Volume 1

Capítulo 21: Expedição ao Velho Mundo

O interior de uma luxuosa morada, situada no andar mais alto de um dos prédios mais imponentes que compunham a área especializada na transação de antiguidades obtidas além da grande barreira, ostentava rebuscados adereços e quadros delicados que se destacavam nas paredes cinzentas. Os petiscos postos sobre uma mesa de madeira permaneciam intocados. Teslan, que há pouco chegara, não estava a passeio, desejava saber mais sobre a mensagem enigmática que recebeu.

— Leden, poderia ser mais claro? O que pretendia com isso? Se a intenção era me aborrecer, conseguiu. — Teslan mostrava em sua mão a mensagem enviada por uma coruja, durante a noite anterior.

— O que há demais em contatar um amigo? — O demônio alto, claro, de feições nobres, trajado com vestes largas que transitavam entre o castanho e o dourado, lançou um olhar discreto avaliando as reações do companheiro.

— Não tenho tempo para brincadeiras, seja direto e me responda.

— Falando desse jeito, vai causar um abalo em nossa amizade. Fique calmo.

— Pense comigo, o que queria que imaginasse com isso: O perigo está chegando. Que diabos são essas caveiras afinal?! — Antes que percebesse, já começava a amassar a mensagem.

O anfitrião pegou uma garrafa e encheu o próprio copo.

— Porque trata-se de um assunto sério… — Leden deixou o copo vazio com um único gole. Seus olhos pareciam mais sérios à medida que estampava um sorriso vazio no canto dos lábios. — Necessito de seus serviços.

— Um orador não devia beber, ainda mais pela manhã. Você nunca foi um alcoólatra.

— A oportunidade merece algo forte… como já disse, preciso que desempenhe uma missão para mim.

O caça-contrato esfregou uma das mãos contra a nunca, inquieto.

— Lembro que a última vez que vi uma ilustração sua semelhante foi naquele ninho de cobras, nem quero me recordar daquele distrito medonho — alegou Teslan, pondo a mão, que antes estava sobre a nuca, na cabeça.

O orador apoiou o queixo em uma das mãos.

— Esqueça o que ficou no passado. O chamei aqui porque certas histórias que ouvi recentemente me deixaram intrigado — contou, conforme analisava as reações do convidado. — É aí que você entra.

— Tenho até medo de perguntar, qual seria a minha missão?

Leden soltou a taça na mesa.

— Quero que você me ajude a acabar com alguns cãezinhos.

 

☼☼☼☼

 

Essa frase latejava na cabeça de Teslan, que estava perdido em pensamentos enquanto guiava os caça-contratos, que já acompanhavam o pelotão do décimo primeiro esquadrão de coletores, pelo restante do caminho até o lado negro, além da grande barreira. Foi surpreendido ao receber um tapa nas costas, desferido por Barock que percebeu sua distração.

Quando alcançaram uma das fendas que dava acesso ao exterior, Belter, mais uma vez na liderança dos coletores, expôs a pedra vermelha que estava em seu pingente. À medida que ela começava a brilhar, a passagem que estava lacrada começava gradualmente a abrir, quase como se fosse decomposta com a aproximação do artefato.

— Chega de perder tempo, vamos ao trabalho — disse Belter, ao sentir em seu rosto a brisa árida e sombria que soprou pela fissura quando a passagem ganhou forma.

Após avançarem, Cão observou, com olhos atentos, o caminho se reconstituir rapidamente, como um passe de mágica.

— Qual a direção que seguiremos na expedição de hoje? — perguntou Teslan.

Belter analisou um precário mapa que retirou da mochila.

— Já vasculhamos praticamente toda essa área, acredito que os demais estejam em uma situação semelhante. — Ele olhou para a imensidão turva. — Me refiro não só aos coletores, mas também às outras classes guerreiras. Nossa soberana logo terá que mover a cidade-fortaleza.

“Então Vespaguem finalmente se moverá. Como será isso?”, pensou Cão.

— Se for verdade, quase posso dizer que verei pela primeira vez a cidade fazer isso — falou, ao passar por Barock.

O mapa continuava nas mãos de Belter, seu diagnóstico apenas confirmou a rota inicial.

— Exploraremos esse ponto remoto. É um local bem mais distante que o habitual, ou seja, será um percurso trabalhoso.

Barock alongava os braços com uma certa preguiça.

— Que maravilha, espero que a cidade mude de lugar o quanto antes, para nossa vida aqui ser um pouco mais fácil.

— Ainda está muito cedo para reclamar, agora se mexa, temos uma longa viagem pela frente.

 

☼☼☼☼

 

Conforme avançavam, com passos morosos, em direção ao norte, o solo empoeirado e quase sem vida, com o avanço das horas, se desdobrou em uma paisagem mais pedregosa e irregular. Prosseguir na quietude era como pisar sobre as antigas lembranças desse mundo que, ao fundo, as silhuetas opacas de algumas montanhas rochosas, que venciam o nevoeiro, pareciam querer contar.

 Vencer o caminho se revelou uma tarefa penosa, mas, ao fim, foram recompensados, o terreno árido passou a resgatar algum resplendor entre as antigas colunas que ganhavam forma mais adiante. Com o entardecer, o final do primeiro dia de viagem se aproximava e a temperatura já começava a cair, quando alcançaram as ruínas da antiga cidade. As velhas paredes desbotadas e corroídas pelo tempo, reinavam sobre a neblina, ainda mostrando um resquício da imponência que teve outrora.

A área já havia sido explorada por outras unidades, assim como todas ao entorno, os membros da expedição sabiam disso. Aguardavam ansiosos o dia em que Vespaguem deixaria essa terra para trás.

Entre algumas colunas que ainda ganhavam as alturas, a comitiva se instalou. No calor de uma fogueira, finalmente puderam descansar.

— Amanhã, iremos mais ao norte, nosso objetivo agora está perto — falou Belter para os caça-contratos que acompanhavam seus subordinados.

— Presumo que as coisas continuam complicadas — falou Teslan, que tomou um gole de uma bebida quente para espantar o frio.

— Quando Turcarian mover a cidade, tudo ficará melhor.

— Estou cansado de esperar, o que será que aqueles idiotas da corte tem na cabeça? — comentou um dos coletores.

— Isso não importa. Se preocupe com si mesmo. Sabe bem que aqui é um lugar traiçoeiro — alertou um segundo.

— Eu posso até sentir o cheiro deles — alegou outro mais ao fundo que logo se afastou com semblante nada amistoso.

— Como pode ver, os ânimos estão agitados — disse Belter para Teslan.

— Entendo a frustração deles, mas é preciso manter o foco. — Teslan se virou na direção de seus camaradas. — O mesmo vale para vocês. Entenderam?

Todos logo concordaram com mais preguiça do que ânimo.

Cão voltou sua atenção para o cenário desolado a sua volta, intrigado com as surpresas que essa paisagem inóspita poderia esconder.



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