de outra pessoa. Meu pai estava sempre trabalhando distante de nós e mostrando seu esforço e dedicação pela sua grande paixão pelo espaço. Ele tinha uma maneira única de demonstrar as coisas como se pudesse fazer tudo se apenas parasse para analisar a respeito, simplesmente. Ele é alguém que pode fazer qualquer coisa.

Pensar a respeito me recordou da conversa que tive com Shiroyama durante nossa estadia em Yokohama e... ah, tenho que tirar isso da mente...!

— Entretanto, devo lhe dizer uma coisa: não procure imitar o jeito que seu pai trilhou seus passos, Kae. — Seus olhos me encararam tão firmemente que me senti deslocada.

— Hum? Por quê?

— Hiromiya... como disse antes e por já saber, ele é alguém muito excêntrico. Até mesmo arrisco dizer que seja totalmente fora da curva... Simplesmente, não há como entender o que se passa em sua cabeça nem se tentasse durante toda minha vida nisso.

— É o que todos da minha família falam quando o assunto é ele, mas...

— A família Yonagi o considera como um nômade, essa é a verdade. — Asai-sensei corrigiu sua postura. — Mesmo quando éramos crianças, ele sempre agiu da maneira que quisesse, por mais que irritasse seus pais. Esse dojo é prova disso...

— O dojo?

— Seu pai foi quem me ajudou a estabelecê-lo. Na verdade, o mais correto é contar que ele comprou o terreno, o construiu e me colocou para cuidar do lugar... tudo por um desejo egoísta dele que se cruzou com o meu.

— Desejo... egoísta?

— Ele sempre soube do quanto gostei de artes marciais, e decidiu por conta própria em me colocar como um professor para ensinar seus próprios filhos... — Sensei deu de ombros. — Apenas com o pretexto de que, cuidando de seus filhos o estaria fazendo o mesmo.

Senti meu coração acalorado, a súbita tensão em falar sobre meu pai se transformou em um manto aconchegante. Mesmo distante de nós, ele elaborou tudo para que quem estiver ao nosso redor possa nos ajudar em sua ausência... enquanto se concentra em sua grande devoção, pode se tranquilizar de que sua família está sendo cuidada por quem mais respeita.

De fato, não há ninguém mais egoísta desse mundo do que meu pai. É um fato inegável que toda minha família discute e seus amigos próximos concordam sem precisarem pensar.

Encarar os desafios, ultrapassar seus limites, foi isso o que meu pai me ensinou. Para mim, não há nada mais significativo do que os valores das pessoas em jogo. Para tal, terei de me adaptar a qualquer situação e mostrar meus resultados. No entanto, em dado momento foi estabelecido que por conseguir fazer o que a maioria não poderia, as pessoas começaram a se afastar e a me deixar encarregada daquilo que não queriam.

Foi assim na escola, e ocorreu o mesmo naquele dojo. Ser a única que estivesse próxima de se equiparar ao sensei foi o que deu peso em suas palavras. Será que até isso foi planejado por meu pai para orgulhar seu grande amigo pelos seus ensinamentos?

— ...e é por isso que serei eternamente sua aprendiz e me manterei com o Tekki Shodan. Serei aquela que continuará no topo em que mais ninguém conseguiu até surgir alguém novo.

— Hum. É isso o que quero ouvir... — assentiu o sensei, satisfeito. — Por mais que as razões de estarmos aqui nesse lugar terem sido feitas por questões próprias, não é mentira o fato de que me dedico em ensinar para todos os meus alunos da melhor forma possível.

Sorri gentilmente para ele, grata pela sua dedicação durante tantos anos...

— E dito isso, serei ainda mais severo do que costumo ser se ousar negligenciar um oponente que treinou durante o tempo em que esteve parada, certo? — Ele sorriu. — Você ainda tem um longo caminho pela frente, entendeu?

— Sim! — respondi prontamente e nos cumprimentamos. Ele me abraçou e afagou minha cabeça.

— Estarei esperando ansiosamente pelo momento em que nós cruzaremos nossos caminhos novamente! — expressou o sensei, se despedindo com um sorriso sincero em seu rosto. — Siga seu próprio caminho e orgulhe-se de todos os percursos que surjam nele!

***

A verdade é que, Oguro tinha me desestabilizado. Desde aquela noite, minha mente ficou sob estática. Shiroyama havia me salvado, mas não o vi mais após o ocorrido. Ele levou aquele golpe de bastão e ainda gritou para que corresse dali com todas minhas forças, enquanto se submeteu à desvantagem numérica... duvido que nem mesmo saiba alguma técnica marcial. Naquele momento, foi apenas o que consegui fazer e nem relutei.

Por que? Por que não consegui manter a calma e pensar sabiamente sobre a situação em que me encontrava? Com a ajuda dele, poderíamos tê-los enfrentado sem muitas complicações e talvez não tivesse sentido tanta amargura em meu âmago por aquela neurose instantânea. Mesmo vários dias terem se passado, quando paro para pensar sobre o assunto sinto raiva de mim mesma. Me sinto enojada e vulnerável.

Porque eu sei. Se fosse qualquer baderneiro, poderia enfrentá-lo sem problemas. Tenho orgulho de minhas habilidades e do que consigo fazer, mas tudo se partiu em pedaços ao ver meu primo que mais se parece um patife agora. Até Shiroyama chegar ali, nem soube quantas vezes tal ruminação invadiu minha mente. Como ele foi parar ali? Como descobriu sobre as circunstâncias daquela situação tão rapidamente?

A chuva que cobriu meus olhos a cada mísero passo apressado que dei pelas vias me atormentou como se milhares de agulhas perfurasse meu corpo a todo segundo. No meio do caminho, avistei Teru — membro calouro do meu clube —, que me indicou a direção da praça. Quando por fim voltei para onde estava, uma cena de espanto se apossava do local. Os policiais já haviam detido a maioria dos punks que atacavam quem quer se se aproximasse dali. Logo, me encontrei com tia Mikoto e meus amigos de infância. Ninguém do clube de literatura estava ali.

— Querida, você está bem?! — Minha tia me abraçou com toda sua força. — Foi ferida em algum lugar?!

— Não... estou bem. Mas... e Sakuya?

— Ainda está com dor, mas vamos levá-la para o hospital em que seu irmão foi levado! — interviu Rentaro.

— Meu irmão?! O que aconteceu com ele?! — resfoleguei, aflita.

— Não temos tempo de explicar! Vamos logo embora daqui! — Tia Mikoto segurou meu braço. — Chamamos um táxi para ser mais rápido! Rentaro, leve Makoto e Ayase de volta ao ryokan! É bem provável que só aceitarão os parentes do paciente... por favor!

— Pode deixar... vão em paz.

Em questão de segundos, um carro estacionou próximo de nós. Eu fui com minhas primas no banco traseiro e tia Mikoto foi no banco de passageiro. Com a chuva tão intensa, não pude ver de primeira, mas ao longe reconheci um veículo largo pelo qual viemos até Yokohama. Tio Ikishi deve estar esperando para levar todos de volta, como esperado.

E nem mesmo tive a chance de poder procurá-lo...

Durante a viagem até o hospital, me explicaram que meu irmão Kiyoshi foi seriamente ferido por Oguro e sua trupe. Pelo que entenderam, o plano deles era desvencilhá-lo de vez para evitar de me proteger do seu próximo ataque, como aconteceu nesse mesmo lugar dias antes. Os acontecimentos foram tão intensos que não tive como conter a agitação em meu peito, ainda mais sabendo que Himegi foi quem o acompanhou na ambulância...

— Isso... só pode ser um pesadelo...!

Tomoyo dava atenção para sua irmã adoentada, enquanto minha tia dava instruções exacerbada ao motorista e se lamuriava com a chuva incessante. Meu corpo, antes quente pela adrenalina, tornou a esfriar a ponto de sentir calafrios. Fitei a paisagem se alterando a todo momento pela janela do carro, coberta de torrentes d’água, enxergando meu rosto completamente borrado, sem saber se as cascatas eram do lado de fora do veículo ou dos meus próprios olhos turvos.

Chegamos ao hospital e atravessamos o saguão da recepção, aflitas e desesperadas. Sakuya foi levada para o pronto atendimento pela dor no estômago e rapidamente recebeu uma injeção no braço direito. Ao menos disseram que não foi nada perigoso ingerido. Ela recusou prontamente em ficar na sala de espera ao seguirmos na documentação do quarto de Kiyoshi:

— De jeito nenhum vou ficar de fora!

— Kae, pode indo na frente! Vá confortar seu irmão... nós iremos pra lá logo em seguida.

Ainda baqueada, acenei e saí dali. Contive os pequenos soluços e atravessei alguns corredores até encontrar a sala em questão. No fundo da mente, não esqueci que Himegi ainda poderia estar ali, mas não consegui encontrá-la em momento algum... o pior, sinto que não quero conversar com ninguém.

Bati duas vezes na porta e a puxei. Kiyoshi já se encontrava deitado com a perna esquerda coberta de feridas em várias regiões, tratadas com gazes, avermelhados. Seu corpo também deteve de alguns arranhões, o rosto ficou levemente inchado por um golpe recebido na testa. Meu irmão costuma ser bastante irresponsável na maior parte do tempo, mas desta vez não poderia repreendê-lo:

— Como está, irmão?

— Quebrado, mas vivo... — debochou. — É bom ver que esteja bem, maninha.

— Porque isso foi acontecer...?

— Ainda não acredito que conseguiram me pegar desprevenido... duas vezes seguidas, ainda por cima.

— ...

Subitamente, a porta se abriu e minha tia com as primas surgiram. Aparentemente, Kiyoshi só terá que ficar um período de recuperação, mas não houve consequências graves.

— Você é realmente um páreo de se lidar, hein? — comentou Sakuya. — Nunca conheci alguém assim, primo.

— Prefiro acreditar que tenha sido por puro acaso... as pancadas podiam ter sido piores...

— Por um acaso da sorte, isso sim... — desabafou tia Mikoto, segurando em meus ombros. — Apesar de tudo o que aconteceu, que bom que vocês dois estão bem e conosco.

— Não imaginei que Oguro fosse ser tão covarde! — exclamou Sakuya, enfurecida.

— Ei, se acalme... — murmurou Tomo.

— Como posso me acalmar?! Ele trouxe um bando de vândalos e por muito pouco não acontece coisa pior! O que devemos fazer em relação a ele?!

— Não sei... — respondeu tia Mikoto. — Ugawa ainda não retornou, e estou preocupada. Mas ao menos os outros amigos que Kae trouxe foram levados em segurança por Ikishi.

Isso me deu um nó na garganta.

— Não sabemos o que Oguro poderá fazer daqui em diante, a verdade é essa... — comentou meu irmão. — Mas agora é certo que tudo pode ser possível. Temos que ficar de olhos abertos.

— Não sabia que esse maluco estivesse nutrindo tanta vingança por você, Kae... — murmurou Sakuya.

— Sakuya, isso não é legal de dizer! — repreendeu Tomo.

— Calma, eu só...

— Cale a boca, Sakuya... — advertiu tia Mikoto.

— Sinto muito por tudo que te aconteceu, eu apenas... — balbuciei a Kiyoshi, e então percebi que estava murmurando coisas sem sentido. Minhas primas me abraçaram.

— Não tem que se desculpar! É Oguro que precisa enfiar a cabeça dele no chão pedindo desculpas!

— Nem que ele morresse e voltasse poderia repensar tudo o que ele fez!

— Apesar disso, tenho que saber... — indagou Kiyoshi a mim. — Se você está ilesa, é porque o plano dele falhou, certo? O que foi que aconteceu quando saí de lá?

Contei a ele em meio a soluços sobre tudo. Desde a abordagem de Oguro até a aparição de Shiroyama.

— Shiro... Shiro... quem é esse mesmo? — questionou Sakuya.

— Deixando isso de lado... — interveio tia Mikoto. — O que irá fazer, Kiyoshi?

— Esses ferimentos vão levar um tempo pra se curarem, mas logo estarei na ativa novamente pra continuar procurando por aquele idiota. Porém...

Ele novamente me fitou:

— ...não é de mim que devem exigir uma resposta apropriada. Diga-me: o que você vai fazer?

A sala ficou em silêncio. Todos estavam me encarando.

Os calafrios continuaram. Meus olhos vacilavam de continuar os encarando, por isso me virei deles e fui até a direção do corredor.

— Não sei... — foi tudo o que consegui dizer. — Não posso... não tenho como decidir por agora.

***

O período de chuvas perdurou por mais algum tempo. Permaneci alguns dias a mais no ryokan após o ocorrido, e por mais que meus parentes tentassem me animar, senti que o definho se tornava apenas mais aparente do que em ser resolvido. Recebia mensagens diárias de Himegi e dos outros, mas me detive de fornecer detalhes de como estou, sendo que nem mesmo poderia descrever em palavras e muito menos de como deveria abordar aos outros.

As mesmas dúvidas circundavam minha mente, gerando-me tanta fadiga que adormecia quase o tempo todo pela constante procura de uma conclusão pelo que reside dentro de mim na qual não pude compreender naquela noite. Eu sou tão fraca assim?

O que há com essa estranha obsessão de Oguro em querer me ver infeliz? Pelo que ele passou de tão extremo que possa tê-lo deixado tão ruim e arrogante?

Durante o tempo que permaneci em Yokohama, visitei meu irmão para ver sua condição, que após poucos dias pôde receber alta do hospital e ser tratado em casa. Por fim, quando minha mãe soube do ocorrido, nos ligou alarmada:

— Kaede! Está tudo bem com o Kiyoshi?!

Se sou considerada parecida com meu pai por muitos, meu irmão é claramente o oposto. A forma como ele e minha mãe agem são iguais, em vários aspectos.

— Miyuki, ele está bem... — Tia Mikoto tomou a voz na ligação. — Suas feridas já foram contidas e não houve fraturas. O que aconteceu foi...

Enquanto meu pai Yonagi Hiromiya se mostra um gênio excêntrico e reservado por todos, minha mãe Yonagi Miyuki é vista como uma mulher de pulso firme e visão concreta. Ela é a coordenadora geral da Universidade Uwame, em Tokyo. Sua formação em Direito Ocupacional a faz trabalhar em alguns casos envolvendo ações da universidade. Desde que me conheço por gente, minha mãe é uma figura rígida que insiste em considerar sua educação algo necessário de ser seguido à risca. Por mais que meu pai seja uma das únicas pessoas que a amolecem nesse quesito, na maior parte do tempo, sua posição é sempre a mais cordial possível.

— Se não sabem o que aconteceu, então nem mesmo poderemos abrir um inquérito contra a escola Kanryou, então? Que absurdo!

— Oh, mãe... não precisa se preocupar quanto a isso... — Kiyoshi interviu, despreocupado. — Afinal, desconfio que eles foram usados como uma cortina de fumaça. Não foram alunos deles que causaram toda essa confusão.

— Não foram?

Assim como ela, Kiyoshi está cursando Direito em sua própria universidade. O que ambos buscam é um futuro sólido baseado nos limites que conseguem alcançar. Algo que os olhos humanos podem detectar, sem se basear em fórmulas hipotéticas e conceitos abstratos.

— Oguro que arquitetou toda essa tramoia e se escondeu por trás dos uniformes da Kanryou. Antes do ataque dias atrás, andei observando e investigando os próprios alunos e seus movimentos. Posso dizer com clareza de que a escola recebeu muito dano mal direcionado justamente por essa razão.

Como esperado, meu irmão soube lidar com a exasperação de nossa mãe rapidamente. Apesar de estar sob leve recuperação, sorria da situação como um zombeteiro.

— Onde está Ugawa? Não posso perdoar que meu sobrinho tenha feito tamanho absurdo...!

— Se acalme, mãe. Tio Ugawa está tão abalado quanto a senhora, mas já fizemos nossa ação. É apenas uma questão de tempo até dele ser pego pela polícia, pode deixar.

Dito isso, a ligação perturbada foi encerrada. De forma leviana, Kiyoshi manteve o sorriso travesso como uma raposa.

— Isso é mesmo verdade, querido? — indagou tia Mikoto.

— Claro que não, em parte... — ressaltou ele. — No entanto, não quero preocupar minha mãe mais ainda. Não foi uma mentira em dizer que iniciamos a cooperação com a polícia de Yokohama, o problema é que só vão limitar a investigação por aqui... e Oguro já deve estar em outro lugar pra fugir dessa perseguição.

Não pude tirar sua razão por ter agido assim, mesmo que ter mais informações sobre a situação teria me deixado mais tranquila..., porém, apesar da mensagem de Kiyoshi, tio Ugawa ainda foi repreendido por ela devido ao filho baderneiro. Recebemos essa informação no dia seguinte pelo meu irmão:

— Isso vai deixar o velho Ugawa mais arrasado ainda... — grunhiu, amargurado. — Que droga, mãe.

Durante nossa estadia ali, meu tio foi atingido no joelho pelo próprio filho usando um bastão de metal. Por já ser um senhor de idade, toda a situação o definhou conforme os dias se passaram. Ficamos dias sem vê-lo justamente pela polícia o requirir para prestar detalhamento na investigação.

Para nossa surpresa, antes que saíssemos do ryokan, recebemos sua visita. Seu rosto parecia muito mais pálido e magro do que costuma ser, ainda mancando pela perna direita por causa do golpe que levou.

— Voltarei para Hachioji hoje à noite. Pensei em vê-los antes de partirem... — disse, sorrindo tristemente. — Como você está, Kiyoshi?

— Já estive pior, tio — brincou ele. — Por mais que saiba que seu joelho esteja melhor que o meu, você me parece péssimo.

— Precisa falar assim? — retruquei. — Dado as circunstâncias, é claro que ele...

— Acalme-se, Kae. Ele tem razão. Pelo visto, já devem saber que Miyuki entrou em contato comigo, certo? — Tio Ugawa se reclinou no sofá. — Ela exigiu que me afaste de vocês durante algum tempo até que tudo se acalme...

— O quê?!

Todos reagiram da mesma forma. O choque me foi tão tremendo que a única coisa que pude pensar foi de ligar pra minha mãe e tentar fazê-la entender o tamanho do peso daquelas palavras!

No entanto, meu tio apenas estendeu a mão e nos pediu calma.

— Saibam que estou tranquilo quanto a isso. Aliás, quero poder conversar com Kaede a sós. Posso?

— Claro...

Eu o acompanhei até o quarto no andar superior, auxiliando-o a subir a escadaria. Nós nos isolamos de nossos arredores, sentando-nos a frente do outro.

— Primeiro de tudo, não recrimine sua mãe... ela não está errada em me culpar pelos erros que meu filho os causou — expressou.

— Mas... você não está bem, tio. Você se esforçou muito para encontrá-lo, e isso não te faz uma pessoa ruim!

— Você é adorável, Kaede... — Ele sorriu. — Sinto muito por ter causado tanta dor por causa de Oguro. Juro que o farei se desculpar por tudo o que te causou.

Oguro havia desaparecido da casa dele há semanas. Apesar de ter dores de cabeça em relembrar toda aquela cena, pedi para que me contasse os detalhes da investigação:

— Como Kiyoshi já deve ter explicado, os vândalos atacaram as torcidas durante os jogos para desviar a atenção da polícia aos estudantes da Kanryou, que se tornaram os principais suspeitos.

Foram três escolas competindo naquele interescolar, e a Yoruyoi foi a campeã, a escola de Rentaro.

— A polícia conseguiu recolher algumas provas deixadas pelos vândalos. Os uniformes em questão, como muitos não esperavam, foram falsificados e confundidos por terem usado as mesmas cores da Kanryou.

— Mesmas cores?

Todas as cores das três escolas foram diferentes: o uniforme da Daiichi era amarelo e azul escuro; Yoruyoi era branco e vermelho; e a Kanryou usava as cores laranja e verde.

Segundo Shiroyama, eles e os calouros estavam no outro lado da arquibancada quando houve o ataque daqueles baderneiros durante o primeiro jogo da Daiichi, pelos relatos que deram todos trajavam as cores da escola Kanryou.

— Quando levada para análise, descobriram que toda confecção do material do uniforme se mostrou diferente das versões originais. A única coisa similar foram as cores, até mesmo a costura realizada foi diferente das verdadeiras.

— Isso responde ao ataque na festa... — respondi. — Demoraram pra chamar a polícia quando os avistaram por não saberem se eram alunos ou os vândalos...

Por causa da armação de Oguro, não pude ver o momento do ataque, mas pelas fotos vistas do celular de meu tio, a diferença se mostrou completamente notória.

— Nem deveria estar te mostrando e explicando tudo isso por fazer parte da investigação policial, então será um segredo nosso... vamos expandir a área da investigação para descobrir em que local ou empresa foi feito esse tipo de confecção, já que é improvável que tenham feito manualmente... — continuou. — Isso se eles não estiverem usando isso como uma fachada também. Esses moleques...

Antes que a conversa continuasse, houve batidas na porta daquele quarto. E Kiyoshi entrou, dizendo:

— Sabe que não ligo, tio. Mas não quero que Ikishi e Mikoto sejam alvos do estresse de minha mãe... vamos falar a respeito da investigação em outro lugar...

— Sim, você tem razão. Já estava mesmo na minha hora de ir.

— Tio...

— Não se preocupe com isso, Kaede... — Ele afagou minha cabeça. — É horrível que isso tenha acontecido, mas para você é melhor que tente esquecer e que saiba que esse caso será resolvido. Você está bem e rodeada pela família. Nos vemos por aí.

Conforme o visualizei descendo a escadaria devagar, puxei o braço de Kiyoshi e murmurei:

— O que você acha a respeito disso tudo, Kiyoshi?

— O que deveria achar? Parece uma conspiração de delinquentes que querem se sentir superiores aos adultos, na minha opinião.

— Não é disso que me refiro... — indaguei. — Você realmente acha que Oguro esteja na vanguarda de um plano desses?

— Sinceramente, acho difícil... na verdade, acredito que aja alguém mais capacitado no comando. Foi arquitetado demais pra ter sido planejado por Oguro.

Ele disse aquilo para minha impressão de que meu primo não pareça pior? Não consigo interpretar o que se passa na mente de meu irmão, era como decifrar um enigma diferente a cada vez que o abordasse.

De qualquer forma, tenho que deixar isso de lado por enquanto. Não vai adiantar de nada se continuasse a ficar desanimada com toda aquela situação.

***

Tio Ugawa não apareceu mais naquele verão. Enquanto Oguro estiver aprontando por aí e não for pego, ele e a polícia não vão descansar. E desta forma, o mês de julho passou sob a expectativa de que poderia receber algum tipo de informação, mas nada além surgiu.

Mesmo tendo retornado à Chiba depois de um tempo, recebi visitas esporádicas de Rentaro, que se mostrou muito paciente em me esperar querer conversar a respeito, por mais que não quisesse abordar nada do assunto. Minhas primas também me enviavam mensagens sempre que podiam para me confortarem, até que resolveram vir me visitar e arrastaram Rentaro junto. Nessa mesma ocasião, Himegi apareceu e apesar das discussões, tive um ótimo passeio com todos.

Naquele começo de agosto, acontecerá a prova da mudança de faixa no karatê. Tomei minha decisão e não sou o tipo de pessoa que desiste de algo. Quando me aproximei ao dojo, no entanto, encontrei pessoas inesperadas me aguardando:

— Nossa, você nunca nos disse que fazia karatê! — exclamou Himegi, com olhos brilhantes. — Você é mesmo incrível, hein?!

— Himegi...

— Ela não é de falar esse tipo de coisas aos outros... — comentou Kiyoshi, do meu lado. — Ela gaba de suas habilidades, mas gosta de surpreender os outros mais ainda.

— Kiyoshi! — dei um tapa em seu ombro enquanto ele ria.

— Nós ainda temos um longo caminho pela frente... — expressou Rentaro, que apareceu junto com Makoto e Ayase. — Temos muito a te observar, hoje.

— Finalmente chegou o momento de você realizar o Tekki Nidan! — comemorou Ayase.

— Sakuya e Tomoyo não estão com vocês?

— Não. Elas me ligaram dizendo que não poderão vir te ver... — explicou Rentaro. — Parece que resolveram viajar até Hachioji prestar ajuda ao senhor Ugawa.

Por mais que minha mãe os tivesse intimidado, a união familiar falou mais alto. Certamente, é o tipo de atitude que os tornam tão dignos de respeito. Esperava ver minhas primas nesse dia, mas não tem problema. Com tentas pessoas ali me observando, terei que corresponder às suas expectativas.

Porém, ouvi alguém correndo apressada em nossa direção.

— Desculpe... me atrasei um pouco...

A garota parou à alguns metros de nós, tentando recuperar seu fôlego. Quando ela levantou o rosto, pude reconhecer quem era:

— Kuroi?

— Oh, Yonagi! Que bom que consegui chegar a tempo!

— Eu a convidei, Yonagin... — interveio Himegi. — Ela ficou tão surpresa quanto eu quando soube que você é quase faixa preta.

— Ah, entendo...

Olhei surpresa para Kuroi, com o rosto ruborizado por causa da corrida. Vê-la ali me deixou feliz, de algum jeito.

— Achei que aqueles garotos fossem aparecer, sabe... — comentou Kiyoshi. — Aquele baixinho de óculos... ah, não lembro o nome dele. E o outro... Shirogama.

— Shiroyama. — O corrigi.

— Eu sabia. Fiz isso para que você dissesse seu nome — debochou meu irmão. — Muito legal que lembre dos membros importantes do próprio clube, né...

Bufei. Por que o meu irmão teve que vir junto? Nem parece que por causa da estadia em Yokohama voltamos a nos entender... ironicamente por causa do Shiroyama, que tanto quer me recorde dele.

Olhei para o relógio do celular, e vi que constava pouco tempo para a cerimônia começar. Senti meu coração bater mais rápido e minha ansiedade cresceu. Meu quimono estava na bolsa, mas era como se estivesse pesando sob meu ombro.

Decisões... durante a nossa vida temos que tomar atitudes, muitas vezes nossas escolhas podem nos mudar completamente. Não é como se houvesse um caminho certo a se seguir. Há um caminho realmente certo de tomar? Quando me tornar adulta, poderei escolher as melhores decisões?

Qual era essa autonomia da qual não estou enxergando? Há algum tipo de discernimento que não compreendo?

Não. Você não vai poder compreender todos os segredos do mundo apenas tendo maioridade. A vida não se tornará mais prática ou mais fácil se você tiver liberdade de suas ações e ser dono do próprio nariz.

Meu irmão é totalmente ardiloso. Muitas vezes age igual criança, mas suas verdadeiras intenções são ocultas por trás de uma máscara que poucos conhecem. Ele nos obriga a revelar nossa verdadeira natureza por trás de palavras mesquinhas. Apesar de me preocupar com ele em muitas ocasiões, sei que no fundo pode se virar sem ninguém por perto.

É justamente por isso: se você estiver sozinho, não se machucará por causa dos outros.

Mas ele tem ciência de suas habilidades. Não posso dizer que ele detém de grande parte do discernimento necessário em ser capaz de poder evoluir cada vez mais, só que usa as fraquezas das pessoas para que reconheçam o que lhes falta. Reconhecer isso de si e dos outros é algo incrível.

Por outro lado, há aqueles que não têm a maioridade como ele e acham que podem estar no mesmo patamar de capacidade. Eu vi vários tipos assim durante a minha vida, mas Kumiko Horie sem dúvidas foi a mais marcante.

Eu não a conhecia até entrar na Daiichi. Sempre fomos de salas diferentes — o que me deixa aliviada ainda hoje... —, então nunca interagimos até o final do ano passado. Ela entregou um formulário de pedido para que fosse criado o clube de jornalismo junto com a veterana Senjou Hana. Durante todo esse período, tal assunto não era de meu interesse. Nem mesmo me importava se aquilo seria aceito ou não.

Durante a fase do terceiro período, em que começou a procura de novos membros de clube, foi que a realmente conheci.

Isso porque já tinha meus membros do clube de literatura. Higusa Amari, Todo Himura e Ichika Yari. Éramos todos do primeiro ano e já era a presidente, com Himura como vice-presidente. Só que apesar de estarmos juntos durante nosso primeiro ano, não nos dávamos bem. Quando Kumiko apareceu, todos me abandonaram.

Kumiko se achava uma pessoa evoluída que poderia manipular qualquer um que quisesse, não importava se era mais velho. Por isso que não conseguiu deter as ações de Shiroyama em desmascará-la.

Sim, isso mesmo. Mas... Shiroyama. Sim, ele não está ali.

Já havia passado mais de um mês desde que aquilo ocorreu e ele nem mesmo veio se comunicar. Ou melhor, quis fazer isso, aconselhou Himegi que viesse falar comigo já sabendo dos detalhes.

Sinceramente, não sei o que pensar a seu respeito. Sinto que ele é o tipo de pessoa que pode surpreender se utilizar das próprias condições para superar os desafios. Por mais que tenha gerado essa ausência... também não queria vê-lo. Desde que tivemos aquela conversa a sós no ryokan e depois de ele ter me salvado... eu precisava entender suas ações e significados.

Vesti meu quimono e ajustei a faixa roxa na cintura. Após sair da sala de preparação adentrei ao salão principal do dojo. Todos se agruparam sob os cantos do salão, deixando uma área vazia em seu centro.

Apenas eu e o Asai-sensei estávamos em pé, trajado com seu quimono e faixa preta. A cerimônia se iniciou, e deverei cumprir todo o passo-a-passo do Kata do Tekki Nidan. Como sou a única discípula do dojo a almejar esse título, será apenas uma demonstração minha ao sensei.

— Yonagi Kaede — entoou o sensei. — Eu a conheço desde pequena, fui um discípulo assim como seu pai. Por isso, posso dizer que estou envolvido com sua família há bastante tempo. Porém, não é por causa deste detalhe que pegarei leve em sua avaliação. Dominar o Tekki Nidan não é algo fácil, e requer um senso de disciplina gigante.

— Sim! — respondi prontamente, assumindo a posição.

— Mas... — interveio ele. — A partir da decisão que tomou, terá que me mostrar todo o seu conhecimento que percorreu nesse dojo até hoje.

 — ...

— Quero que me mostre seu conhecimento, mas... acima disso, e de todos aqui presentes, precisa mostrar isso para si mesma... — continuou: — Quero que coloque isso em sua mente: daqui pra frente, não poderá fraquejar e não cederá. Entendido?

Sob essas palavras, parece que o próprio professor tivesse visto através de meus olhos, emoções e pensamentos. Sorri, aliviada. Fiquei tranquila em saber que não devo me segurar. Seja no conhecimento, seja nas decisões.

— Isso... não é um fim, certo?

— Isso mesmo — curvou-se o sensei. — Se estiver pronta, pode começar. Mostre-nos o fim do seu começo, Kaede.

O fim do meu começo...

Sim, é isso. Preciso manter essa direção na mente. Daqui em diante as coisas serão mais árduas, minhas decisões terão mais peso, assim como as consequências. Para isso, terei que mostrar minha disciplina à altura.

Primeiro, realizei o Shoudan (faixa branca) com 21 movimentos e duração de 40 segundos. Seguido do Nidan (faixa amarela), com 26 movimentos por duração de 45 segundos. Sandan (faixa vermelha) tinha 20 movimentos com 40 segundos. Yondan (faixa laranja) detém 27 movimentos e o realizei em 1 minuto. O antepenúltimo foi o Godan (faixa verde), 23 movimentos sob 50 segundos.

Atenta e concentrada, tudo ao meu redor pareceu se tornar branco e vazio... não, o vasto universo se mostrou em minha cabeça. Com tudo em perfeita harmonia, no local em que vivemos ter sido criado por um mero acaso. Cada movimento é como se a gravidade se movesse junto, distorcendo tudo ao seu redor, tornando tudo em seu devido lugar para não se gerar o caos. Tive um vislumbre do que aprendi nesse dojo, e foi muito mais do que apenas saber sobre auto defesa. O mundo é realmente maior do que imaginamos, e o universo é de uma imensidão inestimável em que somos tão menores quanto um grão de poeira estacionado nos anéis de Saturno.

Após quase cinco minutos de apresentação que pareceram durar uma eternidade, chegou a hora de realizar o Tekki Shoudan, o maior Kata que os outros, com 29 movimentos realizados em diagonal e realizado em 1 minuto de duração. Todos bateram palmas.

Por último, foi o Tekki Nidan (faixa marrom). Realizei uma série de movimentos mais complexos que todos os outros Katas, mas apesar disso não me senti cansada. Tive a sensação de ter ingerido uma quantidade exorbitante de adrenalina e não consegui conter tamanha energia. Não, devo prosseguir.

Agora, me recordo sobre minha infância com Oguro. Nós dois praticávamos juntos, mas rapidamente foi deixado para trás. Ele não era muito alto e sempre se confundia com os movimentos, tendo reprovado nos primeiros exames algumas vezes. Porém, isso nunca o desanimou, pois sempre que o via, tinha um sorriso no rosto.

“Uma hora eu vou passar! Não é preciso pressa nisso, certo?”

Aquelas palavras ecoaram em mim. Suspirei e inalei, calmamente. O centro de minha gravidade tentou oscilar, mas mantive inerte. Aquela cena do beco retornou à minha mente, e visualizei o momento em que Shiroyama apareceu para me salvar. Parecia mais desesperado que eu, como se não soubesse o que fazer.

E, no entanto, ele agiu. Não sei como conseguiu reagir daquele jeito, mas de alguma forma me tirou daquele pesadelo. Olhei de soslaio meus amigos que me assistiam de longe em câmera lenta, Himegi, Kuroi, Makoto, Ayase e Rentaro. Em alguns segundos a parte final do exame se iniciou e minha mente se voltou ao encontro que tive outro dia.

Rentaro tinha razão, poderia ter me defendido sozinha. Isso era mais do que correto, algo certeiro. Então, por que? Por que há algo estranho dentro do meu peito? O que não entendi no momento sobre as palavras que ele me disse? Ele estava certo, isso era verdade, mas...

O exame final começou.

Tekki Nidan. 24 movimentos. Cerca de 1 minuto de duração. Todos os movimentos deverão ser realizados em diagonal.

É dito na física que dependendo do ponto de vista, o tempo se comporta de maneira diferente. O peso desses pensamentos distorcera meu campo de visão ao meu redor, e então compreendi que estar tão preocupada com essa situação me deixou aturdida demais em enxergar que toda essa gravidade não me cabe. Não possuo a importância expressa que um corpo celeste reside em sua posição sob o resto do universo.

— Kiai! — exclamei, realizando o 36° kyodo e retornando à posição de descanso. Houve mais uma salva de palmas, inclusive do sensei.

— Muito bem, Yonagi... — Asai-sensei me encarou, mas o detive em sua fala.

— Ainda não acabou.

— Hum?

Por alguma razão, me sinto tão leve agora que poderia correr uma maratona ou escalar uma montanha. Nada está mais distorcido ao meu redor, com a consciência em seu devido lugar. Uma certa pessoa surgiu no pensamento, do qual não hesitei em sorrir.

Aquele garoto realmente quer que me intrigar... Há muitas coisas que não conheço sobre o Shiroyama, mas nesse momento, compreendi a intenção por trás de ter agido por Himegi... afinal, ele sabe que encaro qualquer desafio que surja na minha frente.

Se minha maior desafiante sou eu mesma, então superarei os limites que me impus. Suspirei novamente e me concentrei. Reuni fôlego, calma e foco. Me curvei perante o sensei e assumi nova posição, com ele ainda confuso.

— Tekki Sandan! — reverberei por todo o salão. Não houve som e nem murmúrios. Todos estavam surpresos. Asai-sensei, no entanto, se recompôs segundos depois com um sorriso.

— Você é tão ousada quanto seu pai, mesmo... — expressou o sensei. Dito isso, ele ficou à minha frente. — Vejamos como será seu ato final.

— Sim! — respondi, prontamente.

Naquele momento, só enxerguei as costas do sensei. Ele resolveu me acompanhar no Kata da faixa preta como um autêntico professor deve fazer pelo seu aluno.

A série de 36 movimentos exclusiva de quem usa faixa preta deve ser realizada diagonalmente em menos de 1 minuto. Nós começamos, eu acompanhei seus movimentos e os reproduzi. Não, ambos recitamos os movimentos ao mesmo tempo. Foi como se apenas eu estivesse ali de pé. Sozinha com a própria sombra. O que apareceu durar uma eternidade terminou em um instante.

Nós nos curvamos após o término. O exame se encerrou.

— Quando decidir retornar, vamos praticar juntos este Kata... — disse meu professor, sorrindo. — Não tenho dúvidas... você encerrou esse ciclo de sua vida com maestria e excentricidade, Kaede.

Houve uma salva de gritos, todos comemoraram. Neste momento, parece que enfim me dei conta que tudo havia acabado e minhas pernas tremularam. Não notei o quão exausta e ofegante me encontrei, mas me sinto bem.

Foi como...

— Não importa por quais problemas tenha encarado, você passou por todos eles... — entoou o sensei. — Apesar de você achar que não está pronta, reconheceu esse fato e avançou seus conhecimentos e mente. Saiba que, você provar que evoluiu não é vencer todas as batalhas que travar. Muitas lutas você terá que reconhecer seu valor como indivíduo e o que é a verdadeira companhia.

— Sensei...

— Guerreiros não lutam sozinhos, sabe. Nenhum império é construído por uma única pessoa. O valor da sociedade é mostrado quando todos contribuem em prol de algo em comum. Neste momento, você é um símbolo de dedicação aos alunos mais novos, e uma inspiração para quem lhe acompanha. Você nunca esteve sozinha nesse dojo, no exame que acabou de realizar. Você esteve carregando todos os seus desejos de que fosse bem-sucedida.

Fitei todos ao meu redor, que reverberavam e se abraçavam animados. Estavam tão extasiados que parece que foram eles os aprovados no exame.

Meu peito se acalorou. Me curvei novamente ao sensei e fui ver meus amigos.

— Yonagin! Yonagin! — Himegi gritava para mim, correu em minha direção e me abraçou.

— Oi! O que foi?

— Você foi incrível! Sensacional! Maravilhosa! — De repente, o celular de Himegi vibrou e ela o atendeu: — Ah, é o Shiro!

— O... Shiroyama?

Rentaro e os outros me chamaram.

— Vamos comemorar no restaurante!

Assenti, enquanto esperava Himegi atender a ligação, mas que subitamente entregou o celular para mim:

 — Ele quer falar com você.

— Hein? Comigo?

Fiquei sem saber o que dizer, peguei o celular relutante.

— Alô? Shiroyama?

— Ah... oi — ouvi sua voz vacilante. — Eu... soube que passou no exame de faixa. Não sabia que fazia Karatê. Legal, hein.

— É... sim... — respondi, hesitante. — Hoje foi meu teste final.

— Oh... incrível. Bom, isso quer dizer que você está melhor e se recuperou de vez. Isso me deixa tranquilo.

— ...

Aquelas palavras...

— Fico contente que esteja bem. Apesar de tudo o que aconteceu, você se levantou por causa da ajuda de todo mundo.

— Por que tenho a impressão que não está se incluindo neste cálculo? — indaguei, brincando.

— Eu? Eu não fiz nada. Quem falou com você foi a Himegi, certo? Apenas estive ali na hora e agi. O que eles queriam não aconteceu, então a vitória foi sua.

— Vitória, né? — expressei, pensativa. — Isso pode mesmo ser considerado uma vitória?

— É, acho que tem razão sobre ter dúvidas. Mas... isso não foi uma derrota.

...

— Você não perdeu, Yonagi — ressaltou Shiroyama. — Você não mudou a si mesma por causa disso. Se tem dúvidas a respeito, apenas veja o que conquistou. Estou satisfeito que esteja bem, pois você manteve o que sempre foi.

— Mas, eu...

— Mesmo que soubesse que era faixa preta de Karatê, eu teria ido até você.

— ...!

— Isso não é questão de saber algo ou não. Você estava com problemas, e fui te ajudar. Você é perfeitamente capaz de lidar com as coisas, e qual é o problema de não ter reagido? Você ainda é um ser humano que ainda pode receber ajuda, não é?

Minha voz vacilou, não tive como responder.

— Yonagin? — Himegi me chamou, confusa.

— Ora... que gentileza a sua me chamar de ser humano para alguém que parece um zumbi.

— Os... meus olhos não estão com tantas olheiras agora, viu?!

— Quer dizer que não nega de ser um zumbi, então?

— Quero dizer que ajudar um ser humano como você é o que realmente vale a pena.

— Ah...

Meu corpo congelou e minha mente ficou confusa.

— O... o que...

— Ah... olha a hora! Parece que está na hora da minha leitura matinal! Até mais!

Ele nem esperou em me responder. Desligou na minha cara.

Devolvi o celular de Himegi com um suspiro. Após me trocar, todos fomos para um restaurante próximo para a comemoração. Durante os outros exames, Makoto e Ayase também foram aprovados, o que me deixou muito satisfeita.

— Yonagi, você realmente é uma pessoa incrível... — expressou Kuroi, ao meu lado. Apesar da barulheira que estava o restaurante com tantas comemorações, consegui manter uma conversa tranquila:

— Obrigada, Kuroi. Fiquei feliz que tenha vindo.

— Foi uma apresentação incrível com todos aqueles movimentos complicados! — Ela balançava os braços, animada. — Quem diria que nossa presidente do clube de literatura era uma lutadora de alto nível?! Isso é surreal!

O banquete foi gratificante, mas após tanta tensão por causa do exame senti meu corpo baquear. Acho que era um sinal de que deveria descansar pelo resto do dia quando chegasse em casa.

O restaurante se lotou rapidamente, então resolvi sair para pegar um pouco de ar. Lidar com tanta multidão me deixava cansada, então preferi ficar um tempo sozinha.

vale a pena”, né. As palavras de Shiroyama ficaram em minha mente. Foi algo curioso e, ao mesmo tempo, reconfortante. Pensei que quando o visse, traria todo aquele acontecimento e não saberia como lidar com isso. Mas, toda aquela apreensão se esvaiu. Não queria encarar tantos questionamentos, só que parece que poderei lidar com cada tópico com calma e de cada vez.

Meus membros pesaram. Achei que era a única que havia saído do restaurante, mas ouvi vozes na esquina próxima. Me esgueirei no momento certo para que Kuroi e Rentaro não me vissem ali:

— Acho que agora você se lembra de mim, não é? — comentou Kuroi.

— Na verdade... achei que era você que não se lembrasse de mim... — respondeu Rentaro. — E não encontrei um momento certo para poder falar com você.

Kuroi e Rentaro... já se conheciam antes?

Parece que eles passaram as informações de contato entre si.

— Espero que volte a falar comigo como antes, como compensação... — expressou Kuroi, com uma voz leve. — Apesar de estarmos em escolas diferentes.

— Certo, farei isso. Sempre me perguntei como você estava, Kuroi... — comentou Rentaro, sorrindo. — Ainda podemos ter muitos momentos juntos, afinal.

...

— Já... já que tocou nesse assunto, por que não marcamos algo? — incitou Kuroi.

Ela parecia hesitante? Por que ela está agindo assim? Será que...

— Com o pessoal do clube de literatura? Tudo bem, mas acho que aquele Teru não gostou muito de mim...

— Não, quero fazer tipo um passeio... isso, um passeio...

— Certo, então.

— Hein? Você quer mesmo?

— Sim. Eu e você. É o que deseja, certo? — Ele ressaltou. — Faz tempo que não nos vemos direito. Não faz sentido juntar outras pessoas se vamos falar sobre nós mesmos, certo?

— Vai ter um festival ainda este mês. Você quer ir comigo?

— Opa! Era o que eu dizer! — Ele exclamou, e os dois riram.

Decidi me afastar dali. Não ouvi o restante daquela conversa e nem me cabe o direito de tal coisa.

As pessoas procuram evoluir por si mesmas. É nisso que sempre acreditei. Ter desafios são o que nos fazem crescer. Sendo isto algo correto, todos possuem o papel de fazer algo acontecer.

Era a mesma definição para quaisquer lados. Mesmo aqueles que tentam nos atrapalhar, são consequências de suas ações para assegurar o crescimento de outros, ou apenas de si próprio. Este é o ser humano.

E exatamente por esta razão, não me prenderia numa única questão e nem deixar que essas mesmas pessoas me impeçam de algo ou tentem me derrubar. Kumiko Horie. Sei das suas razões por ter feito tudo aquilo comigo, mas agora é tudo passado. Não vou remoer as mesmas coisas para sempre, uma mudança há de ocorrer.

Não importava se agora ela faz parte do conselho estudantil. Dali para frente, não vou mais deixar que me atrapalhe. Me dedicarei para quem realmente me é importante. Sem dúvida alguma, Kumiko Horie será expulsa se continuar do mesmo jeito.

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