Murphy Brasileira

Autor(a): Otavio Ramos


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 49: Chacina dos Militares

— Está preparada pra matar mais pessoas? Pelo menos mais uns vinte pra sua lista — provocou Mariah, enquanto calçava um par de botas marrons. — Claro, se você não morrer.

— Cheguei longe demais pra morrer logo agora — retrucou Ella, também calçando suas botas. — Eu vou matar todos eles e depois dar o pé daqui. Preciso caçar os Emissários restantes.

— Por que caçar Emissários? Uma coisa é se defender deles, outra é caçá-los. Você não quer viver tanto assim, né?

— Não te devo nenhuma satisfação, Mariah.

— Nossa, tá bom então né — murmurou Mariah, levantando as mãos em rendição.

O sol surgia no horizonte — Ella, Mariah e John estavam a bordo do jipe, aquela era a primeira vez de Ella andando num carro.

Era um jipe militar verde, com padrão camuflado; era aberto com uma metralhadora acoplada na traseira.

— O plano está claro na mente de vocês? — perguntou John, no volante.

— Sim — responderam as duas.

— Ella, confere se a M-271 está bem instalada e com munição suficiente.

Ella apalpou o ferrolho, conferiu o carregador e checou as munições: tudo encaixado. Tudo perfeitamente colocado, bastava puxar o gatilho e “botar pra foder”.

Estava sentindo algo estranho naquele momento, era como se estivesse sendo observada.

Meia hora depois na estrada, John estacionou o jipe entre dois arbustos densos, ocultando o veículo.

— Agora nós esperamos — disse ele, tirando a chave da ignição. — Cerca de quarenta minutos e eles começam.

Deitada no banco traseiro, Ella fitava as nuvens, esperando o tempo passar.

“Estou perto pai, aguente só mais um pouco. Onde quer que esteja, eu vou te resgatar. Matarei quantos precisar”. Seus pensamentos eram firmes, estava decidida e confiante: ela não iria morrer ali.

O ronco do motor aproximou-se — um comboio vinha a sua direita. John esperou alguns segundos até ligar o jipe.

— Preparem-se. Ella, só abra fogo quando eu mandar. Mariah, impeça que ela seja atingida!

John arrancou, saindo de trás do arbusto e acelerando até emparelhar com o comboio.

— Veículo suspeito nos seguindo — disse o motorista do primeiro blindado pelo rádio. — Executar protocolo de defesa.

Ella ergueu-se e agarrou a metralhadora rotativa. Era extremamente pesada, mas estava apoiada em um suporte, o que facilitava seu manuseio.

— Em posição! — gritou Ella.

— Em posição! — ecoou Mariah, com as mãos imbuídas na Vontade Sagrada.

— Esperem... — John sinalizou: o jipe estava cada vez mais perto, praticamente colado no último APC. — Esperem!

O que John tanto esperava? Ella vibrava de adrenalina, seu dedo tremia, quase pressionando o gatilho toda hora.

Quando a rampa traseira do primeiro blindado se abriu e os militares apareceram, John deu a ordem:

— Atirem!

Ella concentrou a Vontade nos três dedos centrais da mão direita e transferiu-a para a metralhadora. O cano começou a rotacionar e uma chuva de projéteis flamejantes irrompeu.

Os disparos varreram o compartimento traseiro do primeiro blindado, os soldados morreram antes mesmo de terem tempo de reagir.

John reduziu a velocidade e Ella mirou nos blindados da escolta, mirando sobretudo nas janelas dos condutores. Um dos projéteis flamejantes atingiu o reservatório de combustível e uma bola de fogo engoliu um dos blindados.

A onda da explosão trouxe estilhaços em todas as direções. Um fragmento maior veio diretamente na direção do rosto de Ella — tão rápido que a única reação que teve foi arregalar os olhos.

No mesmo instante, Mariah esticou as mãos e uma barreira da Vontade Sagrada surgiu em frente a Ella, segurando o estilhaço no último instante.

O fragmento que a teria matado, agora estava preso na superfície da Vontade, a pouquíssimos centímetros de atingir o olho de Ella.

— De nada — disse Mariah, arfando.

A barreira desfez-se como um vidro quebrando e o estilhaço caiu na estrada.

Com os motoristas mortos, os dois blindados ficaram para trás. Ella retomou a cadência de fogo, furando os pneus do APC da frente.

Lentamente ele foi freando até parar. John desligou o jipe assim que o veículo parou totalmente.

— Fiquem no jipe dando cobertura. Deixem que eu resolvo — ordenou John, abrindo a porta.

Puxando uma pistola com silenciador da sua cintura, ele caminhou lentamente até o blindado.

— Eu sei que tem dois de vocês vivos. Foram os únicos que sobrevivam e irá depender unicamente de vocês se irão continuar vivos. Darei duas escolhas para vocês: larguem as armas no veículo e saiam com as mãos na cabeça, ou juntem-se aos seus companheiros.

Após alguns segundos de espera, os dois saíram de cada porta e andaram até ficarem de frente a frente com o John.

Os dois militares vestiam um uniforme com padrão camuflado — o mais velho era careca e tinha uma expressão fria, diferente do mais novo, que por mais que tentasse esconder, seu rosto revelava seu medo.

— Vocês vão entrar no nosso jipe e nos levar até a base de vocês. Sem gracinhas, se não eu estouro o miolo de vocês — bradou John, com um sorriso de canto e com a pistola apontando para a barriga deles.

— Tem... tem um franco-atirador que cobre toda a base. Nada passa por ele. A única forma de entrar seria usando os nossos blindados, mas vocês destruíram todos — respondeu um dos militares, nervoso.

— Me leva até ele. Seu amigo vai ficar com aquelas duas; quando eu der a ordem, ele as leva até a base. Entendido?

— Aquele cara era o melhor atirador da América, você tá querendo se matar — retrucou o mais jovem.

— Eu consigo me virar, apenas me leve até ele.

— Então me siga.

— Fiquem atentas ao rádio, qualquer coisa alerto vocês — disse John, virando as costas e seguindo o militar.

O outro militar que ficou com as duas, permaneceu confiante dentro do jipe.

Depois de vinte minutos, ele decidiu falar:

— Uma adolescente e uma velha... onde vocês estão com a cabeça pra tentar mexer com a gente?

— Vocês foram massacrados pela gente, não foram? — retrucou Mariah.

— Vocês são covardes, nos pegaram desprevenidos, por trás e com um armamento super mortal. Num confronto justo, vocês não dariam nem pro cheiro.

— Situação justa? Olhe ao seu redor, imbecil. O que importa é sobreviver.

— E você loirinha, não vai falar nada? Estou cansado dessa velha — provocou ele, com um sorriso arrogante.

— Você parece bem confiante pra um que tem um revólver apontado diretamente pra sua cabeça — respondeu Ella, fria. — Cala a porra da boca antes que eu te mate.

— Vai matar a única pessoa que pode te levar até a base? — zombou o veterano. — Você não pode me matar. Precisa de mim e sabe disso.

— Você é apenas um facilitador, quando o John descobrir a localização, a gente encontra. Se eu te matar, bom, realmente vai ficar mais difícil, mas não vai nos impedir de nada.

— Humph. Você é inteligente... — Ele olhou para o peito de Ella e notou o brasão de Águia. — Brasão de Águia... você é nova demais pra isso, é filha de algum Águia. Nenhum da última geração de Rubra teve uma filha, exceto Giulia Lancellotti. Estava grávida de um bebê de sexo desconhecido e por sinal, você é idêntica a ela. Deve ser a tão comentada Ella Murphy, acertei?

Ella ficou em choque do quão facilmente sua identidade podia ser descoberta.

— Sabe a cor da minha calcinha também? Senhor sabe tudo — devolveu Ella, tentando manter o controle da situação.

— Imagino que preta — respondeu ele, debochado. — Mas isso não me interessa. Sei de algo que talvez você queira saber: onde diabos foi parar o “Lobo de Korsakov”, o famoso e amado herói de Rubra, Aslan Murphy.

Assim que ouviu o nome de seu pai, Ella se exaltou. Levantou-se num salto e colocou seu revólver na testa dele.

— O que você sabe sobre meu pai? Fala! — berrou.

— Ella...

— Cala boca, Mariah. Meu assunto é com ele.

Ele sorriu satisfeito.

— Então agora eu sou importante para você? — provocou.

— Não escute ele, Ella — disse Mariah, apontando os dedos para ele como se fossem uma arma. Ele é um militar treinado, sabe como agir em qualquer situação inclusive sendo refém.

— Se me matar, nunca vai saber onde seu pai está. Não que você mereça, é uma traidora da pátria, mas o seu pai é um herói, todos devemos a ele.

Uma voz metálica saiu do bolso do militar:

— Gandía, me escuta? Mandamos um esquadrão na sua localização, aguente firme.

— Xeque-mate, garotas.

Mariah foi rápida: arrancou o walkie-talkie dele e o explodiu em sua mão.

— Vocês ouviram a mensagem? — perguntou John pelo walkie-talkie. — Peguem o militar e vão direto pra base. Achei o franco-atirador, até vocês chegarem perto, já vou ter dado conta dele.

— Ele está no último andar do prédio — disse o militar mais novo, com a arma de John em sua nuca. — Eu fiz o que você pediu, agora me deixe ir.

— Qual é o seu nome? — John perguntou, engatilhando a arma.

— V-Viktor.

O militar estava tremendo. Quando alguém engatilha uma arma atrás de você, normalmente só existe um único final.

— E o seu amigo?

— S-Santiago, senhor.

— Santiago Gandía, um espanhol — disse John, mordaz. — Foi transferido pra Rubra quantos anos antes do apocalipse?

— Um... nós sempre zoamos ele falando que ele era um cara de sorte.

— Realmente... um cara de muita sorte, mas a sorte dele chegou ao fim. Última pergunta antes de eu encerrar. Qual o nome do atirador lá em cima?

— Brian F-Foster. Ele também foi transferido, era um atirador dos Estados Unidos... o melhor eles disseram.

Viktor fechou seus olhos, suas mãos tremiam. Pro seu alívio, John tirou a arma de sua nuca.

— Eu sei. Ele é o melhor por minha causa. — John puxou uma faca da cintura e num corte preciso e silencioso, rasgou a garganta de Viktor. O corpo desabou antes que ele tivesse tempo de reagir.

Sem hesitar, John subiu as escadas do prédio em ruínas numa velocidade sobre-humana. Estava realmente disposto a alcançar o atirador.

Em segundos alcançou o terraço. Lá estava ele, o franco-atirador. Encostado num parapeito com o rifle apoiado em um suporte.

— Major John Kross, quanto tempo, não é? A última vez que eu te vi... você estava morto — exclamou ele, virando-se lentamente.

Era um homem branco, cabelo raspado e uma barba curta. Seu um olhar cansado denotava noites mal dormidas.

A dogtag em seu pescoço confirmava seu nome: Brian Foster.

— Brian... é bom saber que está vivo. Sempre me perguntei qual destino o mundo teria te dado. Pelo visto, ele foi gentil com você.

— Gentil? — Brian riu, amargo. — Depois que você morreu, não... depois que você nos abandonou no meio da guerra, eu fui capturado pelos chineses. Passei anos como escravo guerra enquanto você cometia as piores atrocidades do mundo.

— Do que está falando? — John aproximou-se.

— Você me treinou bem, major. Os chineses não desperdiçariam uma pessoa com os meus talentos. Eu subi na hierarquia. Foi aí que eu comecei a investigar mais sobre sua morte, devo admitir, foi quase impossível achar você. Mas é como dizem, por mais pequenas que sejam as chances, nunca são nulas.

— Eu tive motivos para forjar minha morte. Numa situação normal, eu jamais teria te deixado naquele campo de guerra.

— Sei que teve. Depois de anos procurando, achei toda a ficha sobre o virologista John Kross: um prodígio de São Francisco, aos dezoito anos entrou como cadete na academia militar ao mesmo tempo que cursava biotecnologia. Você era um cara bem disciplinado, tenho que admitir. Formado aos vinte e dois, mestrado e doutorado depois. E aos trinta e dois você se tornou o major que eu conheci. É um currículo extenso.

— Vejo que fez a lição de casa...

— Espera, ainda tem mais. Depois dessa longa carreira, foi contratado secretamente pelo governo americano para desenvolver armas biológicas utilizando o Vazio contra a China. E isso desencadeou a guerra na qual eu fui capturado. Mas aí eu estranhei, se você apenas seguiu ordens do governo, por que forjar a própria morte? Anos depois, o vírus baseado no Vazio que você ajudou a criar foi espalhado em diversos países, inclusive nos Estados Unidos. Foi aí que caiu minha ficha: o major que eu tanto idolatrava era, na real, um bioterrorista sem lealdade nem ao próprio país de nascença. Você não imagina a decepção que tive.

— Bom, o que posso dizer... os Estados Unidos nunca foram uma nação que me agradava — John sorriu, erguendo as mãos num gesto cínico.

— Pelo visto Rubra não te agradava também... Vaskov foi dizimada pelo seu vírus.

— É, foi mesmo. Aquela cidade foi um experimento interessante.

A raiva fez a expressão de Brian fechar.

— Você sabe que eu errei aquele tiro de propósito, né? Eu nunca erro um disparo. Esperei décadas para ter essa conversa, queria olhar nos seus olhos e te perguntar: por que você fez tudo isso?

John aproximou-se de Brian lentamente — ao chegar perto, tirou seus óculos escuros.

A esclera de seu olho direito era preta, enquanto a íris irradiava um roxo profundo — o sinal claro de que ele havia se rendido às forças do Vazio.

— Eu decidi que não seria mais uma marionete do sistema. O governo me usou para desenvolver uma cura para a corrupção do Vazio, mas os engravatados enxergaram outra utilidade. Qual a forma mais fácil de alcançar a dominação global? Primeiro você cria o problema e depois oferece a cura. Eu neguei a proposta de criar um vírus pela ganância deles — então eles usaram a carta que sempre usam: ameaçaram matar toda a minha família.

— A essa altura do campeonato você quer dizer que é apenas uma vítima do sistema? Me poupe das suas mentiras, major.

— Vítima? Não, não. Eu derrubei o sistema. Fiz o que eles ordenaram, mas tentei minimizar os danos: criei uma versão atenuada. Era letal, caótica, assim como quiseram, mas era tratável se o estudassem. Eles descobriram o que eu havia feito e nesse dia eu entendi que era impossível enganar o governo. Mataram meus pais e meus irmãos na minha frente como forma de punição. Sim, eles tiraram tudo de mim, mas aí eu percebi que não tinha mais nada a perder. A consequência da escolha deles? Modifiquei o vírus que usamos na China, uma variante cem por cento letal, incurável e pelo menos três vezes mais contagiante que o sarampo. Dez milhões de baixas só nos Estados Unidos.

— Se o seu plano era derrubar o governo, por que tirar tantas vidas inocentes? Você não se vingou, apenas descontou seu ódio em civis.

— Era um preço a se pagar. Fiz o mesmo que nossa pátria: criei o problema e depois ofereceria a solução. Quanto maior o caos, maior a busca pela cura. O plano seguia conforme o planejado, só não calculei um imprevisto: a destruição da humanidade causada por um ser de outra galáxia. Imprevistos acontecem, não tinha muito o que eu pudesse fazer.

— É... no fim, nem tudo sai como o planejado. Não planejava o nosso reencontro desse jeito, mas como você disse, imprevistos acontecem — Brian murmurou, puxando uma faca de padrão militar do cinto.

— Você não acha que pode me matar, não é? — John ripostou, sacando também uma faca de padrão militar da bota direita.

— Não sei. Mas de uma coisa eu tenho certeza: você não veio até aqui somente pra conversar. Precisão é sobrevivência, foi isso que nos ensinou, major. — Brian ergueu a faca na altura dos ombros.

— Precisão é sobrevivência — repetiu John, aproximando-se com sua faca.

Um confronto mortal entre os dois estava prestes a explodir, enquanto Ella e Mariah seguiam pela mata densa com Gandía rendido, levando-as até a base, ou, a uma possível armadilha.

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora