Paladino Branco Brasileira

Autor(a): Jr. Ferreira


Volume 1

Capítulo 5: À beira do abismo

Era uma noite profunda, e eu estava em um lugar desconhecido e misterioso. Acabei sendo cativado por um sonho tão nítido que suas imagens perdurariam na minha mente muito tempo depois de acordar.

Diante de mim, erguia-se um palácio colossal, uma verdadeira fortaleza que ousava tocar os céus com suas torres de pedra escura. As muralhas maciças exibiam cicatrizes das eras passadas, como testemunhas silenciosas de incontáveis histórias.

No interior, vozes soavam em um tom acalorado, como se estivessem imersas em uma discussão ardente. Enquanto eu caminhava pelos corredores frios e sombrios, a luz da lua esgueirava-se pelas janelas, lançando uma luminosidade pálida e fantasmagórica.

Fui guiado pelas vozes que ecoavam pelo corredor, como um chamado que eu não conseguia ignorar. Enquanto eu caminhava, meu coração pulsava com antecipação. 

Caminhei até encontrar uma porta entreaberta. Lá dentro, pude testemunhar uma cena intrigante, como se fosse um espectador silencioso em um drama sombrio.

Dois homens estavam envolvidos em uma discussão intensa.

O mais jovem dos dois era alto, de cabelos negros que caíam sobre os ombros. Seus olhos eram igualmente escuros, e sua pele pálida conferia-lhe um ar sinistro. Ele argumentava com convicção:

— Meu senhor — disse o jovem. — Este é o único caminho… O único que nos conduzirá à vitória. O meu plano é a última esperança do reino.

O segundo homem, mais velho, deveria ter em torno dos cinquenta anos, tinha cabelos grisalhos que exibiam a sabedoria da idade. Seus olhos eram da cor das esmeraldas, penetrantes e sábios. 

— Filho, entendo a suas intenções, mas a que custo? Quantas vidas inocentes pagarão o preço?

O jovem de cabelos negros, com um tom de desdém em sua voz, disse:

— Olha, senhor, com todo respeito, mas acho que o senhor está um tanto desatualizado. Seus princípios… Bem, eles são ultrapassados. Não compreende a verdadeira essência do que estou propondo. Estamos falando da única saída para salvar o reino.

O senhor retrucou com um olhar de pesar:

— Jovem, você pode até dizer que estou velho e desatualizado, e talvez seja verdade. Mas a idade me permitiu distinguir o que é certo do que é errado. Seu plano, custará milhares de vidas inocentes. Não pode haver justiça na morte de tantos para atingir nossos objetivos.

A conversa prosseguiu, uma troca de ideias e argumentos que pareciam uma dança de espadas em um duelo intelectual.

Em meio a essa acalorada discussão, surgiu um segundo jovem. Sua presença era marcante e imponente. Ele possuía cabelos prateados, como se fossem feitos de fios de prata pura, que fluíam em ondas suaves sobre sua testa. Sua pele era notavelmente corada, com uma tonalidade saudável que contrastava com a palidez de seus interlocutores. Seus olhos, no entanto, eram o aspecto mais intrigante de sua aparência. Brilhavam com uma intensidade quase sobrenatural.

— Com licença — interrompeu o jovem. — Há outra solução, uma que não exige o sacrifício de tantas vidas.

O jovem de cabelos negros estava prestes a explodir em fúria.

— Se vocês não conseguem ver a realidade diante dos seus olhos, são todos uns tolos!

E, enquanto ele se dirigia para a porta, em um gesto teatral que parecia encerrar a discussão. Meu coração acelerou, tentei mover minhas pernas para sair dali, mas foi inútil, no instante que o rapaz abriu a porta, eu despertei abruptamente do sonho.

Os detalhes do vasto palácio e a intensidade dos diálogos despertaram uma profunda sensação de inquietação em mim. 

Nesse momento, percebi que estava agarrando a pedra que minha mãe me havia dado algumas semanas atrás com uma força surpreendente. Quando finalmente abri a minha mão, pude notar os entalhes da pedra, agora nitidamente marcados na minha palma.

A luz matinal invadia meu quarto, pintando as paredes com tons suaves, avisando-me que a noite já havia passado.

Sentei-me na beira da cama, fitando a pedra em minha mão, como se buscasse dela as respostas para as inúmeras perguntas que me assombravam.

Após algum tempo, decidi enfrentar o novo dia. Meu quarto era um refúgio simples, mas confortável. Uma pia no canto, um espelho pendurado acima e uma vasilha com água fresca ao lado. Estendi minha mão, peguei uma caneca e servi-a com água, e comecei a escovar os dentes. 

Ao observar meu reflexo no espelho, notei que meu cabelo havia crescido mais do que eu me recordava.

Ao concluir a rotina matinal, mergulhei as mãos na vasilha com água e salpiquei o rosto repetidamente, como se aquelas gotas frescas pudessem acalmar a inquietação que habitava minha alma.

Com cuidado, enxuguei o rosto, e o vislumbre do cabelo mais comprido do que o habitual trouxe uma lembrança calorosa. Minha mãe costumava cortá-lo, mas fazia tanto tempo desde sua última visita, que a saudade e a emoção começaram a aflorar sutilmente em meu coração.

A manhã chegou com seu manto dourado, e na semiobscuridade do meu quarto, eu fitava a pedra que minha mãe havia me dado com um olhar perdido. Era uma das poucas relíquias que eu tinha da presença dela, e aqueles entalhes intrigantes pareciam conter segredos. Mas que tipos de segredos?

Caminhei até a janela, que era o meu lugar favorito no quarto. Dali, eu conseguia vislumbrar uma pequena fatia do mundo, um vislumbre do que estava além das paredes que me aprisionavam.

Observar os empregados no jardim enquanto eles realizavam suas tarefas diárias era a minha única conexão com o mundo exterior.

Uma brisa suave brincava com as folhas das árvores, e os pássaros no céu cantavam sua melodia matinal, como se soubessem que aquele era um dos raros momentos em que eu podia compartilhar da liberdade deles.

Contemplando os pássaros voando livres, desejei profundamente ser um deles, capaz de alçar voo para qualquer lugar que minha vontade me levasse. Ansiava por essa liberdade, por experimentar o mundo além das muralhas que me aprisionavam, onde mistérios e aventuras me aguardavam.

Encostei a cabeça na base da janela e continuei observando o céu azul. 

Ro-ror, ro-ror.

Esse momento de contemplação só foi interrompido quando meu estômago emitiu um rugido alto e doloroso, me lembrando da fome que já me corroía. 

A última refeição que eu fiz foi no almoço do dia anterior, e as horas pareciam se arrastar.

Decidi vasculhar meu quarto na esperança de encontrar algo que aliviasse minha fome, mas minhas buscas se revelaram infrutíferas. Voltei para a cama e me deitei, enquanto meu estômago protestava de forma cada vez mais audível. Virei-me de um lado para o outro, mas nada conseguia dissipar a sensação de vazio que me atormentava.

As horas continuaram a se arrastar, e o sol se aproximava do horizonte, prestes a se pôr. Foi então que ouvi um ruído vindo da porta. Uma bandeja deslizou por um compartimento na base da porta, e meu coração encheu-se de esperança. 

Peguei a bandeja apressadamente, e sem examinar a comida, mergulhei a colher no mingau. Porém, na primeira colherada, minha boca encontrou algo duro e desconhecido. 

Cospi a substância e encontrei uma pequena pedra.

Soltando um suspiro de desapontamento, passei a pegar porções menores de mingau, evitando cuidadosamente quaisquer pedras que encontrasse. Finalmente saciei minha fome, mas o gosto amargo da decepção persistia.

Levei a bandeja até o compartimento na porta e a empurrei para fora. 

Então, retornei à janela, que agora proporcionava a vista de um crepúsculo colorido. Enquanto as cores se mesclavam no céu, eu ansiava pela noite, o momento em que eu poderia viajar através dos sonhos e me perder nas aventuras que pareciam infinitas e, ao menos por um breve período, me afastar das paredes que me aprisionavam.

A fome, minha persistente amiga ao longo do dia, havia me abandonado com a chegada da noite. As estrelas começaram a cintilar no céu, e a fraqueza que a ausência de comida trouxera estava sendo gradualmente superada. 

No entanto, os reflexos do meu sonho da noite anterior começaram a assombrar meus pensamentos, pairando como uma névoa densa e inegável.

Os sonhos estavam se tornando mais vívidos a cada noite, como se as fronteiras entre minha mente e o mundo dos sonhos estivessem desaparecendo.

No primeiro pesadelo, eu estava em uma plantação de trigo, e uma criatura terrível me atacou. As imagens eram tão reais que eu ainda podia sentir o vento frio daquela noite. Agora, as vozes e a discussão sobre um plano sombrio que tiraria a vida de centenas de pessoas ainda ressoavam em meus ouvidos.

Eram tão vívidos que mal conseguia distinguir entre sonho e realidade.

Esses sonhos perturbadores me faziam questionar minha própria sanidade. Seriam eles uma manifestação de minha condição de amaldiçoado? A sensação de estar confinado, limitado por minha prisão, estava começando a corroer minha mente de maneiras inimagináveis.

Encostado à janela, observando as estrelas, fui consumido por meus pensamentos.

Foi então que, como resposta aos meus pensamentos, uma figura surgiu no jardim, espreitando como uma sombra. Era um jovem, cuja aparência era familiar, ele carregava um grimório em mãos. Os ornamentos azuis do seu grimório brilhavam à luz da lua.

Instantaneamente, reconheci-o: Metternich, meu irmão.

Em um instante, escondi-me nas sombras da janela, observando-o atentamente enquanto ele começava a recitar palavras mágicas.

Magia de Criação de Relâmpagos: Asas do Anjo Caído

Asas feitas de eletricidade pura brotaram das suas costas, uma visão deslumbrante, uma proeza mágica que me cativou, mesmo na escuridão do meu esconderijo.

Com um movimento grácil, Metternich alçou voo, suas asas elétricas iluminando a noite. Num piscar de olhos, ele atingiu uma árvore próxima, uma espécie rara e majestosa conhecida como a "Árvore de Prata", pois suas folhas eram prateadas como a lua.

Com um giro de 360 graus, as asas cortaram a árvore como se fosse papel, e a majestosa árvore tombou silenciosamente.

Meus olhos se arregalaram de admiração. A habilidade de Metternich era uma maravilha, uma demonstração do poder que eu jamais seria capaz de igualar.

Ao pousar suavemente no chão, as asas reluzentes se desintegraram em uma cascata de partículas elétricas.

Metternich sabia que estava sendo observado. E com um grito de desdém, ele direcionou seu olhar em minha direção.

— Nathaniel, viu isso? Eu sei que está aí. Ficou impressionado? — Ele fez uma breve pausa, como se estivesse esperando por uma resposta. — Isso é algo que você, um amaldiçoado de merda, jamais será capaz de realizar.

Ouvir as palavras de Metternich apertou meu coração. Eu estava sozinho na escuridão, minha inveja misturada com impotência. Durante toda a minha vida, eu me senti como um estranho em minha própria família, um amaldiçoado que jamais seria capaz de igualar os talentos mágicos de meu irmão, ou alcançar as expectativas do meu pai.

Mas foi naquele instante, em meio a um misto de raiva, confusão e um profundo sentimento de impotência, que eu fiz um juramento, que ecoou no silêncio daquele quarto e se cravou no âmago do meu ser.

Jurei, diante das estrelas que brilhavam lá fora, que um dia me levantaria com força e coragem para enfrentar meu irmão Metternich em um embate de proporções épicas, onde as asas elétricas que ele desdobrou com orgulho seriam meras faíscas contra o fogo intenso que queima no meu interior. Jurei reverter o destino que parecia estar traçado para mim como um amaldiçoado, e provar que podia ser mais do que uma vítima de circunstâncias obscuras.

Mas então, Metternich deu seu o“último golpe”.

Mamãe está morrendo, e a culpa disso é sua… SEU MISERÁVEL!

Aquelas palavras me atingiram como punhais afiados. 

Minha mãe, que eu acreditava estar melhor, estava realmente piorando?! Eu já havia percebido que ela não me visitava há semanas, algo que ia muito além do incomum. Ela estava me poupando da verdade, para que eu não me preocupasse, mas parecia que eu era tolo o bastante para não perceber.



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