Paladino Branco Brasileira

Autor(a): Jr. Ferreira


Volume 1

Prólogo: As primícias de Elisora

QUINHENTOS ANOS ANTES

REGIÃO ESQUECIDO, REINO DO FOGO

 

A noite já havia caído, grandes nuvens dançavam pelo céu estrelado, enquanto ventos fortes sopravam do Sul, anunciando a chegada iminente do inverno. A deslumbrante lua cheia banhava todo o continente de Elisora, com sua luz celestial azul. Embora a noite fosse fria, muitos agricultores permaneciam nos campos, colhendo suas safras para o inverno que se aproximava.

— Papai, veja só o céu, está maravilhoso esta noite! — exclamou o pequeno Conan, seus olhos brilhando de admiração.

Seu pai, Aeron, um homem de traços ásperos moldados pelo árduo trabalho no campo, lançou-lhe um olhar severo.

— Conan... — Sua voz carregava um aviso implícito para que o garoto retornasse ao trabalho. — Deixe de distrações e continue. Temos que terminar isso o quanto antes, ou passaremos fome.

— Sim, senhor! — respondeu obedientemente.

O garoto pegou sua foice, uma ferramenta que fora habilmente forjada sob medida para suas mãos pequenas, e retomou a tarefa de cortar os feixes de trigo.

A Região Esquecida do Reino do Fogo, onde viviam, era conhecida por suas produtivas plantações, um verdadeiro celeiro que abastecia todo o continente de Elisora. Aquelas terras eram o orgulho dos camponeses que ali viviam, uma ilha de prosperidade em meio ao domínio opressivo da magia.

O velho ancião da vila, um homem sábio e respeitado, observou a cena com um sorriso.

— O jovem Conan é trabalhador. Com esse ritmo, terminaremos logo.

O agricultor, inchado de orgulho pelo elogio ao seu filho, respondeu:

— Ele puxou isso do pai, não é mesmo?

O velho ancião emitiu uma pequena risada de deboche, diante da resposta orgulhosa do pai coruja.

O garoto continuou a cortar os feixes de trigo com destreza, mas logo algo chamou sua atenção. Uma estranha matéria escura começou a emergir do solo, sinuosa como uma serpente.

— O que é isso? — sussurrou Conan, intrigado com a anomalia.

Enquanto os agricultores trabalhavam, Aeron começou a sentir a falta de seu filho.

— Olha só, ela está seguindo o movimento da minha mão! — O garoto curioso murmurou, brincando com a matéria escura que se contorcia como um filhote de serpente.

Entretanto, os momentos de paz logo foram rompidos por um grito estridente que fez todos se sobressaltarem.

— PAAAAAAAAAI!

A voz desesperada do pequeno garoto ecoou pelo campo, chamando a atenção de Aeron. O pai correu em direção ao filho.

— CONAN! — ele gritou, aumentando a velocidade de suas passadas.

Assim que avistou o menino, seu coração acelerou em pânico.

O garoto continuou a gritar, sua voz misturada com dor e medo. A escuridão que o envolvia o arrastava para dentro de si, como se quisesse devorá-lo por completo.

Aeron habilmente puxou um livro de uma pequena bolsa que carregava na cintura e recitou um feitiço de ataque na tentativa de enfraquecer a "criatura".

Magia de Fogo: Rajada de Fogo

Uma enorme chama vermelha alaranjada se formou na mão direita do homem. Sem perder tempo, ele logo lançou uma feroz rajada flamejante em direção ao espectro escuro. Pela quantidade de poder mágico que ele havia colocado no seu feitiço, a matéria deveria ter se dissipado pelo calor das chamas. No entanto, assim que o feitiço atingiu o alvo, foi consumido pelo espectro, não deixando nenhum rastro de que havia sido lançado algum feitiço.

— Não pode ser! — disse Aeron. — Esse era o meu feitiço mais poderoso!

Magia de Fogo: Lanças da Convicção

O velho ancião que havia sido atraído pelos gritos da criança, também lançou um feitiço de ataque em direção à grande escuridão. Porém, mais uma vez, a magia foi engolida.

"Por mais fraca que possa ser a magia dos camponeses da Região Esquecida, Aeron sempre se destacou por possuir um poder mágico razoável em comparação aos demais. Aquele seu último ataque deveria ter aniquilado aquela sombra, mas não fez o menor efeito", pensou o senhor ainda perplexo.

— Pai, me ajude, doendo... doendo! — A criança aflita continuava gritando, a dor latente em todo o seu corpo fazia ecoar gritos agonizantes. 

Seu pai, vendo essa cena desesperante e percebendo que magia não adiantaria naquela situação, deixou seu grimório cair ao chão e partiu em direção à matéria escura, na tentativa de livrar o filho das garras da escuridão.

— Aguente firme... eu já estou chegando!

Quando Aeron finalmente alcançou seu filho, não pensou duas vezes. Agarrou o garoto com todas as forças e o puxou para longe daquela matéria misteriosa e maligna. O velho ancião também se juntou ao pai desesperado e puxaram juntos o garoto. 

Depois de alguns segundos de esforços, eles conseguiram libertar a pequena criança, e então os três caíram juntos, sendo aparados pelos feixes de trigo que estavam jogados pelo chão.

— Conan, você está bem? — Aeron segurou o filho, examinando-o com preocupação, mas o que viu o fez recuar em horror.

O garoto, que antes irradiava vida e saúde, agora tinha a pele pálida e sem vida, como se a essência de sua juventude tivesse sido sugada. Seus olhos, antes cheios de brilho, estavam opacos, e seu corpo parecia envelhecido e debilitado.

— Pai... — A voz do Conan era fraca, quase um sussurro.

Aeron estava atordoado e não sabia como reagir à transformação chocante de seu filho. O velho ancião se aproximou e fez um gesto de urgência.

— Precisamos levá-lo ao curandeiro rápido!

Enquanto carregavam a criança em direção ao vilarejo em busca de ajuda, algo sombrio estava se formando no horizonte. A escuridão engoliu o campo, extinguindo a luz da lua. O vento, antes apenas cortante, agora uivava com intensidade.

— Isto não é bom... — murmurou o velho ancião, puxando Aeron com urgência.

Com seu filho nos braços, correu o mais rápido que pôde enquanto o som dos gritos de agonia dos agricultores que haviam ficado para trás ecoava no ar. A escuridão emergiu do solo, como uma erupção vulcânica, consumindo tudo em seu caminho. O homem preocupado observou impotente enquanto seus amigos e vizinhos eram devorados por aquela sombra terrível.

Finalmente, conseguiram deixar para trás a plantação de trigo e, à medida que se aproximavam do vilarejo, viram um incêndio alaranjado que ardia furiosamente. O coração do Aeron afundou em desespero ao perceber o que aquilo significava. O vilarejo que conhecera, onde todos eram como uma grande família, estava agora em chamas.

— Pai... o que está acontecendo com nossa casa? — Conan murmurou, sua voz era fraca e cheia de medo.

O velho ancião, que estava ao lado deles, também observou a terrível cena.

— Parece que os deuses estão nos castigando por nossos pecados.

 

QUINHENTOS ANOS DEPOIS

CIDADE DE TETHORIS, REINO DO FOGO

 

O pôr do sol estava deslumbrante no fim desta tarde. Toda a cidade de Tethoris estava em festa, as ruas estavam ornamentadas com enfeites e luzes mágicas. Todos os membros da minha família estavam ansiosos para o evento que ocorreria naquela noite. 

Meus pensamentos navegavam distraídos pelos cenários da cidade, até que a carruagem em que estávamos passou por cima de um buraco na rua, nos fazendo quicar nos assentos acolchoados do veículo. Foi então que minha atenção se voltou para as indagações da minha família.

— Hoje será uma noite importante para o jovem Ambrose. Crianças, se comportem — advertiu meu pai, pegando Emma, minha irmã mais nova, para colocá-la em seu colo.

Ele estava muito inquieto hoje, mas quem iria culpá-lo? Meu pai carregava nos ombros a responsabilidade de ser o líder de uma das famílias mais importantes do reino, os Michaelson. 

Ele era conhecido em toda a região como o Marquês do Fogo. E o motivo de sua inquietude era que hoje ocorreria um evento muito importante na cidade, o aniversário de dez anos do filho primogênito do Conde Ballard, Ambrose Ballard, e toda a nobreza estaria presente.

— Metternich, nada de gracinhas hoje, entendeu? Fique sempre perto de mim e da sua mãe.

Meu irmão mais velho, Metternich, gostava de aprontar algumas traquinagens, o que por si só já seria um grande problema. Uma criança da nobreza arruinando o aniversário de outra causaria uma enorme dor de cabeça para meu pai. Entretanto, existia uma agravante ainda pior nessa situação: Mett já tinha seis anos de idade e sua magia já havia despertado, o que deixava meu pai ainda mais preocupado.

— Entendeu? — questionou meu pai mais uma vez, passando o braço direito por trás dos ombros de Metternich e puxando-o para perto de si.

— Sim, senhor! 

— Muito bem! Nathaniel, você também não se afaste de nós, entendeu?

Acenei com a cabeça, concordando com as palavras de meu pai.

— Ótimo, bom garoto.

Metternich me encarou com os olhos cerrados. Sua expressão não negava o descontentamento. Sua pele branca e os cabelos negros evidenciavam seus charmosos olhos azuis, que combinavam perfeitamente com seu atributo mágico, a Magia de Relâmpagos. Nosso pai havia acabado de chamar sua atenção, era óbvio que ele não havia gostado e estava com raiva.

— Mett! — Minha mãe, que estava sentada ao meu lado, percebeu o modo como Metternich olhava para mim.

— O que foi? Eu não estou fazendo nada!

— Você sabe exatamente o que está fazendo, pare de amedrontar seu irmão. Vocês dois devem ser amigos.

Eu e Mett nunca nos demos muito bem, mas nos últimos meses ele havia começado a agir de forma diferente. Sempre que podia, usava sua magia em mim, usando a desculpa de que estava praticando seu controle mágico. O único motivo que poderia explicar essas ações era que, diferente dele, eu ainda não havia despertado. Era bem provável que ele me visse como alguém inferior.

— Eu não quero ser amigo desse... Perdedor.

— Metternich, não fale assim com seu irmão! — Papai o repreendeu.

— Per... de... dor... — Emma repetiu, como se fosse algo engraçado.

— Viu... até a Emma reconhece o fracasso que Nathaniel é!

Um fracasso... Eu já havia completado quatro anos alguns meses atrás, mas meu poder mágico ainda não havia despertado. O que há de errado comigo?



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